Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 Baby Boomers na Terceira Idade, Uma Oportunidade de Mercado: Um Estudo da Indústria de Cosméticos Natura 1 Raquel Carvalho Novais 2 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Resumo Este artigo discute como as empresas, em especial as do setor de higiene, perfumaria e cosméticos, estão se preparando para enfrentar a inversão da pirâmide etária brasileira. Para tanto, foi realizado um estudo de caso da Indústria de Cosméticos Natura, sendo que o foco da análise concentrou-se na geração baby boom. Baby boomers são as pessoas que nasceram durante a explosão demográfica, após a segunda guerra mundial, no período de 1946 a 1964. A grande importância dessa geração, em países como o Brasil, deve-se ao fato de serem um grande contingente populacional (quase um quarto da população brasileira), e de influenciarem, fundamentalmente, as relações sociais com o seu modo de vida peculiar. Palavras-chave Baby Boomers; Terceira Idade; Comportamento de Consumo; Estratégia. 1- Introdução O Brasil é um país que está envelhecendo. Sempre se teve o conceito que este era um país jovem, que o problema do envelhecimento dizia respeito aos países europeus, da América do Norte, o Japão e alguns outros. No entanto, a faixa etária de 60 anos ou 1 Trabalho apresentado no Eventos Especiais III – Intercom Júnior, XXVII Congresso Brasileiro de Ciência da Comunicação, Rio de Janeiro, 5 a 9 de setembro de 2005. 2 Aluna da graduação do curso de Publicidade e Propaganda da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Puc/MG. Bolsista, em 2004, do PROBIC (Programa de Bolsas de Iniciação Científica) da Puc-MG. Assistente de pesquisa do Professor José Coelho de Andrade Albino, Coordenador do Curso de Pós-graduação em Gestão Estratégica de Marketing e do MBA em Gestão de Negócio no Contexto Empreendedor do Instituto de Educação Continuada(IEC) /Puc-MG. [email protected]. 1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 mais é a que mais cresce em termos proporcionais. A cada ano mais 650 mil idosos3 são incorporados à população brasileira. Segundo as projeções estatísticas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 1950 e 2025, a população de idosos no país crescerá 16 vezes contra 5 vezes da população total, o que nos classificará, em termos absolutos, como a sexta população de idosos do mundo, isto é, serão mais de 33 milhões de pessoas com 60 anos ou mais (Camarano, 1999). Considerando-se esse cenário, é pertinente estudar como o mercado organizacional vem se preparando para um mudança demográfica sem precedentes. E, nesse sentido, a indústria de cosméticos, por ser um ramo de atividade diretamente relacionado à preocupação dos boomers pela aparência e um setores de maior expansão na economia brasileira, foi escolhida como a mediatriz da discussão sobre esse relacionamento entre a geração da contracultura e o mercado empresarial. 2- Metodologia Com o objetivo de se compreender melhor a percepção e as estratégias do mercado, especificamente da indústria de cosméticos, a cerca do objeto de estudo – baby boomers na terceira idade – foi realizada uma pesquisa sintética, baseada em revisões bibliográficas dos assuntos teóricos, e um estudo de caso com a empresa brasileira Natura, utilizando fontes secundárias como artigos, reportagens e publicidade de massa. A Indústria de Cosméticos Natura foi a organização destacada como representante do setor nessa pesquisa. Essa opção se deu em função da expressão que a instituição possui no mercado brasileiro. Ela é, atualmente, a maior e a mais lucrativa empresa nacional do ramo, e já foi premiada quatro vezes pela Revista Exame com o título de melhor empresa no setor farmacêutico, de higiene e cosméticos no Brasil – em 1996, 1997, 1998 e 2004. Além disso, ela é considerada a indústria desse tipo de atividade que mais investe em pesquisas em toda a América Latina (Ghoshal et al., 2000). 3 São amplas as diferenças individuais que permeiam o processo de envelhecimento, o que justifica a sobrevivência variar de pessoa para pessoa. Entretanto, é convencional em demografia considerar-se uma fronteira cronológica para o envelhecimento, e, segundo as Nações Unidas, é 60 anos a idade limiar que define o grupo idoso – essa conceituação é relacionada a uma idéia de expectativa de vida, isto é, todos aqueles que se aproximam da idade estabelecida como limite médio de vida são velhos (SALGADO, 1982). 