Uma Experiência da Relação Professor-Aluno e Variedades Textuais na Educação de Jovens E Adultos. Margarete Fátima Pauletto Sales e Silva1 Ana Arlinda Oliveira2 1. Introdução Este artigo pretende narrar uma experiência na Educação de Jovens e Adultos do segundo segmento, em Rondonópolis - Mato Grosso, quanto ao desenvolvimento da leitura e da escrita, por meio de diversidade de gêneros textuais e também como a relação professor-aluno interferiu neste processo de aprendizagem. Para tanto, nos embasamos em alguns estudiosos da linguagem que deram sustentação ao trabalho pedagógico que desenvolvi em sala de aula. O primeiro estudioso concebe que “A apropriação dos gêneros textuais é um mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas humanas” (BRONCKART, 1999, p. 103). O segundo propõe que “[…] a fonte de maior valor na educação de adulto é a experiência do aprendiz. Se a educação é vida, vida é educação. Aprendizagem consiste na substituição da experiência e conhecimento da pessoa. Aprendemos o que fazemos, pois a genuína educação manterá o fazer e o pensar juntos. A experiência é o livro vivo do aprendiz adulto” (LINDMAN, 1926, p. 9). O terceiro pressuposto está em Bakhtin e afirma que “A riqueza e a variedade de gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa”.(BAKHTIN, p.279) Um quarto estudioso afirma “Ler textos que circulam socialmente é também agir como cidadão, ou seja, é responder à perguntas que devem ser feitas pelos leitores, buscar respostas para elas, isto é, interagir socialmente, pois a leitura não pára na esfera da compreensão, vai muito além, uma vez que tem conseqüências sociais imediatas. Nesse sentido, vale dizer que ler o que circula socialmente é também agir socialmente” (MARCONDES, ET ALIII, 2000, p. 13). Um momento importante para nossa formação foi a oportunidade de participar do Projeto Eterno Aprendiz da SEDUC/MT, no qual experimentamos novas alternativas do trabalho pedagógico com os gêneros textuais. É, portanto, com a perspectiva da recriação da prática pedagógica que apresentamos este relato de experiência; uma como professora orientadora e a outra como professora que exerce a docência em EJA. 1 2 Mestranda do PPGE – UFMT - Cuiabá Profª. Drª. Orientadora do GEPLL/PPGE – UFMT – Cuiabá – MT. 2. Pressupostos Teóricos da EJA – Leitura e Escrita “É certo que a alfabetização é ainda uma idéia emblemática no campo da educação de adultos, pelo menos nos países que ainda enfrentam sérios problemas de déficit educacional. Mas foi exatamente nesse campo que se geraram com pioneirismo, proposições teóricas e práticas que ampliaram a idéia de alfabetização para além do mero aprendizado das letras” (RIBEIRO, 2005, p. 10). As questões de leitura e escrita emergem pela necessidade imposta de compreensão e vivência social e Paulo Freire propôs a leitura da palavra e do mundo para jovens e adultos. Atualmente, as discussões sobre a oralidade e a cultura escrita vêm se intensificando gerando um conceito multidimensional de alfabetismo que “focaliza principalmente as práticas sociais em que a leitura e a escrita se realizam e que abarca não só sua aprendizagem inicial, mas diversos níveis e tipos de habilidade cognitiva” (RIBEIRO, 2005, p. 11). A questão da educação de pessoas jovens e adultas nos remete a uma especificidade cultural e fomenta discussões sobre políticas educacionais que envolvem a adequação escolar, currículos, programas, formação e métodos de ensino para que haja sintonia entre a escola e os alunos jovens e adultos que dela se servem. Como diz Mortatti, no Brasil, muitas têm sido as dificuldades para que se efetive plenamente o direito do cidadão de aprender a ler e a escrever, como uma das formas de inclusão social, cultural e política e de construção da democracia. Entretanto também são muitas as iniciativas governamentais na busca de saldar com urgência uma dívida histórica do Brasil com seus filhos, evidenciando a persistência tanto do complexo problema do analfabetismo quanto de tentativas de solução centradas na também histórica relação entre alfabetização, escola e educação. De fato afirma Mortatti ainda é preciso aprender a ler e escrever, mas a alfabetização, entendida como aquisição de habilidades de mera decodificação e codificação da linguagem escrita e