UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
LAVAGEM DE DINHEIRO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA LEI 9613/98
E A PROBLEMÁTICA DO CRIME ANTECEDENTE
ACADÊMICA: EVELYSE NICOLE CHAVES
DE AMORIM
São José (SC), junho de 2007.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
LAVAGEM DE DINHEIRO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA LEI 9613/98 E A
PROBLEMÁTICA DO CRIME ANTECEDENTE
Monografia apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob
orientação do Prof. Msc. Andréas Eisele.
ACADÊMICA: EVELYSE NICOLE CHAVES
DE AMORIM
São José (SC), junho de 2007.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
LAVAGEM DE DINHEIRO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA LEI 9613/98 E A
PROBLEMÁTICA DO CRIME ANTECEDENTE
EVELYSE NICOLE CHAVES DE AMORIM
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em
Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
São José, junho de 2007.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Prof. Msc. Andreas Eisele
- Orientador
_______________________________________________________
Prof.
- Membro
_______________________________________________________
Prof.
- Membro
DEDICATÓRIA
Primeiramente, dedico este trabalho aos meus avós Maria, José e Bartolomeu, que
deram a vida aos dois seres mais especiais e importantes da minha vida, e lhes ensinaram, tão
dignamente, a arte de viver e amar.
Aos meus pais, Dulce e Lourival, pessoas únicas, que sempre estiveram ao meu lado
em cada passo de minha história, encorajando-me a viver todos os dias da forma mais
honesta, solidária e feliz possível.
Ao meu irmão Felipe, por me ensinar a ceder, dividir e compartilhar tudo que tenho
com quem precisa mais.
Ao meu namorado Jean, que me mostrou o verdadeiro amor, fazendo-me realmente
acreditar que as diferenças podem somar.
À minha melhor amiga Daniela, que esteve sempre presente em minha vida apoiandome e ajudando-me a ser uma pessoa melhor.
À todas as pessoas que cruzaram o meu caminho, e que permanecendo ou não, de
alguma forma acrescentaram algo melhor em mim.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais Dulce e Lourival Amorim, por todo amor, apoio e
ensinamentos carinhosamente dados ao longo dessa jornada.
Ao meu namorado Jean, pelo amor, suporte, incentivo e compreensão por minha
ausência nesse último semestre do curso e auxílio no abstract.
À minha amiga Graziella pela ajuda na elaboração do resumen.
Aos meus amigos da UNIVALI, em especial Eduardo e Leandra, pela grande ajuda e
companheirismo ao longo de todo o curso de Direito.
Aos meus amigos da UFSC, principalmente Célia, Fernanda, Sílvia, Sandro, Cristiane
e Ana do Curso de Ciências Contábeis, pela ajuda com as matérias e toda força e apoio para
que eu conseguisse manter ambos os cursos ao mesmo tempo.
À minha tia Rosana, competente bibliotecária do Tribunal de Justiça, que gentilmente
tanto contribuiu para a realização dessa pesquisa, separando e fornecendo muitas das obras
citadas nesse trabalho.
Ao meu padrinho e grande advogado constitucionalista, Leoberto Baggio Caon, pelas
conversas informais acerca do tema, que certamente contribuíram no desenvolvimento desta
monografia.
Ao honrado Procurador de Justiça Paulo Antônio Günther, atual Subprocurador-Geral
do Ministério Público, pelos ensinamentos cedidos ao longo desses três anos de estágio, bem
como pelo auxílio e colaborações para a realização dessa monografia.
Ao Doutor Gilberto Callado de Oliveira, ilustre Procurador de Justiça, quem iniciou a
orientação desse trabalho e que por motivos de estudo no exterior precisou se ausentar.
Ao meu orientador Mestre Andreas Eisele, digno Promotor de Justiça, por toda
paciência, atenção, auxílio e pelas imensuráveis contribuições feitas para a concretização
desse trabalho.
“A injustiça, senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o
bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no
coração das gerações que vêm nascendo a semente da
podridão, habitua os homens a não acreditar senão na
estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a
desonestidade, promove a venalidade [...] promove a
relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas
formas.” (Rui Barbosa)
SUMÁRIO
1
1.1
1.2
1.2.1
1.2.2
1.3
1.3.1
1.3.2
1.3.3
1.4
1.4.1
1.4.2
1.4.3
1.5
1.6
2
2.1
2.2
2.2.1
2.2.2
2.2.3
2.2.4
2.2.5
2.2.6
2.2.7
2.2.8
2.3
2.3.1
2.3.2
2.3.3
2.3.4
2.3.5
2.3.6
RESUMO .........................................................................................................
ABSTRACT......................................................................................................
EXTRACTO.....................................................................................................
LISTA DE ABREVIATURAS........................................................................
LISTA DE EXPRESSÕES LATINAS...........................................................
INTRODUÇÃO................................................................................................
A HISTÓRIA, ORIGEM, CONCEITUAÇÃO E FASES DA LAVAGEM
DE DINHEIRO E OS REFLEXOS DA LAVAGEM NO SISTEMA
ECONÔMICO NACIONAL...........................................................................
BREVE HISTÓRICO........................................................................................
A EXPRESSÃO LAVAGEM DE DINHEIRO E A SUA CONCEITUAÇÃO
A Lavagem de Dinheiro e as Organizações Criminosas..............................
Os principais ramos do Crime Organizado...................................................
TIPIFICAÇÃO LEGAL.....................................................................................
O bem jurídico tutelado...................................................................................
Sujeitos do Delito..............................................................................................
A natureza econômica da lavagem de dinheiro.............................................
AS FASES DA LAVAGEM DE DINHEIRO...................................................
A Ocultação......................................................................................................
A Dissimulação.................................................................................................
A Integração.....................................................................................................
OS RAMOS MAIS VISADOS NAS OPERAÇÕES DE LAVAGEM DE
DINHEIRO........................................................................................................
OS REFLEXOS DA LAVAGEM NO SISTEMA ECONÔMICO
NACIONAL.......................................................................................................
9
10
11
12
13
14
17
UMA ANÁLISE MATERIAL E PROCESSUAL DA LEI N.º 9.613/98.....
A ORIGEM E EVOLUÇÃO DA LEI N.º 9.613/1998 .....................................
DOS CRIMES DE LAVAGEM OU OCULTAÇÃO DE BENS, DIREITOS
E VALORES......................................................................................................
Tráfico Ilícito de Entorpecentes......................................................................
Terrorismo e seu Financiamento....................................................................
Contrabando ou Tráfico de Armas................................................................
Extorsão Mediante Seqüestro.........................................................................
Contra a Administração Pública....................................................................
Contra o Sistema Financeiro Nacional..........................................................
Praticado por Organização Criminosa..........................................................
Praticado por particular contra a Administração Pública Estrangeira.....
OUTRAS FORMAS DERIVADAS DE CRIMES DE LAVAGEM E
DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES SOBRE AS PENAS..........................
A tentativa e o aumento de pena.....................................................................
A Colaboração Espontânea.............................................................................
Disposições processuais especiais....................................................................
Ação Penal e Procedimento.............................................................................
Autonomia do Processo...................................................................................
Juízo Competente.............................................................................................
35
35
36
17
19
20
22
23
24
26
27
27
28
29
30
31
32
38
39
40
41
42
44
44
45
46
49
51
52
53
54
55
A Denúncia........................................................................................................
A Constitucionalidade, ou Inconstitucionalidade, e Contradição da não
aplicação do art. 366, do CPP.........................................................................
2.3.9 Da Fiança e da Liberdade Provisória.............................................................
2.3.10 Das Medidas Assecuratórias...........................................................................
2.3.11 Da Inversão do Ônus da Prova e o Pedido de Restituição...........................
2.3.12 Da Ordem de Prisão e da Apreensão e Seqüestros dos Bens.......................
2.4
DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO...............................................................
2.5
A CRIAÇÃO DO CONSELHO DE ATIVIDADES FINANCEIRAS..............
55
56
3
A PROBLEMÁTICA DO CRIME ANTECEDENTE E A
RELEVÂNCIA DO COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO..............
O CRIME ANTECEDENTE.............................................................................
LIMITAÇÃO DO ROL TAXATIVO DOS CRIMES ANTECEDENTES.......
O crime de tráfico de seres humanos.............................................................
Os crimes contra a ordem tributária..............................................................
O jogo do bicho.................................................................................................
INDÍCIOS SUFICIENTES DO CRIME ANTECEDENTE PARA O
OFERECIMENTO DA DENÚNCIA................................................................
A DIFICULDADE DE PROVA DO CRIME ANTECEDENTE......................
O sigilo bancário...............................................................................................
Os paraísos fiscais............................................................................................
O dinheiro eletrônico e as operações na Internet..........................................
A falta de integração da Polícia, do MP e da Justiça e a carência de
apoio técnico especializado..............................................................................
A RELEVÂNCIA DO COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO...............
65
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................
ANEXO - A.......................................................................................................
A 1: Pesquisa sobre a abrangência da Lei 9613/98.......................................
A 2: Pesquisa sobre a aplicabilidade da Lei 9613/98....................................
A 3: Pesquisa sobre a constitucionalidade da Lei 9613/98...........................
ANEXO – B.......................................................................................................
B 1: O Mapa mundi do crime organizado.....................................................
B 2: As organizações criminosas com presença no Brasil............................
B 3: Os paraísos fiscais....................................................................................
B 4: As principais origens do dinheiro lavado...............................................
B 5: Os principais destinos do dinheiro lavado.............................................
84
87
92
93
95
98
101
102
103
104
105
106
2.3.7
2.3.8
3.1
3.2
3.2.1
3.2.2
3.2.3
3.3
3.4
3.4.1
3.4.2
3.4.3
3.4.4
3.5
57
58
60
61
62
63
65
67
69
70
72
73
74
76
79
80
82
82
9
RESUMO
A lavagem de dinheiro é um processo detalhado e dinâmico, aonde o agente criminoso,
através de várias ações, torna aparentemente lícito o dinheiro proveniente dos crimes
anteriores. É através dessa atividade criminosa que o crime organizado e outros infratores,
tiram proveito do produto do delito. Com o intuito de reprimir a atuação criminosa, em 1988,
após uma reunião da ONU, foi criada a Convenção de Viena sobre o tráfico de entorpecentes
e substâncias psicotrópicas. O Brasil veio a ratificar a Convenção de Viena, em 26 de junho
de 1991, comprometendo-se a tipificar o crime de lavagem de capitais. A posição brasileira
foi adotar a legislação de lavagem de dinheiro de segunda geração, que estabelece um rol de
crimes antecedentes. Os crimes antecedentes encontram-se listados no artigo 1°, da Lei n.º
9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro), são eles: tráfico ilícito de substâncias entorpecentes
ou drogas afins; contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua
produção; extorsão mediante seqüestro; contra o Sistema Financeiro Nacional; contra a
Administração Pública; praticado por organização criminosa; terrorismo e seu financiamento,
e; crime praticado por particular contra a administração pública estrangeira. Em decorrência
do rol taxativo dos crimes antecedentes não abrangerem todos os crimes lesivos à ordem
sócio-econômica, necessária uma urgente modificação desse rol, para alcançar outros crimes
graves que ficaram excluídos da Lei de Lavagem de Dinheiro. Pesquisas apontam como
graves, os impactos da lavagem de valores no Brasil e no mundo, e os reflexos da ação do
crime organizado mostram-se cada vez mais evidentes e assustadores. Pelo que será
demonstrado, constatar-se-á que o crime de reciclagem de valores aparece como uma ameaça
à estabilidade da economia global, urgente por isso, aperfeiçoar a legislação vigente no
sentido de combater com maior eficiência a lavagem de dinheiro.
Palavras-chave: Lavagem de Dinheiro. Crime Organizado. Crime Antecedente. Lei n.
9.613/98.
10
ABSTRACT
Money laundering is a very intricate and dynamic process where the criminal agent – over a
series of actions – apparently ‘makes licit’ money obtained from other criminal activities. The
organized crime and other violators benefit from the outcome of this illegal operation.
Looking forward to inhibit money laundering, the United Nations have sponsored the 1988
Vienna Convention Against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances.
Brazil ratified this Convention on June 26th, 1991, committing to characterize the crime in the
country. Since then, it has adopted the concept of ‘second generation’ money laundering,
which determines a list of anterior crimes. These anterior crimes are listed on Article 1, Law
n. 9,613/98 (Money Laundering Act): illicit traffic of narcotics or similar drugs; smuggling or
trafficking of firearms, ammunition, or materials destined to its production; extortion by
means of kidnapping; crimes against the National Treasury; crimes against the Public
Administration; crimes executed by criminal organizations; terrorism and its financing; and,
crimes committed by private persons against the foreign public administration. The limitative
list of anterior crimes does not contemplate all harmful crimes to the social-economic order,
reason why it is necessary its urgent alteration, so that other grave unmentioned crimes by the
Money Laundering Act can be contemplated. According to researches the impacts of money
laundering are severe not only in Brazil, but all over the world; its reflexes are more evident
and frightful. As it will be demonstrated, money laundering constitutes a threat to the global
economy; it is urgent, then, the improvement of the legislation in order to combat more
efficiently this crime.
Key-words: Money laundering. Organized Crime. Anterior Crimes. Law n. 9.613/98.
11
RESUMEN
El blanqueo de dinero es un proceso detallado y dinámico, donde el agente criminal, a través
de varias acciones, convierte el dinero proveniente de los crímenes anteriores en dinero
aparentemente lícito. Es a través de esta actividad criminal que el crimen organizado y otros
infractores sacan provecho del producto del delito. Con el objetivo de reprimir la actuación
criminal, en 1998, después de una reunión de ONU, ha sido creada la Convención de Viena
acerca del tráfico de estupefacientes y sustancias psicotrópicas. Brasil ha ratificado la
Convención de Viena, el 26 de junio de 1991, comprometiéndose a tipificar el crimen de
blanqueo de capitales. La posición brasileña he sido de adoptar la legislación de blanqueo de
dinero de segunda generación, que establece un rol de crímenes antecedentes. Los crímenes
antecedentes se encuentran listados en el artículo 1°, de la Ley n.º 9.613/98 (Ley de Blanqueo
de Dinero), son los siguientes: tráfico ilícito de sustancias estupefacientes o narcóticos afines;
contrabando o tráfico de armas, municiones o material destinado a su producción; extorsión
mediante secuestro; contra el Sistema Financiero Nacional; contra la Administración Pública;
practicado por organización criminal; terrorismo y su financiación, y; crimen practicado por
particular contra la administración pública extranjera. En recurrencia de que el rol taxativo de
los crímenes antecedentes no abarca todos los crímenes lesivos a la orden socio-económica, es
necesario un cambio urgente en este rol, para alcanzar otros crímenes graves que quedaron
excluidos de la Ley de Blanqueo de Dinero. Investigaciones apuntan como graves los
impactos del blanqueo de valores en Brasil y en el mundo, y los reflejos de la acción del
crimen organizado se muestran cada vez más evidentes y asustados. Por lo que será
demostrado, se lo verá que el crimen de reciclaje de valores aparece como una amenaza a la
estabilidad de la economía global, urgente por eso, perfeccionar la legislación vigente en el
sentido de combatir con mayor eficiencia el blanqueo de dinero.
Palabras-clave: Blanqueo de dinero. Crimen organizado. Crimen antecedente. Ley n.º
9.613/98.
12
LISTA DE ABREVIATURAS
AJURIS - Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul
BACEN – Banco Central do Brasil
CEJ – Centro de Estudos Judiciários
CF – Constituição Federal
CICAD - Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas
COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras
CP – Código Penal
CPMF - Contribuição Provisória de Movimentação ou Transmissão de valores, crédito e de
direitos de natureza Financeira.
CPP – Código de Processo Penal
MP – Ministério Público
CVM – Comissão de Valores Mobiliários
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos
EUA – Estados Unidos da América
FATF - Financial Action Task Force
FMI - Fundo Monetário Internacional
GAFI - Grupo de Ação Financeira sobre lavagem de dinheiro
IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário
INCS – incisos
LC – Lei Complementar
MP – Ministério Público
OEA - Organização dos Estados Americanos
ONU - Organização das Nações Unidas
PIB – Produto Interno Bruto
RBCCRIM – Revista Brasileira de Ciências Criminais
RT – Revista dos Tribunais
STF – Supremo Tribunal Federal
TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo
13
LISTA DE EXPRESSÕES LATINAS
Abolitio criminis - Extinção do crime. Abolição do crime.
Bis in idem - Duas vezes a mesma coisa, repetição. Incidência duas vezes sobre a mesma coisa.
Caput - Cabeça. Cabeça de artigo que inclui parágrafos, itens ou alíneas.
Exempli gratia - Por exemplo. O mesmo que verbi gratia (v.g.) ou (e.g).
In dubio pro reo - A dúvida interpreta-se a favor do acusado. Em dúvida a favor do réu.
Inaudita altera pars - sem ouvir a outra parte - ocorre nas liminares.
Nomem juris ou nomem iuris - Nome de direito. Título do crime. O termo técnico do direito.
Nullum crimen, nulla poena sine legge - Não há crime, nem pena sem lei anterior que os
defina.
Numerus clausus - Número limitado.
Persecutio criminis - Persecução criminal. Perseguição do crime.
Probatio diabólica - Prova diabólica. Prova impossível. Prova dificultosa.
14
INTRODUÇÃO
A lavagem de dinheiro é a atividade fim do crime organizado, com ela os criminosos
transformam o dinheiro ‘sujo’, advindo de suas atividades ilícitas, em um dinheiro
aparentemente legal, de forma a evitar qualquer comprometimento com a origem criminosa
dos ativos.
É a lavagem de dinheiro que possibilita a validação dos recursos obtidos de maneira
ilícita, e como conseqüência, viabiliza e garante a sobrevivência de grande parte da
criminalidade, motivo pelo qual esse fenômeno deve ser estudado para ser efetivamente
combatido.
O método de abordagem utilizado nesse trabalho será o indutivo, no qual as análises
das características dos fenômenos particulares servirão de base a conclusões de caráter
genérico.1
A técnica de pesquisa utilizada para a obtenção de dados será a pesquisa
bibliográfica, feita a partir de documentação direta e indireta. Quanto à análise e interpretação
dos resultados, a pesquisa terá caráter qualitativo, tentando oferecer uma apreciação global
sobre as conclusões que a investigação propiciou.
Primeiramente, no trabalho em apreço, será feita uma análise a respeito da origem e
da conceituação da lavagem de dinheiro. Em seguida, será realizado um breve exame acerca
da ligação do crime organizado com a lavagem de capitais.
Após as primeiras considerações acerca da lavagem de dinheiro, estudar-se-á os
sujeitos do crime, o bem jurídico tutelado, a natureza econômica do delito e a sua tipificação.
Para compreender melhor o fenômeno da lavagem de dinheiro serão estudadas cada
uma das suas 3 (três) fases (ocultação, dissimulação e integração), bem como, feita uma
análise dos principais ramos utilizados na aplicação dos recursos provenientes desse crime.
Por ser um tema de atual relevância e grande preocupação, serão expostos os reflexos
da reciclagem de valores no sistema econômico nacional.
1
Ainda que do ponto de vista lógico-formal o método de abordagem escolhido seja o indutivo, é preciso,
contudo, não ignorar que, como salienta Silvio Luiz de Oliveira, “a dedução e a indução, tal como síntese e
análise, generalizações e abstrações, não são métodos isolados de raciocínio e pesquisa. Eles se completam na
realidade e só são separados para efeito de estudo e facilidade didáticas. A conclusão estabelecida pela indução
pode servir de princípio – premissa maior – para a dedução, mas a conclusão da dedução pode também servir de
princípio de indução seguinte – premissa menor –, e assim sucessivamente”. OLIVEIRA, Silvio Luiz de.
Tratado de Metodologia Científica. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1999. p. 63.
15
Na segunda parte do trabalho será analisada a origem e evolução da Lei n.º 9.613, de
3 de março de 1998. Em seguida, far-se-á uma breve análise crítica dos capítulos: “Dos
Crimes de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores”, “Disposições Processuais
Especiais” e “Dos Efeitos da Condenação”, correspondentes aos artigos 1 o a 7o, da Lei de
Lavagem de Dinheiro.
Na parte referente ao capítulo “Dos crimes de Lavagem ou Ocultação de Bens,
Direitos e Valores”, será examinado cada crime antecedente, e posteriormente, serão tecidos
comentários sobre os principais dispositivos processuais da Lei n.º 9.613/98.
As outras formas de crimes de lavagem de dinheiro e as disposições complementares
sobre as penas também serão examinadas. Importantes comentários a respeito dos aumentos
de pena, da colaboração espontânea, da ação penal e do procedimento, da autonomia do
processo, do juízo competente, dos requisitos da denúncia, da constitucionalidade e
contradição a respeito da não aplicação do art. 366, do CPP, além da proibição da fiança e da
liberdade provisória e das medidas assecuratórias constantes na Lei n.º 9.613/98, serão
realizados.
Outros comentários foram feitos acerca da inversão do ônus da prova, da ordem de
prisão e da apreensão e seqüestro dos bens de origem ilícita, bem como, os efeitos específicos
da condenação por lavagem de dinheiro.
Para concluir o segundo capítulo, será examinado o Conselho de Atividades
Financeiras (COAF), que tem por finalidade disciplinar, aplicar penas administrativas,
receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas.
No último capítulo dessa monografia serão feitas observações no tocante a
problemática dos crimes antecedentes, principalmente no que concerne ao rol taxativo
constante na Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998.
Com a finalidade de melhor entender o motivo da existência do rol taxativo dos
crimes antecedentes serão examinadas as legislações sobre a lavagem de dinheiro de primeira,
segunda e terceira geração, originárias da Convenção de Viena de 1988.
Serão apontados no presente trabalho alguns crimes essenciais que ficaram excluídos
da lista dos crimes antecedentes e defendida a adoção da legislação de lavagem de dinheiro de
terceira geração.
Algumas problemáticas relacionadas à dificuldade probatória do crime de reciclagem
de capitais e do crime antecedente, além da relevância da batalha contra esse crime, também
serão objeto dessa pesquisa, que tem por finalidade fornecer sugestões para aumentar a
eficácia da Lei n.º 9.613/98, como passo em direção ao combate da lavagem de dinheiro.
16
Como principais obstáculos à comprovação dos crimes de lavagem de dinheiro, serão
destacados o sigilo bancário, os paraísos fiscais, o dinheiro eletrônico e as operações na
internet e a falta de integração da Polícia, do Ministério Público e da Justiça, bem como, a
falta de apoio técnico especializado aos membros desses órgãos.
Por perceber que o crime organizado tem escrito uma das maiores histórias de
sucesso empresarial que o mundo já viu, e em decorrência da lavagem de dinheiro ser a
propulsora desse mal, urge estudar a fundo esse problema, no sentido de coibir os criminosos
e resguardar a sociedade, motivo esse que estimulou o presente estudo.
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a origem do capital a ser
lavado, verificar como é o funcionamento da lavagem de dinheiro, demonstrar a origem e a
evolução da lavagem de dinheiro na história, e por fim, analisar a lei 9613/98.
Como objetivos específicos, o estudo buscará analisar os principais obstáculos para
comprovação dos crimes de lavagem de dinheiro, além de analisar a problemática dos crimes
antecedentes constantes na lei, bem como apontar modificações para tornar mais eficaz a
legislação brasileira, para tratar com maior eficiência esse problema mundial.
17
1 A HISTÓRIA, ORIGEM, CONCEITUAÇÃO E FASES DA LAVAGEM DE
DINHEIRO E OS REFLEXOS DA LAVAGEM NO SISTEMA ECONÔMICO
NACIONAL
No primeiro capítulo do presente trabalho se fará uma analise da origem e da
conceituação da lavagem de dinheiro, além de um breve estudo a respeito da sua ligação com
o crime organizado. Para melhor entender esse fenômeno criminal, serão observadas as fases
da lavagem de dinheiro, bem como os principais ramos de aplicação dos recursos
provenientes desse crime e seus reflexos no Brasil.
1.1 BREVE HISTÓRICO
Existem diferentes entendimentos acerca do surgimento da lavagem de dinheiro no
mundo. Uma das teorias, trazida por Mandinger e Zalopany, é a de que a história da lavagem
de dinheiro iniciou na Inglaterra, no século XVII, através da pirataria realizada nas
embarcações. Em decorrência do alto custo na manutenção de um navio, como despesas com
a tripulação, armas, munição e outros, os piratas acabavam saqueando e roubando os demais
navios. Esses autores, citados por Marcelo Batlouni Mendroni, acreditavam que os piratas
depositavam as mercadorias roubadas com respeitados mercadores americanos, que
realizavam a troca dessas mercadorias por moedas mais caras. Acreditava-se que a integração
desses valores ou mercadorias se daria no momento em que o pirata resolvia se aposentar.
