V Seminário de Políticas de Gestão da Qualidade do Solo e das Águas Subterrâneas Nobre, M.M.M. São Paulo, 19 e 20 de setembro de 2007 Soluções Geotécnicas na Remediação de Solos e Águas Subterrâneas: Estudos de Caso Manoel de Melo Maia Nobre, PhD Instituto de Geociências, IGDEMA/ UFAL, BRASIL 1. INTRODUÇÃO Casos de contaminação por compostos orgânicos e inorgânicos foram e ainda são muito comuns em todo mundo. Avaliações e métodos de remediação adequados para esses casos devem ser fundamentados no conhecimento das propriedades desses compostos bem como nos mecanismos de fluxo e de transporte nas condições hidrogeológicas específicas de cada sítio. Dessa forma, os mecanismos de transporte de massa associados aos possíveis processos reativos e/ou de transferência de fase tais como dissolução, volatilização, adsorção e bio-degradação, devem ser avaliados, considerando-se o balanço hídrico local assim como as heterogeneidades intrínsecas da geologia que definem caminhos preferenciais de fluxo (Nobre e Sykes, 1992 e Nobre et al, 2007). Diversas metodologias de remediação de solo e águas subterrâneas vêm sendo aplicadas em que se incluem a utilização de técnicas geotécnicas para a contenção de plumas dissolvidas. Processos adicionais ao sistema de controle de migração de plumas podem ser usados para redução e/ou remoção efetivas de massa entre os quais se destacam: desalogenação em condições redutoras, uso de surfactantes e/ou solventes, injeção de oxidantes químicos, air/bio-sparging e processos térmicos. Barreiras Reativas Permeáveis (BRPs) e Zonas de Reação (ZR), associadas a paredes diafragmas (ou cut-off walls), têm sido, nos últimos anos, reconhecidas como tecnologias efetivas para o tratamento in-situ de solos e águas subterrâneas contaminadas pos compostos orgânicos e inorgânicos (Gavaskar et al, 1998, Benner et al., 2001). Essas tecnologias são baseadas na premissa de estímulo in-situ de processos físico-químicos e biológicos de controle, transformação e eliminação de contaminantes. Suas implantações são possíveis, em diversos países da Europa e da América do Norte, devido ao estágio avançado de processos de construção também geotécnicos. No Brasil, isto também tem sido verdadeiro. Neste trabalho, são apresentados três casos distintos de remediação no País onde soluções geotécnicas foram adotadas ou ainda serão utilizadas. 2. ESTUDO DE CASO 1: Parede Diafragma Um programa de remediação de águas subterrâneas, implantado logo em seguida a infiltração de 1,2 dicloroetano (EDC), teve como principal objetivo prevenir que o fluxo de massa de organo-clorados pudesse comprometer a qualidade do ecossistema nas zonas de influência da área impactada (Nobre e Nobre, 1997). A alternativa de contenção e remoção da pluma dissolvida de organo-clorados, no aqüífero livre superior da área, consistiu numa solução envolvendo uma barreira física (i.e. parede diafragma plástico) associada à extração e tratamento de águas subterrâneas contaminadas. Grande parte da fase imiscível de organo-clorados (fonte secundária) ficou retida sobre uma camada V Seminário de Políticas de Gestão da Qualidade do Solo e das Águas Subterrâneas Nobre, M.M.M. São Paulo, 19 e 20 de setembro de 2007 arenosa pouco permeável e rica em matéria orgânica, à cerca de 11 m de profundidade. Esta fonte secundária está sendo eliminada. 2.1 Ensaios de Permeabilidade e Reatividade Em função das características agressivas das águas subterrâneas subjacentes à área de restinga lagunar (i.e., elevadas concentrações naturais de cloretos), tornou-se ainda mais relevante a realização de ensaios de permeabilidade e reatividade visando a determinação da composição ótima da argamassa bentonítica (“coulis”) a ser utilizada na construção do diafragma plástico. Essa composição consistiu, essencialmente, na obtenção de um material com a menor condutividade hidraúlica possível e, ainda, com propriedades geomecânicas que atendessem aos requisitos mínimos de segurança para se evitar recalques às estruturas dos tanques de armazenamento de EDC existentes no local. Foram realizados vários ensaios