Compreendendo o Lazer Objetivo • Ter contato com os diferentes conceitos sobre o lazer e contextualizar o mesmo. 1. Introdução ao Lazer O lazer está na "ordem do dia". Nas reivindicações de moradores de determinados bairros, nas propostas de candidatos a cargos públicos, nos títulos das revistas, nas seções dos jornais e em muitas situações da vida cotidiana, a palavra lazer vem aparecendo com muita freqüência. É um termo carregado de preconceitos, muitas vezes relacionando-o com algo supérfluo, sem importância. O uso indiscriminado da palavra lazer traz uma necessidade de tentar precisá-lo com discussões que contribuam para o seu entendimento na vida cotidiana de todos nós (MARCELLINO, 1991). Existem tendências no âmbito mundial, como o próprio conceito de "qualidade de vida" da Organização Mundial de Saúde (OMS) que inclui o lazer como condição importante para a promoção da qualidade de vida. Ao mesmo tempo em que as pessoas compreendem a importância do mesmo, não realizam esforços para o aumento do tempo livre, necessário para a prática do lazer. A palavra lazer vem do latim "licere" e significa ser lícito, ser permitido. O que podemos observar de interessante é que outra palavra, sempre colocada como oposto ao lazer, o "trabalho", tem sua origem também no latim na palavra "tripalium" que identifica um tipo de instrumento de tortura de animais com um formato de três pontas. Com isso, talvez possamos refletir o porquê sempre separamos aos extremos o lazer do trabalho. 2 Alguns autores identificam o lazer enquanto fenômeno social subproduto do trabalho, uma vez que após a revolução industrial, o tempo passa a ser determinado pelo trabalho e com isso, o lazer ocupa um espaço de tempo reservado após o tempo de trabalho. Pesquise e faça uma reflexão sobre o texto "O Futuro do Trabalho", de Domenico de Masi. 2. Lazer enquanto Tempo e Atitude Não existe consenso entre os estudiosos sobre o que é LAZER. Estes estudiosos, tanto brasileiros como americanos, franceses, ingleses, entre outros, costumam considerar dois aspectos para conceituar a palavra LAZER: o tempo e a atitude/ estado de espírito. O lazer enquanto TEMPO considera o tempo liberado das obrigações, não só das profissionais, mas também das escolares, familiares, sociais, políticas e religiosas. Neste caso teríamos vários "tempos" de lazer. O tempo de lazer diário seria considerar às 24 horas do dia e subtrair as horas gastas com o trabalho, as outras obrigações, as necessidades fisiológicas, o que sobraria seria o tempo livre. Dentro deste tempo livre, temos o tempo de lazer, pois como veremos adiante, não podemos considerar apenas o TEMPO, para definir um momento de lazer, mas também a atitude, a vontade de querer se divertir. Há ainda o fim de semana, os feriados, as férias, e aposentadoria. Porém, não é considerado tempo de lazer o tempo gasto no transporte, nas necessidades fisiológicas, e, ainda, do grevista e do desempregado. Neste último porque tempo de lazer supõe a existência do trabalho e, também porque a pessoa não escolheu estar nesta situação e, sim porque o sistema econômico não tem condições de gerar trabalho. Seria então considerado tempo desocupado. 3 Vamos refletir sobre a equação abaixo descrita por alguns autores como a equação do cálculo do Tempo Livre: Tl (tempo livre) = Tt (tempo total) - Ttr (tempo de trabalho) - Tnb (tempo de necessidades básicas) - Tos (tempo de obrigações sociais). Para alguns de vocês esta equação talvez tenha resultado negativo! Para estes autores este tempo pode ainda ser preenchido com algumas atividades em que o indivíduo tem um grau de liberdade maior do que teria nas obrigações (serão comentadas mais tarde). Os autores defensores do aspecto "tempo" alertam ainda que, nem todas as atividades realizadas neste tempo livre podem ser chamadas de atividades de lazer. Para que jogar futebol, pescar, ir ao cinema, viajar, fazer artesanatos, cuidar das plantas, dançar, ir a festas, por exemplo, sejam consideradas atividades de lazer é necessário que elas preencham algumas características ou propriedades que serão escritas mais adiante. O outro aspecto, a ATITUDE / ESTADO DE ESPÍRITO, ou o lazer como um estilo de vida depende exclusivamente da relação da pessoa com aquilo que