as correspondentes dicotomias analfabetismo x alfabetização e analfabeto x alfabetizado não bastam… mais. É preciso, hoje, também saber utilizar a leitura e a escrita de acordo com as contínuas exigências sociais, e esse algo mais é o que vem designando de “letramento” (2004, p. 34). Para Álvaro Vieira Pinto o educando adulto é antes de tudo um membro atuante da sociedade. Não apenas por ser um trabalhador, e sim pelo conjunto de ações que exerce sobre um círculo de existência, o adulto analfabeto é um elemento freqüentemente de alta influência na comunidade. Por isso é que se faz tão imperioso e lucrativo instruí-lo (1984, p. 83). Então é evidente que se necessita aprender os elementos básicos do saber letrado que se configura como saber para o mais saber. Mas isto não basta, é preciso que se abram as portas para o saber significativo, que permita o exercício da cidadania. Assim o papel fundamental do Educador de Jovens e Adultos “é praticar uma método crítico de educação de adultos que dê ao aluno a oportunidade de alcançar a consciência crítica instruída de si e de seu mundo” (PINTO, 1984, p. 84). Uma das formas possíveis e enriquecedoras para o trabalho profissional na EJA que realmente consiga contribuir para o letramento é a aplicação da grande variedade textual (verbal e não-verbal) usados em diferentes situações e com objetivos diversos. Nos jovens e adultos os saberes acumulados dos educandos devem ser matéria-prima do processo de aprendizagem. O diálogo, o respeito, a valorização dos saberes contribuirão para a elevação da auto-estima e crença na capacidade de aprender. Para isto é preciso concordar com o que diz Lindman “(…) nenhum outro, senão o humilde pode vir a ser um bom professor de adultos”. 3. Objetivos • Contribuir para a prática pedagógica de educadores de jovens e adultos. • Socializar educativas na EJA. uma experiência para enriquecimento das práticas 4. Relato da Experiência As experiências adquiridas e vividas no dia-a-dia escolar numa sala de jovens e adultos são ímpares e somente quem as vive pode relatá-las com profundidade. Os anseios de um educando que, por inúmeras razões retorna à escola depois de muitos anos afastados dos afazeres escolares, em detrimento dos afazeres da sobrevivência, embora já adulto, são depositados nas práticas pedagógicas do professor que exerce a docência. A auto-estima, que deve ser trabalhada diariamente em sala, é de fundamental importância para a permanência destes que, timidamente, retornam aos bancos escolares, com a garra e a vontade de se formarem para “ser alguém na vida”. Relato aqui, na íntegra, um fato citado por Barcelos (2006) “Primeiro dia de aula. O aluno recém-chegado à escola – já um pouco atrasado para o primeiro período – encontra, no corredor da entrada, uma professora e pergunta: ___ Professora, sou aluno da alfabetização noturna, onde fica minha sala de aula? A professora devolve a pergunta com outra: ___ Que série você está cursando meu rapaz? ___ Eu sou da turma dos que não sabem nada… sou da turma dos burros. ___ Há… então sua sala é lá no final do corredor, a última porta virando à direita. ___ Muito obrigado, professora – disse o jovem. O rapaz saiu apressado, como tinha chegado, e faceiro por ter achado rápido a sala onde estudavam os que não sabiam NADA… os BURROS (!)”. (BARCELOS, 2006, p. 41). Assim como esta história também eu ouvi, muitas vezes, meus alunos dizendo que “não adiantava”, que “não iam aprender”, que “eram burros velhos”. Com muita paciência e otimismo aproveitava estas falas para trabalhar a autoestima. Contava minha história pessoal de estudo, que não fora nada fácil, mas que quando queremos muito tudo é possível. Os sete anos vividos lado a lado dos jovens e adultos, adentrando vagarosamente em suas vidas, já que os mesmos permitem e contam com esta participação, me fizeram despertar os melhores sentimentos possíveis sobre a Educação e o que ela significa na vida das pessoas. Como professora de Língua Portuguesa me sinto responsável direta na luta pela autonomia numa sociedade competitiva em que se precisa do domínio tecnológico e, acima de tudo, o domínio da comunicação nas mais diversas situações: Como ser um cidadão com inclusão plena numa sociedade capitalista sem o domínio das inúmeras possibilidades