em permeâmetros de paredes rígidas para determinação da condutividade hidráulica e reatividade, assim como parâmetros de transporte de massa. Para cada amostra de ensaio, foram escolhidas distintas proporções de cimento, bentonita e água. As percentagens das amostras variaram de 30,5% à 36% de cimento e de 5,0% à 10,5 % de bentonita, para um valor fixo de 59% da água. Os ensaios foram feitos utilizando-se tanto água destilada como água contaminada de poço da área. As composições de todas as amostras de “coulis” utilizadas, além de atenderem às recomendações da agência ambiental dos Estados Unidos (USEPA) se encontravam dentro das faixas utilizadas em paredes diafragmas construídas no Brasil. 2.2. Execução da Parede Diafragma A parede diafragma foi executada em painéis alternados para que houvesse tempo da argamassa adquirir suficiente resistência para não desmoronar quando da escavação do painel contíguo. Portanto, evitou-se o seccionamento das lamelas escavadas pelas camadas de solo sob o peso de tanques vizinhos. De forma geral, as lamelas só foram executadas após um tempo de cura superior à 7 dias do término das lamelas vizinhas que possuíam cerca de 5 m de comprimento e com interfácies de 25 cm para se evitar caminhos preferenciais de fluxo. O trecho da parede de maiores cuidados de execução foi aquele entre os citados tanques que tiveram lamelas de aproximadamente 2,5 m de comprimento. Durante toda execução da obra, medições topográficas foram realizadas para verificação de possíveis recalques dos principais tanques de armazenamento da área. A configuração final da parede diafragma ficou com aproximadamente 170 m de comprimento, cerca de 11 m de profundidade e 60 cm de espessura. Mais recentemente, uma expansão da parede foi realizada para aplicação de processos de air/bio-sparging em sua área interna. 3. ESTUDO DE CASO 2: Barreira Reativa A definição da composição de uma mistura de areia com carvão ativado foi realizada para controle de uma pluma dissolvida de mercúrio, através de uma BRP, em um aqüífero freático subjacente a uma unidade industrial. A barreira reativa foi executada “penetrante” em uma camada rica em matéria orgânica existente a cerca de 6 metros de profundidade que funciona como barreira química natural à migração descendente (Nobre et al, 2004). Sua localização foi resultado de estudos preliminares que incluiram: i) realização de ensaios tipo coluna e de batelada e ii) aplicação de modelos de fluxo e de transporte para determinação de zonas de captura e do tempo de residência através da BRP sob diversos cenários e composições da V Seminário de Políticas de Gestão da Qualidade do Solo e das Águas Subterrâneas Nobre, M.M.M. São Paulo, 19 e 20 de setembro de 2007 mesma. Ensaios de coluna foram realizados com várias amostras de solo, com diferentes composições, sendo possível a construção de distintas Curvas Características de Transporte. O ajuste dessas curvas para obtenção dos parâmetros da equação de transporte foi realizado tanto para a solução do 1o tipo de Ogata-Banks, como para a solução do 3o tipo de van Genuchten (Nobre et al, 2006). A BRP foi executada com dois materiais distintos, ou seja, uma porção confinante com reduzida condutividade hidráulica, com objetivo de induzir o fluxo em direção à porção reativa da BRP; e uma porção reativa, constituída de material mais permeável, para proporcionar os processos de eliminação/transformação (vide Figura 1). As porções confinantes foram contruídas com o uso de equipamento clam-shell que é adotado para implaatação de uma parede diafragma plástico típica em Geotecnia. Para a construção dos trechos reativos, foi utilizada uma mistura de carvão ativado com areia, na proporção de 2% de carvão em peso. Utilizou-se técnicas de escavação e preenchimento a céu aberto com rebaixamento prévio do lençol freático e, em seguida, escoramentos laterais com perfis metálicos verticais em “I” e prancheamento horizontal. A execução da BRP contemplou procedimentos para garantir a qualidade (Quality Assurance - QA) durante sua implementação, bem como de controle de