ela gosta de fazer. É uma maneira de exercer as atividades da vida com prazer: uma maneira de trabalhar, de exercer as obrigações familiares, os engajamentos políticos, religiosos. Uma maneira que valoriza o prazer em todas as atividades, de tal forma que o indivíduo tem sempre a impressão de exercer "livremente" e com prazer as atividades da vida. Neste caso, qualquer atividade poderia ser lazer desde que atendesse a estas características: a escolha pessoal e um nível de prazer elevado. Neste 4 caso, independe do tempo, ou seja, qualquer "coisa" pode ser considerada lazer. O ideal seria combinar estes dois aspectos, pois considerar só o tempo ou só a atitude podemos provocar uma série de equívocos. Só considerar a atitude e afirmar que trabalho é lazer, por exemplo: sabemos que isto seria possível somente para uma parcela mínima da população (não chega a 1% - artistas, empresários, cientistas, etc) que podem escolher "ganhar a vida" com algo prazeroso. Para a maioria da população a "obrigação", o "ter que fazer" está presente não só no trabalho, mas nas outras atividades familiares, os compromissos sociais, religiosos, etc. Por outro lado, considerar somente o aspecto tempo traz uma série de interrogações: por exemplo, como poderiam ser consideradas as atividades desenvolvidas no tempo em que o trabalhador se desloca do trabalho para a casa, por exemplo, a leitura? Como considerar as atividades prazerosas realizadas durante o tempo do trabalho (o cobrador de ônibus que enquanto trabalha ouve música, o porteiro de um prédio que enquanto trabalha assiste televisão) e mesmo durante as obrigações familiares? 3. Conceitos sobre o lúdico Para exemplificar, veja alguns conceitos de lazer formulados por importantes profissionais da área: LAZER: "conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou ainda para desenvolver sua formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais". Joffre Dumazedier (foto), 1980; sociólogo francês que mais teve influência no Brasil nos estudos do lazer LAZER: "cultura vivenciada (praticada ou fruída) no tempo disponível. O traço definidor é o caráter desinteressado desta vivência. Não se busca, fundamentalmente outra recompensa além da satisfação provocada pela situação. A disponibilidade de tempo significa possibilidade de opção pela atividade prática ou contemplativa". Nelson Carvalho MARCELLINO, 1987; sociólogo brasileiro, professor e pesquisador da UNIMEP 5 LAZER: “é estar de bem com a vida". Antonio Carlos BRAMANTE, 1991, ex-professor da UNICAMP, atual professor da UNISO Universidade de Sorocaba, SP. Este autor já possui um novo conceito que considera o aspecto tempo também. "O lazer se traduz por uma dimensão privilegiada da expressão humana de um tempo conquistado, materializada através de uma experiência pessoal criativa, de prazer e que não se repete no tempo/espaço, cujo eixo principal é a ludicidade. Ela é enriquecida pelo seu potencial sociabilizador e determinada, predominantemente, por uma grande motivação intrínseca e realizada dentro de um contexto marcado pela percepção de liberdade. É feita por amor, pode transcender a existência e, muitas vezes, chega a aproximar-se de um ato de fé. Sua vivência está relacionada diretamente às oportunidades de acesso aos bens culturais, os quais são determinados, via de regra, por fatores sócio-político-econômico e influenciados por fatores ambientais." Antônio Carlos BRAMANTE (foto), 1998. "O lazer é produto de uma revolução social ao mesmo tempo técnica e ético-estética"."A situação atual do lazer questiona uma educação centrada na escola". "Esse fenômeno moderno do lazer leva, necessariamente, a uma reconceituação do espaço urbano e regional". Luiz Octávio de Lima Camargo, prof Doutor em Ciências Sociais em Sorbonne França. Autor do Livro Educação para o lazer. 6 Básicas BRUHNS, Heloisa Turini (org.). Temas sobre lazer. Campinas, Autores Associados, 2002. CAMARGO, Luiz O de Lima. O que é lazer. São Paulo: Brasiliense, 1989. ____________. Educação para o lazer. São Paulo: Moderna, 2ª edição, 2000. Complementares DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia empírica do lazer. São Paulo: Perspectiva, 1978. CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia, 1980. 7 8