de comunicação? Assim sendo, no inicio de 2006, após cinco anos atuando como coordenadora de jovens e adultos e depois de muitas leituras e participação em seminários referentes a esta modalidade de ensino, não seria possível iniciar meu trabalho sem antes realizar um diagnóstico com o objetivo de conhecer melhor os meus alunos. Apliquei um instrumento diagnóstico denominado “ficha de identificação” que permitiu o levantamento do perfil dos educandos que seriam a razão do meu trabalho do decorrer daquele ano. Neste instrumento descobri a faixa etária de cada turma, que se mostrou bastante heterogênea, entre 15 e 53 anos, o que demonstra ser este um dos instrumentos mais ricos que o professor de jovens e adultos tem em mãos: As experiências e as aprendizagens trazidas por cada aluno socializando com o outro. Cada palavra proferida em sala pode ter um impacto relevante na vida dos alunos. Lembro-me aqui as palavras de Paulo Freire (1985) “educar-se é um processo que se dá em um contexto histórico, político, ideológico. Enfim, é um processo permeado pela cultura de um tempo e de um lugar. Por outro lado, sabemos que as relações entre os seres vivos em geral, e entre os seres humanos em particular, é uma troca de significados e de experiências”. Esta troca precisa ser presença constante numa sala de EJA. Também neste instrumento diagnóstico indaguei sobre as expectativas dos educandos quanto ao retorno para a sala de aula, sendo que a maioria respondeu que estava sem estudar há muitos anos devido a fatores externos, principalmente econômicos, mas também pessoais, como o caso de várias alunas que alegaram sua volta à escola devido à separação, pois até então eram proibidas de estudar, pelos maridos. Por meio das respostas foi possível perceber que as expectativas quanto ao retorno à sala de aula eram muitas. Mas a mais importante era o crescimento profissional e a melhoria do salário. Ou seja, a busca pela inclusão, por uma vida melhor trouxeram estes jovens e adultos de volta para as salas de aula. Mas e daí, como fazer para que estes alunos permaneçam na escola? Para Barcelos, e também para mim, pois concordo com a idéia deste autor quando diz “uma inclusão que mereça este nome exige muito mais que trazer de volta à escola aqueles e aquelas que dela um dia foram excluídos(as). Há que ir além. Há que construir uma cultura e uma gestão dos espaços escolares e educativos que num primeiro momento acolham e, a seguir, criem condições de atenção e de cuidado capazes de conquistar, seduzir aqueles(as) que nela chegaram, tendo sempre presente que esta pode ser a última tentativa dessas pessoas de retornarem à escola”. (BARCELOS, 2006, p…). Com este pensamento, indaguei aos alunos sobre suas necessidades de aprendizagem na disciplina de Língua Portuguesa. Suas respostas foram relevantes para a organização das competências e habilidades a serem desenvolvidas naqueles educandos de maneira a proporcionar a superação dos problemas bem como a atuação cidadã no dia-a-dia, pois a maioria respondeu que gostaria de aprender “a falar e escrever melhor”. Minha prática diária sempre trazia em mente aquilo que dizem os Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC, 1998, p. 48) […] “a escola deve assumir o compromisso de procurar garantir que a sala de aula seja um espaço onde cada sujeito tenha o direito à palavra reconhecida como legítimo, e essa palavra encontre ressonância no discurso do outro. Trata-se de instaurar um espaço de reflexão em que seja possibilitado o contado efetivo de diferentes opiniões, onde a divergência seja explicitada e o conflito possa emergir, um espaço em que o diferente não seja nem melhor nem pior, mas apenas diferentes e que, por isso mesmo, precise ser considerado pelas possibilidades de reinterpretarão do real que apresenta um espaço em que seja possível compreender a diferença como constitutiva dos sujeitos”. Assim sendo, diariamente em minhas aulas priorizava a leitura compartilhada, em que cada aluno responsabilizava-se por trazer para a sala, com cronograma pré-fixado, um texto para ser socializado com a turma. Também eu trazia leituras diferenciadas de jornais, revistas, mensagens, visões de autores sobre assuntos da atualidade… Estas leituras proporcionaram momentos de reflexões riquíssimos tanto desta educadora quanto dos educandos e, ao mesmo tempo, possibilitaram a superação de alguns alunos quanto à leitura oral. Também realizei um trabalho com gêneros textuais diversificados que vinham de encontro das especificidades do processo de construção e de apropriação do conhecimento dos meus alunos reais, a partir de suas características, de seus interesses, de suas motivações e de suas aspirações. Com cada gênero diferenciado eram feitas atividades de identificação do gênero, objetivos para leitura de cada texto apresentado com as possibilidades de interpretação e produção textual. 