qualidade (Quality Control - QC) depois de construída (ITRC, 2005, Sedivy, 1999). As atividades abrangeram desde o acompanhamento dos procedimentos de execução e suas corretas dimensões, até a garantia de qualidade dos materiais utilizados bem como suas misturas (coulis, materiais reativos etc). Esses procedimentos (QA/QC) tiveram como objetivo assegurar que as especificações do projeto fossem atendidas, para o adequado funcionamento da BRP, face aos seus elevados custos. Dessa forma, o acompanhamento da execução da BRP foi realizado por meio de ensaios de permeabilidade e de batelada. Durante a obra, 20% das lamelas dos trechos confinantes foram reexecutadas, evidenciado o sucesso do acompanhamento. Os ensaios com a mistura utilizada nas porções reativas definiram parâmetros de fluxo e transporte na mesma ordem de grandeza dos obtidos na fase de projeto. A extensão total da BRP ficou com 178m, sendo 45m de trechos reativos e permeáveis e o restante de trechos confinantes. O trecho reativo incluiu dois colchões drenantes de brita (diâmetro de 3/8”), com 50 cm de espessura, e a camada reativa da mistura areia + carvão com 1,5 m. Todo o sistema tem uma altura de 6,0 m, construído a partir de 3 m de profundidade tendo em vista ser desnecessário sua existência em parte da zona vadosa que no sítio varia sazonalmente. Dessa forma, a barreira penetrou 9 m de profundidade (Figura 2). O monitoramento, pós-construção da BRP, está ratificando o comportamento esperado de controle e adsorção da pluma de mercúrio (Nobre et al, 2007). 4. ESTUDO DE CASO 3: Sistema Misto Em condições de solos finos de reduzida permeabilidade , a solução de BRPs nem sempre pode atender premissas de remediação tendo em vista o lento deslocamento das plumas dissolvidas em direção às suas porções reativas. Um sistema alternativo de contenção física e de tratamento in-situ, denominado trench-and-gate system (Blowes et al. 2000), pode ser adotado nessas situações. Conceitualmente, esse sistema é constituído por uma parede impermeável ao fluxo acoplada a uma trincheira drenante de elevada condutividade hidráulica. Neste estudo de caso, um projeto de remediação, em fase de execução, é constituído por uma parede confinante, com reduzida permeabilidade e comprimento total de 175 m, de forma acoplada a uma V Seminário de Políticas de Gestão da Qualidade do Solo e das Águas Subterrâneas Nobre, M.M.M. São Paulo, 19 e 20 de setembro de 2007 trincheira drenante permeável. A trincheira drenante estará alinhada longitudinalmente ao contorno interno da parede diafragma, à montante da mesma, e envolvida por uma manta de geotêxtil na base e na interface com o solo. Ensaios específicos para a avaliação da compatibilidade química entre o geotêxtil e os compostos tóxicos foram realizados de forma a assegurar o seu funcionamento como filtro no longo prazo. Essa trincheira terá como propósito evitar a ocorrência de elevadas pressões hidrostáticas na interface com as paredes confinantes, o que pode favorecer o deslocamento dos contaminantes por vias laterais e pela base do sistema de contenção, e passagem de fluidos tóxicos por baixo ou laterais da parede. Grande parte dos contaminantes infiltrados encontra-se alojada sob a forma de fase imiscível nas partes mais profundas, subjacente a um antigo tanque de armazenamento que não mais existe como fonte primária de contaminação. Os compostos com maiores concentrações são os solventes clorados, sobretudo o 1,2 dicloroetano, 1,1,2 tricloroetano e o aromático benzeno. Favoravelmente, as plumas com as maiores concentrações estão restritas aos limites físicos do sítio. As sondagens revelaram a existência de um lençol freático raso constituído por lentes silto-arenosas – sedimentos não consolidados - intercaladas com material argiloso, que se apóia em um pacote irregular de um substrato duro que se mostrou, em geral, impenetrável ao trado e também de elevada resistência à penetração a métodos tradicionais percussivos. Esse substrato também funciona, do ponto de vista da contaminação na área, como uma barreira capilar com reduzida capacidade