Com isso, os piratas aportavam com uma verdadeira fortuna, que aparentava ser oriunda de
realização de negócios legítimos.2
Já a utilização da expressão ‘lavagem de dinheiro’ parece ter sido adotada na década
de 1920, nos Estados Unidos da América – EUA. Peter Lilley afirma que nessa época,
quadrilhas compravam lavanderias e empresas do tipo lava-rápido, aonde a circulação de
recursos era muito veloz.3
2
Cf. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Tópicos essenciais da lavagem de dinheiro. São Paulo, Revista dos
Tribunais, v. 787, p. 479-489, maio 2001. p. 480.
3
Cf. LILLEY, Peter. Lavagem de dinheiro: negócios ilícitos transformados em atividades legais. Tradutor:
Eduardo Lassere. São Paulo: Futura, 2001. p. 16 apud ELIAS, Sérgio Nei Vieira. Lavagem de dinheiro:
criminalização, legislação e aplicação ao mercado de capitais. 2005. f. 58. Monografia (Pós-Graduação na área
de regulação do mercado de capitais) – Instituto de Economia. Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 09.
18
Denise Frossard leciona que a expressão surgiu em Chicago, nos anos 20, do século
XX, quando o famoso Al Capone adentrou no ramo de lavanderias de roupas para explicar a
imensa fortuna obtida com seus negócios ilegais.4
Com a intenção de imporem certas ‘sugestões’ aos estabelecimentos bancários, foi
criada a Recomendação R(80) 10, que surgiu para vigiar as vantagens obtidas por criminosos,
adotada pelo Comitê de Ministros do Conselho da Europa, em 27 de junho de 1980.5
Desde 1986, o tráfico de tóxicos exibe-se como crime prévio à lavagem de capitais e
no mês de abril do mesmo ano, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou o
Programa Interamericano de Ação do Rio de Janeiro, contra o uso, produção e tráfico de
drogas narcóticas e substâncias psicotrópicas. Ainda em 1986, os EUA editaram a Money
Laundering Act Control, tipificando a conduta como criminosa.6
No dia 20 de dezembro, do ano de 1988, após uma reunião da Organização das
Nações Unidas (ONU), na Áustria, foi criada a Convenção de Viena sobre o tráfico de
entorpecentes e substâncias psicotrópicas. Necessário destacar que a lavagem de capitais
estava, de início, ligada, principalmente, ao crime de tráfico de tóxicos. Roberto Podval aduz
que durante a Convenção de Viena foi expressada profunda preocupação com a questão do
narcotráfico, ressaltando que o comércio ilegal de tóxicos não mostra-se apenas uma ameaça à
saúde, como também às bases da cultura, economia e política da sociedade, além de arriscar
as economias lícitas, a segurança, a estabilidade e, até mesmo, a soberania estatal.7
Roberto Podval, ainda salienta que:
O Brasil ratificou a Convenção em 26 de junho de 1991, comprometendo-se a
criminalizar a lavagem de capitais oriunda do tráfico ilícito de entorpecentes, tendo
estendido o rol de delitos prévios, seguindo o exemplo de outras legislações. A
coordenação de nosso Projeto Legislativo ficou a cargo de Nelson Jobim e a
comissão foi composta por Francisco Assis de Toledo, Miguel Reale Jr., Vicente
Grecco Filho e René Ariel Dotti.8
Além da Convenção de Viena de 1988, tiveram outros marcos históricos para o
Brasil e para o mundo, na luta contra a lavagem de dinheiro, como: “As quarenta
recomendações sobre lavagem de dinheiro da Financial Action Task Force – ou Grupo de
4
Cf. FROSSARD, Denise. A lavagem de dinheiro e a Lei brasileira. Revista Magister de Direito Penal e
Processual Penal, Porto Alegre, n. 1, p. 22-30, ago./set. 2004, p. 23.
5
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de Dinheiro: A tipicidade do crime antecedente. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 43.
6
Cf. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Tópicos essenciais da lavagem de dinheiro, p. 483.
7
Cf. PODVAL, Roberto. Comentários do debatedor sobre a Lei n.º 9.613/98. In: FRANCO, Alberto Silva
(Coord.); Stoco, Rui (Coord.). Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial. 7. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001. v. 2. p. 2098.
8
PODVAL, Roberto. Comentários do debatedor sobre a Lei n.º 9.613/98. In: FRANCO, Alberto Silva (Coord.);
Stoco, Rui (Coord.). Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, p. 2098.
19
Ação Financeira sobre lavagem de dinheiro (GAFI/FATF)”, de 1990, revisadas em 1996; a
“Elaboração pela Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD)” e
apropriação pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) do
“Regulamento Modelo sobre Delitos de Lavagem Relacionados com o Tráfico Ilícito de
Drogas e Outros Delitos Graves”, de 1992; o “Comunicado Ministerial da Conferência da
Cúpula das Américas sobre os Procedimentos da Lavagem e Instrumentos Criminais”, em
Buenos Aires, no ano de 1995, e; a “Declaração Política e o Plano de Ação contra Lavagem
de Dinheiro”, adotados na sessão especial da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1998,
na cidade de Nova Iorque.9
1.2 A EXPRESSÃO LAVAGEM DE DINHEIRO E A SUA CONCEITUAÇÃO
Janice Agostinho Barreto Ascari esclarece, que existem diversas denominações
utilizadas no direito estrangeiro como traduções de ‘lavagem de dinheiro’, as mais utilizadas
são: money laundering, riciclaggio del denaro, blanchiment de l’argent, lavado de ativos,
blanqueo de activos e, lavado de dinero. No entanto, o legislador preferiu, no Brasil, o nomem
iuris “crimes de lavagem” ou “ocultação de bens, direitos e valores”.10
Os motivos para a escolha da expressão ‘lavagem de dinheiro’ foram em decorrência
da antiga consagração popular e para evitar conotações racistas. A palavra ‘lavagem’,
originária da língua francesa, passou a ser empregada, em nosso país, utilizando o mesmo
sentido de lavar, tornar limpo, retirar a sujeira, por tal expressão adaptar-se às convenções da
língua portuguesa e ao mercado financeiro.11
Constata-se que a lavagem de dinheiro faz jus a importantes considerações por 2
(dois) principais motivos. Primeiramente, porque permite que criminosos continuem suas
atividades delituosas, tornando possível o acesso aos lucros provenientes dessas atividades
ilícitas. Outro motivo é a desmoralização dos estabelecimentos financeiros, que pode gerar
uma desconfiança pública nas instituições.12
9
Cf. Receita Federal. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Cartilha sobre Lavagem de Dinheiro.
Disponível em: <https://www.fazenda.gov.br/coaf/portugues/ publicacoes/cartilha.htm)>. Acesso em: 18 set.
2006.
10
Cf. ASCARI, Janice Agostinho Barreto. Algumas notas sobre a lavagem de ativos. Revista Brasileira de
Ciências Criminais. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 45, p. 215-223, out./dez. 2003, p. 215
11
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: A tipicidade do crime antecedente. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 33.
12
Cf. SANTOS, Léa Marta Geaquinto dos. O desafio do combate à lavagem de dinheiro. Revista de
Informação Legislativa, Brasília, ano 42, n. 166, p. 221-231, abr./jun. 2005. p. 222.
20
Partindo da definição mais corriqueira, a lavagem de dinheiro seria o conjunto de
operações financeiras ou comerciais que tem como finalidade incorporar na economia, bens,
direitos e valores originários do crime, sob a aparência de capital lícito.
Celso Sanchez Vilardi conceitua a lavagem de capitais como:
A lavagem de dinheiro é o processo no qual o criminoso busca introduzir um bem,
direito ou valor oriundo de um dos crimes antecedentes na atividade econômica
legal, com a aparência de lícito (reciclagem). Este processo, em regra, é formado por
três etapas distintas: a da ocultação, em que o criminoso distancia o bem, direito ou
valor da origem criminosa; a etapa da dissimulação, através da qual o objeto da
lavagem assume aparência de lícito, mediante algum tipo de fraude; e a etapa da
reintegração: feita a dissimulação, o bem, direito ou valor reúne condições de ser
reciclado, ou seja, reintegrado no sistema, como se lícito fosse.13
Não é muito diverso o entendimento do doutrinador Luiz Flávio Gomes:
A conduta da lavagem de dinheiro está composta por um complexo de atos, uma
pluralidade de comportamentos geralmente intricados e fracionados, direcionados à
conversão de valores e bens ilícitos em capitais lícitos e plenamente disponíveis por
seus titulares. 14
Importante, também, salientar o conceito de lavagem adotado por Antônio Sérgio A.
de Moraes Pitombo: “A lavagem de dinheiro apresenta-se como atividade, quer dizer,
realização de atos concatenados no tempo e no espaço, objetivando seja atingida determinada
finalidade. Essas ações encadeadas são a ocultação, a dissimulação e a integração”.15
Nota-se, então, que a lavagem de dinheiro é um processo detalhado e dinâmico,
aonde o agente criminoso, através de ações, torna aparentemente lícito o dinheiro proveniente
dos crimes anteriores.
1.2.1 A Lavagem de Dinheiro e as Organizações Criminosas
Marco Antônio de Barros adota o conceito de ‘lavagem’ mencionando as
organizações criminosas. Tal qual:
Lavagem é o método pelo qual uma ou mais pessoas, ou organizações criminosas,
processam ganhos financeiros ou patrimoniais obtidos com determinadas atividades
ilícitas. Sendo assim, ‘lavagem’ de capitais consiste na operação financeira ou na
transação comercial que visa ocultar ou dissimular a incorporação, transitória ou
permanente, na economia ou no sistema financeiro do País, de bens, direitos ou
13
VILARDI, Celso Sanchez. O crime de lavagem de dinheiro e o início de sua execução. Revista Brasileira
de Ciências Criminais. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 47, p. 11-30, mar./2004, p. 11-12.
14
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 320.
15
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p. 36.
21
valores que, direta ou indiretamente, são resultado de outros crimes, e a cujo produto
ilícito se pretende dar lícita aparência.16
Importante perceber a ligação entre a lavagem de dinheiro e as organizações
criminosas. Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo leciona que não há como se pensar em
‘lavagem’ dissociada do crime organizado, embora tal processo possa até ser feito por um
operador outsider. Segundo o mesmo autor, os temas crime organizado e lavagem de dinheiro
aparecem sempre tão interligados “que parece impossível escrever sobre um sem analisar o
outro”.17
Detalhando mais o conceito ‘crime organizado’, observam-se várias definições hoje
utilizadas como referência, a começar pelo próprio G. Mingardi, citado por Samuel Pantoja
Lima, que escreve:
Crime Organizado Tradicional: Grupo de pessoas voltadas para atividades ilícitas e
clandestinas que possui uma hierarquia própria e capaz de planejamento empresarial,
que compreende a divisão do trabalho e o planejamento de lucros. Suas atividades se
baseiam no uso da violência e da intimidação, tendo como fonte de lucros a venda
de mercadorias ou serviços ilícitos, no que é protegido por setores do Estado. Tem
como características distintas de qualquer outro grupo criminoso um sistema de
clientela, a imposição da lei do silêncio aos membros ou pessoas próximas e o
controle pela força de determinada porção de território.18
Observa-se que o conceito de crime organizado foi discutido no Brasil na década de
1970, como analisa Percival Souza: “Na primeira semana de agosto de 1975 o tema crime
organizado surgia no Brasil pela primeira vez, durante a V Semana de Criminologia,
promovida pelo Centro de Estudos do Instituto Oscar Freire, ligado à Universidade de São
Paulo”.19
Por fim, como destaca Marcelo Batlouni Mendroni, a lavagem de capitais e as
organizações criminosas não existem separadamente, pois o sucesso de uma organização
criminosa depende do brilhantismo com que a mesma consegue ‘lavar’ o dinheiro que obtém
ilicitamente.20
16
BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo
por artigo, à lei 9613/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 92-93.
17
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: A tipicidade do crime antecedente, p. 21.
18
MINGARDI, G. O Estado do crime organizado. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 1998.
p. 82-83 apud LIMA, Samuel Pantoja. Crime Organizado e Lavagem de dinheiro: uma aplicação das teorias
dos jogos e de redes neurais para o reconhecimento e descrição de padrões. Maio/2005. f. 206. Tese (Doutorado
na área de mídia e conhecimento). Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Engenharia de
Produção de Sistemas, Florianópolis, 2005. p. 51.
19
Cf. SOUZA, Percival. Narcoditadura: O Caso Tim Lopes, Crime Organizado e Jornalismo Investigativo no
Brasil. São Paulo: Labortexto, 2002. p. 135 apud LIMA, Samuel Pantoja. Crime Organizado e Lavagem de
dinheiro: uma aplicação das teorias dos jogos e de redes neurais para o reconhecimento e descrição de padrões,
p. 68.
20
Cf. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Tópicos essenciais da lavagem de dinheiro, p. 481.
22
Diante disso, pode-se constatar que toda a organização criminosa depende e pratica a
lavagem de valores. No entanto, o contrário nem sempre acontece, porque nem todos que
lavam dinheiro são integrantes de uma organização criminosa.
1.2.2 Os principais ramos do Crime Organizado
Atualmente, sabe-se que as armas e os entorpecentes são produtos principais das
organizações criminosas, por serem os mais rentáveis e lucrativos. O impacto desses
negócios, em termos dos esquemas mundiais de lavagem de capitais ilícitos, é gigantesco. Um
dado acerca do tráfico de tóxicos, trazido por D. Coyle no trabalho de Samuel Pantoja Lima,
analisando o ano de 2002, revela um possível calibre do negócio:
O mercado mundial de drogas ilegais é famoso por ser enorme, mas seu tamanho
exato é uma questão de adivinhação, pois nem os preços nem os números de vendas
são conhecidos com precisão. Um número bastante aceito, calculado pelas Nações
Unidas, é de 400 bilhões de dólares (maior que a indústria global de petróleo),
empregando perto de 20 milhões de pessoas e servindo de 70 a 100 milhões de
consumidores. Talvez metade desses consumidores esteja nos Estados Unidos, o
maior mercado de drogas do mundo – e o maior mercado para todo o resto.21
Segundo citação de Samuel Pantoja Lima, a pesquisadora Alison Jamieson,
especialista
em
criminalidade
organizada
mafiosa,
indicou
que
cerca
de
US$
1.000.000.000.000,00 (um trilhão de dólares), oriundos de atividades criminosas, circulam
diariamente nos mercados financeiros. Diante dessa realidade, inevitável concordar com os
autores J. Arbex Junior e C. Torgnolli, citados por Samuel Pantoja Lima, que afirmam que as
máfias deixaram de ser um assunto de polícia para se tornarem uma questão geopolítica e
financeira primordiais.22
No entanto, existe diversa idéia expressa Ela Wiecko V. de Castilho:
A grande massa de ativos que circula no mercado financeiro global constitui
dinheiro dos grandes especuladores. Ao contrário do que se pensa, não tem origem
no tráfico de drogas, de armas e de seres humanos. 50% provêm da evasão fiscal
(grandes sociedades multinacionais e pessoas físicas muito ricas); 30 a 40% são
produto da corrupção de autoridades políticas; apenas de 10 a 20% são de
organizações criminosas que atuam principalmente no tráfico de drogas, armas e
seres humanos. O detalhe relevante é qualquer que seja a origem, a lavagem se faz
nos mesmos bancos.23
21
COYLE, D.. Sexo, Drogas e Economia: uma introdução não convencional a Economia do Século XXI. São
Paulo: Futura, 2003. p. 28 apud LIMA, Samuel Pantoja. Crime Organizado e Lavagem de dinheiro: uma
aplicação das teorias dos jogos e de redes neurais para o reconhecimento e descrição de padrões, p. 39.
22
Cf. ARBEX JUNIOR, J.; TORGNOLLI, C. O século do crime. São Paulo: Bontempo, 1998. p. 32 apud
LIMA, Samuel Pantoja. Crime Organizado e Lavagem de dinheiro: uma aplicação das teorias dos jogos e de
redes neurais para o reconhecimento e descrição de padrões, p. 73.
23
CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Crimes antecedentes e lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, Editora dos Tribunais, São Paulo, ano 12, n. 47, p.46-59, mar./abril 2004, p. 53.
23
Evidente que por mais que hajam discordâncias acerca dos crimes que mais
produzem o dinheiro a ser ‘lavado’, não existem dúvidas quanto a gigantesca quantidade de
valores ilícitos circulando na economia mundial e seus conseqüentes danos ao planeta.
1.3 TIPIFICAÇÃO LEGAL
No Direito, é bastante comum a criação técnica de modelos legais conseqüentes da
valoração do caso concreto. Esses modelos são chamados de tipos e possuem grande
importância e utilidade, como ressalta Miguel Reale: “Os tipos são formas de ordenação da
realidade em estruturas ou esquemas, representativos do que há de essencial entre os
elementos de uma série de fatos ou de entes que nos interessa conhecer”.24
Integra-se ao tipo, o ilícito, formando o considerado injusto, que é a chamada
conduta antijurídica. A tipicidade na lavagem de dinheiro é proveniente da valoração e exige
uma compreensão do sentido axiológico da ação concreta, para que seja considerada e aceita
como típica e antijurídica. Segundo Marco Antônio de Barros, precioso lembrar:
Que a Lei 9613/98 não se limitou a ditar preceito que se vincule exclusivamente à
tipificação do crime de lavagem de dinheiro. É mister reconhecer que ela supera
esta terminologia comum, pois o legislador não se ateve à descrição de apenas uma
única figura delituosa, mas sim à de várias [...]. Diante desta constatação, por via da
qual se observa a existência de um tipo penal formado por vários núcleos, ou seja,
redigido de tal forma que permite declarar a configuração da infração por mais de
um modo, não há falar tão-somente em crime de ‘lavagem de dinheiro’, mas sim em
‘crimes de lavagem’.25
Segundo Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, para a aplicação do artigo 1º, da Lei
n.º 9.613/98, não é necessário apenas a uma operação lógica, pela qual limita-se apenas a
verificar se uma situação encaixa-se à descrição abstrata do tipo. Por tais motivos a lavagem
de dinheiro foi analisada, estruturando a pesquisa, a contar do reconhecimento inicial das
condutas socialmente lesivas, passando pelo processo de elaboração do tipo legal, até a
identificação do bem jurídico penal. Diante disso, a interpretação teleológica do tipo da
24
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 57.
BARROS, Marco Antônio de. Crimes de lavagem e o devido processo legal. Revista dos Advogados de São
Paulo. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 5, n. 9, p. 235-246, jan./jun. 2002, p. 238.
25
24
lavagem de dinheiro, que vem a priorizar a ordem econômica, facilita a compreensão
axiológica, quanto à ação ilícita, praticada sobre os bens advindos do crime anterior.26
Necessário lembrar, que para uma plena compreensão da tipicidade da lavagem de
dinheiro, é preciso captar a significância do crime antecedente na estrutura do tipo penal da
lavagem e a ciência da natureza ilícita dos bens por parte do autor do crime.27
Através dessas considerações, nota-se que não é suficiente apenas ocultar os bens
para efetuar a conduta típica. Torna-se necessário ocultar ou dissimular a origem criminosa
dos bens, direitos ou valores, fazendo com que os mesmos circulem na economia, atingindo a
sociedade, não só pelos crimes de lavagem, mas também pela execução do crime antecedente
que originou os bens, direitos ou valores lavados.
1.3.1 O bem jurídico tutelado
A respeito do bem jurídico, Jorge de Figueiredo Dias aduz que o bem jurídico seria a
expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção de um certo objeto
ou bem socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso.28
José Laurindo Souza Netto, ainda assevera:
A noção de bem jurídico então, torna-se de extrema relevância como um dos
critérios principais de individualização e delimitação da matéria a ser objeto da
tutela penal [...]. Seu âmbito de atuação não se restringe ao legislador, quando da
relação dos bens a serem tutelados pela lei penal, mas se estende ao aplicador
quando da interpretação dos tipos penais.29
Ângelo Roberto Ilha da Silva afirma que: “Muito se tem discutido acerca de uma
determinação do bem jurídico no que tange aos delitos de que cuidamos [...]. Fato é que se
cuida que o delito que se cuida é pluriofensivo e o intérprete ao verificar o bem tutelado pela
lei deverá atentar para o delito antecedente [...]”.30
Roberto Podval afirma que inicialmente o combate à lavagem de dinheiro seria para
conter os traficantes de drogas, que seria o grande mal que assola o século, a intenção inicial
seria evitar que os traficantes de tóxicos obtivessem seu fim (o lucro). Portanto, para Roberto
26
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: A tipicidade do crime antecedente, p.
156.
27
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: A tipicidade do crime antecedente, p.
38.
28
Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais de Direito Penal revisadas. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. p. 63-67.
29
SOUZA NETTO, José Laurindo. Lavagem de Dinheiro: Comentários à Lei 9.613/98. Curitiba: Juruá, 1999.
p. 57.
30
SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Da Competência nos delitos de Lavagem de Dinheiro. Revista Brasileira
de Ciências Criminais, São Paulo, n. 36, p. 305-308, out. 2001, p. 305.
25
Podval, o bem jurídico tutelado seria, em princípio, o mesmo bem jurídico ofendido pelo
tráfico de entorpecentes, ou seja, a saúde pública.31
No entanto, após a ampliação da tipificação da lavagem de capitais para outros
crimes, ocorreu uma alteração do bem jurídico tutelado. Encontram-se na doutrina diferentes
correntes, quanto ao entendimento do objeto de proteção dos crimes de lavagem de valores.
Roberto Delmanto e outros doutrinadores, por exemplo, enumeram 5 (cinco)
possibilidades de bens jurídicos tutelados, como: a ordem econômica e o sistema financeiro; a
transparência e a integridade do sistema econômico-financeiro, a administração da Justiça,
ordem econômica e bens juridicamente tutelados pelo tipo penal antecedente; a administração
da Justiça, e; a eficácia do efeito genérico da condenação pelo delito antecedente. Os autores
posicionam-se, adotando, a última opção, no sentido de que a eficácia do efeito genérico da
condenação pelo crime anterior, ocorreria com o confisco do produto do crime.32
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo salienta que o bem jurídico tutelado seria o
mesmo bem jurídico protegido pelo crime antecedente, a administração da Justiça e a ordem
econômica.33
Marco Antônio de Barros, ainda salienta que:
O bem juridicamente protegido pela Lei de ‘Lavagem’ pode não ser exclusivamente
de natureza socioeconômica, pois, na medida em que o crime antecedente produza
apenas reduzida lesividade ao sistema econômico-financeiro, como sucede em órbita
individual que escapa desse gênero difuso (ex.: extorsão mediante seqüestro), a
proteção será de menor expressão, podendo até confundir-se com o justo interesse
do indivíduo de obter ressarcimento pelos danos sofridos. Logo, não se pode afirmar
que o diploma penal em estudo se limita a reprimir exclusivamente ações criminosas
compatíveis com a macro-criminalidade na atividade criminosa destinada a reciclar
capitais ilícitos, como freqüentemente ocorre em relação aos crimes praticados
contra a Administração Pública.34
Após diversas discussões acerca do assunto, a conclusão mais aceita, segundo
Roberto Podval35 e William Terra de Oliveira, é que “o bem juridicamente protegido pela lei é
a normalidade do sistema econômico-financeiro de um país”.36
31
Cf. PODVAL, Roberto. Comentários do debatedor sobre a Lei n.º 9.613/98. In: FRANCO, Alberto Silva
(Coord.); Stoco, Rui (Coord.). Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial, p. 2099.
32
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 547-552.
33
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: A tipicidade do crime antecedente, p.
72-73.
34
BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 99.
35
Cf. PODVAL, Roberto. Comentários do debatedor sobre a Lei n.º 9.613/98. In: FRANCO, Alberto Silva
(Coord.); Stoco, Rui (Coord.). Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial, p. 2099.
36
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de Capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 117.
26
Por fim, entende-se que restará afetada a ordem socioeconômica com a circulação de
bens no mercado que tenham aparência legal, mas originalmente são ilícitos, em decorrência
da natureza econômica do delito.
1.3.2 Sujeitos do Delito
Segundo o autor De Plácido e Silva, sujeito ativo “é o agente ou autor do delito, que
se indica possível sanção penal”.37
Rodolfo Tigre Maia leciona que o sujeito ativo do crime de lavagem de dinheiro
pode ser qualquer pessoa física, por se tratar de um crime comum, portanto não se exige
nenhuma qualidade especial do sujeito ativo.38
Marco Antônio de Barros, ainda ressalva que as pessoas jurídicas, em princípio, não
serão responsabilizadas por crime de lavagem, apenas haveria a responsabilidade de seu
diretor ou representante.39
Segundo William Terra de Oliveira os crimes da Lei n.º 9.613/98 podem ser
praticados por qualquer um, em razão do legislador não mencionar sujeitos ativos qualificados
e não ter requerido adjetivos especiais do agente.40
Roberto Delmanto e outros doutrinadores concordam, aduzindo que o sujeito ativo
seria qualquer pessoa, com exceção do autor, co-autor ou partícipe condenado pelo crime
antecedente.41
Caso o autor do crime de lavagem de valores seja o mesmo sujeito do crime
antecedente, há, segundo William Terra de Oliveira, um verdadeiro concurso material de
crimes, já que existem objetividades jurídicas distintas.42
O sujeito passivo, de acordo com De Plácido e Silva é “a pessoa particularmente
prejudicada, em seus bens juridicamente reconhecidos e amparados, pela prática do delito”.43
37
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 783.