5. Resultado Posso afirmar que neste ano, as experiências e as aprendizagens foram significativas. Muitos alunos superaram na oralidade, na leitura e na escrita, e, conforme, depoimentos orais e comparando textos produzidos no início e no final do ano, meu trabalho foi importante para o desenvolvimento dessas habilidades. Concluí o ano com uma sensação maravilhosa de realização profissional, com a aquisição de grandes amigos, companheiros, cúmplices que, com certeza, jamais se apagarão da minha vida, pois quando os encontro, a recíproca é verdadeira. Tenho certeza que nestes dois anos de afastamento para qualificação profissional em nível de mestrado abrirão mais e melhores horizontes para cumprir com o meu papel de educadora apaixonada pela Educação de Jovens e Adultos. Também servirão para a socialização de experiências e aprendizagens ímpares, contribuindo assim, como cidadã, com a missão de ajudar a pagar a dívida social brasileira de forma produtiva e enriquecedora, proporcionado a inclusão social daqueles que são a razão maior do meu trabalho, os jovens e adultos. Instrumento denominado Ficha de Identificação aplicado no início de 2006 Fragmentos das respostas do aluno Eliel para a Ficha de Identificação “[...] voltei a estudar para concluir o ensino fundamental e o médio e depois fazer uma faculdade, pois já tenho 30 anos e to muito atrasado, e também quero mudar de profissão pois a minha atual não me traz segurança futura.” “[...] Queria muito me aperfeiçoar em interpretação de texto, redação,(que eu gosto muito), na minha escrita e pronúncia” Texto produzido pelo aluno Eliel no final de 2006 “ Rondonópolis. 15 de Dezembro de 2006 Que bom saber que hoje é o último dia de aula, não porque vou ficar em casa sem fazer nada, mas porque consegui vencer mais um ano, mais uma fase na sala de aula depois de oito anos sem estudar. Posso afirmar que não foi fácil conciliar meu trabalho e estudo, e essa foi uma das razões que me fizeram desistir das outras vezes, mas a principal delas era a falta de objetivo e determinação que tracei para minha vida desde que retomei meus estudos. O que mais me motivou foi a nova forma de ensino e de avaliação do aluno ( EJA ), a atenção e compreensão de cada professor, mas particularmente quero destacar uma grande professora, não em tamanho físico (RISOS...), mas em competência, atenção e dedicação que ela teve com cada aluno. Posso dizer que aprendi muito com você “Margarete” e por ser esta minha matéria preferida tive mais facilidade em assimilar o que você nos ensinou. Ex: produção textual, pontuação, verbos, etc. Mas muito além do conhecimento gramático aprendi também a me superar em vários aspectos de minha vida, através de você professora, tenho certeza que vou chegar numa faculdade e você foi uma das propulsoras até que eu chegue lá. Vou terminar agradecendo a Deus e a você por tudo e que Deus abençoe você e sua família.” ELIEL B. DE ALCÂNTARA 1ª Fase do 2º Segmento 6. Bibliografia BARCELOS, Valdo. Formação de Professores para Educação de Jovens e Adultos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 33ª ed. São Paulo: Paz e Terra S/A, 2006. ______. Pedagogia do Oprimido. 41ª ed. São Paulo: Paz e Terra S/A, 2005. MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Educação e Letramento. São Paulo: UNESP, 2004. (Coleção Paradidáticos; Série Educação). OLIVEIRA, Marta Kohl de. Jovens e Adultos como Sujeitos de Conhecimento e Aprendizagem. In: RIBEIRO, Vera Masagão (Org). Educação de Jovens e Adultos: novos leitores, novas leituras. Campinas, Sp: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil – ALB; São Paulo: Ação Educativa 2001. (Coleção Leituras no Brasil).