Um dia com António Nobre
Um dia, exactamente numa tarde memorável para mim, fazendo o caminho do
Fundão amigo para Lisboa, soube ler, de modo radicalmente diferente, o poeta António
Nobre: fiquei surpreendido e deliciado pela força dramática, interconflictual do poema
lírico-épico “Lusitânia no Bairro Latino”, parte do seu único livro “Só” – esse mais belo
nome para um volume de poesia. Sabia que, com Cesário Verde, é dos primeiros poetas
modernos, ainda romântico mas com distância dos românticos anteriores, ele próprio
jogador de distâncias entre a oralidade da partitura popular e dos seus refinados registos
vocais, o cromático do verbo, etc., etc.….
“Só”, pois. Prometi-me esse texto como a noiva ao noivo. Cresceu na minha
imaginação dramatúrgica e cénica num opus, numa ópera, ópera sem cantores, uma
cantata sem apetrechos, numa auto-encenação do poeta mas igualmente numa
autobiografia de Portugal. Portugal não só saudosista, segundo a fama sem proveito,
mas igualmente real, realista, surrealizante, até chegar a um objecto de certa crueldade
de percepção, quiçá perversa. Porém, a palavra perverso tem já o verso no seu radical…
Quem diria que esse Portugal de ontem de António Nobre transporta tendencialmente
certas características até hoje, navegando num “dark continent” cheio de sol, lá onde
vivemos. Mas chega de introdução.
Chamei, não, pedi a colaboração de muita gente boa, de actores e não-actores, de
músicos, cenógrafos, figurinistas, coreógrafos, luminotécnicos, alguns felizmente em
ruptura (light) com a sua profissão rotineira de obreiros de espectáculos. Com os meus
agradecimentos os nomes encontram-se no programa do espectáculo.
*
A maioria das coisas que se fazem com tanto talento e esforço no teatro
português, por vezes, parecem-me desnecessárias. Oxalá que o mesmo não se aplique a
“Só… no Quartier Latin” que agora apresentamos, no duplo aniversário dos 75 anos da
Universidade Técnica de Lisboa e dos 25 anos do TUT – Teatro da Universidade
Técnica, de ininterrupta e generosa história. Eis o nosso serviço mínimo e máximo do
que somos capazes.
Se falharmos, amargo será o nosso coração.
Jorge Listopad
Fevereiro de 2006
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Ainda não tinha lido nenhum livro de Teresa Veiga