Cf. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime. Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9.613/98. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 90.
39
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 100.
40
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de Capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 324.
41
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 552.
42
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de Capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 324.
43
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 783.
38
27
Para Rodolfo Tigre Maia o sujeito passivo principal é o Estado, pois a ele cabe o
monopólio da administração da Justiça, mas dependendo do crime anterior, podem existir
outros sujeitos lesados.44
1.3.3
A natureza econômica da lavagem de dinheiro
Para André Luiz Callegari, após a análise da criminalidade econômica organizada,
vê-se uma relação direta entre a criminalidade econômica e a lavagem de dinheiro.45
Conforme anteriormente salientado, na parte analisada do bem jurídico tutelado, a
lavagem de dinheiro viola valores socialmente importantes, sendo o mais aceito, a ordem
sócio-econômica.
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo assevera que:
Não é sem motivos que documentos internacionais fazem alusão às más
conseqüências oriundas da lavagem de dinheiro, à economia de vários países e ao
sistema financeiro mundial. Exibe-se suficiente leitura da Convenção de Viena,
principal fonte inspiradoras das leis sobre a matéria, para constatar que o crime
organizado e a lavagem de dinheiro afetam a economia, além de por em risco à
estabilidade, a segurança e até a soberania dos Estados. Segundo tratado
internacional, as altas somas de dinheiro provenientes do narcotráfico permitem ao
crime organizado penetrar, contaminar e corromper as estruturas dos governos; das
atividades comerciais e financeiras legítimas; e da sociedade, em todos os níveis.46
O mesmo autor ainda lembra que, além dos problemas internos sofridos, a
preocupação com o desenvolvimento econômico levou países da América Latina a olhar a
lavagem de valores como um entrave para a atração de capital estrangeiro legal e para
apresentarem-se junto aos mercados internacionais. Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo
demonstra outra preocupação, afirmando que no exercício de atividades empresariais, pessoas
do crime organizado, acabam adotando práticas que vêm a tingir a livre-iniciativa, a
propriedade, a concorrência, o consumidor, o meio ambiente, o patrimônio histórico, ou seja,
diversos aspectos de ordem sócio econômica.47
1.4 AS FASES DA LAVAGEM DE DINHEIRO
44
Cf. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime, p. 90.
Cf. CALLEGARI, André Luiz. Direito Penal Econômico e a Lavagem de Dinheiro: aspectos
criminológicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 37.
46
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: A tipicidade do crime antecedente, p. 7980.
47
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: A tipicidade do crime antecedente, p.
79.
45
28
A divisão de fases preferida pelos doutrinadores é o procedimento composto por 3
(três) fases principais.
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo salienta que a lavagem de dinheiro envolve
uma seqüência de atos concatenados no tempo e no espaço: a ocultação, a dissimulação e a
integração dos recursos.48
Raul Cervini e outros doutrinadores concordam com as 3 (três) fases, afirmando que:
En tal sentido, es necesario distinguir esquemáticamente tres fases dentro de estos
procesos: (Fase de colocación o ocultación). En esta primera fase, el ‘generador del
dinero’ pretende hacer desaparecer la ingente cantidad en metálico y em billetes
pequeños (em el caso de la droga) para evitar así lo que podríamos denominar el
‘punto de choque’ o ‘punto de estrangulamiento’ de sus actividades. En esta
instancia de ocultación se utilizan diversos canales y procedimentos, com la
paticioación instrumental, normalmente involuntária, de instituciones financieras
tradicionales y no tradicionales [...] (Fase de controle o cobertura). Em esta segunda
fase de la actividad, pretende alejar el dinero de su origen mediante superposición de
transacciones [...] (Fase de integración o blanqueo propiamente dicho). Em esta
tercera fase, una vez controlado el capital o el bien que se convierte en capital, se
desea que éstos se reviertan al mercado [...].49
Em suma, o processo de lavagem dos capitais auferidos ilicitamente pelas
organizações criminosas consiste em ocultar ou dissimular a procedência criminosa dos bens
ou valores e integrá-los à economia, conferindo a esse dinheiro aparência de origem lícita,
acima de qualquer suspeita.
Após a ocorrência das três fases, há uma reciclagem total, onde acontecem
procedimentos permanentes para apagar os rastros do dinheiro ilícito, logo após a conversão
do dinheiro ‘sujo’ em bens plenamente lícitos e ‘lavados’.
1.4.1
A Ocultação
A primeira etapa de um processo clássico de lavagem é chamada ocultação, que
segundo William Terra de Oliveira, é a primeira transformação que tem por objetivo obter
uma menor visibilidade. Nessa fase, o criminoso tem a meta de transformar o conjunto de
capitais ilícitos, em quantias manejáveis e de menor visualização, utilizando o sistema
financeiro, bancos, mercado de jóias, bolsa de valores e etc.50
48
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: A tipicidade do crime antecedente, p.
36.
49
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 81-82.
50
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 320.
29
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo conceitua e exemplifica a fase da ocultação:
Na ocultação, busca-se escamotear a origem ilícita, com a separação física entre o
agente e o produto do crime anterior. Para exemplificar, é feito o fracionamento do
capital, obtido com a infração penal, e, depois, pequenos depósitos bancários que
não chamam a atenção pela insignificância dos valores e escapam às normas
administrativas de controle, impostas às instituições financeiras [...].51
Rodolfo Tigre Maia cita alguns exemplos de ocultação de valores como depósitos em
contas correntes, aplicações financeiras, operações no mercado de capitais e transferências
eletrônicas em paraísos fiscais.52
Heloísa Beatriz Moura Wolosker afirma ainda que:
Por outro lado, constata-se que a conversão não envolve necessariamente o sistema
financeiro e pode ocorrer através da pura e simples aquisição de mercadorias ou de
negócios. Neste último aspecto, cabe destacar que são preferidas as atividades
empresariais caracterizadas pela intensidade de seu fluxo de caixa, pela ocorrência
de um elevado número de transações em espécie, e certa estabilidade de custos.
Assim, por exemplo, atendem a tais requisitos os cinemas que exibem filmes
pornográficos, visto que as despesas deste negócio (aluguel, taxas de eletricidade
etc.) são quase constantes e independem de o cinema estar cheio ou não. Ativos
ilícitos são introduzidos e camuflados facilmente neste tipo de atividade porque as
vendas adicionais não incrementam as despesas. Os agentes da lei que examinem os
registros contábeis destes estabelecimentos terão dificuldades em provar que o
rendimento legítimo gerado pelo cinema era menor que o registrado.53
Alguns autores, como Marco Antônio de Barros, chamam a ocultação de conversão,
pois é nessa fase em que há a colocação, ou aplicação, dos valores ilícitos, em espécie, no
sistema financeiro econômico, mediante uma conversão de moeda, nas chamadas casas de
câmbio, depósitos bancários, transações imobiliárias, compra de jóias e outras.54
1.4.2 A Dissimulação
A segunda etapa é a dissimulação. Rodolfo Tigre Maia afirma que uma vez oculto
ou convertido o capital, trata-se agora de fazê-lo parecer legítimo: “[...] disfarçar a origem
ilícita e dificultar a reconstrução pelas agências estatais de controle e repressão da trilha de
papel (paper trail)”.55
51
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: A tipicidade do crime antecedente, p. 36.
Cf. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime, p. 37.
53
WOLOSKER, Heloisa Beatriz Moura. Uma investigação sobre os esforços efetivos contra a lavagem de
dinheiro. 2005. f. 34. Monografia do Instituto de Economia. Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 10. (a monografia tem 34 páginas?)
54
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 44.
55
MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime, p. 38-39.
52
30
Celso Sanchez Vilardi esclarece que a dissimulação significa o mesmo que
“encobrimento dos próprios desígnios” e “ocultar com astúcia”, além disso, afirma que:
Pode ser conceituada como o meio pelo qual se dá ao bem, direito ou valor a
aparência de legalidade, que lhe permite ser reintegrado ao sistema financeiro. Só
pode ocorrer por meios fraudulentos, aptos a produzir o resultado final: a aparência
de legalidade do bem, direito ou valor, provindo de um dos crimes antecedentes. 56
Dessa forma, nota-se que os ativos ilícitos são espalhados em inúmeras contas, em
diversas empresas e em vários países, sendo que os ramos preferidos para se aplicar o
dinheiro ‘sujo’, nessa etapa, são hotéis, igrejas e instituições que vivem de doações, enfim
todo setor onde é complexo aferir uma receita.
Segundo Janice Agostinho Barreto Ascari, os meios prediletos para se realizar a
dissimulação são a aquisição de títulos ao portador em sociedades anônimas, transferências
eletrônicas via cabo (wire transfer), descontos de cheques, superfaturamento, fraudes
bancárias, utilização fraudulenta de cartões de créditos, malversação de dinheiro público e
outros. Afirma ainda a mesma autora que se pretende através da dissimulação dar aparência
lícita e legítima ao dinheiro, sendo a lavagem propriamente dita.57
Marco Antônio de Barros afirma que é nessa fase, que também é conhecida como
fase de controle ou de estratificação, que há o acúmulo de investimentos, que tem como
objetivo maquiar a trilha contábil dos lucros oriundos do crime anterior.58
1.4.3 A Integração
A etapa final do esquema de lavagem é a integração. Como indica a expressão, a
integração é quando os lucros e os bens são reinseridos na economia legal sem levantar
suspeitas, ou dar-lhes aparência de origem legítima.59
André Luiz Callegari caracteriza a integração:
Nesta etapa, o capital ilicitamente obtido já conta com aparência de legalidade que
se pretendia que tivesse. De acordo com isso, o dinheiro pode ser utilizado no
sistema econômico e financeiro como se tratasse de dinheiro licitamente obtido.
Consumada a etapa de mascarar, os ‘lavadores’ necessitam proporcionar uma
explicação aparentemente legítima para sua riqueza, logo, os sistemas de integração
introduzem os produtos ‘lavados’ na economia, de maneira que apareçam como
investimentos normais, créditos ou investimentos de poupança. 60
56
VILARDI, Celso Sanchez. O crime de lavagem de dinheiro e o início de sua execução, p. 18.
Cf. ASCARI, Janice Agostinho Barreto. Algumas notas sobre a lavagem de ativos, p. 216.
58
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 44.
59
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 45.
60
CALLEGARI, André Luiz. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 8, n. 31, p. 183-200,julho-setembro/2000, p. 186
57
31
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo sugere que existem centenas de formas de se
realizar a ocultação no mercado financeiro, destacando o mercado imobiliário e o comércio de
obras de arte e antiguidades como os preferidos dos ‘lavadores’.61
Rodolfo Tigre Maia afirma que, nessa etapa, são largamente utilizados os chamados
‘bancos de fachada’, onde o reciclador adquire um banco em um paraíso fiscal, tema a ser
tratado mais especificamente no terceiro capítulo.62
Marcelo Batlouni Medroni ressalta que nessa última etapa é que o dinheiro é
incorporado formalmente nas áreas regulares da economia, e que é essa integração que
permite que as organizações de fachada sejam criadas, formando uma cadeia que torna cada
vez mais fácil legitimar os valores ilegais.63
O entendimento, pela maioria dos doutrinadores citados, é que é exatamente nessa
fase onde há um aumento de lesão à ordem econômica.
1.5
OS RAMOS MAIS VISADOS NAS OPERAÇÕES DE LAVAGEM DE DINHEIRO
Segundo a Cartilha sobre Lavagem de Dinheiro, apresentada pelo Conselho de
Controle de Atividades Financeiras – COAF64, alguns ramos da economia são muito visados
para fazer parte do procedimento de lavagem de dinheiro. Dentre os setores mais procurados
destacam-se: a) instituições financeiras, que com muita velocidade fazem circular os valores.
Nas transações efetuadas nessas instituições, o dinheiro ‘sujo’ se mistura com os valores que
essas instituições movimentam legalmente diariamente, o que beneficia o procedimento de
dissimulação da origem ilícita; b) paraísos fiscais e centros off-shore, os dois compartilham de
um desígnio legítimo. Constata-se que a maioria dos casos de lavagem de dinheiro
descobertos na atualidade envolvem organizações criminosas que tiraram proveito das
facilidades proporcionadas pelos paraísos fiscais e centros off-shore para efetuarem manobras
61
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: A tipicidade do crime antecedente, p.
37.
62
CF. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime, p. 40-41.
63
Cf. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Tópicos Essenciais da Lavagem de Dinheiro, p. 482.
64
A Lei n.º 9.613/98, ao tipificar o crime de lavagem de dinheiro, criou o Conselho de Controle de Atividades
Financeiras – COAF, a Unidade da Inteligência Financeira Brasileira, encarregado de disciplinar, aplicar penas
administrativas, receber, examinar e identificar as operações suspeitas de lavagem de dinheiro e propor
mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à
ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens,
direitos e valores.
32
ilegais; c) bolsas de valores, que visam facilitar a compra e venda de ações e direitos. As
bolsas de valores oferecem condições favoráveis para a realização das operações de lavagem
de capitais, já que elas permitem a efetuação de negócio com características internacionais e
possuem alto índice de liquidez; d) companhias seguradoras, é um outro setor propício para
lavagem de dinheiro. Nelas os acionistas podem usar seu poder de deliberação, realizando
investimentos que possibilitem a lavagem de dinheiro, já os segurados, podem ‘lavar’ valores
através de apresentação de avisos de sinistros falsos ou fraudulentos; e) mercado imobiliário,
que através dele a transação de compra e venda de imóveis e de falsas especulações
imobiliárias. Através do mercado imobiliário, agentes criminosos podem ‘lavar’ capitais com
grande facilidade, pois há uma ausência de controle do setor, o que torna fácil a ação dos
criminosos; f) jogos e sorteios, que são bastante conhecidos como instrumentos para lavagem
de dinheiro. Através de bingos e loterias pode haver a manipulação das premiações com a
realização de gigantesco número de apostas em um específico tipo de jogo, buscando ‘fechar’
as combinações. Em alguns casos, o criminoso não possui a preocupação de ocorrer à perda
de parte dos recursos, contanto que consiga finalizar o processo de lavagem com êxito.65
Por fim, constata-se que existem inúmeras operações que podem auxiliar a lavagem
do dinheiro. Além das citadas, várias outras operações comerciais que podem facilitar a
lavagem de dinheiro, como, por exemplo, a compra e venda de jóias e pedras preciosas ou
objetos de arte.
Em decorrência disso, observa-se que um dos principais motivos que dificultam a
comprovação dos crimes de lavagem de dinheiro seria a ampla gama de instrumentos
financeiros pelos quais os criminosos podem ocultar-se, garantindo a transformação de seus
recursos ilícitos em valores ‘limpos’, distantes de qualquer suspeita.
1.6 OS REFLEXOS DA LAVAGEM NO SISTEMA ECONÔMICO NACIONAL
São inúmeros os reflexos do delito de lavagem de capitais no sistema econômicofinanceiro. Os principais apontados por Vinícius de Melo Lima são a concorrência desleal, as
oscilações nos índices de câmbio, o ingresso de capitais especulativos, a instabilidade
econômica, a dificuldade na delimitação das políticas públicas como conseqüências do
65
Cf. Receita Federal. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Cartilha sobre Lavagem de Dinheiro.
Disponível em: <https://www.fazenda.gov.br/coaf/portugues/ publicacoes/cartilha.htm)>. Acesso em: 18 out.
2006.
33
fenômeno da reciclagem de valores, constatando-se que são devastadores os reflexos gerados
por esse ramo da criminalidade econômica. O mesmo autor conclui que a gravidade dos
crimes comuns, como o roubo, homicídio, estelionato e etc, possuem uma delimitação
territorial, atingindo bens jurídicos individuais, como a vida, no caso do homicídio ou o
patrimônio, no furto, roubo e estelionato. Já o de lavagem de dinheiro deita raízes, na sua
maioria, além-fronteiras. Daí dizer-se que a meta-individualidade é o traço nuclear do bem
jurídico aqui tutelado (normalidade do sistema econômico-financeiro).66
Segundo os ensinamentos de Raul Cervini:
[...] todos estos efectos que atestiguan una singularidad del fenómeno, obligan a
intervenir no solamente en virtud de una exigencia ética y moral, sino por estrictas
razones de contenido macro-económico, ya que el comportamiento señalado puede
minar las reglas de funcionamiento monetario y financiero de la economía. 67
Rodolfo Tigre Maia concorda, e expõe que a circulação em massa de capitais ilícitos
nos sistemas financeiro e econômico nacionais podem gerar graves conseqüências à
sociedade, tais como: a desconfiança nos representantes populares; a desmoralização da
administração pública, com a corrupção dos seus servidores; a impunidade dos criminosos
poderosos, gerando descrédito na Justiça; a sonegação fiscal, que desvia os recursos
tributários necessários à manutenção das políticas públicas, contribuindo para o aumento das
desigualdades sociais; a instabilidade da economia nacional; a crise no sistema financeiro,
quando pela facilidade desses capitais serem transferidos para outros países, tendo como
conseqüência o desemprego e outros [...].68
Assim como salienta Tiago Ivo Odon, acredita-se que os impactos dessas altas
quantias no sistema econômico-financeiro merecem ser foco de atenção da política criminal.
Ao analisar alguns números, nota-se que é assustador constatar dados, como o divulgado pela
Receita Federal, em 2001, que aproximadamente R$ 825.000.000.000,00 (oitocentos e vinte e
cinco bilhões de reais) circulam na economia do nosso país, sem qualquer declaração de
associação a um faturamento tributado (a não ser a Contribuição Provisória de Movimentação
ou Transmissão de valores, crédito e de direitos de natureza financeira – CPMF). É esse
dinheiro ‘sujo’ que influencia o comportamento do mercado, a pressão sobre o câmbio, a
desvalorização da moeda nacional entre outros. O mesmo autor ainda cita, que Michel
66
Cf. LIMA, Vinícius de Melo. Apontamentos críticos à lei brasileira de Lavagem de Capitais: Lei 9613, de
3 de março de 1998. Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul Porto Alegre. p. 06 Disponível em:
<www.amprs.org.br/imagens/LAVAGEM%20CAPITAIS.pdf.>. Acesso em: 12 janeiro 2007.
67
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9613/98, p. 40.
68
Cf. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime, p. 99-100.
34
Camdessus, ex-presidente do Fundo Monetário Internacional – FMI, declarou em 1998, que a
lavagem de capitais gerava mudanças inexplicáveis na demanda por moeda e uma maior
volatilidade dos fluxos internacionais de dinheiro e das taxas de câmbio.69
É por todos os reflexos citados, que vários dos autores mencionados definem o crime
de reciclagem de valores como uma ameaça à estabilidade da economia global. Além disso,
não se pode esquecer que é justamente esse dinheiro ilegal, ‘lavado’, que financia as
organizações criminosas. Portanto, mostra-se importante punir e combater o crime de lavagem
de dinheiro, pois ela, certa forma, serve de estímulo à prática deste e outros delitos.
69
Cf. ODON, Tiago Ivo. Lavagem de Dinheiro: os efeitos macroeconômicos e o bem jurídico tutelado. Revista
de Informação Legislativa. Brasília, ano 40, n. 160, p. 333-341, out./dez. 2003. p. 340-341.
35
2 UMA ANÁLISE MATERIAL E PROCESSUAL DA LEI N.º 9.613/98
Neste capítulo será estudada a origem e evolução da Lei n.º 9.613, de 3 de março de
1998, a criação do Conselho de Atividades Financeiras (COAF), bem como, realizar-se-á uma
análise crítica dos capítulos: “Dos Crimes de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e
Valores”,
“Disposições Processuais Especiais”
e
“Dos Efeitos da Condenação”,
correspondentes aos artigos 1o a 7o, da Lei de Lavagem de Dinheiro.
2.1 A ORIGEM E EVOLUÇÃO DA LEI N.º 9.613/1998
Como já anteriormente ressaltado, a Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998, dispõe
sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, sobre a prevenção da
utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta lei e acerca da criação do
Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o COAF, além de dar outras providências.70
A lei encontra-se estruturada em nove capítulos, respectivamente: “Dos Crimes de
Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores”; “Disposições Processuais Especiais”;
“Dos Efeitos da Condenação”; “Dos Bens, Direitos ou Valores Oriundos de Crimes
Praticados no Estrangeiro”; “Das Pessoas Sujeitas à Lei”; “Da Identificação dos Clientes e a
Manutenção dos Registros”; “Da Comunicação de Operações Financeiras”; “Da
Responsabilidade Administrativa”, e; “Do Conselho de Controle de Atividades Financeiras”.
Segundo William Terra de Oliveira a criação da Lei n.º 9.613/98 se deu em
decorrência do compromisso firmado na Convenção de Viena de 1988 e para satisfazer as
pressões internacionais. O mesmo autor salienta que: “O Brasil, consciente do problema [...]
formulou uma legislação específica, seguindo a experiência de outros países e as linhas gerais
traçadas pelos principais documentos internacionais (principalmente a Convenção de Viena
de 1988)”.71
De acordo com Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, na lei brasileira são 3 (três)
dos pontos que mais chamam a atenção:
70
Exposição de Motivos da Lei n.º 9.613/98.
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 318.
71
36
a) o tipo da ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos ou valores atrela-se a crimes
antecedentes, cujo rol vem enunciado no próprio art. 1º da Lei 9613/1998 (tráfico
ilícito de entorpecentes ou drogas afins; terrorismo e seu financiamento;
contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
extorsão mediante seqüestro; crimes contra a Administração Pública; crimes contra
o sistema financeiro; crimes praticados por organização criminosa etc.); b) assentase a independência da apreciação judicial do crime de ‘lavagem’ ou ocultação de
bens, direitos ou valores, no tocante ao processo e julgamento do crime antecedente
(art. 2º, II, da Lei 9613/1998); e c) propõe-se a possibilidade, em crime de ‘lavagem
de dinheiro’, de a denúncia ser instruída, apenas com ‘indícios suficientes da
existência do crime antecedente’ (art. 2º, § 1º, da Lei 9613/1998).72
Arnoldo Wald salienta que a Lei n.º 9.613/1998 decorreu de projeto do executivo
elaborado pelo Ministério da Justiça, publicado, por determinação do Ministro Nelson Jobim,
em 05 de julho de 1996, recebendo após sua publicação muitas sugestões, tendo como
conseqüência inúmeras emendas, sendo amplamente discutida no Congresso Nacional. 73
Entende-se que, pelos motivos expostos até o momento no presente trabalho e
diversos outros que serão citados posteriormente, existe a necessidade urgente de se examinar
os principais artigos da Lei de Lavagem de Dinheiro, apontando possíveis sugestões para
aumentar a aplicabilidade da Lei n.º 9.613/98 no Brasil.
2.2 DOS CRIMES DE LAVAGEM OU OCULTAÇÃO DE BENS, DIREITOS E VALORES
Assim preceitua o artigo 1º da lei sob análise:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de crime:
I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II - de terrorismo e seu financiamento;
III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua
produção;
IV - de extorsão mediante seqüestro;
V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem,
direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a
prática ou omissão de atos administrativos;
VI - contra o sistema financeiro nacional;
VII - praticado por organização criminosa;
VIII - praticado por particular contra a administração pública estrangeira. Pena:
reclusão de três a dez anos e multa.74
72
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p. 18-19.
Cf. WALD, Arnoldo. A legislação sobre "Lavagem" de dinheiro. Revista do Centro de Estudos Judiciários.
Brasília, n. 5, p. 33-39, maio/ago. 1998. p. 34
74
BRASIL. Presidência da República. Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de
"lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os
ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9613.htm>. Acesso em: 22 dez.
2006.