2 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 3- A Inversão da pirâmide etária brasileira O Brasil, assim como a maioria dos outros países no mundo, está atravessando significativas mudanças na demografia de sua população, sendo que o rápido crescimento do segmento populacional em idade considerada idosa é uma das características mais marcantes desse fenômeno (Wong, 2001). Isso, segundo Chaimowicz (1998), se deve ao aumento da longevidade, isto é, à redução da mortalidade (principalmente a infantil), e à queda da fecundidade. De acordo com Moreira (2001), as baixas taxas de natalidade e de crescimento demográfico brasileiras vêm reestruturando as pirâmides etárias do país, fazendo com que a participação relativa do grupo etário jovem diminua cada vez mais, enquanto a importância relativa da população idosa quase dobre – de 4% para 8% - de 1940 a 2000, como pode ser observado nas figuras 1, 2 e 3. Essa tendência deve se intensificar de 2000 a 2030 quando, a faixa etária envelhecida representará em torno de 20% da população total do país. Segundo as projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada4 , isso acontecerá à medida que as coortes5 nascidas nos anos 50 e 60 sob um regime de alta fecundidade e mortalidade começarem a atingir idades convencionalmente definidas como idosas. “Ou seja, uma proporção importante do crescimento da terceira idade já está determinada pela estrutura etária atual: os idosos do futuro já nasceram” (Camarano, 1999, p.1). Figura 1 Distribuição relativa da população brasileira por idade e sexo 1950/2030 Fonte: IBGE, extraído de Camarano (1999), p. 315 e 316. 4 Fonte citada por Camarano (1999). Segundo Engel, Blackwell e Miniard (2000), coorte é qualquer grupo de indivíduos ligados como um grupo de alguma maneira, normalmente por idade 5 3 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 Outra característica que tem se apresentado na atual estrutura etária da população brasileira é a do aumento da proporção dos “mais idosos”, isto é, de 80 anos ou mais. Isso se deve ao aumento da longevidade, que é um reflexo de conquistas sociais, que provêm, em grande parte, do progresso da medicina e de uma cobertura mais ampla nos serviços de saúde (Nunes, 1999). O aprimoramento e desenvolvimento de novas tecnologias em prestação de serviços médicos têm contribuído para a redução da mortalidade na terceira idade a partir dos melhoramentos conseguidos através de programas de prevenção e controle de doenças que comumente eram causas de óbitos entre os idosos, como a diabetes, doenças no aparelho circulatório, osteoporose e doenças infecciosas e parasitárias (Nunes, 1999). Atualmente, estima-se que a população brasileira de 60 anos e mais esteja por volta dos 15 milhões de pessoas (IBGE, 2000), o que coloca o Brasil entre as dez nações com maior população de idosos no mundo (U.S. Bureau of Census, 2001). Segundo Camarano (1999), o envelhecimento da população brasileira tem sido acompanhado por importantes mudanças ligadas ao desenvolvimento de novas tecnologias, ao aumento da escolarização, às mudanças nas relações familiares, à universalização da seguridade social, à melhoria dos níveis de saúde, dentre outras. O estudo demonstra que a combinação de todos esses processos indicou significativas melhoras na condição de vida na terceira idade, e também leva à contestação do estereótipo papel de dependência dos atuais idosos na sociedade brasileira. 4 - Baby boomers Após a Segunda Guerra Mundial, principalmente nos países que se envolveram no conflito (especialmente nos Estados Unidos), durante período compreendido entre 1946 e 1964, a taxa anual de natalidade alcançou níveis altíssimos, e pôde-se observar uma explosão demográfica – esse é o motivo pelo qual as crianças que nasceram ao longo desses anos são denominadas baby boomers. Após esse período, e até os dias de hoje, houve uma queda drástica nas taxas de natalidade (Kotler, 1998). No Brasil, isso foi uma resposta direta da família brasileira à situação econômica do país a partir da década de 60, somada à divulgação e uso de métodos contraceptivos e ao ingresso da mulher no mercado de trabalho (Chaimowicz, 1998). 