"Enquanto o aborto não for um direito das brasileiras, esta será uma bandeira permanente da UNE" Agosto 2008 A União Nacional dos Estudantes (UNE) realiza, de 11 de agosto a 27 de novembro, a Caravana UNE: Saúde, Educação e Cultura, na qual a entidade incluiu a Campanha pela Legalização do Aborto, lançada pela UNE após um intenso debate sobre a mudança da lei para garantir às mulheres o direito ao aborto seguro e impedir retrocessos nas conquistas dos direitos sexuais e reprodutivos. A Caravana percorrerá 41 universidades públicas e privadas nos 26 estados brasileiros ao longo dos próximos quatro meses. A iniciativa, inédita e feita em parceria com o Ministério da Saúde, vem se somar ao movimento de mulheres na luta para que o aborto deixe de ser crime e possa ser realizado nos hospitais públicos, com segurança e respeito. Nesta entrevista exclusiva para o Ipas – que realizou, em parceria com a UNE, o seminário “Direitos reprodutivos e aborto: ferramentas de advocacy para a juventude”, de 18 a 20 de julho, no Rio de Janeiro – a presidente da UNE, Lúcia Stumpf, destaca a importância da discussão do tema com a sociedade brasileira, fala de como a entidade quer potencializar a Campanha pela Legalização do Aborto e critica a pressão contrária dos setores conservadores ao Projeto de Lei 1135, que descriminaliza o aborto. Acompanhe. Por Evanize Sydow A UNE incluiu a Campanha pela Legalização do Aborto na Caravana da Saúde. Como vocês lidam com esse tema e como chegaram a essa iniciativa? Acreditamos que a luta pela legalização do aborto possui dois aspectos: um é o grave problema de saúde publica que representa a criminalização do aborto, o outro é o debate mais relacionado à questão de ser um direito das mulheres poderem interromper uma gravidez indesejada se assim o quiserem. Os abortamentos são uma realidade independentemente do que diga o nosso Código Penal. A criminalização, longe de diminuir o seu número, só faz com que as mulheres (especialmente as pobres) recorram a métodos inseguros para abortar, gerando a 3ª causa de mortalidade materna no Brasil. São inúmeras meninas, jovens, que tinham uma vida inteira para viver, entrar na Universidade etc, que são impedidas por não terem sua decisão de interrupção da gravidez respeitada (veja abaixo dados sobre aborto inseguro em mulheres de 15 a 19 anos). Sendo a UNE uma entidade eminentemente juvenil, não podíamos mais ignorar uma das maiores causas de mortes entre jovens mulheres no nosso país e aprovamos, como resolução congressual, que é uma bandeira dos estudantes brasileiros a campanha pela legalização do aborto. Surgiu então a idéia de realizar a Caravana UNE: Saúde, Educação e Cultura, para tratar de temas relacionados à saúde pública e juventude, então pensamos que não haveria ensejo melhor para discutir o tema com o conjunto da sociedade. Mas a idéia é que seja uma campanha específica que caminhe também paralelamente à Caravana. Enquanto o aborto não for um direito das brasileiras, esta será uma bandeira permanente da UNE. Como vocês pretendem potencializar a Campanha na Caravana? Preparamos uma cartilha específica sobre o tema para ser amplamente distribuída durante a Caravana. Realizaremos debates nas universidades, exibiremos filmes e documentários sobre o tema, realizaremos atividades culturais, tudo numa perspectiva de mostrar os vários aspectos que a questão suscita. E demonstrando que a legalização é a melhor saída para ela. Como você avalia o seminário realizado em parceria com o Ipas? Você acha que foi produtivo para se avançar na Campanha pela Legalização do Aborto da UNE? Achei muito produtivo! É imprescindível formarmos e darmos instrumentos, base argumentativa, para as pessoas que querem discutir este tema, bastante polêmico. Sabemos que são ditas inúmeras mentiras sobre o aborto e, muitas vezes, os defensores da legalização se sentem desguarnecidos de argumentos. As informações não chegam até nós. Acho que foi um aprendizado muito grande para todas que participaram, inclusive para mim, e será de grande valia para a batalha que se aproxima nas universidades, onde, certamente, haverá grupos contrários à legalização do aborto organizados, defendendo suas posições. Creio que, após o seminário, teremos condições de qualificar mais o debate e desmascarar aqueles que se dizem defensores da vida, mas que na verdade apóiam (alguns talvez até sem saber) a morte de milhares de mulheres. O tema aborto passou a fazer parte da pauta da UNE na criação da diretoria de Mulheres, em 2003. De lá para cá, quais os avanços que vocês tiveram nessa discussão? Esse é um tema muito