73
37
De acordo com Willian Terra de Oliveira a construção típica do primeiro artigo da
Lei n.º 9.613/98, apresenta uma estrutura que pode ser delineada da seguinte maneira:
a) em um primeiro plano está o caput, complementado pelos incs. I a VII,
descrevendo a principal forma de lavagem; b) em seguida, temos as formas especiais
ou derivadas descritas nos §§ 1º e 2º; c) além disso, a lei se ocupa em descrever
causas ou circunstâncias relacionadas à dosimetria da pena, que irão influenciar no
cômputo da resposta penal, quer por representarem institutos como o da tentativa (§
3º) quer por descreverem situações de especial reprovabilidade (como o conceito de
habitualidade - § 4º), ou finalmente por possibilitarem a diminuição da pena ante o
reconhecimento do instituto da delação premiada (§ 5º).75
Roberto Delmanto e outros autores asseveram ainda, que os núcleos do tipo são
comissivos e que é punida a conduta de ocultar ou dissimular, a natureza, disposição,
movimentação, localização ou propriedade dos bens, direitos ou valores que são originários
(de forma direta ou indireta) de alguns dos crimes elencados no art. 1º, para integrá-lo à
economia, sob a falsa aparência de proveniência legal. 76
Necessário concordar que em uma inicial leitura, o caput do art. 1º representa a peça
fundamental e que as demais condutas descritas no artigo traduzem a idéia central do tipo e
apontam a razão do injusto, que seria reprimir os processos de atribuição de aparência legal de
direitos, bens ou valores que são originários de crimes.77
Ressalta-se que o elemento subjetivo é o dolo, não sendo admitida à modalidade
culposa para lavagem de dinheiro, podendo o dolo ser direto ou indireto.78
William Terra de Oliveira completa, lembrando:
Todos os crimes previstos na lei são dolosos. Em momento algum o legislador fez
menção a figuras culposas, razão pela qual somente será possível o enquadramento
de comportamentos onde a consciência da ilicitude seja patente. O autor somente
poderá ser responsabilizado se tiver consciência de que está ocultando ou
dissimulando dinheiro, bens, direitos ou valores cuja procedência sabe ser
relacionada com os crimes previstos nos incs. I a VII do art. 1°[...]. Em todas as
operações que realize deve saber, ou ao menos admitir (teoria da representação), que
pratica ou concorre com a prática de lavagem de dinheiro.79
75
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 319.
76
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 556.
77
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 319.
78
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 559.
79
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 327.
38
As penas para os crimes de lavagem de capitais são de 3 (três) a 10 (dez) anos de
reclusão e multa, sendo consideradas severas. Já a aplicação da multa, segundo William Terra
de Oliveira e outros doutrinadores, mostra-se muito pertinente e adequada, considerando a
natureza e o fim do delito.80
Entende-se que sendo a resposta penal rigorosa, tanto em face à reprimenda a ser
aplicada, quanto por possuir uma série de limitações processuais, serve para reprovar
efetivamente a conduta de embranquecimento de valores.
2.2.1 Tráfico Ilícito de Entorpecentes
O tráfico ilícito de entorpecentes é um crime que atualmente está previsto no artigo
33, da Lei n.º 11.343 de 2006 (Nova Lei de Tóxicos que substituiu a Lei n.° 6.368/76, para
tornar mais rígido o tratamento desse tipo penal).
Comete o crime de tráfico de substâncias tóxicas e drogas afins (artigo 33, da Nova
Lei de Tóxicos), quem:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender,
expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a
1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.81
Importante lembrar que foi essa infração penal que impulsionou os acordos
internacionais concernentes à lavagem de dinheiro.
Sobre o tráfico ilícito de tóxicos, Marco Antônio de Barros assinala:
Dentre os crimes antecedentes dos quais derivam a ‘lavagem’, é absolutamente forte
a conexão com o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins. Sem
dúvida, a raiz marcante dos crimes de ‘lavagem’ é o narcotráfico e a disseminação
do consumo de drogas, sobretudo daquelas mais baratas, que gravíssimas
conseqüências de ordem físico-psíquica causam ao usuário, transformou-se em
inequívoca máquina fomentadora da multiplicação de outros apavorantes delitos. Os
malefícios espalhados são notados em todos os países, em todos os estados, em
todas as cidades, em todos os bairros ou vilas [...].82
80
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 319-320.
81
BRASIL. Presidência da República. Lei n.º 11.343 613, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional
de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e
reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não
autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>. Acesso em: 22 abril 2007.
82
BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 113.
39
O mesmo autor ainda chama atenção quanto à grandiosidade do negócio do
narcotráfico, afirmando que de acordo com cálculos da Organização das Nações Unidas,
anteriormente já citados, aproximadamente US$ 400.000.000.000,00 (quatrocentos bilhões de
dólares) circulam anualmente no mercado do tráfico de entorpecentes, sendo estimado que
metade desses valores sejam lavados por ano.83
Rodolfo Tigre Maia destaca que se justifica plenamente a inclusão do narcotráfico
dentre os crimes pressupostos, em razão dos enormes ativos que movimentam e de sua
extrema lesividade social.84
Vê-se que acertadamente agiu o legislador ao cumprir os acordos firmados na
Convenção de Viena, tipificando o crime de lavagem de dinheiro e consagrando no rol
taxativo dos crimes antecedentes o delito de tráfico de tóxicos, em decorrência de ser esse
crime um fenômeno de enormes proporções para toda sociedade, principalmente no que tange
a lesividade econômica do delito.
2.2.2 Terrorismo e seu Financiamento
Importante lembrar que apesar da preocupação mundial com o terrorismo, ‘caiu no
vazio’ a intenção dos legisladores pátrios de reprimir a ocultação ou dissimulação da natureza,
origem, localização, disposição, propriedade de bens, direitos ou valores provenientes do
terrorismo. Marco Antônio de Barros explica que no direito brasileiro ainda não há a
definição típica do terrorismo e por haver essa lacuna, inviável caracterizar o mesmo como
crime antecedente.85
Sobre o terrorismo, Roberto Delmanto e outros doutrinadores afirmam que:
O terrorismo pode ser definido como um atentado, com emprego de violência
(artefatos explosivos, por exemplo) ou não (envenenamento de águas), à vida ou à
saúde de uma ou mais pessoas, escolhidas ou não a esmo, sempre com objetivo
político, na acepção mais ampla do termo, e não apenas no sentido clássico de
tomada de poder.86
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, ao citar Luiz Regis Prado, lembra que, além
da Lei de Lavagem de Dinheiro, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XLIII, a Lei
83
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 113-114.
84
Cf. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9613/98, p. 72.
85
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 127.
86
DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis Penais
Especiais Comentadas, p. 556.
40
de Segurança Nacional (art. 20, da Lei n.º 7.170/1983) e a Lei dos Crimes Hediondos (art. 2º,
da Lei n.º 8.072/1990) também fazem alusões ao terrorismo. No entanto, visualiza-se que
apesar de todas essas leis fazerem menção ao terrorismo, jamais foi definida a sua conduta
típica.87
O professor Damásio de Jesus ressalva que no Brasil não existe lei ordinária que
defina o crime de terrorismo, concluindo que se for introduzido no país, bem proveniente de
terrorismo cometido no estrangeiro, não incide a Lei n.º 9.613 de 1998.88
Como efeito disso e por acatamento ao princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX,
CF/88), vários autores89 concluem que apesar da intenção dos legisladores em punir os
terroristas, o artigo 1º, II, da Lei 9613/98, não pode ser aplicado enquanto houver essa lacuna,
pois a mesma inviabiliza a configuração do crime de lavagem de dinheiro oriundo do
terrorismo.
2.2.3 Contrabando ou Tráfico de Armas
A terceira espécie de crime antecedente é o contrabando ou tráfico de armas,
munições ou material destinado à sua produção.
Para William Terra de Oliveira:
Este inciso trata especificamente dos crimes descritos no art. 334, do Código Penal e
as condutas correspondentes descritas na Lei 7170, de 14.12.1983 (Lei de Segurança
Nacional), fundamentalmente em seu art. 12. Segundo os últimos estudos das
Nações Unidas, o tráfico de armas proporciona a movimentação de enormes
quantidades de dinheiro anualmente. Esse volume de capital ilícito passa pelo
circuito econômico, razão pela qual o legislador buscou exercer um controle sobre
comportamento dessa natureza.90
Roberto Delmanto e outros doutrinadores da obra afirmam que até a edição da Lei n.º
10.826/2003, encontravam-se duas figuras, o contrabando (a importação ou exportação de
armas, munições ou materiais próprios para sua produção, proibidos, ou a introdução em
87
Cf. PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Delito político e terrorismo: uma aproximação
conceitual. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 771, p. 421-447, 2000 apud PITOMBO, Antônio Sérgio A. de
Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p. 113.
88
Cf. JESUS, Damásio de. Ali-babá e o crime de lavagem de dinheiro. Revista do Ministério Público, Rio de
Janeiro, n. 18, p. 25-30, jul./dez. 2003, p. 26.
89
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 330. Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO,
Fábio M. de Almeida. Leis Penais Especiais Comentadas, p. 556. Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de
Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p. 113.
90
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 330-331.
41
território nacional, sem a devida autorização de material militar ou armamento que fossem de
uso privativo das Forças Armadas) e o tráfico interno desses bens.91
O mesmo autor esclarece, que o antigo artigo 10 da Lei n.º 9.437/97 tinha por objeto
somente arma de fogo, não incluindo a respectiva munição ou o material para sua produção.
Após a promulgação da Lei n.º 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (lei que revogou a Lei n.º
9.437/97), tanto o tráfico interno quanto o tráfico internacional de armas, acessórios ou
munições, encontram-se tipificado com o nomen juris de ‘Comércio ilegal de arma de fogo’.92
Sobre este inciso, existe crítica do Promotor de Justiça Rodolfo Tigre Maia, que
assinala que não haveria necessidade de arrolar o crime de contrabando no rol taxativo dos
crimes antecedentes, alegando que não só o contrabando de armas, outros tipos de
contrabando ou descaminho, configuram crime contra a Administração Pública, modalidade
que já se encontra prevista na Lei n.º 9.613/98, no inciso V, do artigo 1°.93
Entretanto, há de se concordar com Marco Antônio de Barros, que explica:
Como existem 1135 fábricas de armamento em plena atividade produtiva, sediadas
em 98 países; o próprio contrabando de armas passou a ser utilizado como moeda de
troca nas ações de narcotraficantes. Altíssimas somas são movimentadas gerando
conseqüências para o sistema financeiro e econômico. No Brasil, de acordo com
investigações realizadas pela Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro, grande parte
das armas contrabandeadas que atualmente estão em poder de traficantes das 80
principais favelas e complexos localizados na capital [...] são procedentes do
Paraguai e começaram a ser adquiridas no início da década de 1990. Mas nos
últimos anos, os arsenais dos traficantes têm sido abastecidos também pelos
armamentos roubados em invasões a quartéis das Forças Armadas. 94
Adere-se a opinião de Marco Antônio de Barros, concluindo que assim consiste a
importância de se punir especificamente a ocultação ou a dissimulação de bens, direitos ou
valores provenientes (direta ou indiretamente) do contrabando de armas, munições ou
material destinado á sua produção.
2.2.4 Extorsão Mediante Seqüestro
De acordo com Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo o inciso quarto da lista dos
crimes antecedentes é o crime de extorsão mediante seqüestro, e esse delito encontra
91
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 557.
92
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 557.
93
Cf. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9613/98, p. 75.
94
BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 133-134.
42
descrição no artigo 159 e parágrafos, do diploma legal, com as respectivas alterações advindas
das Leis n.ºs 8.072/90 e 9.269/96.95
William Terra de Oliveira e outros autores de sua obra afirmam que:
Basicamente o legislador quer evitar que os valores obtidos com a atividade de
seqüestros com fins econômicos possam ser utilizados e desfrutados por seus
agentes. Enquanto crime hediondo (art. 1º, inc. IV, da Lei 8072/90), a extorsão
mediante seqüestro (art. 159, e suas formas, do Código Penal) é mais um delito
grave que guarda relação com a lavagem de dinheiro, principalmente se é praticado
de forma habitual e organizada.96
Marco Antônio de Barros aduz que se reprime a conduta do agente que dissimula ou
oculta a natureza, localização ou origem dos bens direitos ou valores provenientes dessa
espécie de crime contra o patrimônio, que é considerado hediondo. O autor destaca, que a
extorsão mediante seqüestro é configurada quando o criminoso seqüestra alguém com a
finalidade de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como, por exemplo, um
resgate.97
Ela Wiecko V. de Castilho leciona que o inciso que trata da extorsão mediante
seqüestro é equivocado, por ser um despautério a situação em que a lavagem produto do
latrocínio, não é criminalizada, mas a extorsão mediante seqüestro é. Portanto, mostra-se mais
vantajoso mascarar valores provenientes de um delito patrimonial, que teve como
conseqüência a morte da vítima, do que o seqüestro somente, já que é possível punir-se por
lavagem de dinheiro apenas o seqüestrador.98
Apesar de relevante a inserção desse delito no rol taxativo dos crimes antecedentes,
tal atitude do legislador causa estranheza, quando se percebe que outros crimes contra o
patrimônio, tão ou mais importantes, ficaram excluídos desse rol taxativo, como o caso do
latrocínio (roubo seguido de morte, art. 157, § 3°, do Código Penal), receptação e a própria
extorsão indireta.99
2.2.5 Contra a Administração Pública
95
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p.
113-114.
96
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 331.
97
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 136-137.
98
Cf. CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Crimes antecedentes e lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, Editora dos Tribunais, São Paulo, ano 12, n. 47, p. 46-59, mar./abril 2004, p. 49.
99
Cf. JESUS, Damásio de. Ali-babá e o crime de lavagem de dinheiro, p. 28.
43
Entende-se que no inciso V, do artigo 1º, da Lei n.º 9.613/98, como o legislador não
fez qualquer restrição, de início, estão incluídos todos os delitos descritos no Título XI, do
Código Penal, ou seja, os artigos 312 a 359. No entanto, atenta-se que foi ressaltado a grande
preocupação no controle da corrupção pública, com a tentativa de buscar evitar que os autores
dos crimes contra a administração pública possam lançar mão das ilegais quantias de valores
originárias dos desvios de suas funções.100
Já Roberto Delmanto e demais autores do livro demonstram outra posição:
Não obstante, pensamos que nem todos os crimes contra a Administração Pública
podem ser considerados como crime antecedente do delito de lavagem de dinheiro,
mas apenas aqueles em que o agente tenha proveito econômico, como os de peculato
(art. 312) e corrupção passiva (art. 317), mesmo porque, se assim não for, não
haverá o que ‘lavar’. 101
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo também critica a redação do inciso V,
afirmando que: “No mal redigido inciso V do art. 1º. da Lei 9613/1998, de maneira genérica,
tocam-se nos crimes contra a Administração Pública, previstos no Título XI do CP (arts. 312 a
359 do CP) e na legislação penal especial (exempli gratia, Lei 8666/1993)”.102
O mesmo doutrinador ainda certifica, que há outros autores que reclamam pela
mesma reforma em tal inciso, como Wallace Paiva Martins Júnior e Mário Antônio de
Campos.103
Já Arnoldo Wald afirma que foi infeliz o legislador ao incluir na Lei de Lavagem de
Capitais as diversas formas de corrupção, que constituem os crimes contra a administração
pública. O mesmo autor explica que a corrupção é uma forma de proteção à lavagem de
dinheiro, pois alimenta o aumento da criminalidade e vicia a economia.104
Realmente, mostrou-se excessivamente genérico o inciso em apreço, e assim como
no caso dos crimes contra o sistema financeiro nacional, o recurso para evitar possíveis
interpretações divergentes acerca do tema, seria o legislador mencionar, especificamente,
quais crimes pretendia inserir no rol taxativo, ou, adotar a legislação de lavagem de dinheiro
de terceira geração, permitindo a punição por lavagem de dinheiro por qualquer crime
antecedente, que venha a lesar a ordem econômico-financeira nacional.
100
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 331.
101
DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis Penais
Especiais Comentadas, p. 557.
102
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p. 114.
103
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p.
114.
104
Cf. WALD, Arnoldo. A legislação sobre "Lavagem" de dinheiro, p. 36.
44
2.2.6 Contra o Sistema Financeiro Nacional
Os crimes contra o sistema financeiro nacional são fundamentalmente os previstos na
Lei n.º 7.492/86, de 16 de junho de 1986.
É intenção da n.º Lei 9.613/98, exercer uma tutela sobre a normalidade do sistema
financeiro do país, motivo pelo qual inseriu no artigo primeiro da lei as movimentações
ilegais de valores e dinheiro que tenham origem em delitos que venham a atingir o mercado
financeiro.105
William Terra de Oliveira conclui afirmando que: “Foi uma acertada escolha, porém
um pouco tímida. O legislador poderia ter incluído outras ordens de delitos afins, como o
abuso de poder econômico ou aqueles que atingem a economia popular ou a livre
concorrência”.106
É divergente a opinião de Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo:
Outra vez, ao catalogar a ampla gama de crimes contra o Sistema Financeiro, abriuse em demasia o leque de delitos antecedentes. A maioria dos tipos elencados na Lei
7492/1986 pode vir a caracterizar produto ou proveito, próprios para a lavagem de
dinheiro, com exclusão dos arts. 3º, 6º, 14, 15, 18 e 23. Tem-se aqui sério risco de
ineficácia da Lei 9613/98, porque a referida lei do ‘colarinho branco’ (Lei
7492/1986), desde o nascimento os legisladores anunciavam-lhe a morte
prematura.107
Percebe-se que enquanto alguns autores acreditam que houve uma abertura muito
grande do leque de crimes antecedentes, ao se colocar no rol taxativo dos delitos prévios à
lavagem de dinheiro os crimes contra o sistema financeiro nacional, outros asseveram que os
legisladores agiram de maneira correta, mas um pouco tímida.
Dessa forma, constata-se que a forma mais ponderada para a solução, seria adotar a
mesma postura sugerida para os crimes contra a Administração Pública, ressaltada no item
anterior.
2.2.7 Praticado por Organização Criminosa
No que tange ao inciso VII, deve ser ressaltado que apesar da Lei n.º 9.034/95, em
seu art. 1º, definir e regular os meios de prova e investigação que versem sobre os crimes
executados por quadrilha, bando, organização ou associação criminosa de qualquer tipo, até
105
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 331.
106
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 331.
107
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p. 114.
45
hoje, assim como para o crime de terrorismo, não há qualquer definição legal do que venha a
ser uma organização criminosa.
Em decorrência da indefinição de organização criminosa, Roberto Delmanto e outros
afirmam ser inaplicável tal inciso.108
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo concorda afirmando que:
Embora possuam a previsão de quadrilha ou bando no CP (art. 288) e os dispositivos
da lei especial quanto á matéria (Lei 9034/1995 com as alterações da Lei
10.217/2001), tais disposições legais não suprem a necessidade de tipo legal, em
virtude do princípio do nullum crimen, nulla poena sine legge. As vozes dissonantes
à postura, embasada na estrita legalidade (art. 5º, XXXIX, da CF combinado com
art. 1º do CP), trilham caminho sem saída, porque a práxis judiciária pôs de lado a
referida lei processual penal, pela falta de definição típica de organização
criminosa.109
O mesmo doutrinador explica que no momento ainda não se pode falar em crime
organizado como delito prévio à lavagem de dinheiro, o que de certa forma implica em
‘deixar vácuo na política criminal’.110
Infelizmente observa-se que, assim como no caso da inserção do crime de terrorismo
no rol dos crimes antecedentes, os crimes praticados por organização criminosa também são
inaplicáveis no caso concreto, como crimes antecedentes, sendo inutilizáveis os incisos II e
VII, do artigo 1o, da Lei de Lavagem de Dinheiro.
2.2.8 Praticado por particular contra a Administração Pública Estrangeira
Através da Lei n.º 10.467, de 11 de junho de 2002, o legislador pátrio resolveu
inserir o inciso VIII, no artigo primeiro da Lei, dando maior efetividade a compromissos de
reciprocidade e cooperação com os Estados Unidos da América. Com tal inserção, outros dois
crimes antecedentes, foram incluídos na legislação, pois são aptos a gerar um resultado
econômico: o tráfico de influência em transação comercial internacional e a corrupção ativa
em transação
comercial internacional (art.
337, ‘c’ e ‘b’, do
Código
Penal,
respectivamente).111
Sobre a inserção desse inciso, Marco Antônio de Barros comenta:
108
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 558.
109
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p. 116.
110
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p.
117.
111
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p.
117.
46
Cuida-se dos delitos de corrupção ativa e tráfico de influências nas transações
comerciais internacionais. Mas é claro que, do ponto de vista da repressão criminal
de caráter internacional, pouca, ou nenhuma relevância tem a corrupção casuística
de conseqüência monetária limitada, visto que interessa obstar a ‘corrupção
macroeconômica’, ou seja, aquela que se afasta da delinqüência comum e se
aproxima da criminalidade organizada e que coloca em risco o próprio
desenvolvimento socioeconômico do País, na medida em que prejudica a
arrecadação de tributos necessários para o cumprimento de metas sociais e de
superação da pobreza.112
Atenta-se que ao trazer e distinguir este novo tipo de infração e com a intenção de
combater a ocultação e a dissimulação dos valores produzidos através dos crimes praticados
por particular contra a administração estrangeira, faz-se com que a criminalidade organizada
seja detida, impedindo que esses tipos de criminosos ponham em risco o desenvolvimento
social e econômico do país.113
2.3 OUTRAS FORMAS DERIVADAS DE CRIMES DE LAVAGEM E DISPOSIÇÕES
COMPLEMENTARES SOBRE AS PENAS
O artigo 1º, § 1º e seus incisos asseveram que:
[...]
§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens,
direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste
artigo:
I - os converte em ativos lícitos;
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em
depósito, movimenta ou transfere;
III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
Rodolfo Tigre Maia expõe que buscando a ampliação das hipóteses de incidência do
crime básico, de forma a alcançar diferentes formas de reciclagem de ativos, foram
identificados três tipos derivados daquele.114
Roberto Delmanto e outros autores da mesma obra esclarecem:
Trata-se de uma conduta mais sofisticada de lavagem, qual seja a reciclagem do
produto do crime antecedente, fazendo com que aquele bem, direito ou valor que
teve sua origem ocultada ou dissimulada, circule, com maior engenhosidade na
112
BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 179.
113
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 178-179.
114
Cf. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9613/98, p. 94-95.
47
economia formal, de modo a apagar os rastros de sua origem espúria, mediante
determinadas condutas, especialmente elegidas pelo legislador.115
José Laurindo Souza Neto remata que:
Procede-se à reciclagem numa fase ulterior, onde os benefícios adquirem a aparência
de legalidade. Visa-se assim, apagar os elementos reveladores da origem criminosa,
através de determinados atos, para que possam ser reintroduzidos no circuito
financeiro legal.116
O inciso I mostra a figura equiparada da conversão de ativos ilícitos, que de acordo
com Rodolfo Tigre Maia, incrimina as condutas que tem por finalidade ocultar, ou seja,
esconder ou dissimular (disfarçar), o emprego de ativos frutos de crimes anteriores por meio
da conversão.117
Já o segundo inciso é um tipo mais amplo, em decorrência dos diversos verbos
empregados. O mesmo autor citado acima afirma que este inciso prevê várias atividades que
possibilitam a ‘limpeza’ dos frutos dos delitos. Ademais, o mesmo doutrinador conclui que
dentre essas atividades “algumas são freqüentemente utilizadas na etapa de dissimulação
(layering) ou ‘lavagem’ propriamente dita”.118
Conforme anteriormente salientado, vale lembrar que é justamente nessa etapa de
dissimulação, onde ocorre o impedimento da reconstituição de toda a lavagem, eliminando-se
os vestígios.
Por fim, nota-se que o inciso III, do § 1º, do artigo 1º, prevê como ilícito um dos
disfarces mais comuns para remessa de ativos ilícitos para o exterior. Rodolfo Tigre Maia
aduz que:
O tipo objetivo alicerça-se nos núcleos (a) importar (trazer do exterior ou internar o
bem em nosso território) ou (b) exportar (remeter ou enviar o bem para o exterior),
tendo por objeto substancial (c) bens (quaisquer mercadorias) (d) com valores não
correspondentes aos verdadeiros (discrepantes, para mais ou para menos, dos preços
de mercado). Ambas as hipóteses são formais e plurissubsistentes, sendo a tentativa
viável e consumando-se o crime, respectivamente, com a entrada ou a saída da
mercadoria no território nacional.119
115
DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis Penais
Especiais Comentadas, p. 560.
116
SOUZA NETO, José Laurindo. Lavagem de dinheiro: Comentários à Lei 9613/98. Curitiba: Juruá, 1999. p.
98.
117
Cf. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9613/98, p. 95.
118
MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9613/98, p. 95-96.
119
MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9613/98, p. 99.
48
Constata-se que os 3 (três) incisos presentes no § 1º, do art. 1º, representam
tipicamente os negócios jurídicos de troca, movimentação, aquisição, transferência e outros.
Da mesma maneira, observa-se que é constante o aprimoramento dos criminosos, que se
desenvolvem todos os dias, melhorando as formas de operações, dificultando o rastreamento
da origem criminosa de seus ativos.120
Finalizando, William Terra de Oliveira e outros doutrinadores lembram que a
conduta incriminada sempre é independente das infrações precedentes (o agente não necessita
haver participado dos crimes antecedentes), existindo responsabilidades penais autônomas
para quem lava dinheiro seu ou dos outros. O mesmo doutrinador expressa que se tem um
novo crime, independente dos anteriores, e não mero exaurimento de crimes precedentes,
sendo, inclusive, sugestivo criminalizar, como forma complementar, o favorecimento
pessoal.121
O parágrafo segundo, do artigo 1º, assinala que:
[...]
