De Georges Feydeau Encenação de Joaquim Benite, com Rodrigo Francisco A p urga d o Bebé Uma tragédia engraçada Gilles Costaz N ão existe mais do que uma ínfima diferença entre uma tragédia e uma comédia à Feydeau: tanto num caso como no outro, o destino está vigilante, agarra-se à garganta e aperta. O que desola no registo trágico encanta no registo cómico. Existe apenas uma diferença de clima – e essa diferença altera tudo. O riso provém quase sempre de um contraste preparado, de uma contradição repetida, de uma oscilação sistemática das personagens entre sentimentos e situações opostas. Bergson e tantos outros notaram que, a maior parte das vezes, há qualquer coisa de implacável na comédia e no cómico. Esse cómico, o do herói abespinhado, do aldrabão que se enrola nas suas próprias trafulhices, baseia-se no inevitável: acontece às personagens o que não lhes devia acontecer, e elas nada podem contra este destino – o de que o seu drama seja o de escorregar na legendária casca de banana, o de serem surpreendidas quando deveriam escapar ao olhar alheio, ou o de estarem presentes quando não deviam. “As peças de Feydeau têm a força, a progressão e a violência das tragédias”, escrevia Marcel Achard, ensaísta. “Elas têm uma inelutável fatalidade. Perante as tragédias, sufocamos de horror. Perante Feydeau, sufocamos de riso”. Poderíamos falar de outros ensaístas. Todos defendem esta mesma ideia: Feydeau é o destino implacável posto ao serviço do cómico. Não existem escapatórias nas vidas que o autor desenha, com um traço impiedoso, e por muito que corram, se afadiguem, nunca chegam a gozar com as suas torpezas no grande Carnaval burguês que é o teatro de Feydeau. É certo que tudo não passa de uma questão de olhar, de cor, de avaliação. A mesma história, consoante o tratamento que se lhe dá, inspira a compaixão ou o riso. Não é de espantar que as barreiras entre os dois géneros, nos tempos modernos, se tenham desfeito. Temos as nossas comédias tristes e as nossas tragédias alegres. Feydeau, como um grande autor cómico clássico, faz comédias alegres. Mas fá-las tristemente. “Não se espante se estou triste”, confidenciava ao jorna- André Gomes e Gabriel Bravo Teresa Gafeira lista Adolphe Brisson. “Com efeito, essa é a minha disposição natural. No teatro nunca rio, e raramente o faço na vida privada. Sou taciturno, um tanto selvagem”. Victor Hugo criticava os paladinos da tragédia clássica porque estes faziam encontrar num mesmo espaço e lugar personagens que não tinham qualquer razão para o fazer. É exactamente isso que Feydeau faz: um percurso guiado empurra as suas criaturas para uma catástrofe inevitável, após a qual não ocorre a morte do homem mas a morte do sonho. Feydeau levou este estilo de comédia, a que se chama vaudeville, até à perfeição e ao seu ponto de ruptura. Com efeito, depois, muitos copiaram Feydeau, se atendermos só aos efeitos e à maquinaria. Continuamos a copiá-lo todos os dias. Mas essa visão negra que ri apenas com um olhar, essa mecânica onde o homem se debate como dentro do tambor de uma máquina de lavar – tudo isto não pertence senão a ele, Feydeau. De 04 a 24 de Maio Terça a Sábado às 21h30 | Domingo às 16h00 SALA experimental M/12 O TMJB organiza transportes colectivos para grupos de mais de 20 pessoas. Informações e reservas João Farraia: 93 801 75 71 | Miguel Martins: 96 496 00 05 Teatro Municipal Joaquim Benite Av. Prof. Egas Moniz - Almada | Telf.: 21 273 93 60 | www.ctalmada.pt | [email protected] A p urga d o Bebé Penicos, negócios e Estado O Governo francês tem uma ideia: equipar o seu exército de dezenas de milhares de homens com bacios individuais de serviço nocturno, para melhorar as condições de higiene das forças armadas. Follavoine, fabricante de porcelanas, procura por todos os meios adjudicar o fornecimento através de uma parceria público/privada, e julga ter inventado para isso penicos de loiça inquebráveis. Mas quando recebe, para o almoço, o representante do Governo que vai tentar convencer a escolhê-lo a ele, sucedem-se as complicações: uma mulher irascível e pouco interessada em negócios, um filho mal educado que está mal dos intestinos e se recusa a tomar os purgantes, e, por fim, a descoberta de que os penicos não são propriamente inquebráveis...Tenta por todos os meios salvar a situação, mas o pior está para vir. Uma peça que, a rir, fala de coisas actuais. Teresa Gafeira e Bruno Benite André Gomes G eorges Feydeau (1862-1921) foi dramaturgo, actor e encenador, sendo um dos mais célebres e profícuos autores franceses de vaudevilles e comédias. A sua vida, marcada pela boémia e pelas dificuldades da vida conjugal, foi cheia de contradições: apesar de ser um autor de sucesso, muitas vezes os seus amigos tinham de fechá-lo à chave para que terminasse os seus próprios textos. Baseando-se no texto de Feydeau, o grande realizador Jean Renoir realizou em 1931 On purge bébé, uma película que conta com a participação do célebre actor cómico francês Michel Simon. Teresa Gafeira Fotografia © Rui Carlos Mateus