Uma experiência pioneira no Brasil: a criação de uma rede de apoio aos médicos dependentes de álcool e drogas. Um relatório preliminar Rev. Bras. Psiquiatr. v.29 n.3 São Paulo set. 2007 Estudo associa dependência química e transtornos mentais entre médicos atendidos pela Rede de Atendimento da Unifesp Fonte: Thiago Romero /Agência Fapesp http://inovabrasil.blogspot.com/ Um levantamento feito com 192 médicos atendidos pela Rede Estadual de Apoio a Médicos Dependentes Químicos, criada em 2002 pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), apontou que 130 (67,7%) dos indivíduos apresentaram associação entre transtorno mental e dependência química. A dependência de álcool e drogas foi verificada em 40 pacientes (20,8%), transtornos mentais em 15 (7,8%) e desgaste ou exaustão em oito indivíduos (4,2%). A taxa de desemprego da amostra foi de 21,6%, ou seja, quase 78,4% dos indivíduos atendidos pela rede exerciam profissões em diferentes especialidades médicas. Os médicos foram atendidos pela rede no período de maio de 2002 a maio de 2006. “Até muito recentemente, era tabu dizer que os médicos tinham transtornos mentais pelo fato de, eventualmente, usarem drogas. Mas é preciso destacar que eles também ficam doentes por usar esse tipo de substância, seja lícita ou ilícita”, disse Ronaldo Laranjeira, um dos autores da pesquisa e coordenador da rede. “Paradoxalmente muitos médicos são negligentes com a própria saúde.” Para o estudo, cujos resultados foram publicados na Revista Brasileira de Psiquiatria, foram realizadas entrevistas clínicas para diagnóstico de comorbidade psiquiátrica (a coexistência de transtornos ou doenças e a dependência de álcool e drogas). Do total de pacientes analisados, 158 (82,3%) eram homens com idade média de 42 anos, sendo a maioria (107 ou 55%) casados. O trabalho mostra ainda que o intervalo médio entre a identificação da dependência pelos médicos usuários e a busca de tratamento foi de 7,5 anos. Problemas no exercício profissional foram verificados em 122 (63,5%) indivíduos e 26 (13%) estavam com problemas no Conselho Regional de Medicina. “Grande parte dos processos que chegam aos conselhos regionais de todo o país envolve médicos que usam drogas, sobretudo álcool, maconha e cocaína, ou que têm algum tipo de problema mental”, explica o também pesquisador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) e professor adjunto do departamento de Psiquiatria, ambos da Unifesp. “Problemas relacionados à indisposição com os pacientes e ausência dos médicos em consultas também são freqüentes nesses casos”, afirma. Só para efeito de comparação, na Inglaterra, por exemplo, segundo Laranjeira cerca de 90% dos casos que chegam aos conselhos de medicina são relacionados ao uso de drogas. Médico se automedica De acordo com o estudo feito na Unifesp, que foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a automedicação foi verificada em 138 (71,8%) dos pacientes atendidos pela rede no período analisado. “Como a maioria dos médicos estudados não era psiquiatra, podemos dizer que, em tese, quem se automedicou acabou usando a dose errada ou até o medicamento inadequado. A automedicação, normalmente realizada com calmantes, torna-se parte do problema e não da solução. A proposta da rede é justamente institucionalizar esse problema com o oferecimento de uma via especial de cuidados a esses médicos”, explicou Laranjeira. A Rede Estadual de Apoio a Médicos Dependentes funciona por meio de contatos telefônicos feitos pelos próprios médicos dependentes ou familiares. Dependendo da gravidade do problema, em menos de 36 horas é agendada uma consulta com os psiquiatras voluntários que atendem em 20 cidades do Estado de São Paulo. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 5575-1708. Laranjeira calcula que, só no Estado de São Paulo, existam mais de 100 mil médicos no exercício da profissão. “Com esse grande contingente de profissionais é de se esperar que a incidência de doenças entre eles seja semelhante à da população em geral. Uma proporção equivalente de adoecimentos entre médicos e outros profissionais já foi relatada em estudos internacionais”, disse. Para ler o artigo Uma experiência pioneira no Brasil: a criação de uma rede de apoio aos médicos dependentes de álcool e drogas, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.