§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe
serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo;
II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua
atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
Sobre as condutas do parágrafo segundo, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto
Júnior e Fábio M. de Almeida, asseveram que:
Os incisos I e II do § 2º do art. 1º da lei de Lavagem tratam de hipóteses bem
diferenciadas, abrangendo uma gama maior de condutas que, a par de não se
confundirem com a lavagem propriamente dita, prevista no caput e no § 1º,
encontram-se, podemos dizer, ‘nos seus arredores’, antes e durante (inciso II), ou
depois (inciso I), de lavado o produto do crime antecedente. 122
Nota-se que o inciso I, do § 2º, do artigo 1º, descreve algumas ações situadas em
fases mais adiantadas do procedimento de lavagem, pois possuem ligação com a eficaz
fruição dos valores ilegais adquiridos nas atividades ilícitas, previstas no caput do artigo.
Rodolfo Tigre Maia ainda comenta sobre o mesmo inciso:
Destacamos reiteradamente ao longo deste estudo que dentre os efeitos mais
gravosos da ‘lavagem’ de dinheiro encontra-se a infiltração de dinheiro sujo (e, a
fortiori, ganho de controle) na atividade econômica legítima. Para proteger o sistema
financeiro e a ordem econômica, criou-se o presente inciso com intuito de coibir a
etapa da integração e concomitantemente obstaculizar quaisquer outras variantes de
120
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 335.
121
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 335.
122
DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis Penais
Especiais Comentadas, p. 562.
49
utilização (aproveitamento, aplicação, emprego etc.) de produtos (bens, direitos ou
valores) resultantes dos ilícitos penais elencados no caput deste artigo, quer na
esfera de produção, distribuição e circulação de bens (atividade econômica), quer no
âmbito da captação, intermediação ou aplicação de valores (atividade financeira),
não previstas nas variantes anteriormente enunciadas. 123
William Terra de Oliveira conclui que dada a especial consciência da ilicitude
(taxativamente prevista no inciso), o tipo é o dolo direto em decorrência da expressão: “de
que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes previstos neste artigo”.
Percebe-se que é necessário que o agente demonstre ter ciência da origem ilícita dos produtos
e, ainda assim, introduza-os no sistema econômico.124
Tocante ao inciso II, o mesmo doutrinador em sua obra explica que “a última figura
típica desenhada pela lei é derivada de uma forma especial de participação, ou, por assim
dizer, da ampliação do conceito de autoria”.125
Observa-se que no inciso em questão o legislador procurou ir além da co-autoria, ou
da mera participação. Acredita-se que tal inciso foi inserido para ampliar ao máximo o
alcance da punição criminal, de forma a incluir todos aqueles que dificilmente seriam
condenados como partícipes ou co-autores da lavagem. 126
2.3.1 A tentativa e o aumento de pena
Explicita o § 3º, do artigo primeiro, da Lei: “§ 3º A tentativa é punida nos termos do
parágrafo único do art. 14 do Código Penal”.
Acerca da inclusão do parágrafo terceiro, William Terra de Oliveira evidencia que:
“O dispositivo é redundante e desnecessário, uma vez que as regras da Parte Geral do Código
Penal incidirem sobre a legislação penal especial, salvo disposição expressa em contrário
[...]”.127
Damásio de Jesus concorda, aduzindo que tal disposição é prescindível, pois já se
encontra no artigo 14, II, do Código Penal.128
123
MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9613/98, p. 99-100.
124
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 336-337.
125
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 337.
126
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 563.
127
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 338-339.
128
JESUS, Damásio de. Ali-babá e o crime de lavagem de dinheiro, p. 28.
50
Mister concluir que a legislação de lavagem de dinheiro não deveria proceder tal
menção, já que as regras da Parte Geral do Código Penal são aplicadas às leis especiais.
O § 4º, do artigo 1º, traz o seguinte aumento de pena: “§ 4º A pena será aumentada
de um a dois terços, nos casos previstos nos incisos I a VI do caput deste artigo, se o crime for
cometido de forma habitual ou por intermédio de organização criminosa”.
Na ocorrência dos incisos I a VI, se o crime ocorrer de maneira habitual (a
habitualidade criminosa é diferente do crime habitual129) ou por intermédio de organização
criminosa, a pena deve ser aumentada de um a 2/3 (dois terços).
Observa-se, que houve a exclusão os incisos VII e VIII. Sobre a incidência do § 4º e
a exclusão dos 2 (dois) incisos, Roberto Delmanto e outros doutrinadores que compõe sua
obra esclarecem que:
Quanto ao inciso VII, que já prevê a prática das condutas do caput do art. 1º ‘por
organização criminosa’, o aumento de pena constituiria inadmissível bis in idem.
Ressalta-se, ainda, que inexiste definição legal do que seja organização criminosa,
como já referido nos comentários àquele inciso; daí por que entendemos ser
inaplicável nessa parte, enquanto não suprida a lacuna legal, o aumento deste § 4º.
No que tange ao inciso VIII (crimes contra a administração pública estrangeira),
houve aparentemente lapso da Lei 10.467/02, que acrescentou este inciso ao caput
do art. 1º, sem, contudo, alterar seu § 4º. Para que o aumento incida deverá haver
prova segura da habitualidade da prática delituosa.130
A respeito da aplicação do § 4º, não destoa a jurisprudência:
Se o acusado investia na prática delituosa de lavagem de dinheiro de forma reiterada
e freqüente, não há que se falar em constrangimento ilegal decorrente do aumento da
reprimenda em razão da majorante da habitualidade.131
É de se esclarecer que o parágrafo em questão introduz a figura da reiteração
criminosa, que é caracterizada pela atuação do criminoso habitual. Dessa forma, conclui que
não se está diante do crime continuado, previsto no art. 71, do CP, mas sim a situações em
que o agente, reiteradamente, de maneira habitual, encontra-se em dedicação ao delito,
fazendo jus ao aumento de pena do parágrafo em apreço.132
129
Crime habitual é a reiteração da mesma conduta de forma a constituir um estilo de vida reprovável.
Exemplos: são o curandeirismo (art. 294 do CP) e o rufianismo. Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra
de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais: comentários à Lei 9.613/98, p. 339.
130
DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis Penais
Especiais Comentadas, p. 565.
131
BRASIL. 5a Turma do Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 19.902, do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul. Relator Ministro Gilson Dipp. Data de Julgamento: 17 de dez. de 2002. Data de Publicação: 10
de março de 2003. p. 256 apud DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio
M. de Almeida. Leis Penais Especiais Comentadas, p. 565.
132
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 339-340.
51
2.3.2 A Colaboração Espontânea
Assim como a Lei dos Crimes Hediondos e a Lei do Crime Organizado, a Lei n.º
9.613/98 trouxe a colaboração espontânea como ferramenta do combate à lavagem de
capitais. O artigo 1º, § 5º, estabelece que:
[...]
§ 5º A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime
aberto, podendo o juízo deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de
direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as
autoridades, prestando ao esclarecimento que conduzam à apuração das infrações
penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do
crime.
Marcelo Batlouni Mendroni avalia a colaboração espontânea como um instituto que
viabiliza a identificação dos principais agenciadores da lavagem de dinheiro, dos chefes das
organizações criminosas, ou seja, dos responsáveis pela criminalidade. O mesmo autor
salienta que tal dispositivo é merecedor de aplausos, por contemplar uma redução da
reprimenda para quem colaborar de forma espontânea com as autoridades, prestando
esclarecimentos que conduzam a uma efetiva apuração dos crimes.133
No que tange aos crimes de lavagem de valores, Marco Antônio de Barros salienta
que, para que o agente do crime ou co-autor ou partícipe, possam desfrutar das benesses
trazidas pela Lei, esses deverão prestar esclarecimentos que sejam realmente úteis à apuração
e a autoria dos crimes. O mesmo autor destaca que a jurisprudência tem exigido que para
conceder os benefícios da delação, tal colaboração seja espontânea e efetivamente produtiva
para o sucesso a persecução criminal.134
A respeito do ‘prêmio’ da delação, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e
Fábio M. de Almeida lembram:
Para os crimes de lavagem de dinheiro, possibilita-se ao juiz evitar que o delator
ingresse nas prisões do falido sistema penitenciário brasileiro, concedendo-lhe o
cumprimento da pena em regime aberto, a substituição por pena restritiva de direitos
e, até mesmo, isenção de pena, diminuindo as chances de represália. O perdão
judicial (isenção de pena), aliás, já era previsto pelo art. 13 da Lei nº 9.807/99 – Lei
de Proteção às Vítimas, Testemunhas, Acusados e Condenados, embora de forma
mais restrita, ou seja, limitando ao acusado primário, devendo ainda o juiz levar em
consideração a sua personalidade, a natureza, circunstância, gravidade e repercussão
social do fato criminoso, o que não é exigido, de forma inovadora, pelo § 5º do art.
1o da Lei de Lavagem de Dinheiro, ora comentada. 135
133
Cf. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Tópicos essenciais da lavagem de dinheiro, p. 486.
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 203.
135
DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis Penais
Especiais Comentadas, p. 566.
134
52
Tocante essa possibilidade de prêmio à colaboração, Luiz Flávio Gomes manifesta-se
contrário, aduzindo que trazer em lei que o delator merece recompensa é difundir uma cultura
antivalorativa, mesmo que o valor perseguido seja o de combater crimes tão graves e de
gigantescas conseqüências.136
Importante ressaltar o comentário de Denise Frossard a respeito do instituto em
apreço. A autora leciona que com a intenção de pegar o ‘peixe maior’, o legislador pátrio
concedeu ao agente, ao co-autor ou ao partícipe, que aquele que colaborar prontamente com a
autoridade na apuração da autoria de materialidade dos crimes originários ou na localização
dos bens, direitos e valores fruto da ação criminosa, elucidando as questões relativas ao crime,
alguns benefícios consideráveis podem ser aplicados, como por exemplo, isenção da pena,
substituição por pena restritiva de direitos, regime inicialmente aberto ou redução em até 2/3
(dois terços) da reprimenda.137
Conclui-se que a colaboração espontânea mostra-se como um interessante meio para
ampliar a aplicação da Lei n.º 9.613/98, já que há uma enorme dificuldade na obtenção de
provas para esse tipo penal. No entanto, acredita-se que as benesses concedidas aos
colaboradores, como a isenção de pena e a redução de 2/3 (dois terços) da reprimenda, seriam
recompensadoras demais, podendo ser utilizada, inclusive, como uma forma de saída para o
criminoso sair impune.
2.3.3 Disposições processuais especiais
Sobre as disposições processuais especiais da Lei n.º 9.613/98, Rodolfo Tigre Maia
observa:
A Lei de regência, aos moldes da legislação penal mais recente, contém um capítulo
com preceptivos especiais de cunho processual penal. Reflexo da ingente
necessidade de reforma de nosso vetusto Código de Processo Penal, tal opção tem
conseqüência ao nível de eficácia temporal de seus preceptivos, assim como na
órbita dos limites concedidos à sua exegese. 138
Relativamente ao mesmo assunto Luiz Flávio Gomes salienta que o legislador
precisa compreender a evolução do Estado de Direito para o Estado Constitucional de Direito,
devendo, toda vez que for legislar, principalmente na esfera criminal, observar estritamente o
136
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 348.
137
Cf. FROSSARD, Denise. A Lavagem de dinheiro e a lei brasileira, p. 26.
138
MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9613/98, p. 108-109.
53
que já está constitucionalizado, seja direta ou indiretamente (tanto na Constituição, quanto em
Tratados Internacionais), e completa:
Urge perceber que já existe um devido processo penal preestabelecido, consolidado.
E, no que se relaciona com sua parte rígida, nada pode fazer o legislador ordinário a
não ser ampliá-la para facilitar melhor a fruição dos direitos fundamentais. Na
elaboração da Lei 9613/98, lamentavelmente, uma vez mais e em vários dispositivos
revelou o legislador ordinário, tal como veremos em seguida, sua pouca afeição com
o proclamado Estado de Direito Constitucional.139
Da mesma forma, é relevante a crítica trazida por Marco Antônio de Barros, no qual
explica que ao trazer as Disposições Processuais Especiais da Lei, o legislador admitiu que as
normas estabelecidas no Código de Processo Penal não atendem mais as exigências das novas
leis penais materiais.140
2.3.4 Ação Penal e Procedimento
O art. 2º, inciso I, da Lei n.º 9.613/98 preceitua que: “O processo e julgamento dos
crimes previstos nesta Lei: I – obedecem às disposições relativas ao procedimento comum dos
crimes punidos com reclusão, da competência do juiz singular”.
Diante disso, o procedimento a ser adotado é o ordinário, seguindo os artigos do
Código de Processo Penal.
A ação penal, portanto, é sempre pública incondicionada, sendo privativa do
Ministério Público, no entanto, cabível a ação privada se a pública não restar intentada no
prazo legal (cinco dias se o réu estiver preso e quinze dias se estiver solto, contados da data do
recebimento do inquérito por parte do MP).141
Rodolfo Tigre Maia assevera que:
O chamado rito ordinário dos crimes apenados com reclusão observa as etapas
fixadas nos arts. 394 a 405 e 498 a 502, todos do Código de Processo Penal. A
jurisprudência iterativa de nossas Cortes estabeleceu que no caso desse rito
processual o prazo de conclusão da instrução será de 81 dias. De se ver, todavia, que
este prazo não é rígido e imutável, podendo ser mitigado pelos influxos do princípio
da razoabilidade.142
139
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 353-354.
140
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 207.
141
Cf. BARROS, Marco Antônio de. . Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 208.
142
MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9613/98, p. 110.
54
Luis Flávio Gomes ainda lamenta a não previsão da chamada defesa preliminar, ou
seja, a defesa anterior ao recebimento da denúncia, seguindo a regra dos crimes de
competência originária, crimes contra funcionário público e outros.143
2.3.5 Autonomia do Processo
Está disposto no inciso II: “[...] independem do processo e julgamento dos crimes
antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país”.
Sobre o inciso, Roberto Delmanto e outros justificam:
Dispõe este inciso II que o processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro
(subseqüentes) independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes
previstos no art. 1º, ainda que praticados em outro país. Duas são as situações
previstas: uma o processo por crime de lavagem, outra, o seu julgamento. Quanto ao
primeiro (processo por crime de lavagem), embora não seja indispensável que haja
prova conclusiva da existência do crime antecedente. Deverá o Ministério Público,
portanto, indicar na denúncia pelo crime de lavagem às provas relativas ao delito
antecedente, já que integrante do próprio tipo do art. 1º da Lei 9613/98, as quais hão
de ser objeto da fundamentação do ato decisório de recebimento da denúncia,
constitucionalmente determinada (art. 93, IX). Quanto ao segundo (julgamento do
crime de lavagem), existindo processo penal autônomo em relação ao crime
antecedente, deverá o juiz do processo por crime de lavagem aguardar o julgamento
daquele, evitando-se o risco de proferimento de decisões contraditórias e até
prejulgamento do delito antecedente, com prejuízo à defesa do acusado em relação a
este último.144
O mesmo autor salienta que havendo absolvição do réu, (pelo crime antecedente) por
sentença fundamentada no artigo 386, I, II, III e V145, do Código de Processo Penal ou se
ocorrer abolitio criminis ou anistia do réu, não poderá haver a condenação por lavagem de
dinheiro.146
Marco Antônio de Barros esclarece, por fim, que é precioso reconhecer que o inciso
em questão proporciona um proveitoso efeito prático, ocorre quando o processo e julgamento
do crime antecedente estiver sujeito à jurisdição de outro país, concluindo que a punição
correspondente ao crime de lavagem de capitais não depende da condenação obrigatória dos
sujeitos que perpetraram o crime antecedente.147
143
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 354.
144
DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis Penais
Especiais Comentadas, p. 566-567.
145
Art. 386, CPP: “I – estar provada a inexistência do fato; II – não haver prova da existência do fato; III – não
constituir o fato infração penal”; V (primeira parte) – “existir circunstância que exclua o crime [...]”.
146
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 567.
147
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 211.
55
2.3.6 Juízo Competente
Está previsto no inciso terceiro que:
[...]
III - São de competência da Justiça Federal:
a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira,
ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades
autárquicas ou empresas públicas;
b) quando o crime antecedente for de competência da Justiça Federal.
Sobre a competência, Denise Frossard assegura que o legislador estabeleceu o
procedimento comum para o processo e julgamento dos crimes de lavagem de valores,
atribuindo a competência ao juiz singular estadual.148
Júlio Fabbrini Mirabete assinala que a competência da Justiça Comum Estadual é
fixada, de uma forma geral, por exclusão, ou seja, todas as matérias que não sejam de
competência das Justiças Especiais e da Justiça Federal é da competência da Justiça
Estadual.149
Dessa forma, constata-se que o juízo competente será definido de acordo com o caso
concreto, podendo ser o juiz singular da Justiça Federal ou Estadual.
2.3.7 A Denúncia
O § 1º, do artigo 2º, aduz que: “A denúncia será instruída com indícios suficientes da
existência do crime antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei ainda que
desconhecido, ou isento de pena o autor daquele crime”.
Da mesma forma que qualquer denúncia ou queixa, a inicial pelo crime de lavagem
de dinheiro deverá preencher os requisitos do artigo 41, do Código de Processo Penal, que
são: a) exposição do fato criminoso; b) qualificação do acusado; c) classificação do crime e
quando necessário o rol de testemunhas.
Além disso, Roberto Delmanto e o restante dos autores do mesmo livro comentam
que de forma indireta também deverá atentar para o artigo 43, do CPP, já que o mesmo trata
das hipóteses de rejeição da queixa ou denúncia. 150
148
Cf. FROSSARD, Denise. A Lavagem de dinheiro e a lei brasileira, p. 26.
Cf. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 167-171.
150
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 572-573.
149
56
Marco Antônio de Barros completa:
Todavia, a peça acusatória deve preencher outro requisito, próprio do processo penal
do crime de lavagem, qual seja o de também fazer referência ao crime antecedente.
Para ser completa, a peça acusatória deve descrever minuciosamente os atos que
caracterizaram o ilícito correspondente ao crime de lavagem, bem como demonstrar
ao juiz que existem indícios suficientes da ocorrência do crime antecedente. Não se
olvide que o crime de lavagem é conseqüente de outro crime. Portanto, a denúncia
deve conter a narrativa, senão a menção resumida dos fatos referentes ao crime
antecedente. Sem isto, a denúncia é inepta, notadamente porque a lavagem decorre
de outro ilícito, cuja identificação é obrigatória.151
Importante lembrar que é necessário que seja bem examinada a justa causa da ação,
pois não havendo uma mínima base probatória a denúncia será rejeitada. Além disso, a lei
exige indícios suficientes e não qualquer suposição vaga e obscura, como será mais
profundamente estudado no capítulo três.
2.3.8 A Constitucionalidade, ou Inconstitucionalidade, e Contradição da não aplicação
do art. 366, do CPP
Está previsto no artigo 2º, § 2º, da Lei n.º 9.613/98: “No processo por crime previsto
nesta Lei, não se aplica o disposto no art. 366 do Código de Processo Penal”.
Alguns autores152 defendem a idéia de inconstitucionalidade deste dispositivo, por
demonstrar ofensa ao princípio do devido processo legal.
Sobre a inconstitucionalidade da não aplicação do art. 366, Luiz Flávio Gomes
explica:
Da inconstitucionalidade da proibição: cuida o referido artigo (366) da suspensão do
processo decorrente da citação por edital. A garantia de ser informado o acusado do
inteiro teor da peça acusatória é impostergável (v. convenção Americana sobre os
Direitos Humanos, art. 8º, que tem status constitucional, por força do art. 5º, § 2º, da
CF). Todo o acusado tem esse direito. Faz parte da ampla defesa. É garantia
constitucional, logo faz parte da parte rígida do princípio do devido processo penal.
Não pode, em conseqüência, ser suprimida pelo legislador infraconstitucional.
Conclusão: o art. 2°, §2°, da Lei 9613/98 é mais um exemplo de ‘não-direito’, de
desconhecimento total do legislador dos seus limites. Ganhou vigência com a sua
publicação, mas não possui validez [...].153
Marcelo Batlouni Mendroni protege a constitucionalidade do referido dispositivo:
151
BARROS, Marco Antônio de. Crimes de lavagem e o devido processo legal, p. 242.
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 357. Cf. BARROS, Marco Antônio de. Crimes de lavagem e o devido processo
legal, p. 225. Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de
Almeida. Leis Penais Especiais Comentadas, p. 575.
153
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 357
152
57
O dispositivo é mais que justificável e nada tem de inconstitucional. De acordo com
a sistemática antiga, o processo seguirá à revelia do acusado, ainda que não tenha
sido encontrado para citação, já que o direito de ser informado pela acusação pode
ser efetivado via edital. O que não pode acontecer é atrelar-se a justiça ao sabor da
ocultação de um suposto criminoso que, endinheirado, não exitará em valer-se dos
mais variados artifícios para não ser encontrado, terá advogado nomeado pelo Juízo
em atenção ao princípio da ampla defesa. Ora, evidente que a citação pessoal será
tentada, que o senhor oficial de justiça deverá certificar a não localização e que, não
havendo se ocultado, o acusado será encontrado e terá todas as chances de
comparecer, constituir advogado e defender-se no estrito cumprimento do ‘devido
processo legal’.154
No entanto, o que mais chama atenção, nessa parte da lei, não é a constitucionalidade
ou não do referido artigo, mas sim a contradição feita pelo legislador, que enquanto no
parágrafo 2° prescreve a inaplicabilidade do art. 366, do CPP, o artigo 4°, parágrafo 3°, prevê
a incidência do mesmo artigo, anteriormente excluído.
Sobre o assunto, o professor Damásio de Jesus disserta tocante à contradição feita,
aduzindo que enquanto o parágrafo 2º, do art. 2º, proíbe a aplicação do artigo 366, do Código
de Processo Penal, o parágrafo 3º, do art. 4º, permite.155
Marco Antônio de Barros alega que apesar de tratar-se de uma medida de efeito
prático positivo para a persecução penal, a segunda parte do parágrafo 4º, contradiz o que
dispõe no artigo 2º, parágrafo 2º, da mesma lei. 156
Imprescindível concordar com Marco Antônio de Barros no sentido de que a exclusão
de um dos parágrafos é necessária, por não poder a lei inicialmente negar a aplicação ao
disposto no artigo 366, do CPP e, no mesmo diploma, afirmar sua legalidade.
2.3.9 Da Fiança e da Liberdade Provisória
Art. 3º, da Lei n.º 9.613/98: “Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de
fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá
fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade”.
Da mesma forma que o legislador dispôs na Lei de Crimes Hediondos (Lei nº
8.072/90) e na Lei de Combate ao Crime Organizado (Lei nº 9.034/95), o artigo 3º aduz que é
insuscetível de fiança ou liberdade provisória os crimes de lavagem de dinheiro.
No entanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio M. de Almeida
afirmam que são 2 (duas) as modalidades de liberdade provisória presentes no ordenamento
154
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Tópicos essenciais da lavagem de dinheiro, p. 486.
Cf. JESUS, Damásio de. Ali-babá e o crime de lavagem de dinheiro, p. 30.
156
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 227.
155
58
jurídico brasileiro: uma através da fiança (quando dependendo do crime ser apenado com
detenção ou reclusão, a fiança é arbitrada pela autoridade policial ou judiciária) e a outra, sem
a fiança (quando o magistrado verificar o cometimento do crime por estado de necessidade,
legítima defesa, exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal). Ainda há
o caso em que não há as hipóteses da prisão preventiva.157 O mesmo doutrinador completa
que:
Não há óbice em nosso ordenamento constitucional que a lei ordinária estabeleça
casos de inafiançabilidade. Todavia, a vedação da liberdade provisória quando
ausentes os motivos cautelares taxativamente previstos para a prisão temporária ou
preventiva, constitui manifesta inconstitucionalidade.158
No entanto, mostra-se sensato concordar com Marcelo Batlouni Mendroni, pois esse
instrumento seria altamente importante por motivo de garantia da instrução criminal, em
decorrência do perfil da maioria dos sujeitos ativos do delito. O mesmo autor ainda assevera
que: “[...] não há como se pensar em liberdade provisória, com ou sem fiança, a um suposto
criminoso milionário fugitiva da justiça. Quem se envolve com crimes da natureza daqueles
previstos na lei em comento não costuma ter escrúpulos e, abonado que seja, faz com que o
dinheiro compre pessoas e destrua provas”.159
2.3.10 Das Medidas Assecuratórias
Assim estabelece o art. 4º, da lei sob análise:
Art. 4º O juiz de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou representação da
autoridade policial, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas,
havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do inquérito ou da ação
penal, a apreensão ou o seqüestro dos bens, direitos ou valores do acusado, ou
existentes em seu nome, objeto dos crimes previstos nesta Lei, procedendo-se na
forma dos arts. 125 a 144 do Decreto Lei 3689, de 3 de outubro de 1941 - Código de
Processo Penal [...].