4 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 O segmento com idade de baby boomer é fonte de várias mudanças fundamentais em termos culturais e econômicos e, do ponto de vista mercadológico, desde que nasceram, tornaram-se uma das maiores forças que moldam o ambiente de marketing. ”Esses bebês representaram um alvo móvel e criaram novos mercados à medida que foi crescendo, saindo da infância para a pré-adolescência, adolescência, idade adulta, e agora meia idade” (Kotler, 1998, p.52), isso, porque à medida que esse grupo envelhece, seus interesses mudam, assim como as prioridades de marketing. As necessidades e desejos dos baby boomers afetam demandas por habitação, alimentação, automóveis, vestuário e muitos outros produtos. Segundo Solomon (2002), a primeira razão para tudo isso é poder em números. Eles representam aproximadamente um terço dos americanos, e respondem no Brasil por quase um quarto da população. Atualmente, eles constituem uma enorme parcela da força de trabalho – cerca de 40% nos Estados Unidos (U.S. Bureau Of The Census, 2001), e 30% no Brasil (IBGE, 2000) – e também possuem a mais alta renda média entre as faixas etárias nos dois países. O segundo motivo que torna os boomers tão importantes é a sua intensa contribuição para a configuração sócio-econômica devido ao fato de eles terem um modus vivendis (modo de vida) peculiar em relação às coortes6 anteriores. Desde jovens, já sentiram que não estavam dispostos a reproduzir o padrão de vida de seus pais e buscaram construir uma sociedade alternativa, que era radicalmente contra a cultura da época, a sociedade do consumo7 (Popcorn, 2002). É a partir desse novo comportamento, de querer ser diferente de seus pais, que nasce, nos anos 60, a atitude underground, que diz respeito a uma nova postura diante a vida, através do antipatriotismo, e da valorização e identificação com cultura das minorias que eram discriminadas. Ela é caracterizada pela apropriação da moda, música, gírias e até mesmo da moral dessas culturas, como a da comunidade negra (Guimarães, 2000). O movimento hippie, no final da década de 60, nasceu desse tipo de atitude. No âmago da ideologia do movimento estava a necessidade urgente de se buscar o prazer e a liberdade, numa direção oposta às noções de carreira e sucesso inerentes às gerações anteriores à dos boomers. Nesse sentido, aconteceu a Revolução Sexual – destacando-se 6 Segundo Engle, Blackwell e Miniard (2000) coorte é qualquer grupo de indivíduos ligados como um grupo de alguma maneira – normalmente por idade. 7 A sociedade do consumo é um conceito cunhado por Baudrillard (1975). Para essa teoria, o consumo tem um papel de organizador da vida, e apresenta-se como um elo entre as relações inter e intra-sociais, o que o transforma em um novo valor moral do mundo contemporâneo. 5 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 a emancipação feminina – considerada a maior conquista do movimento, em termos de mudança na estrutura social. Conceitos como culto à virgindade e a tradicional busca pelo amor romântico começam a ser contestados a partir da liberação sexual8 (Lins, 2001). Foi desse tipo de comportamento individual que emergiram atitudes coletivas que levaram ao surgimento da contracultura, cujo ideal era criar uma nova cultura que valorizasse a universalidade e a igualdade em detrimento ao individualismo, egoísmo e consumismo (Guimarães, 2000). No Brasil a contracultura aconteceu num período crítico da História, nos anos 60; a época em que sofremos o Golpe Militar (1964). Por isso, nosso movimento o pouco se assemelhava aos ideais de ‘Paz e Amor’ dos Hippies. No Brasil – fazendo-se um recorte da mobilização social – pode-se dizer que a contracultura estava relacionada ao engajamento nos protestos contra a repressão, à participação nas marchas pelas liberdades e, à ida para a luta armada. Os principais atores desse movimento eram estudantes universitários e secundaristas que iam às ruas e eram reprimidos pelos militares à base de