presente na organização? Este tema vem ganhando força com o tempo. Hoje já há um entendimento bastante grande por parte do conjunto da diretoria da UNE de que esta deve ser uma bandeira central da nossa entidade, que não podemos mais fechar os olhos para a grande injustiça que é a criminalização das mulheres que abortam. Já havia sido resolução congressual anteriormente, mas nunca havíamos materializado em uma campanha com material próprio, mobilização estudantil etc. A idéia agora é botar esta campanha da UNE nas universidades, capilarizar nossa luta e amplificar nosso poder de mobilização. Somente com ampla mobilização social conseguiremos democratizar a legislação retrógrada vigente no nosso país. Estamos em meio à votação do PL 1135, que descriminaliza o aborto, mas que enfrenta uma pressão contrária muito forte dos setores conservadores. Como a UNE tem acompanhado esse processo e como você o analisa? Lastimamos profundamente a derrota do PL tanto na CSSF (Comissão de Seguridade Social e Família) quanto na CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania). Nos manifestamos, inclusive, através de uma nota, que a grande mídia não repercutiu. Acredito que este também seja um fator importante, a mídia dá uma cobertura muito enviesada ao tema, não mostrando os vários aspectos envolvidos. A verdade é que ao lutar pela legalização do aborto estamos combatendo um lobby fortíssimo no Congresso e que muitos parlamentares, com medo de perderem votos, não comprarão esta briga. Achei muito ruim o fato de muitas argumentações serem de natureza absolutamente religiosa, quando estamos em um Estado laico! Acredito que somente organizando a luta, conscientizando a população, e travando este debate no seio da sociedade conseguiremos alavancar positivamente este processo nas Casas Legislativas. Vocês estão promovendo alguma iniciativa - além da própria Caravana, que dá visibilidade ao tema - para pressionar o Congresso no sentido da aprovação do PL? Pautamos para 25 de setembro um Dia de Mobilização pela Legalização do Aborto. Além dos debates e outras atividades nas universidades. Como será a Caravana? Por onde ela passará, por quanto tempo, qual é o objetivo, qual a dimensão dela? A Caravana começa no dia 11 de agosto, data em que se comemora o Dia do Estudante, partindo do Rio de Janeiro. O lançamento ocorrerá no terreno da UNE e da UBES, na Praia do Flamengo, 132. Durante o evento serão realizadas várias atividades e intervenções culturais. Seu principal objetivo é realizar, em 41 universidades públicas e privadas nos 26 estados do País e no Distrito Federal, debates sobre saúde, educação e cultura, com foco na realidade da juventude brasileira, além de elaborar propostas para políticas públicas que atuem de maneira mais eficiente nessas áreas. Discutiremos a legalização do aborto, o SUS, álcool e violência no trânsito, uso de drogas etc. O encerramento acontecerá no dia 27 de novembro, em Brasília (DF). Obrigada pela entrevista. Taxas anuais de aborto inseguro por 1.000 mulheres de 15 a 19 anos (na adolescência) Entre as adolescentes de 15 a 19 anos a distribuição geográfica aponta para as Regiões Norte e Nordeste como as que apresentam maiores riscos de aborto inseguro, junto com o Distrito Federal e os Estados do Mato Grosso do Sul e do Rio de Janeiro. O abortamento é uma das principais causas da mortalidade materna. Nas regiões mais carentes, como o Norte e o Nordeste do Brasil, é grande o índice de mortes decorrentes do aborto inseguro e os serviços de saúde pública registram como o segundo procedimento obstétrico mais realizado nas unidades de internação, a curetagem pós-abortamento. O grande número de abortos inseguros que produzem agravamentos à saúde da mulher, resultam em complicações físicas, infecções, infertilidade e até mesmo na morte. Entre as causas de mortalidade materna, as mulheres pretas e pardas estão submetidas a uma proporção maior de óbitos por dois grupos que deveriam ser mais facilmente preveníveis: 1-Edema, proteinúria e transtornos hipertensivos na gravidez, no parto e no puerpério, e 2-Gravidez que termina em aborto. Quando examinamos as taxas de mortalidade materna se evidencia o risco adicional a que estão submetidas as mulheres pretas, que apresentam para todas as causas uma taxa de 77,9 óbitos/100.000 Nascidos Vivos, enquanto para as brancas esta taxa é de 38,2 óbitos/100.000 Nascidos Vivos. A gravidez que termina em aborto, como causa de mortalidade materna, apresenta um diferencial de taxas bem evidente: 9,4 óbitos/100.000 Nascidos Vivos entre as pretas e 3,2 óbitos/100.000 entre as brancas.