Importante esclarecer, que o termo apreensão, neste caso, significa o apossamento de
bens móveis e valores (dinheiro em espécie, jóias, títulos ao portador e etc.) e a expressão
seqüestro associa-se aos bens imóveis e direitos (aplicações, fundos de investimento e etc.).160
Rodolfo Tigre Maia ressalta que:
157
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 575.
158
DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis Penais
Especiais Comentadas, p. 575.
159
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Tópicos essenciais da lavagem de dinheiro, p. 487.
160
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 579-580.
59
Nos termos do dispositivo estudado, nos moldes do disposto no Código de Processo
Penal, além da possibilidade da decretação pelo próprio magistrado de ofício, são
legitimados à proposição das medidas cautelares de apreensão ou seqüestro de ativos
ilícitos objeto de reciclagem, quer durante a instrução inquisitiva em sede
administrativa, quer após iniciada a ação penal, o Ministério Público através de
requerimento, e, na fase de inquérito, a autoridade policial, mediante representação
em juízo [...]. De se ver que o legislador, ao exigir a presença de indícios suficientes,
restringiu o alcance da exigência contida no Código de Processo Penal, para a
decretação do seqüestro, de que tais indícios da proveniência ilícita dos bens fossem
veementes. O ‘perigo na demora’ estará de modo geral na relevância de se cortar
imediatamente o atingimento à administração da justiça através da indevida fruição de
produtos de crime e nos riscos causados ao sistema financeiro e à ordem econômica
pela circulação de ilícitos, bem como na potencialidade de lesão à terceiros de boa fé,
conforme o caso particular, no interesse da investigação ou do processo criminais
(e.g., perecimento de bens, remessa ao exterior de valores, concretização de negócios
jurídicos com terceiros etc.).161
Rogério Soares do Nascimento avalia que a maior inovação da lei de lavagem de
capitais, recomendada pela Convenção de Viena, seria a inversão do ônus da prova da licitude
da origem dos bens, direitos ou valores apreendidos ou seqüestrados. O autor defende que, por
mais que sustentem que os dispositivos da lei que sugerem a inversão do ônus probante
arranhe o princípio da preservação do estado de inocência, na verdade isso não ocorre de
fato.162
Necessário lembrar os esclarecimentos trazidos por Luiz Flávio Gomes, no qual
explica que de certo modo, no diploma legal enfocado, há uma inversão do ônus da prova,
mas é uma admissão que surge dentro do contexto de uma medida de contracautelar,
saneadora de um ato censurável precedente. Se o proprietário ou possuidor dos bens
apreendidos ou seqüestrados, não puder ou não quiser comprovar a licitude de seus bens,
deve-se aguardar a sentença final. Sendo absolutória, levanta-se o seqüestro, de acordo com o
artigo 131, do Código de Processo Penal, ou a apreensão. Sendo condenatória, confiscam-se
tais bens.163
O § 1º, do artigo 4º, afirma que: “As medidas assecuratórias previstas neste artigo
serão levantadas se a ação penal não for iniciada no prazo de 120 (cento de vinte) dias,
contados da data em que ficar concluída a diligência”.
Caso a ação penal não seja intentada em cento e vinte dias, a medida cautelar perde
seu efeito. Vindo o acusado a ser condenado há o confisco de seus bens (cautelarmente
161
MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9613/98, p. 128-129.
162
Cf. NASCIMENTO, Rogério Soares do. Ônus de provar a licitude de bens suspeitos de origem criminosa.
Revista Cej - Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, Brasília, n. 5, p. 23-27, maio/ago.
1998. p. 25.
163
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 366.
60
assegurados), por outro lado, havendo a absolvição do mesmo, levanta-se o seqüestro (art.
131, CPP).164
Marco Antônio de Barros lembra que:
Certamente se atribui a tais medidas o caráter provisório enquanto não sobrevier a
sentença transitada em julgado, sendo que a respectiva decisão que determina o
seqüestro ou a apreensão de bens, quando prolatada na fase do inquérito, perderá sua
eficácia se a ação penal não for ajuizada no prazo de cento e vinte dias, contados da
data em que ficar concluída a diligência.165
Sobre as medidas assecuratórias, Rodolfo Tigre Maia conclui que o § 1º, do artigo 4º,
ampliou o prazo de validade das medidas assecuratórias para 120 (cento e vinte) dias, sendo,
portanto, mais consentâneo com a realidade prática dos processos criminais que pedem tais
providências.166
2.3.11 Da Inversão do Ônus da Prova e o Pedido de Restituição
Está disposto no art. 4º, § 2º: “O juiz determinará a liberação dos bens, direitos e
valores apreendidos ou seqüestrados quando comprovada a licitude de sua origem”.
Roberto Delmanto, juntamente com outros doutrinadores da mesma obra, afirmam
que o § 2º preceitua que a liberação dos bens, direitos ou valores apreendidos ou seqüestrados
será determinado pelo juiz, quando restar comprovada que a origem dos produtos é lícita. O
mesmo autor ainda acrescenta que agindo assim o legislador acaba invertendo o ônus da
prova, submetendo o acusado a uma ‘verdadeira probatio diabolica’.167
Entretanto, encontra-se jurisprudência com entendimento divergente: “Tratando-se
de acusação da prática de crime de lavagem de dinheiro, os bens móveis e imóveis do acusado
deverão ser seqüestrados, independente da proveniência ilícita, pois servirão como garantia de
reparação de eventuais danos”.168
O § 3º, do artigo 4º, da Lei, aduz que: “Nenhum pedido de restituição será conhecido
sem o comparecimento pessoal do acusado, podendo o juiz determinar a prática dos atos
164
Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 365.
165
BARROS, Marco Antônio de. Crimes de lavagem e o devido processo legal, p. 244.
166
Cf. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9613/98, p. 131.
167
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 579.
168
Tribunal de Justiça de São Paulo. Revista dos Tribunais, n. 779, p. 566 apud DELMANTO, Roberto;
DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis Penais Especiais Comentadas, p.
579.
61
necessários à conservação de bens, direitos e valores, nos casos do art. 366 do Código de
Processo Penal”.
Ainda sobre a inversão do ônus da prova, Marco Antônio de Barros constata que é
impossível deixar de reconhecer, que no que tange à liberação dos bens seqüestrados ou
aprendidos é invertido o ônus da prova. Na medida em que se libera o Ministério Público da
exigência de comprovar a ilicitude do patrimônio, é imposto ao acusado provar a origem legal
dos bens, direitos ou valores.169
Tocante a esse dispositivo é de se concordar com Marcelo Batlouni Medroni, que
afirma que é nesse artigo 4° que residem os melhores e mais eficientes instrumentos para
aplicação da Lei n.º 9.613/98. Além disso, o mesmo autor afirma que o dispositivo não fere o
princípio da presunção da inocência, por esta presunção estar adstrita ao princípio do devido
processo legal, que, no caso em tela, determina a inversão do ônus da prova, por serem
necessários à devida sistemática da lei.
2.3.12 Da Ordem de Prisão e da Apreensão e Seqüestros dos Bens
O parágrafo 4º, do artigo 4º, leciona que: “A ordem de prisão de pessoas ou da
apreensão ou seqüestro de bens, direitos ou valores, poderá ser suspensa pelo juiz, ouvido o
Ministério Público, quando a sua execução imediata possa comprometer as investigações”.
Roberto Delmanto e outros ensinam que o termo apreensão refere-se à retenção de
bens móveis e valores, por exemplo, dinheiro em espécie, jóias, títulos ao portador e etc. Já a
expressão seqüestro, relaciona-se com bens imóveis e direitos, como a aplicação em fundos
de investimento, entre outros. O mesmo autor lembra que a finalidade das medidas cautelares
assecuratórias presentes neste artigo é necessariamente a perda (confisco) em favor da União,
dos bens, direitos (objeto do crime), bem como, o ressarcimento do lesado, o terceiro de boafé, nos termos do artigo 7º, inciso I, desta lei. Essas medidas cautelares deverão obedecer a
forma do artigo 125 a 144 do Código de Processo Penal, podendo ser decretadas tanto durante
o inquérito policial como no curso da ação penal.170
Sobre a apreensão e seqüestro de bens, Luiz Flávio Gomes assevera:
Pelo que ficou estabelecido no art. 4º, os bens ilícitos encontrados (do acusado ou
em seu nome) serão apreendidos (CPP, art. 240 e ss.) ou seqüestrados [...], desde de
que haja ‘indícios suficientes’. O juiz pode agir de ofício ou a requerimento do
Ministério Público ou ainda mediante e representação da autoridade policial. Sempre
169
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Crimes de lavagem e o devido processo legal, p. 241.
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 577-578.
170
62
ouvirá o Ministério Público, que deve se manifestar em vinte e quatro horas. Cuidase medida cautelar inaudita altera pars, valendo o chamado contraditório diferido.
Se a ação penal não for intentada em cento e vinte dias, a medida cautelar perde seu
efeito. Caso acusado venha a ser condenado, haverá o confisco dos seus bens
(cautelarmente assegurados). Caso o acusado seja absolvido, ou extinta a sua
punibilidade, levanta-se o seqüestro (art. 131, do CPP).171
A jurisprudência também aponta no sentido de que se tratando de acusação da prática
de crime de lavagem de dinheiro, os bens móveis e imóveis do acusado deverão ser
seqüestrados, independentes da proveniência ilícita, pois servirão como garantia para reparar
eventuais danos.172
2.4 DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO
O artigo 7º enuncia que:
Art. 7º. São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal:
I - a perda em favor da União, dos bens, direitos e valores objeto de crime previsto
nesta Lei, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé;
II - a interdição do exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza e de
diretor, de membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas
jurídicas referidas no art. 9º, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade
aplicada.
Quando ocorre a condenação definitiva do réu na esfera penal, há a privação da
liberdade. No entanto, essa condenação penal pode produzir conseqüências nas esferas cível e
administrativa. Segundo Rodolfo Tigre Maia, “A Constituição da República173 prevê que a
sanção penal pode constituir na ‘perda de bens’ e na ‘suspensão ou interdição de direitos’”.174
A autora Denise Frossard, enumera alguns dos efeitos da condenação: o juiz poderá
decidir se o réu apelará ou não em liberdade; além de determinar a perda dos bens, direitos e
valores, frutos do crime, em favor da União, salvo o direito do lesado e do terceiro de boa-fé,
entre outros.175
Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio M. de Almeida ensinam
que:
171
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 365.
172
Cf. Tribunal de Justiça de São Paulo. Revista dos Tribunais, n. 779, p. 566 apud DELMANTO, Roberto;
DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis Penais Especiais Comentadas, p.
579.
173
Art. 5º, XLVI, da CF/88.
174
MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9613/98, p. 137.
175
Cf. FROSSARD, Denise. A Lavagem de dinheiro e a lei brasileira, p. 27.
63
Embora o art. 7º da Lei nº 9613/98 não exija, de forma expressa, que a interdição
prevista em seu inciso II seja motivadamente declarada na sentença, ela, ao contrário
do que ocorre com a perda de bens, direitos e valores do inciso I, mais do que o
patrimônio, atinge a própria liberdade do condenado no que tange à sua atividade
laboral. Afigura-se, assim, inafastável a conclusão de que essa interdição não é
automática; a sua aplicação deve ser expressamente motivada, a exemplo do que
exige o parágrafo único do art. 92, do CP, ao tratar dos efeitos específicos da
condenação.176
Marco Antônio de Barros explica que os efeitos da condenação previstos no Código
Penal podem ser genéricos ou específicos: o primeiro torna certa a obrigação de indenizar o
dano causado pelo crime, e na perda em favor da União; a segunda não é de aplicação
automática, ocorrendo apenas quando declarados na sentença condenatória. Dentre os efeitos
específicos, destacam-se: a) quando aplicada à pena privativa de liberdade por tempo igual ou
maior há 1 (um) ano, aos delitos praticados com abuso de poder ou violação de dever para
com a administração pública, e; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo
superior a 4 (quatro) anos, nos demais casos.177
Além dos efeitos genéricos e específicos da condenação, Marco Antônio de Barros
registra outra conseqüência, a perda dos bens seqüestrados ou aprendidos e a interdição do
exercício de cargo ou função; o efeito da coisa julgada servirá para que outros efeitos
prosperem na esfera cível. Destarte, apenas depois da confirmação da coisa julgada, que
ocorrerá a perda definitiva do patrimônio seqüestrado e/ou aprendido, ou ainda, a interdição
por tempo determinado do exercício de função ou cargo público, de diretor, membro de
conselho de administração ou gerência das pessoas jurídicas referidas no artigo 9º, da Lei n.º
9.613 de 1998.178
2.5 A CRIAÇÃO DO CONSELHO DE ATIVIDADES FINANCEIRAS
A Lei n.º 9.613/98, previu em seu artigo 14, a criação do Conselho de Controle das
Atividades Financeiras – COAF, com a finalidade de “disciplinar, aplicar penas
administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas”
previstas na mesma lei, desde que não haja prejuízo da competência dos demais órgãos.
176
DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis Penais
Especiais Comentadas, p. 582.
177
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 258.
178
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 260-261.
64
Sobre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Odete Medauar e Marcos
Amaral comentam que:
Embora tenha o legislador criado o órgão através da referida lei, sua existência
efetivou-se apenas com a edição do Decreto 2799, de 8.10.1998, que aprovou o
Estatuto do COAF, nos termos do que determinava o art. 17 da lei. O mencionado
decreto, em seu art. 1º, parágrafo único, autorizou o novo órgão à “manter núcleos
descentralizados, utilizando-se de infra-estrutura das unidades regionais dos órgãos
que pertencem os Conselheiros, objetivando a cobertura adequada de todo o
território nacional”. Tal disposição reconhece simultaneamente as evidentes
carências estruturais do órgão nascente, bem como a necessidade de se valer da
estrutura de outros órgãos para viabilizar sua atividade.179
O COAF está estruturado dentro do Ministério da Fazenda, com as seguintes
competências: a coordenação para propor mecanismos de cooperação no combate à lavagem,
e; receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de lavagem de dinheiro, com a
finalidade de enviá-las aos órgãos competentes.180
Através de entrevistas realizadas pelo Conselho da Justiça Federal com membros do
Ministério Público e do Judiciário, entendeu-se que há necessidade de se promover um
intercâmbio constante de informações entre o COAF e outros organismos, nacionais e
internacionais, de combate à lavagem de capitais, desenvolvendo um sistema informatizado
que permita ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras desempenhar suas funções
com maior efetividade e agilidade.181
Marco Antônio de Barros salienta que caberá ao Conselho de Controle de Atividades
Financeiras, exercer a fiscalização junto às demais atividades sócio-econômicas, pois sua
esfera de atribuições é residual. O mesmo autor lembra que se criou o COAF com o objetivo
de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar, identificar e investigar as
ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas na lei de lavagem de dinheiro. O próprio
Conselho de Controle de Atividades Financeiras acredita que a sua principal tarefa é
promover o um esforço em conjunto com os vários órgãos governamentais do país, que tratam
da implementação de políticas voltadas para o combate à lavagem de valores, na tentativa de
evitar que setores da economia sejam utilizados nessas operações fraudulentas.182
179
MEDAUAR, Odete; AMARAL, Marcos. Responsabilidade administrativa: A legislação de “Lavagem de
Dinheiro”. Revista de Direito Mercantil, Malheiros, São Paulo, n. 119, ano 39, p. 86-93, jul./set. 2000. p. 91.
180
Cf. WOLOSKER, Heloisa Beatriz Moura. Uma investigação sobre os esforços efetivos contra a lavagem
de dinheiro, p. 21.
181
Cf. BRASÍLIA. Conselho da Justiça Federal. Uma análise crítica da lei dos crimes de lavagem de
dinheiro. Brasília, Série de Pesquisas do Centro de Estudos Judiciários - 9, 2002. p. 100.
182
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 356-357.
65
3 A PROBLEMÁTICA DO CRIME ANTECEDENTE E A RELEVÂNCIA DO
COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO
No presente capítulo será feita uma análise de toda a problemática dos crimes
antecedentes e do rol taxativo constante na Lei n.º 9.613/1998. Além disso, estudar-se-á as
legislações sobre a lavagem de dinheiro de primeira, segunda e terceira geração, bem como, a
importância da inserção de alguns crimes importantes na lista dos crimes antecedentes, a
dificuldade probatória desse crime e a relevância do combate à lavagem de dinheiro.
3.1 O CRIME ANTECEDENTE
O crime antecedente também é denominado delito prévio, crime primário, delito
básico, ilícito precedente ou crime anterior. No entanto, para manter um acordo semântico
utilizar-se-á nesse estudo o nome ‘crime antecedente’.
Importante salientar, de início, que por muito tempo a lavagem do dinheiro
proveniente de ação criminosa não era vista como crime autônomo. O dinheiro era a
conseqüência da ação delituosa, integrando o tipo penal. A posterior utilização do numerário
(dinheiro) era uma decorrência natural do crime originário. Denise Frossard completa que:
Seria um bis in idem punir o delinqüente por haver utilizado o produto do crime,
uma vez que tal utilização seria um dos fins visados pelo agente. Todavia, o tempo e
a experiência mostraram a necessidade de um tratamento jurídico penal a essa
conduta do agente posterior ao delito. A circulação desse dinheiro tomou proporções
incríveis, extrapolando as fronteiras nacionais, na medida em que foram surgindo e
se intensificando os crimes de elevada motivação econômica, tais como a corrupção
na administração pública, as fraudes e os golpes no sistema financeiro, o tráfico de
drogas e de armas. Na mesma medida, foram os criminosos se organizando de
maneira cada vez mais sofisticada, tanto no plano intelectual como no plano
material.183
Necessário esclarecer, primeiramente, que de forma semelhante ao delito de
receptação184, o crime de lavagem de dinheiro requer, como pressuposto especial a ocorrência
183
FROSSARD, Denise. Lavagem de Dinheiro e a Lei Brasileira, p. 22.
Crime previsto no artigo 180, do Código Penal: “Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em
proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira,
receba ou oculte: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa”.
184
66
de um crime antecedente, porque é justamente nesse crime que se terá a origem do objeto
material sobre o qual recairá a conduta típica respectiva.185
Sobre a lavagem de dinheiro e a receptação, Rodolfo Tigre Maia assevera:
Historicamente, o problema foi enfrentado através da utilização do tipo penal da
receptação e do perdimento dos produtos do crime. Hoje a questão assumiu um grau
de complexidade que tornou obsoleta, insuficiente e acanhada uma proteção desta
natureza. Com efeito, as profundas mudanças ocorridas nas técnicas de
aproveitamento dos produtos do crime (lavagem de dinheiro), para além de
assegurarem a própria reprodução e tornarem possível a aplicação e perpetuação das
atividades criminais, produzem um elevadíssimo ônus adicional para toda
comunidade.186
Diferentemente da receptação, o crime anterior à conduta de reciclagem de valores
possui previsão legal, estando elencados nos incisos I a VIII, do artigo 1º, da Lei n.º
9.613/1998.
Sobre os crimes antecedentes, a autora Denise Frossard ainda conclui:
Em nível normativo, a movimentação econômica do produto de determinados crimes
ganhou autonomia penal. Tornou-se conduta típica. Surgem assim, nesse terreno, as
figuras do crime originário e do crime derivado, ambos sancionados de modo
distinto. Daí a lei brasileira que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de
bens, publicada em março de 1998, estabelecer que o processo e julgamento dos
crimes nela previstos independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes
(Lei n° 9.613/98, art. 2°, II). Esses crimes antecedentes são os que deram origem ao
dinheiro que os agentes buscam revestir de legalidade através de operações
financeiras e comerciais. Os agentes dos crimes antecedentes necessitam encobrir a
origem criminosa do dinheiro que possuem e que sustentam o seu alto padrão de
vida. Buscam, via lavagem, arredar a evidência da autoria e da materialidade do
crime.187
Roberto Podval ainda assinala, que a concretização do crime de lavagem de dinheiro
está atrelada ao cometimento de crimes antecedentes e, sendo esses pré-determinados em um
rol taxativo, inviável tipificar o delito de lavagem de capitais sem antes determinar
precisamente a ocorrência do crime anterior. Demonstra-se assim, a importante elucidação e
análise dos crimes antecedentes. O mesmo autor ainda esclarece, que como se trata de um
crime de acessoriedade limitada, só poderá considerar lavagem de dinheiro se o crime
antecedente for conhecido, típico, antijurídico e constar na relação dos crimes antecedentes,
constantes nos incisos do artigo primeiro da Lei de Lavagem de Dinheiro.188
185
Cf. CALEGARI, André Luiz. Direito Penal econômico e Lavagem de dinheiro: Aspectos criminológicos.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 136.
186
MAIA, Rodolfo Tigre. Algumas Reflexões sobre o crime organizado e a lavagem de dinheiro. AJURIS Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 5ª.Ed. Especial, p. 181-192, jul. 1999, p. 188.
187
FROSSARD, Denise. Lavagem de Dinheiro e a Lei Brasileira, p. 23.
188
Cf. PODVAL, Roberto. Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial. 7. ed. atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. v. 2. p. 2100.
67
Nota-se que há uma série de requisitos, os quais devem ser fielmente seguidos, para
que haja a concretização do crime de lavagem de dinheiro, motivo pelo qual se mostra tão
difícil punir efetivamente o ‘lavador de capitais’.
3.2 A LIMITAÇÃO DO ROL TAXATIVO DOS CRIMES ANTECEDENTES
A legislação de Lavagem de Dinheiro do Brasil adotou uma estratégia de selecionar
quais tipos de ativos ilícitos podem ou não ser lavados. Dessa forma, no Brasil, só existe
importância penal, para que o Estado movimente sua máquina de repressão, se o criminoso
tentar ocultar ou dissimular a origem de ativos provenientes de tráfico ilícito de entorpecentes,
terrorismo e seu financiamento, tráfico de armas e munições, extorsão mediante seqüestro,
crimes contra a administração pública, crimes contra o sistema financeiro nacional, crimes
praticados por organização criminosa e por particular contra a administração pública
estrangeira.189
Não será analisado neste subtítulo cada crime do rol taxativo, pelo motivo de os
mesmos já terem sido examinados no capítulo anterior, onde foi feita uma análise crítica da
Lei n.º 9.613/1998.
Importante esclarecer que essa limitação dos crimes antecedentes, constante na
legislação vigente, se deu em decorrência do Brasil ter adotado a chamada legislação de
segunda geração, originada da Convenção de Viena de 1988.
Acerca do tema, Rodolfo Tigre Maia esclarece que:
As primeiras legislações a esse respeito, elaboradas na esteira da Convenção de
Viena, circunscreviam o ilícito penal da ‘lavagem de dinheiro’ ou bens, direitos e
valores à conexão com o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins.
Gravitavam, assim, na órbita da ‘receptação’ as condutas relativas a bens, direitos ou
valores originários de todos os demais ilícitos que não foram as espécies típicas
ligadas ao narcotráfico. [...] Adveio, então, uma legislação de segunda geração para
ampliar as hipóteses dos ilícitos antecedentes e conexos, de que são exemplos as
vigentes na Alemanha, na Espanha, e em Portugal. [...] Outros sistemas, como o da
Bélgica, França, Itália, México, Suíça e Estados Unidos da América do Norte,
optaram por conectar a ‘lavagem de dinheiro’ a todo e qualquer ilícito precedente. A
doutrina internacional considera a legislação desses países como de terceira geração
[...].190
189
Cf. ODON, Tiago Ivo. Lavagem de Dinheiro: os efeitos macroeconômicos e o bem jurídico tutelado, p. 333.
MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9.613/98, p. 67-68.
190
68
Marco Antônio de Barros191 e Sérgio Antônio Pitombo192 concordam que a posição
brasileira, no que tange ao rol taxativo dos crimes antecedentes, é intermediária, tendo o
Brasil adotado a legislação de segunda geração, porque não limita ao crime antecedente
apenas o delito de tráfico de tóxicos (primeira geração), nem considera qualquer crime como
sendo antecedente (terceira geração).
Ressalta-se que as legislações de primeira, segunda e terceira geração, citadas no
trabalho em apreço são decorrentes da Convenção de Viena de 1988.