muita violência e tortura (Nethistória, 2004). Todavia, algumas das produções culturais afinadas com o movimento de contracultura conseguiam esporadicamente driblar a censura dos Atos Institucionais, ao menos por um determinado período de tempo, e assim puderam disseminar um pouco da proposta de uma revolução sócio-cultural. A partir da metade da década, muitas das novas tendências musicais despontaram em festivais, como por exemplo, a Tropicália. Também foi notável a atuação de grupos de teatro como o Arena e o Oficina, que dividiam a vanguarda da estética politizada, junto com o Cinema Novo. Tratava-se de produções que pregavam o anti-imperialismo e o anti-capitalismo, além de denunciar as disparidades sociais do país (Anos 60, 2002). Em síntese, para toda uma faixa da juventude dos anos 60, a rejeição tanto das convenções burguesas como da sociedade industrial moderna traduziu-se numa recusa 8 Essa Revolução Sexual, especialmente a emancipação feminina, é responsável por fundamentais mudanças na estrutura das relações sociais. É a partir desse momento que a mulher, permeada pelos conceitos de igualdade, começa a sair de casa e ingressar no mercado de trabalho. O casamento e a família não eram mais o maior objetivo das jovens dos anos 60 e, munidas dos novos métodos anticoncepcionais, queriam se livrar da subjugação aos maridos e aos pais, experimentando pela primeira vez a liberdade (e igualdade) sexual. Esse fato contribuiu, por exemplo, com a redução do tamanho da família, conseqüente e irreversivelmente, com a drástica queda da taxa de natalidade que revolucionou a distribuição etária mundial a partir da época, ou seja, desde então, a pirâmide etária vem se afunilando em sua base, reduzindo cada vez mais o número de jovens, o que acarreta no fenômeno de envelhecimento demográfico. 6 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 ostensiva em relação a qualquer modismo. Porém, essa recusa não considerou a força do capital, que transformou toda e qualquer forma de manifestação numa mercadoria repleta de ‘valor cultural’. Assim, constata-se que as no princípio, as ‘inovações’ dos grupos jovens surgem como verdadeiros movimentos de estilos ou anti-estilos, propondo uma visão de mundo e uma estética própria, que se manifesta por várias formas de expressão, como músicas, ídolos etc. Em contraponto, o crescimento desses movimentos acarreta sua própria morte: acabam sendo assimilados pelos meios de comunicação de massa. Suas propostas são diluídas e reinterpretadas pelos mecanismos da indústria da moda, da indústria cultural e da produção de mercadorias, a fim de gerar um aumento do consumo de acordo com a lógica do mercado (Alário, 2001). Porém, à medida que foi absorvendo as novas idéias propostas pelos boomers, o próprio sistema também se modificou. Uma nova moral, uma nova ética, novos valores foram cultivados na cabeça das pessoas, alterando fundamentalmente algumas relações sociais – como o papel da mulher na sociedade (Alário, 2001). Com o fim do movimento da contracultura, os boomers colocaram de lado suas ações revolucionárias, mas mantiveram ao longo da vida os ideais da sociedade alternativa, em sua personalidade, estilo de vida e opiniões. E, à medida envelheceram, seus interesses, desejos e necessidades mudaram, mas seus valores ainda continuaram sinérgicos com a contracultura. Hoje, nota-se que os baby boomers enfatizam o ‘eu’, se preocupam com uma alimentação saudável, saúde e com a aparência pessoal; além de darem atenção à causas sociais e à preservação do meio-ambiente. Tudo isso, com o objetivo de manterem um bom estilo de vida, baseado em qualidade de vida e bem estar. Esses valores parecem influenciar os boomers a, além de outros interesses, terem uma preocupação com corpo, tanto no âmbito da saúde (física e mental), quanto do ponto de vista estético. A preocupação estética com o corpo está ligada à auto-estima, que move o desejo por uma boa aparência e beleza (Churchill, 2000). Às portas da terceira idade, as principais preocupações da geração em relação à estética, são os efeitos físicos do envelhecimento. Nesse ponto, a diferença básica entre essa geração e os seus antecessores, é que conservar a aparência