de armazenamento de água. A Figura 3 apresenta uma seção geológica típica, construída na direção do fluxo, indicando duas regiões mais elevadas da cota da barreira capilar. Na região sob o antigo tanque de armazenamento de hidrocarbonetos, encontra-se a cerca de 5 m de profundidade. O fluxo de águas subterrâneas no local é lento, com velocidades médias em torno de 1 m/ano. Um paleo-canal na interface do topo da barreira capilar define, na região, um caminho preferencial de fluxo de águas subterrâneas e o deslocamento da pluma de contaminantes. Dessa forma, o mapeamento dessa barreira, pela natureza da solução adotada, é de fundamental importância tendo em vista sua capacidade de contenção vertical da contaminação, impedindo o deslocamento de compostos orgânicos para camadas mais profundas do subsolo. Um sistema de bombeamento e/ou inspeção e tratamento será conectado à trincheira drenante de forma a permitir a descarga dos efluentes coletados para tratamento externo e posterior reinjeção das águas tratadas no subsolo do sítio. Esse sistema de bombeamento também possibilitará o aumento da zona de captura e evitará efeitos indesejáveis do encharcamento e do fluxo por difusão de contaminantes através da parede. O tratamento das águas contaminadas pode ser realizado no local e, na maioria dos casos, os efluentes tratados poderão reinjetados no próprio subsolo como forma de incrementar processos de dissolução e degradação. Poços tubulares verticais, por exemplo, construídos ao longo da trincheira drenante, possibilitarão diversos processos de remediação seqüenciais para o tratamento in-situ, incluindo tecnologias de oxidação, biodegradação acelerada, air-sparging, bio-sparging e tecnologias térmicas (injeção de vapor). Assim, a configuração proposta, com base também em resultados de modelagem numérica tridimensional de fluxo, permitirá uma contenção mais próxima às fontes secundárias com a melhor relação custo benefício ao tempo que propiciará a remoção/eliminação de massa de forma otimizada à montante. O monitoramento da área está sendo realizado continuamente desde seu diagnóstico e confirma (e valida) as previsões do modelo numérico desenvolvido para o sítio. V Seminário de Políticas de Gestão da Qualidade do Solo e das Águas Subterrâneas Nobre, M.M.M. São Paulo, 19 e 20 de setembro de 2007 5. CONCLUSÕES Casos reais de remediação são apresentados em que soluções geotécnicas foram necessárias. Ao contrário de tecnologias convencionais ex-situ, processos de remediação in-situ são intrinsecamente dependentes de uma adequada caraterização do sítio e do comportamento de compostos químicos envolvidos. As configurações de Barreiras Reativas Permeáveis e Zonas de Reação, associadas a sistemas físicos de contenção subterrâneos, devem considerar as heterogeneidades hidrogeológicas específicas. Os casos apresentados ratificam a necessidade do bom senso para integração e sequenciamento de tecnologias já disponíveis. 6. REFERÊNCIAS Benner, S. G., Blowes, D. W. e Molson, J. W. H. (2001). “Modeling Preferential Flow in Reactive Barriers: Implications for Perfomance and Design”. Ground Water, 39(3): 371-379. Blowes, D.W., Ptacek, C.J., Cherry, J.A., Gillham, R.W. e Robertson, W.D. (2000). “Passive Remediation of Ground Water Using In-situ Treatment Curtains”. In: Passive Remediation of Ground Water. GeoEnvironmental 2000. 1588-1621. ITRC (Interstate Technology & Regulatory Council). (2005). “Permeable Reactive Barriers: Lessons Learned/New Directions”. PRB-4. Washignton, D.C.: Interstate Technology & Regulatory Council, Permeable Reactive Barriers Team. Gavaskar, A. R., Gupta, N., Sass, B. M., Janosy, R. J. e O’Sullivan, D. (1998). “Permeable Barriers for Ground Water Remediation”. Battelle Press, U.S. 176 p. Nobre, M.M.M. (1992). “An Investigation of the Impact of Uncertainties in Geological Formations on Groundwater Flow”, PhD Thesis, Dept. of Civil Engineering, University of Waterloo, Canadá. Nobre, M.M.M. e Sykes, J.F. 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Figura 3 – Seção geológica típica, construída na direção do fluxo.