O artigo 1º, da Lei n.º 9.613 de 1998, traz em seus incisos o rol taxativo dos crimes
antecedentes, em relação à conduta da lavagem de dinheiro. William Terra de Oliveira leciona
que basicamente são delitos de especial gravidade com um alto potencial lesivo, que,
geralmente, produzem quantidades significativas de valores, necessitando serem recolocados
no sistema econômico. Ainda completa que:
Trata-se de uma lista fechada, numerus clausus, de maneira que somente teremos o
crime de lavagem de dinheiro se os valores ocultados ou dissimulados forem
provenientes de alguns dos delitos descritos nos incs. I a VII. É importante lembrar
que a lei foi clara ao definir que a lavagem de dinheiro é um delito relacionado com
crimes anteriores, excluindo, portanto, as contravenções. Assim, estão fora do
alcance da lei o dinheiro oriundo de atividade contravencionais.193
Algumas alterações foram feitas no rol taxativo dos crimes antecedentes. Roberto
Delmanto e outros doutrinadores lembram que o inciso segundo (terrorismo e seu
financiamento) foi inserido através da Lei n.º 10.701, de 09 de julho de 2003, e que o oitavo
inciso (praticado por particular contra a administração pública estrangeira) foi introduzido
pelo artigo 3º da Lei n.º 10.467, de 11 de junho de 2002. Em decorrência dessa modificação
do rol taxativo dos crimes antecedentes, algumas obras publicadas anteriormente às Leis n.ºs
10.467/2002 e 10.701/2003, trazem outra numeração aos crimes antecedentes.194
Após o exame desse assunto, nota-se uma forte crítica à adoção do rol taxativo dos
crimes antecedentes (legislação de segunda geração) e uma grande indignação por parte de
diversos doutrinadores, que serão citados posteriormente, sobre a não inclusão de alguns
graves delitos e contravenções, como, crime de tráfico de mulheres e crianças, crime contra a
ordem tributária e jogo do bicho, no rol dos crimes antecedentes, motivo pelo qual eles serão
objeto de estudo.
191
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Crimes de lavagem e o devido processo legal, p. 94.
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p.
57.
193
CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais:
comentários à Lei 9.613/98, p. 329-330.
194
Cf. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis
Penais Especiais Comentadas, p. 547.
192
69
3.2.1 O crime de tráfico de seres humanos
De acordo com o 12º Período de Sessões da Comissão das Nações Unidas de
Prevenção ao Crime e Justiça Penal, o crime de tráfico de mulheres e crianças foi colocado
em terceiro lugar na lista dos crimes que mais obtém lucros ilícitos. Damásio de Jesus
assevera, que o crime de tráfico de mulheres e crianças não está previsto no rol taxativo dos
crimes antecedentes por razões históricas:
A razão histórica está em que nos idos de 1998, quando a Lei entrou em vigor, não
obstante o delito de tráfico internacional de pessoas estivesse sendo cometido há
muito tempo e em grande escala, não tinha grande repercussão social. Esquecido
pela mídia, passou despercebido aos olhos do legislador. De maneira que não há
crime de branqueamento de capitais na hipótese de o objeto material advir de tráfico
internacional de pessoas, subsistindo apenas o delito antecedente.195
Certo que na maioria das vezes o tráfico internacional de pessoas é realizado por
organizações criminosas, o que poderia permitir a condenação dos traficantes de seres
humanos, porque o inciso VII, do artigo 1º, da Lei de Lavagem de Capitais, prevê o caso de
crime praticado por organização criminosa como crime antecedente. No entanto, conforme
elucida Damásio de Jesus, o crime de lavagem de dinheiro não está adstrito somente às
organizações criminosas, apesar de serem estes seus autores na maior parte dos casos.196
Contudo, conforme anteriormente salientando, é inaplicável o inciso VII da referida
lei, pois não há na legislação brasileira denominação do que vem a ser uma ‘organização
criminosa’. Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo concorda afirmando que:
Embora possuam a previsão de quadrilha ou bando no CP (art. 288) e os dispositivos
da lei especial quanto á matéria (Lei 9034/1995 com as alterações da Lei
10.217/2001), tais disposições legais não suprem a necessidade de tipo legal, em
virtude do princípio do nullum crimen, nulla poena sine legge. As vozes dissoantes à
postura, embasada na estrita legalidade (art. 5º, XXXIX, da CF combinado com art.
1º do CP), trilham caminho sem saída, porque a práxis judiciária pôs de lado a
referida lei processual penal, pela falta de definição típica de organização
criminosa.197
195
JESUS, Damásio de. Lavagem de Dinheiro Proveniente de Tráfico Internacional de Mulheres e
Crianças não Constitui Crime. Justilex, Braília, ano 2, n. 19, p. 20-21, jul. 2003. p. 20.
196
Cf. JESUS, Damásio de. Lavagem de Dinheiro Proveniente de Tráfico Internacional de Mulheres e
Crianças não Constitui Crime, p. 20-21.
197
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p. 116.
70
Damásio de Jesus ainda completa o raciocínio, afirmando que: “Em suma, nossa
sugestão é no sentido da inclusão de um inciso IX no art. 1º, da Lei n. 9613, de 3 de março de
1998, mencionando os crimes de tráfico internacional de mulheres e crianças”.198
3.2.2 Os crimes contra a ordem tributária
A autora Ela Wiecko V. de Castilho assevera que a não inserção dos crimes
tributários como antecedentes na criminalização da lavagem de dinheiro ocorreu por motivos
econômicos, para proteger os detentores de dinheiro nos países ricos. A autora ainda ressalva
que, segundo palestra ministrada por Arlacchi em 2002, ao contrário do que se pensa, grande
parte da massa de valores que circula no mercado financeiro mundial não é de origem apenas
do tráfico de drogas, armas e seres humanos, mas sim da evasão fiscal, que seria responsável
por cerca de 50% (cinqüenta por cento) dessa movimentação.199
Rodolfo Tigre Maia, lamentou da mesma forma:
A terapêutica legislativa afinal adotada pelo Estado brasileiro, através da edição da
Lei Federal n. 9.613, de 03.03.98, pode não ser mais eficiente e abrangente, contudo,
foi a resultante possível do enfrentamento de forças sociais e políticas que integram
nosso parlamento e, neste sentido, consubstancia significativo avanço. A hegemonia
conservadora neste contexto associada à lamentável tradição de utilização servil e
acrítica de modelos e experiências de outros países, bem como a notória capacidade
de interferência dos grupos de pressão de colarinhos brancos na elaboração e
sancionamento de regulações que possam atingir seus interesses, dilucidam a
relativa tibieza no enfrentamento e na normatização de temas politicamente
delicados, tais como a (não) inclusão de crimes contra a ordem tributária, o sigilo
bancário, o sancionamento das pessoas jurídicas, as atribuições e responsabilidades
das empresas que conformam o sistema financeiro nacional e de determinados
profissionais (e. G. Advogados, banqueiros, operadores do mercado de capital) no
combate à reciclagem de ativos ilícitos, o relativo amesquinhamento das missões
cominadas ao Ministério Público, etc.200
A Exposição de Motivos n.º 692, de 18 de dezembro de 1996, assenta que os crimes
contra a ordem tributária não devem integrar a categoria dos crimes antecedentes pelo motivo
de não acarretar um aumento patrimonial para o agente que acaba mantendo o patrimônio,
desvencilhando-se da obrigação fiscal.201
Outro motivo, exposto com indignação por Ela Wiecko V. de Castilho, apresentado
pelo Ministro Nelson Jobim, mostra-se, também, de difícil aceitação:
198
JESUS, Damásio de. Lavagem de Dinheiro Proveniente de Tráfico Internacional de Mulheres e
Crianças não Constitui Crime, p. 21.
199
Cf. CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Crimes antecedentes e lavagem de dinheiro, p. 57.
200
MAIA, Rodolfo Tigre. Algumas reflexões sobre o crime organizado e a lavagem de dinheiro, p. 185.
201
Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p.
58-59.
71
Na sonegação fiscal, o que se passa é que a pessoa não se desfaz do seu patrimônio
para cumprir obrigação fiscal. Não há, na sonegação fiscal, um aumento do
patrimônio do indivíduo. E se o indivíduo deixa de pagar o tributo, porque sonega,
não lava o dinheiro. No momento em que compra um apartamento, faz um
investimento, transfere dinheiro para o exterior. Ele está transferindo um dinheiro
seu, não de outrem e nem dinheiro oriundo de atividade criminosa [...]. Se os
senhores resolverem incluir que não pagar o tributo é um crime; e que usar o
dinheiro com o qual deveria pagá-lo é outro crime, estariam, digamos, apenando
duas vezes a mesma conduta.202
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo segue a mesma idéia, afirmando que: “[...] a
inclusão do crime tributário como delito prévio poderia caracterizar eventual bis in idem,
quando a lavagem fosse cometida na modalidade de ocultação”.203
A doutrinadora Ela Wiecko V. de Castilho comprova que existem alguns casos onde
os crimes contra a ordem tributária desencadeiam em um aumento do patrimônio, dando 3
(três) exemplos: a) quando o empresário, por meio de artifício (comprando nota fria, por
exemplo), realiza caixa dois; b) quando lança na contabilidade uma despesa fictícia, e; c)
quando se apropria do imposto de renda retido na fonte ou de contribuição descontada de
empregado tendo a obrigação de recolhê-los. Além disso, a mesma autora salienta que a
cumulação de valores não pagos, por óbvio, permite um aumento do patrimônio, alegando o
princípio da poupança, e completa que todas essas hipóteses configuram crimes contra a
ordem tributária.204
Marco Antônio de Barros acredita que foi proposital a exclusão dos crimes contra a
ordem tributária do rol dos crimes antecedetes. O autor ressalta que durante a tramitação do
projeto de lei, temia-se que a inclusão da sonegação fiscal pudesse tornar inviável a aprovação
da Lei n.º 9.618 de 1998, pelo motivo de que aos olhos dos parlamentares a sonegação não
seria um delito grave, nem representaria um acréscimo do patrimônio, mas sim, apenas uma
manutenção do mesmo.205
Observa-se que o meio político e a esfera jurídica divergem acerca da inclusão dos
crimes contra a ordem tributária.
Eunice de Alencar Mendes, após uma análise crítica da lei dos crimes de lavagem de
dinheiro, feita através de questionários respondidos por juízes, procuradores e delegados
federais, pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, foi clara ao
afirmar que: “Os respondentes dos três grupos foram unânimes ao afirmarem que a Lei n.º
202
CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Crimes antecedentes e lavagem de dinheiro, p. 50.
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p. 5859.
204
Cf. CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Crimes antecedentes e lavagem de dinheiro, p. 51.
205
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 97.
203
72
9.613/98 não é ampla o suficiente para disciplinar todo o fenômeno criminológico sobre a
lavagem de dinheiro e que essa lei deveria contemplar, no rol dos crimes antecedentes, os
crimes contra a ordem tributária”.206
Marco Antônio de Barros também não se conforma com a posição política, aduzindo
que foi “[...] uma opção firmada no campo da política criminal, que não recebeu apoio
integral no meio jurídico”.207
Outro fato preocupante, trazido em recente pesquisa realizada pelo Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), apontou que a evasão fiscal brasileira, uma das
maiores do mundo atualmente, mantém relação direta com o peso da carga tributária do país,
que no Brasil é de 36% (trinta e seis por cento) do PIB.208
Conclui-se, lamentavelmente, que a Lei de Lavagem de Capitais não é mais ampla e
eficaz em decorrência da falta de interesse e vontade de alguns políticos, que colocam em
primeiro lugar o que melhor lhes convém, produzindo efeitos macroeconômicos para o país e
o mundo.
3.2.3 O jogo do bicho
No Brasil existe uma diferença entre crime e contravenção penal, não convém
analisar todas as diferenças existentes entre essas 2 (duas) modalidades, bastando esclarecer
que para a contravenção penal existe apenas a prisão simples (sem rigor penitenciário), ou
apenas, a pena cominada de multa.209
O jogo do bicho é considerado uma das maiores chagas da criminalidade brasileira e
restou admiravelmente configurado como contravenção penal e não crime.
Segundo Igor Tenório e Inácio Carlos Dias Lopes:
É o ‘jogo do bico’ a mais transparente das organizações criminosas e, possivelmente,
a mais antiga e duradoura [...]. A respeito do tratamento penal dado ao jogo do bicho,
os mesmos autores concluem ser uma falta de seriedade política para tratar do
assunto, legalizando ou exigindo que o jogo do bicho passe de contravenção em
crime. Há um prejuízo no jogo ilegal, seja então bancado pelos governos federal e
estadual, e principalmente, livremo-nos do quadro de corrupção generalizada das
polícias estaduais, tão de domínio público que chega a ser abertamente contado em
livros e na imprensa [...].210
206
MENDES, Eunice de Alencar. Uma análise crítica da Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro. Revista
do Centro de Estudos Judiciários, Brasília, v. 16, p. 115-116, jan./mar. 2002. p. 116.
207
BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 97.
208
Cf. ASCARI, Janice Agostinho Barreto. Algumas notas sobre lavagem de ativos, p. 219.
209
Cf. ODON, Tiago Ivo. Lavagem de Dinheiro: os efeitos macroeconômicos e o bem jurídico tutelado, p. 342.
210
LOPES, Inácio Carlos Dias; TENÓRIO, Igor. Crime organizado: novo direito penal ate a lei 9.034/95.
Brasília: Consulex, 1995. p. 51-60.
73
Os mesmos escritores constatam que a respeito do desinteresse político e policial
pelo jogo do bicho no Brasil, o motivo principal seria a corrupção, já que é evidente o
envolvimento de autoridades políticas e policiais com bicheiros.211
Com surpresa, constata-se que caso um bicheiro introduza no sistema financeiro
nacional valores, oriundos do jogo, com a finalidade de ocultar ou dissimular a sua origem,
não estará cometendo nenhum crime, por maior que seja a importância ocultada ou
dissimulada.
De acordo com a análise da situação do Brasil, é necessário, urgentemente, dar um
tratamento mais rigoroso e sério ao jogo do bicho, optando por legalizá-lo ou erradicá-lo da
sociedade brasileira. Enquanto não se faz a opção da legalização ou não do jogo do bicho,
constata-se que a atitude mais correta seria incluí-lo no rol dos crimes antecedentes da
lavagem de dinheiro, por ser uma atividade extremamente lucrativa, porém, danosa para o
País.
3.3 INDÍCIOS SUFICIENTES DO CRIME ANTECEDENTE PARA O OFERECIMENTO
DA DENÚNCIA
No capítulo anterior do trabalho em apreço, já se realizou um estudo do artigo 2º, §
1º, da Lei n.º 9.613 de 1998, entretanto, torna-se necessário, novamente, atentar para a
importância desse artigo.
Após a leitura do referido dispositivo, nota-se que apesar do legislador brasileiro não
exigir a prova do crime antecedente ao de lavagem de dinheiro, para que se inicie o processo e
julgamento do crime de lavagem, constata-se que seria inviável para o juiz motivar uma
sentença de lavagem de dinheiro sem comprovar que os valores foram obtidos através do
cometimento do crime antecedente.
Segundo André Luiz Callegari:
Assim, para que se possa condenar o sujeito pelo delito de lavagem, ao menos é
necessário que haja prova convincente do delito prévio prova esta que pode ser
reconhecida com relação a um dos delitos precedentes previstos na Lei de Lavagem.
Indícios do crime antecedente não são suficientes para a condenação pelo delito de
lavagem [...]. Como ocorre na receptação, não basta a simples suspeita, receio ou
211
Cf. LOPES, Inácio Carlos Dias; TENÓRIO, Igor. Crime organizado: novo direito penal ate a lei 9.034/95, p.
58.
74
dúvida sobre sua procedência, será preciso a certeza no que diz respeito à origem
ilícita dos bens, mesmo porque o delito de lavagem não possui forma culposa.212
Marco Antônio de Barros também concorda que somente indícios da existência do
crime antecedente não são suficientes para viabilizar uma condenação por lavagem de
dinheiro. O mesmo autor vislumbra que a sentença condenatória requer a formação do
convencimento jurisdicional firme a respeito do crime antecedente, e que se ao final da
instrução processual, o magistrado tiver dúvidas sobre a existência do crime antecedente, a
solução do processo será a absolvição, em decorrência do princípio in dubio pro reo.213
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo ainda conclui que:
No campo da materialidade do crime antecedente, resta claro que a tipicidade penal
da lavagem de dinheiro não se coaduna com “indícios suficientes da existência do
crime antecedente”, expressão nova criada no art. 2º, § 1º, da Lei 9613/98. A letra da
lei levará a cogitar que o recebimento da denúncia sujeitaria a se aceitar, para dar
início a segunda fase da persecutio criminis, um fato sobre o qual paire incerteza
jurídica, quanto à tipicidade. Todavia, em respeito à não consideração prévia da
culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF), torna-se inadmissível a ação penal por falta de
justa causa (art. 43, III, cominado com art. 648, CPP), sem a convicção da
materialidade do crime anterior.214
É certo que a aplicação do art. 2º, §1º, da Lei de Lavagem de Dinheiro, facilitaria o
processamento dos criminosos. No entanto, após estudo e análise dessa questão, nota-se, mais
uma vez, que a legislação de lavagem de capitais esbarra em possíveis inconstitucionalidades,
dificultando a punição dos ‘lavadores de capitais’ ao invés de auxiliar.
3.4 A DIFICULDADE DE PROVA DO CRIME ANTECEDENTE
Como anteriormente afirmado, a Lei de Lavagem de Capitais apresenta muitos
problemas ainda não solucionados, que dificultam a aplicação da mesma.
André Luiz Callegari ensina que isso ocorre devido a sua recente aparição (1998), da
escassa doutrina e principalmente devido à problemática da prova do crime antecedente ao da
lavagem. O mesmo autor assegura que apesar do legislador pátrio não exigir a prova do crime
antecedente ao de reciclagem de valores, para que se inicie o processo e julgamento deste
crime, o Ministério Público poderia dar início à ação penal apenas com indícios do crime
212
CALLEGARI, André Luiz. Lavagem de dinheiro: Lavagem de dinheiro: Estudo introdutório do Prof.
Eduardo Montealegre Lynett. Monole: São Paulo, 2004. p. 95.
213
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 224-225.
214
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p. ..
75
antecedente, a prática se mostra um pouco diferente, pelos motivos já expostos no item
anterior.215
Ao examinar o assunto da prova ou indícios do crime antecedente, Rodolfo Tigre
Maia conclui:
Destarte, na esteira da melhor doutrina sobre o tema, pode-se afiançar que indícios
suficientes serão aqueles que, independente de sua quantidade, quando sopesados à
luz dos princípios gerais de apreciação da prova em sede criminal, da experiência
jurídica e especificidades da modalidade de ilícito a que se vinculam, produzem no
julgador o convencimento racional, explicitando fundamentadamente, de que existe
um elevado grau de probabilidade de que determinado crime tenha sido praticado.
Assim, e.g., se o exame microscópico do numerário apreendido revela a presença de
resíduos de cloridrato de cocaína nas notas em poder do acusado, há uma grande
probabilidade de que estas tenham se originado do tráfico daquela substância.216
André Luiz Callegari explica que para solucionar essa polêmica, com relação à prova
do crime antecedente, parte da doutrina espanhola utiliza a jurisprudência da receptação,
assinalando que nestes casos não é preciso que haja uma sentença condenatória com relação
ao crime antecedente, mas se exige ao menos um fato minimamente circunstanciado, ou seja,
é preciso saber com precisão que fato criminoso originou os bens. O autor ainda confirma que
parte da jurisprudência pátria manifesta-se nesse sentido.217
Sobre a dificuldade probatória do crime antecedente, o autor supracitado faz um
importante esclarecimento:
De qualquer forma, como elementos indiciários de interesse, será necessário valorar
para demonstrar o conhecimento da origem ilícita, entre muitos outros, dados tais
como: a utilização de identidades supostas que poderiam ser falsas; a existência de
relações comerciais que justifiquem os movimentos de dinheiro; a utilização de
testas-de-ferro sem disponibilidade econômica real sobre os bens; a vinculação de
sociedade fictícias carentes de atividades econômicas, mais especificamente se estão
radicadas em países conceituados como paraísos fiscais; a realização de alterações
documentais; o fracionamento de ingressos e depósitos para dissimular sua quantia;
a disposição de elevadas quantidades de dinheiro em espécie sem origem conhecida;
a simulação de negócios ou operações comerciais que não respondem à realidade; a
percepção de elevadas comissões pelos intermediários e, por fim, quaisquer outras
circunstâncias concorrentes na execução de tais atos, que estejam suscetíveis a
serem qualificadas como irregulares ou atípicas desde uma perspectiva financeira e
mercantil e que não venham a senão a indicar, na verdade, a clara intenção ou
vontade de ocultar ou encobrir bens e produtos do delito.218
215
Cf. CALLEGARI, André Luiz. Lavagem de dinheiro: Estudo introdutório do Prof. Eduardo Montealegre
Lynett, p. 85-86.
216
MAIA, Rodolfo Tigre, Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime – Anotações às
disposições criminais da Lei n. 9613/98, p. 120.
217
Cf. CALLEGARI, André Luiz. Direito Penal Econômico e Lavagem de Dinheiro: aspectos criminológicos,
p. 146-147.
218
CALLEGARI, André Luiz. Lavagem de Dinheiro e o Problema da Prova do Delito Prévio. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 801, ano 91, p. 448-454, jul. 2002. p. 453.
76
Observa-se que diversas são as dificuldades para a comprovação dos crimes
antecedentes e, conseqüentemente, da própria lavagem de dinheiro. No entanto, acredita-se
que os principais obstáculos seriam: o rol taxativo dos crimes antecedentes; o sigilo bancário;
os paraísos fiscais; o dinheiro eletrônico e as operações pela internet; a falta de integração da
polícia, do Ministério Público e da Justiça, e; a falta de assessoria técnica especializada no
auxílio a esses órgãos.
Em decorrência do exposto, será analisado cada obstáculo supracitado.
3.4.1 O sigilo bancário
Necessário concordar com Marco Antônio de Barros, quando este afirma que um dos
pontos cruciais para o combate à lavagem de dinheiro seria a questão do sigilo bancário. O
doutrinador ainda reforça que a Lei n.º 9.613 de 1998, é silente a respeito do mesmo, fazendo
apenas uma menção ao segredo de justiça em seu art. 10, III.219
A Constituição Federal distingue a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, como direitos fundamentais (artigo 5º, X, CF). Como conseqüência disso, o
inciso XII, do artigo 5º, ressalva que: “é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma
que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Acerca do sigilo bancário, Francisco Assis Betti aduz que os documentos bancários
fazem parte da vida íntima, o que é constitucionalmente dito inviolável. Francisco Assis Betti,
ainda cita o professor Sérgio Carlos Covello:
[...] a faculdade que tem o cidadão de manter afastados do conhecimento de outrem
circunstâncias pertinentes à sua personalidade (o sigilo, o direito a segredo) assume
a cada dia maior relevância em vista da massificação social vivenciada pelo mundo
todo, nesta era de avanço científico e tecnológico [...].220
No entanto, nota-se que é correto que o direito ao sigilo bancário não pode se
sobrepor a outros direitos fundamentais, não sendo o mesmo absoluto. Luiz Flávio Gomes e
Raúl Cervini lecionam que desde que a invasão da privacidade seja justificada, para
219
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 315.
220
COVELLO, Sérgio Carlos. O sigilo bancário como proteção à intimidade. Revista dos Tribunais, v. 78, n.
648, p. 27-30, out. 1989 apud BETTI, Francisco Assis. O sigilo bancário e a nova lei que define o crime de
“lavagem” de dinheiro: Aspectos tributários e penais. Revista do Centro de Estudos Judiciários, Brasília, v. 5,
p. 09-17, maio/ago. 1998.
77
salvaguardar outros direitos fundamentais ou para a investigação criminal ou instrução
processual penal, seria lógica que o direito à privacidade haveria que ceder, em decorrência
do atendimento ao princípio da proporcionalidade.221
O grau de importância da quebra do sigilo bancário para o combate à reciclagem de
capitais, é assim analisado por Marco Antônio de Barros:
É sabido que a ‘lavagem’ de capitais praticada por organizações criminosas é
engendrada com requinte e sofisticação, sendo freqüente a sutileza dos meios
empregados pelo agente lavador para facilitar o encobrimento da ilicitude. Ao
emprenhar-se em coibir este comportamento criminoso altamente lesivo à finanças
do País, o COAF procede às investigações valendo-se dos meios que possibilitam
rastrear as múltiplas operações bancárias, financeiras e econômicas realizadas com o
lucro obtido pela prática dos crimes antecedentes. Claro está que para completar o
rastreamento de bens, direitos ou valores objeto de “lavagem”, em cem por cento
dos casos, torna-se imprescindível exame de contas bancárias de outras operações
financeiras e de investimentos. 222
Imprescindível concordar com Francisco Assis Betti, quando o mesmo lembra que o
Estado possui o dever de zelar pelo bem estar do povo, devendo também, assegurar-lhe
segurança e condições para desenvolver-se, não podendo as leis acobertarem práticas ou
interesses pessoais que vão contra a ordem pública e demais exigências sociais. Dessa forma,
a quebra do sigilo bancário deve ser feita sempre que tiver por fim o bem comum, que deve
prevalecer à intimidade pessoal.223
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência apontam no sentido de que a quebra do
sigilo bancário deve ser apenas feita mediante autorização judicial, sendo considerada ilícita a
prova obtida sem a devida autorização.