não é só um traço de vaidade, mas em alguns casos necessidade (Featherstone, 1994). Além disso, existe o medo de envelhecer, pois essa geração quer transparecer física e esteticamente o seu estado de espírito, de querer viver mais e melhor; afastando-se ao máximo da visão 7 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 estereotipada que, em geral, a nossa sociedade ainda possui do idoso: um velho inativo (Castro, 2003). Com tudo isso, pode se dizer que, a emergência dos boomers à terceira idade vem forçando transformações em diversas estruturas sociais. Essas mudanças vão tanto na direção de preparar a infra-estrutura necessária para responder às demandas deste grupo, quanto na direção de se repensar o papel das pessoas mais velhas na sociedade, bem como o tratamento dispensado a elas. Além disso, chegando à idade madura, a geração baby boom traz consigo diversas exigências, necessidades e comportamento próprios. E, por serem acostumados a terem as ações de marketing adaptadas às suas vontades, eles, nessa nova fase, continuarão exigindo atenção. 5- O setor de cosméticos O setor de cosméticos possui estreitas relações com atividades como a indústria química, farmacêutica e até mesmo de alimentos. Outra característica do setor é a presença de grandes empresas internacionais diversificadas (com atividades correlatas como higiene pessoal, limpeza e alimentos), assim como de empresas especializadas e focadas em cosméticos. O que contrasta com um grande número de pequenas e médias empresas com atuação focalizada na produção de cosméticos A simplicidade da base técnica utilizada na indústria de cosméticos é o principal fator que facilita a ocorrência das últimas. Nesse cenário, considera-se o mercado brasileiro bastante importante, já que é o 6º maior do mundo em termos de consumo de produtos de higiene e beleza e o 7º em cosméticos, possuindo, ainda, grande potencial de crescimento. Essa importância é comprovada pela presença das principais empresas internacionais do setor, que possuem atividades produtivas e comerciais bastante relevantes no país. É notável o aumento da produção do Brasil em cosméticos. Tomando o período que vai de 1998 a 2003, o setor apresentou um crescimento médio real (deflacionado) da ordem de 6,5% ao ano (Abihpec, 2004). Em comparação com a evolução do produto interno bruto e o crescimento da indústria brasileira em geral, o setor de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos apresentou, nesse período, um crescimento bem mais vigoroso que os demais índices comparados - 6,5% de crescimento médio no setor contra 1,6% do PIB Total e 0,5% da indústria geral. 8 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 6 - A empresa Natura A Natura foi fundada em 1969, por Luiz Antônio Seabra, com um capital inicial de US$ 9000 e quatro funcionários, a Natura instalou seu laboratório em São Paulo. Logo em seguida, uma pequena loja foi aberta na rua Oscar Freire9 , também em São Paulo. Tratava-se de uma butique de luxo do ramo de cosméticos que oferecia tratamentos de beleza. Os produtos eram vendidos a uma clientela de alto poder aquisitivo atraída, principalmente, pela propaganda boa-a-boca. Cinco anos depois a Natura optou pela venda direta como alternativa de viabilizar seu crescimento sem abandonar a proposta de prestação de consultoria a suas consumidoras. Em geral, os produtos Natura atendem ao público masculino, infantil, feminino adulto e jovem, e se dividem nas linhas: Ekos, Chronos, Mamãe e Bebê, Natura Criança, Faces de Natura, Natura Única, Tratamento Acne, Natura Homem, Natura Vitaplant, Interage, Vegetal, Sistema de tratamento caspa e queda, Tododia, Erva Doce, Tratamento para Corpo, Fotoequilíbrio, Sève, Perfumaria Feminina e Masculina, Desodorantes, Higiene Oral, Crer para Ver10 e acessórios (Natura.Net, 2004) 11 . Segundo a agência de publicidade, a Lew, Lara12 , o público alvo é composto basicamente por mulheres, a partir dos 25 ou 30 anos, que trabalham e são independentes financeiramente, e pagam mais por qualidade e por embalagens diferenciadas. Elas se identificam com os valores da empresa e são preocupadas com sua qualidade de vida, com meio ambiente e com questões sociais, ou seja, são indivíduos que cuidam de si para obter o bem estar (através dos cosméticos, por exemplo) e assim estão aptos a desenvolver relações de melhor qualidade como o mundo, ou seja, estar bem com o mundo (Souza, 2003). Os valores da Natura são o humanismo, a criatividade, o equilíbrio e a transparência e são resumidos no conceito de ‘Bem estar Bem’. 