No entanto, conforme afirma Marco Antônio de Barros, o sigilo bancário sempre
configurou um entrave para as investigações feitas pela polícia, por haver punição severa aos
profissionais que rompem o sigilo, sem a autorização judicial, o que desencadeou uma
inibição da cooperação por parte dos profissionais que trabalham na área bancária e fiscal. O
mesmo doutrinador ainda tece alguns esclarecimentos acerca de uma facilitação da quebra do
sigilo bancário:
Nem mesmo o fato de a solicitação feita pela autoridade administrativa competente
resultar na concessão de uma medida liminar inaudita altera parte – sem audiência
prévia da parte contrária – ou seja, sem que os titulares ou possuidores de bens,
direitos e valores ocultos sejam previamente cientificados do pedido, pode impedir o
seu conhecimento e eventual deferimento. É mister admitir que os crimes de
221
Cf. GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime Organizado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p.
121.
222
BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 315.
223
Cf. BETTI, Francisco Assis. O sigilo bancário e a nova lei que define o crime de “lavagem” de dinheiro:
Aspectos tributários e penais, p. 15.
78
‘lavagem’ são destacados pela astúcia dos criminosos. Daí a necessidade de conferir
às autoridades a possibilidade de utilizarem desse instrumento que, além do mais,
contribui decisivamente para o descobrimento da verdade. Por outro lado, a
preservação do elemento ‘surpresa’ que caracteriza a medida é inevitável, pois a
ninguém é dado o direito de menosprezar a volatilidade que distingue as operações
financeiras no âmbito da macrocriminalidade organizada.224
Pensando em agilizar a quebra do sigilo bancário e tornar mais rápidas e eficazes as
investigações, foi criada a Lei Complementar n.º 105/2001, que conferiu um favorecimento à
obtenção de informações sigilosas ao Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores
Mobiliários e ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras. Dois grandes problemas
surgem após a aprovação da LC n.º 105/2001: a inconstitucionalidade dessa Lei
Complementar, pois, segundo a Carta Magna, só haverá a quebra do sigilo via autorização
judicial, e; uma desproporcionalidade no poder conferido a esses órgãos, que ultrapassa,
inclusive, os conferidos ao Ministério Público.225
Eunice de Alencar Mendes ressalta uma pesquisa realizada entre as autoridades
judiciais responsáveis pela coibição da lavagem de capitais e mostra o tamanho do problema
da quebra de sigilo bancário:
Verificou-se, assim, na pesquisa, diante da opinião dos três grupos, a necessidade de
se flexibilizar o sigilo bancário sob a alegação de que ele significa um entrave para a
investigação da Polícia Federal e do Ministério Público. Nesse sentido, ressaltam-se
dois comentários de procuradores da república: o sigilo bancário, conforme
entendido pelo BACEN, impede, na maioria dos casos, uma investigação em que
não ocorra prescrição. Em geral, os procedimentos só nos são remetidos ao final do
processo, às vezes, 6 ou 7 anos após. O sigilo bancário tem sido transformado em
biombo para toda sorte de crimes, de modo que o respeito quase religioso que tem
deveria ser suprimido. Ademais, considero que o sigilo bancário não tem dignidade
constitucional, eis que se trata de questão de privacidade e não intimidade.226
Constata-se que se mostra necessária uma flexibilização a respeito da quebra do
sigilo bancário, no entanto, deve-se obedecer à previsão constitucional para não correr o risco
de invalidar as provas obtidas. Oportuno lembrar que alguns autores, como Janice Agostinho
Barreto Ascari, defendem, inclusive, da eliminação do sigilo bancário.227
Importante ressaltar que, inclusive já foi considerado pelo STF que a quebra de sigilo
bancário, para fins fiscais, não atinge ou fere a intimidade ou a privacidade do cidadão:
Sigilo bancário – Informações destinadas à Divisão de Imposto de Renda. O sigilo
bancário só tem sentido enquanto protege o contribuinte contra o perigo da
divulgação ao público, nunca quando a divulgação é para o fiscal do Imposto de
224
BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 317.
225
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 329.
226
MENDES, Eunice de Alencar. Uma análise crítica da Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro, p. 115.
227
Cf. ASCARI, Janice Agostinho Barreto. Algumas notas sobre lavagem de ativos, p. 220.
79
Renda que, sob pena de responsabilidade, jamais poderá transmitir o que lhe foi
dado conhecer.228
Diante do exposto, José Antônio Farah Lopes de Lima conclui que a obtenção de
dados por parte da Administração Pública não viola o direito à intimidade ou privacidade.229
Um passo, para que o sigilo bancário deixe de ser um entrave no combate à lavagem
de dinheiro, seria a flexibilização da quebra do sigilo bancário para fins de investigações de
crimes contra a Administração Pública e uma ampliação dos poderes conferidos ao Ministério
Público, para que o órgão pudesse agir de forma mais célere e enérgica na obtenção das
provas, e conseqüentemente, aumentando a possibilidade de efetiva aplicação da Lei n.º
9.613/98.
3.4.2 Os paraísos fiscais
Marco Antônio de Barros explica que ‘Paraíso Fiscal’ é a denominação que tem sido
dada aos países que não interferem, ou interferem muito pouco, no plano tributário, nas
transações e atividades financeiras e comerciais, consentindo que em seu território essas
negociações ocorram livres, ou praticamente isentos, do recolhimento do tributo. Resumindo,
são países de mínima tributação (sem tributação, ou alíquota inferior a 20%).230
Janice Agostinho Barreto Ascari lembra que além de oferecer privilégios tributários,
os países considerados paraísos fiscais oferecem outras vantagens:
Os países considerados ‘paraísos fiscais’ são assim identificados pelos privilégios
tributários concedidos aos investidores (como isenção ou redução de impostos) e
também pela gama de serviços oferecidos: aberturas de offshores, compra de bancos,
empresas de fachada (Sell companies), CNIs (corporações internacionais de
negócios) e todo o tipo de entidades anônimas. Exemplos de paraísos fiscais são
Anguilla, Bahamas, Belize, Bermudas, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman
Chipre, o estado de Delaware nos Estados Unidos, Gibraltar, Hong Kong, Hungria,
Irlanda, Ilhas de Man e Jersey, Libéria, Liechtenstein, Malta, Ilhas Marshall,
Maurício, São Cristóvão, Névis, Panamá, Ilhas Seychelles, Turks e Caicos.231
Rodolfo Tigre Maia, por sua vez, aduz que as instituições financeiras multinacionais,
localizadas nos chamados ‘paraísos fiscais’, são uma relevante ferramenta na ‘lavagem’ de
228
Recurso em Mandado de Segurança n.º 15.925- GB, Ministro Gonçalves de Oliveira apud LIMA, José
Antônio Farah Lopes de. Relevância da Quebra de Sigilo Bancário para a Comprovação de Delitos contra a
Ordem Tributária e “Lavagem” de Dinheiro. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 85, p. 193-224.
jul./1998. p. 217
229
Cf. LIMA, José Antônio Farah Lopes de. Relevância da Quebra de Sigilo Bancário para a Comprovação
de Delitos contra a Ordem Tributária e “Lavagem” de Dinheiro, p. 217.
230
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 82.
231
ASCARI, Janice Agostinho Barreto. Algumas notas sobre lavagem de ativos, p. 220.
80
dinheiro. O autor completa que esses paraísos são utilizados de maneira intensa na evasão
fiscal, sendo freqüentemente usados nas etapas de conversão, dissimulação e integração do
dinheiro sujo, já que fornecem um alto grau de proteção do sigilo bancário, possibilitando o
anonimato dos titulares.232
Marco Antônio de Barros ainda pronuncia que são inúmeros os países que são
considerados paraísos fiscais, mas ressalva que apenas as Filipinas, Guatemala, Ilhas Cook,
Indonésia, Myanmar, Nauru e Nigéria são considerados países não cooperantes pelo Grupo de
Ação Financeira (GAFI)233. Em decorrência disso, o COAF recomenda a todas as pessoas
obrigadas pela Lei n.º 9.613/98, a manter cadastros e comunicar com redobrada atenção, todas
as operações suspeitas nas quais os envolvidos tenham relação com esses países ou
territórios.234
Importante lembrar que essas recomendações, no tocante aos países não cooperantes,
estão previstas na Carta Circular do Banco Central n.º 3.100, de 07 de julho de 2003.
Marco Antônio de Barros chama atenção para a intensa utilização dos paraísos
fiscais pelos lavadores de dinheiro, afirmando que estimativas apontam que nas ‘lavanderias’
do planeta circulam cerca de ¼ (um quarto) das finanças mundiais.235
Através dessas informações, constata-se que é necessário seguir fielmente as
recomendações constantes na Carta Circular do BACEN, vigiando-se atentamente todas as
negociações advindas dos territórios, ditos paraísos fiscais, e principalmente dos países, que
além de serem consideradas regiões com facilidades fiscais, são dados como não cooperantes.
3.4.3 O dinheiro eletrônico e as operações na Internet
André Luiz Callegari ressalva que a doutrina menciona que a transferência eletrônica
de fundos seria a mais importante forma de mascaramento usado pelos lavadores de
dinheiro.236
232
Cf. MAIA, Rodolfo Tigre. Algumas reflexões sobre o crime organizado e a lavagem de dinheiro, p. 42.
O Grupo de Ação Financeira (GAFI) é um organismo intergovernamental, criado no ano de 1989 em Paris,
após reunião do G7 (EUA, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Canadá e Japão) que tinha como objetivo
desenvolver e promover estratégias para combate à lavagem de valores. O GAFI também pode ser entendido
como o Grupo de países unidos no combate à lavagem de dinheiro. Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem
de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 264.
234
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 84.
235
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 83.
236
Cf. CALEGARI, André Luiz. Direito Penal econômico e Lavagem de dinheiro: Aspectos criminológicos,
p. 58.
233
81
Roberto Chacon Albuquerque afirma que o termo ‘dinheiro eletrônico’ viria de uma
pretensão sobre o emissor dos valores, que são armazenados em um meio eletrônico, o qual é
acolhido como pagamento por terceiros e pelo próprio emissor. O mesmo autor ainda
esclarece que o meio eletrônico pode ser um smart card e que terminais de auto-atendimento
auxiliam os usuários a transferir dinheiro de suas contas para esses cartões inteligentes, que
possuem um eletronic purse (um circuito eletrônico que armazena essas operações feitas de
forma ágil e segura, só podendo ser acessada se autorizada).237
Sobre o dinheiro eletrônico e o uso de transferências via internet, José Laurindo
Souza Netto ressalta que:
[...] atualmente com o avanço tecnológico, abriu-se a possibilidade da lavagem de
dinheiro via Internet. A rapidez, o sigilo e a segurança com que as transferências de
capital são feitas pela rede, atraem aqueles que podem usar o sistema para fins
ilícitos. As transferências de fundos ilícitos restam acobertadas pelos métodos
eletrônicos, onde os negócio são feitos no sistema ‘Home Banking’, impossibilitando
o controle das autoridades. 238
Samuel Pantoja Lima faz menção ao tamanho e quantidade das operações feitas
atualmente de forma automatizada, salientando que, segundo dados do DIEESE, representam
aproximadamente 74,7% (setenta e quatro vírgula sete por cento) das totais.239
O doutrinador Marco Antônio de Barros prescreve que a utilização de transferências
eletrônicas constitui o método mais assombroso para a estratificação de fundos de origem
ilícita, tanto em termos de volume de valores quanto de quantidade de operações realizadas. O
mesmo autor explica que os lavadores preferem utilizar essa técnica porque podem enviar
capitais de um local para outro de forma rápida, e algumas vezes, torna-se difícil identificar a
origem inicial dos fundos. Os criminosos atuam de forma tão prevenida que fazem as
transferências através de patamares, para evitar prejuízos maiores caso as autoridades
descubram as operações e apreendam os valores.240
A rapidez com que os criminosos atuam na evolução dos métodos aplicados na
lavagem de dinheiro constitui perigo real e constante, dificultando cada vez mais a
perseguição criminal. Por isso, necessário constatar que essa realidade exige uma atualização
237
Cf. ALBUQUERQUE, Roberto Chacon. Lavagem de dinheiro nas operações financeiras veiculadas pela
internet. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 7, n. 23,
p. 397-414, jan./2004. p. 399.
238
SOUZA NETTO, José Laurindo. Lavagem de Dinheiro: Comentários à Lei 9.613/98, p. 44.
239
Cf. LIMA, Samuel Pantoja. Crime Organizado e Lavagem de dinheiro: uma aplicação das teorias dos
jogos e de redes neurais para o reconhecimento e descrição de padrões, p. 29.
240
Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários,
artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p. 58.
82
permanente por parte das autoridades e um auxílio técnico especializado aos agentes da
justiça na produção de provas contra o crime organizado.
3.4.4 A falta de integração da Polícia, do MP e da Justiça e a carência de apoio técnico
especializado
Através de uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Judiciários, constatou-se
após análise das respostas de delegados, procuradores e juízes federais, que existe uma
carência de apoio técnico especializado.
Extrai-se do exame feito que:
Um dos clamores de carências institucionais mais evidenciados pelos procuradores
da República respondentes foi a falta de assessoria técnica especializada (fiscal,
contábil e tributária) no Ministério Público Federal. Não há cargo de contador nas
Procuradorias da República, o que tem dificultado o rastreamento da origem dos
valores, pois as operações financeiras são invariavelmente complexas.241
A Procuradora da República Janice Ascari conclui seu estudo relacionado à lavagem
de ativos aduzindo que se espera do Poder Público do Brasil uma expressão de empenho na
formação e capacitação das unidades de inteligência financeira, dos magistrados, dos
membros do MP, policiais e demais encarregados de fiscalizar as operações financeiras no
mercado de capitais.242
Além da capacitação dos profissionais e da necessidade de apoio técnico
especializada, não resta dúvida de que os órgãos envolvidos na apuração dos crimes de
lavagem de dinheiro devem trabalhar em equipe, proporcionando maior intercâmbio de
informações, rapidez nas investigações e padronização nas medidas a serem utilizadas para a
prevenção dessa complexa atividade ilícita.
3.5 A RELEVÂNCIA DO COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO
Segundo Léa Marta Geaquinto dos Santos, o tema lavagem de dinheiro passou a
integrar agendas de debates e programas de organismos internacionais, sendo objeto de
reuniões em todo o planeta. Chefes de Estado, através de suas autoridades competentes, têm
dispensado bastante vigilância a essa conduta que visa dissimular produto originário de crime,
241
BRASÍLIA. Conselho da Justiça Federal. Uma análise crítica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro, p.
100.
242
Cf. ASCARI, Janice Agostinho Barreto. Algumas notas sobre lavagem de ativos, p. 223.
83
procurando combatê-la mediante esforços que inclui a adoção de políficas comuns a fim de
cercear o enriquecimento das pessoas envolvidas em crimes antecedentes à lavagem de
dinheiro.243
O Promotor de Justiça Marcelo Batlouni Mendroni ressalva que:
[...] Precisamos entender a grandeza da necessidade de combater as Organizações
Criminosas, os crimes de colarinho branco, para o bem da nossa sociedade. Esses
são os crimes que realmente afetam a sociedade, impedem o seu desenvolvimento e
a formação de um país mais justo. A Lei 9613/98 aí está e deve ser utilizada sem
medo dentro de seus rigores, e assim começaremos a desfazer o velho ditado: “Lex
est araneae tela, quia, si in eam inciderit quid debile, retinetur; grave autem
pertransit tela rescissa”, ou seja, “A lei é como uma teia de aranha: se nela cai
alguma coisa leve, ela retém; o que é pesado rompe-a e escapa”.244
Acerca da importância do combate à lavagem de capitais e o crime organizado, é de
se concordar com Fernanda Meira, quando a autora assevera que o crime organizado pode ser
considerado uma das maiores histórias de sucesso empresarial que o mundo já viu, pois
superou todos os problemas, reinvestiu seus recursos, expandido-se até ocupar uma colocação
de forte influência e acumulando muito poder. A mesma autora ainda ressalva que o crime
organizado conquistou países, influenciou políticos, diversificou-se nas suas áreas de atuação,
dominou novas tecnologias, gerou dedicação e lealdade de seus funcionários, e, por fim,
conquistou muitos clientes que dependem de seus produtos.245
Por todos os motivos expostos até o presente momento no trabalho em apreço,
mostra-se evidente que é necessária uma forte e eficaz repressão ao crime de lavagem de
dinheiro, como forma de evitar que os criminosos possam fazer proveito dos valores obtidos
de forma ilícita, mantendo a criminalidade organizada e contaminando toda a sociedade.
243
Cf. SANTOS, Léa Marta Geaquinto dos. O desafio do combate à lavagem de dinheiro, p. 223.
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Tópicos essenciais da lavagem de dinheiro. Revista dos Tribunais, São
Paulo, RT v.787, p. 479-489, maio 2001,p.489.
245
Cf. MEIRA, Fernanda. O Combate à Lavagem de Dinheiro. Revista do Centro de Estudos Judiciários,
Brasília. v. 26, p. 50-55, set. 2004, p. 52.
244
84
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o século XVII, por meio da pirataria já ocorria a lavagem de dinheiro no
mundo. No entanto, a preocupação com esse fenômeno teve início na década de 1920, nos
Estados Unidos da América.
Na tentativa de reprimir a atuação criminosa, em 20 de dezembro de 1988, após uma
reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) na Áustria, foi criada a Convenção de
Viena sobre o tráfico de entorpecentes e substâncias psicotrópicas.
O Brasil ratificou a Convenção de Viena, em 26 de junho de 1991, comprometendose a tipificar o crime de lavagem de capitais. A coordenação do Projeto Legislativo brasileiro
ficou a cargo de Nelson Jobim e a comissão foi composta por Francisco Assis de Toledo,
Miguel Reale Jr., Vicente Grecco Filho e René Ariel Dotti, sendo sancionada a Lei de
Lavagem de Dinheiro no dia 3 de março de 1998.
A posição brasileira foi adotar a legislação de lavagem de dinheiro de segunda
geração, que estabelece um rol de crimes antecedentes. Na Lei n.º 9.613/98 foram trazidos 6
(seis) delitos como crimes antecedentes: tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas
afins; contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
extorsão mediante seqüestro; contra o Sistema Financeiro Nacional; contra a Administração
Pública, e; praticado por organização criminosa.
Algumas alterações foram feitas no rol taxativo dos crimes antecedentes, como a
inserção do crime de terrorismo e seu financiamento, através da Lei n.º 10.701, de 9 de julho
de 2003, e do crime praticado por particular contra a administração pública estrangeira, que
foi introduzido pelo artigo 3º, da Lei n.º 10.467, de 11 de junho de 2002.
Para o presente estudo, mostrou-se relevante à análise realizada a respeito da
estrutura do crime organizado e seus principais ramos, e após o estudo desse tema, nota-se
que a lavagem de dinheiro e as organizações criminosas não existem desunidas, pois o
sucesso de uma organização criminosa depende do sucesso em ‘lavar’ o dinheiro que é obtido
com o crime. Diante disso, constatou-se que toda a organização criminosa lava dinheiro, mas
a recíproca não é verdadeira.
Foram especificados no presente trabalho os inúmeros reflexos do delito de lavagem
de capitais, dentre os principais foram citados: a concorrência desleal; as oscilações nos
índices de câmbio; o ingresso de capitais especulativos; a instabilidade econômica; a
85
desconfiança nos representantes populares; a desmoralização da administração pública, com a
corrupção dos seus servidores; a impunidade dos criminosos poderosos, gerando descrédito na
Justiça; a sonegação fiscal, que desvia os recursos tributários necessários à manutenção das
políticas públicas, contribuindo para o aumento das desigualdades sociais; a crise no sistema
financeiro, quando pela facilidade desses capitais serem transferidos para outros países, tendo
como conseqüência o desemprego e outros. Dessa maneira, constatou-se que são devastadores
as conseqüências geradas por esse ramo da criminalidade econômica.
Pesquisas assinalaram que os impactos dessas altas quantias no sistema econômicofinanceiro merecem ser foco de atenção da política criminal.
Algumas dificuldades para a comprovação dos crimes antecedentes foram apontadas,
como o rol taxativo dos crimes antecedentes; o sigilo bancário; os paraísos fiscais; o dinheiro
eletrônico e as operações pela internet; a falta de integração da polícia, do Ministério Público
e da Justiça, e; a falta de assessoria técnica especializada no auxílio a esses órgãos.
Após averiguar uma forte crítica à adoção do rol taxativo dos crimes antecedentes
por parte dos doutrinadores, percebeu-se que os crimes de tráfico de seres humanos, crimes
contra a ordem tributária e jogo do bicho, causam a maior indignação, por parte dos
estudiosos, por não constarem no rol dos crimes antecedentes.
Em decorrência dessa situação, acredita-se ser imprescindível, no mínimo, aumentar
o rol dos crimes antecedentes, para abranger outros crimes gravíssimos, que assolam o
sistema econômico do País.
Entretanto, a posição que se concluiu ser mais interessante, seria abraçar a legislação
de lavagem de dinheiro de terceira geração, punindo todos que venham a ocultar ou
dissimular a origem ou natureza dos bens, direitos ou valores, provenientes de qualquer crime,
que venham atingir o bem jurídico tutelado pela Lei n.º 9.613/98, ou seja, a ordem sócioeconômica do Brasil.
Por repudiar a ação do crime organizado, é que se mostra evidente e necessária uma
forte e eficaz repressão ao crime de lavagem de dinheiro, como forma de evitar que os
criminosos possam fazer proveito dos valores obtidos de forma ilícita, mantendo a
criminalidade organizada em total funcionamento, contaminando, por derradeiro, toda a
sociedade.
Em decorrência de tudo o que foi citado e analisado, os estudiosos definem o crime
de reciclagem de valores como uma ameaça à estabilidade da economia global.
Por ser um tema relativamente novo, a lei de lavagem de dinheiro traz uma série de
problemas ainda não solucionados pela doutrina e jurisprudência.
86
Essa monografia buscou trazer algumas críticas e apontamentos à legislação
específica adotada pelo Brasil, na tentativa de ampliar sua aplicação, reduzindo,
conseqüentemente, o crescimento do crime organizado e a constante sensação de impunidade
e descrença na Justiça, que assola a sociedade brasileira.
Entende-se que só será superado este problema mundial se houver a persecução
criminal desses crimes, com o devido auxílio de técnicos dos setores fiscal, tributário, contábil
e de informática, trabalhando em força-tarefa com o Ministério Público, Polícia e Justiça, já
que cada órgão detém apenas uma parcela do conhecimento e atribuições necessários para
combater a lavagem de dinheiro.
87
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92
ANEXO A
93
ANEXO – A 1246
246
BRASÍLIA. Conselho da Justiça Federal. Uma análise crítica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro.
Brasília, Série de Pesquisas do Centro de Estudos Judiciários - 9, 2002. p. 91-92.
94
95
ANEXO – A 2247
247
BRASÍLIA. Conselho da Justiça Federal. Uma análise crítica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro.
Brasília, Série de Pesquisas do Centro de Estudos Judiciários - 9, 2002. p. 79.
96
97
98
ANEXO – A 3248
248
BRASÍLIA. Conselho da Justiça Federal. Uma análise crítica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro.
Brasília, Série de Pesquisas do Centro de Estudos Judiciários - 9, 2002. p. 67-68.
99
100
101
ANEXO B
102
ANEXO – B 1249
249
LIMA, Samuel Pantoja. Crime Organizado e Lavagem de dinheiro: uma aplicação das teorias dos jogos e
de redes neurais para o reconhecimento e descrição de padrões. 2005. p.53-54.
103
ANEXO – B 2250
250
LIMA, Samuel Pantoja. Crime Organizado e Lavagem de dinheiro: uma aplicação das teorias dos jogos e
de redes neurais para o reconhecimento e descrição de padrões. p.26.
104
ANEXO – B 3251
251
LIMA, Samuel Pantoja. Crime Organizado e Lavagem de dinheiro: uma aplicação das teorias dos jogos e
de redes neurais para o reconhecimento e descrição de padrões., 2005. p.80
105
ANEXO – B 4252
252
LIMA, Samuel Pantoja. Crime Organizado e Lavagem de dinheiro: uma aplicação das teorias dos jogos e
de redes neurais para o reconhecimento e descrição de padrões. 2005. p. 89.
106
ANEXO – B 5253
253
LIMA, Samuel Pantoja. Crime Organizado e Lavagem de dinheiro: uma aplicação das teorias dos jogos e
de redes neurais para o reconhecimento e descrição de padrões. 2005. p. 87.
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