9 Na Rua Oscar Freire encontram-se lojas das principais griffes nacionais e internacionais do ramo da moda e cosméticos. 10 Vale ressaltar também a parceria da Natura com a Fundação Abrinq, iniciada em 1995. O programa Crer para Ver é uma rede de mobilização social cujo objetivo é contribuir para a melhoria da qualidade do ensino público, oferecendo apoio técnico e financeiro para o desenvolvimento e implementação de projetos de educação (educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos) em todo o Brasil que possam ser referência para a elaboração de políticas públicas. Os recursos arrecadados resultam da venda de produtos da linha Crer para Ver, comercializados de forma voluntária pelas consultoras Natura. 11 Disponível em http://www.natura.net, acesso em 20 de Novembro de 2004. 12 A Lew, Lara era a Agência de Publicidade da Natura até 2004. Atualmente, a conta é da W/Brasil. 9 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 7 - Apresentação e análise dos dados Em relação à sensibilidade da Natura à emergência dos baby boomers à terceira idade, foi possível perceber, através dos dados coletados, que, até hoje, a empresa possui poucas formas específicas de adaptação de produtos ao consumidor idoso. No entanto, é essencial dizer que, no Brasil, a Natura foi a primeira empresa a lançar produtos que estampam no rótulo a segmentação por faixa etária. Seu creme anti-sinais Chronos possui uma fórmula específica para cada ciclo biológico: dos 30 aos 35 anos, dos 45 aos 60 anos e dos 60 em diante (Rebouças, 2002, p. 75). A linha Chronos, lançada em 2000, atende não só a terceira idade, mas todas as mulheres da geração boomer, e mais uma faixa com até dez anos a menos. Por essa razão, não podemos dizer que ela é específica aos consumidores idosos. Mas também, não se pode negar que ela marca um grande passo na direção do desenvolvimento de produtos cosméticos com fórmulas especiais votadas às necessidades dos mais velhos13 . Uma das características que mais chama atenção sobre a linha Chronos, é a sua comunicação, isto é, os conceitos e valores difundidos por ela. O discurso utilizado para promover a linha é a exaltação da ‘mulher bonita de verdade’. Em seu site, a Natura explica quem é ela: A mulher bonita de verdade não cabe em padrões de beleza ou ideais de perfeição. Podem atém dizer o contrário, mas ela conhece seus limites, sabe suas imperfeições. A mulher bonita de verdade está sempre crescendo, aos 30, aos 45, aos 60. O que vale para ela é a beleza física também, e não apenas. Ela quer parecer bem estar bem. A mulher bonita de verdade explora sua natureza com graça e sabedoria. Sabe escolher o que o mundo e a tecnologia oferecem, sem se agredir. Quando ela ri ou fica séria, é de verdade. Mesmo que isso venha a causar rugas com o tempo. A mulher bonita de verdade tem orgulho de sua idade. E de sua vida. Ela vive seu tempo e se renova com ele. (Natura.Net, 2004) Os valores que permeam a comunicação da linha Chronos podem ser identificados como uma exaltação da auto-estima, e do auto-interesse, incitando a busca pela qualidade de vida e bem-estar. O mais interessante é notar que esses valores pregados pela campanha são idênticos à postura que os boomers adotam em relação à beleza estética: uma procura por estar, se sentir e parecer saudável em qualquer fase do ciclo de vida. 13 Os cosméticos para pessoas idosas demandam fórmulas especiais. Pode-se comprovar esse fato através da própria linha Chronos, já que um dos seus diferenciais é ter produtos formulados para os ciclos específicos da pele. No site da Natura, a empresa ainda divulga que “estudos mostram que a perda natural e contínua de tecido cutâneo (cerda de 7% da espessura a cada dez anos) torna a pele fina e vulnerável. A pele vai perdendo progressivamente elasticidade e firmeza, surgem as rugas e as manchas ficam cada vez mais aparentes”. Com isso é possível dizer que pelo menos a pele do idoso demanda cuidados especiais, não só a do rosto – que é atendida pelos produtos da Natura – mas a de todo o corpo. 10 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 Os produtos Natura Única são uma outra linha que parece se comunicar diretamente com as mulheres da geração baby boom, já que seus principais valores estão relacionados com a individualidade – cada mulher é única, e tem uma beleza própria – e com a igualdade – combatendo estereótipos. No site da Natura, a empresa define como encara tais conceitos: Toda mulher é única em suas qualidades. A beleza é própria de cada uma e está acima das diferenças de cultura, raça, físico, idade, cabelo e corpo. A múltipla combinação desses atributos interiores do universo feminino com os exteriores é o que faz cada uma ser única, diferente das outras e bela em sua individualidade. (Natura.Net, 2004) Novamente estes valores são sinérgicos às aspirações da coorte. Entretanto, nem a comunicação, nem os produtos, da Natura Única (analisados por esta pesquisa), demonstram especificidade ao segmento maduro. A análise dos materiais levantados nessa pesquisa leva a concluir que a Natura ainda não possui uma linha de produtos específica às necessidades físicas da terceira idade, apesar de linha Chronos já caminhar nesse sentido. Em relação aos baby boomers, é notável que a comunicação de alguns produtos e da própria instituição como um todo, são congruentes aos desejos e ao estilo de vida adotado pela coorte, o que significa dizer os boomers possuem uma pré-disposição para se identificar com a imagem da Natura. Sendo assim, é um público que possui uma tendência a criar um vínculo com a marca, o que, combinado com a gestão de relacionamento da empresa – advindo principalmente do relacionamento consultora/cliente – pode indicar uma clientela fiel quando satisfeitas suas necessidades e desejos reais. Durante a pesquisa foi marcante a percepção de uma preocupação em nível mundial com o envelhecimento populacional, especialmente por parte dos Estados Unidos. A explosão demográfica pós Segunda Guerra Mundial foi muito mais expressiva lá do que em qualquer outra parte do globo, e, por isso, as conseqüências do ‘agrisalhamento’ também serão muito mais intensas nesse país. Instituições de relevância incontestável, como a Universidade de Harvard14 , a Casa Branca (Governo estadunidense)15 , e o 14 Universidade de Harvard publicou em janeiro de 2004 um estudo sobre os impactos que os boomers proporcionarão na sociedade com a sua ascensão à terceira idade. O objetivo do projeto e incentivar especialistas a pensar soluções para o problema, além de alertar a população para essa tendência. O estudo está disponível em: http://www.genpolicy.com. 15 A Casa Branca reuniu em 2004 um comitê de discussão sobre políticas para o envelhecimento: White House conference on aging policy committee hearing. A importância desse comitê é iniciar um debate multidisciplinar sobre políticas, e suas implementações, no âmbito do envelhecimento populacional. (Disponível em http://www.genpolicy.com, acesso em 03 de Fevereiro de 2005). 11 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 Fórum Econômico Mundial16 , têm discutido e pesquisado exaustivamente os impactos e formas de ameniná-los – que a emergência da geração baby boomer à terceira idade causará na sociedade, como o colapso da seguridade social, a saturação do sistema de assistência médica, e o esvaziamento da força de trabalho. Portanto é impossível negar que essa tendência demográfica não transformará algumas das nossas estruturas sociais. O mercado organizacional também não deve sair ileso dessa realidade demográfica, pois surge em cena um cidadão novo, mais informado, mais crítico, consciente e com mais participação na sociedade. Como conseqüência, o perfil desenhado para o consumidor maduro do século XXI, prevê que ele será extremamente informado de seus direitos, terá gostos definidos e vai exigir produtos e serviços que atendam suas necessidades reais. Tudo indica que em resposta a essa tendência, o mercado se adaptará às necessidades específicas do consumidor mais velho. Os dados coletados por essa pesquisa apontam que no Brasil essas transformações ainda são incipientes, mas já caminham nessa direção. Em seu estudo, por exemplo, Rebouças (2002) mostra que algumas instituições vêm desenvolvendo algumas linhas de produto destinadas ao ‘novo idoso’, como é o caso do banco ABN Amro Real: Desde 1995, o banco mantém um programa voltado para os clientes com mais de 60 anos. A eles são oferecidos produtos financeiros com taxas de administração e aplicações mínimas inferiores às exigidas ao resto da clientela. Para se ter uma idéia, os clientes desse programa representam 10% da carteira, e consomem 20% dos investimentos de marketing. (Rebouças, 2002, p. 74) No caso da Natura, através das informações a que se teve acesso, não foi possível detectar sinais de adaptação de produtos à terceira idade, a não ser a linha Chronos que faz uma segmentação por faixa etária, de 30 a 45 anos; de 45 a 60 anos; e de 60 anos ou mais. No site da própria empresa, onde ela mesma mostra essa segmentação17 , pode-se notar apenas um produto realmente específico às mulheres idosas – o ‘Chronos gel creme diurno 60+ Elastinol+R’ – e mais alguns poucos produtos que são adequados a pessoas com 60 ou mais, mas que têm o uso compartilhado pelos outros dois segmentos. 16 No dia 28 de Janeiro de 2005, em Davos (na Suíça), foi discutido durante o Fórum econômico Mundial os efeitos do envelhecimento populacional no mundo. O debate visou incentivar discussões sobre quais iniciativas deveriam ser tomadas pelos governos para minimizar as conseqüências dessa revolução demográfica. (Disponível em http://www.genpolicy.com, acesso em 03 de Fevereiro de 2005). 17 A Natura demonstra a segmentação por faixa etária através do caminho que faz o internauta percorrer. Quando dentro da página da Linha Chronos, o cliente tem duas opções para visualizar os produtos: uma através da classificação por uso; outra através da segmentação por idade. Em se seguindo a opção ‘por idade’, existem três caminhos: à partir de 30 anos; à partir de 45 anos; à partir de 60 anos. 12 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 Analisando-se tanto os valores de vida da geração baby boom, quanto os valores organizacionais da Natura, pôde-se observar que eles são semelhantes. Assim como a coorte, a empresa valoriza a busca pelo bem-estar e pelo estar bem; pela qualidade de vida; pela beleza e pela saúde. Isso através da exaltação da auto-estima, da autoexpressão, da auto-realização, bem como a individualidade e a igualdade. Com as informações levantadas, não é possível se determinar se a comunicação da Natura, seus valores e posicionamento são intencionalmente similares aos ideais dos boomers. Mas é possível se dizer que a empresa possui uma pré-disposição para ser bem aceita entre a coorte, já que comunica e pratica atividades em sintonia os valores que essa geração considera primordiais: qualidade de vida, responsabilidade social e desenvolvimento sustentável. Como consideração final, vale dizer que no Brasil foram encontradas poucas as fontes bibliográficas relativas aos baby boomers, o que pode indicar que sensibilidade do mercado brasileiro a essa coorte ainda é embrionário. Espera-se que essa pesquisa incentive a discussão do tema no meio científico, além de servir de base para estudos posteriores. 8 - Bibliografia ABIHPEC (Associação Brasileira das Indústrias de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos). São Paulo, jul. 2004. Disponível em: <http://www.abihpec.org.br/home.php > Acesso em 15 nov. 2004. ALÁRIO, Mônica de Souza. Moda e mídia escrita (1970-1990). Dissertação (Mestrado em Sociologia) – FCL, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2001.174f. ANOS 60. BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Enconômico e Social, 2002. Disponível em <http://www.bndes.gov.br/conhecimento/livro50anos/Livro_Anos_60.PDF> Acesso em 12 de Dezembro de 2004. BAUDRILLARD, Jean. A sociedade do consumo São Paulo: Loyola, 1975. CAMARANO, Ana Amélia. Muito além dos 60: Os novos idosos brasileiros. Rio de Janeiro: IPEA, 1999. 382p. CASTRO, Ana Lúcia de. Mídia e sociedade: mediações através da temática corpo. Intercom, 2003. 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