A cidade de São Cristóvão (Sergipe, Brasil): educação, patrimônio cultural e turismo Rafaelle Camilla dos Santos Pinheiro 1 Cristiane Alcântara de Jesus Santos 2 Luara Lázaro Gomes dos Santos 3 Resumo: O presente artigo faz uma discussão teórica sobre a relação existente entre educação, patrimônio cultural e turismo, levando-se em consideração as necessidades constantes de reafirmação dos valores culturais e da preservação do patrimônio através do seu uso consciente, objetivando o desenvolvimento local. Tendo como objeto de estudo a cidade histórica de São Cristóvão, de grande relevância para a história e cultura de Sergipe, bem como para o desenvolvimento do turismo do Estado, este estudo, através da pesquisa bibliográfica e documental e pesquisa de campo, busca analisar o patrimônio da cidade sob a ótica da educação patrimonial e do turismo cultural. Desta forma, pode-se perceber que, apesar da cidade ser contemplada por diversas políticas públicas de cultura e turismo, ainda apresenta diversos empecilhos para o desenvolvimento do turismo cultural, dentre estas, a falta de atividades que visem a conscientização dos residentes acerca do patrimônio local, sinalização turística e a elaboração e comercialização afetiva de roteiros culturais educativos. Palavras-chave: Educação. Patrimônio Cultural. Turismo. Introdução O turismo cultural tem ocasionado o processo de tematização patrimonial das cidades, uma vez que é um segmento que tem se destacado nos últimos anos, sobretudo, no que diz respeito a demanda turística. Desta forma, muitas cidades buscam desenvolver políticas, programas e ações com o intuito de (re)valorizar seus recursos culturais, a fim de elaborar produtos turísticos viáveis e comerciáveis com o objetivo de atender as atuais exigências dos consumidores turísticos. É certo afirmar que o modelo turístico baseado exclusivamente no segmento de sol e praia foi responsável pelo incremento da prática turística na região nordeste do Brasil. No entanto, as novas demandas originadas a partir da sociedade pós-industrial requerem modelos alternativos ou complementares e, desta forma, o patrimônio cultural se converte em um produto a ser comercializado e ofertado aos turistas com inquietudes culturais e que tem como motivação principal os costumes e as especificidades de determinadas paisagens. A turistificação pode se converter em uma excelente ferramenta para a preservação de bens patrimoniais e dos valores culturais, assim como, gerar uma melhoria da qualidade de vida da comunidade local, uma vez que através da prática turística torna-se possível potencializar a (re) estruturação da cidade. No entanto, torna-se necessário a definição de ações que visem a sua utilização, a fim de que sejam desenvolvidas práticas que visem a salvaguarda dos bens patrimoniais que se convertem em recursos turísticos culturais. Assim sendo, esse artigo tem como objetivo analisar o patrimônio da cidade sob a ótica da 1 Graduanda em Turismo. Aluna da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]. Graduação e Mestrado em Geografia pela UFS. Doutoranda em Geografia junto à Universitat de Barcelona. Professora do Curso de Turismo da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]. 3 Graduanda em Turismo Bacharelado. Aluna da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected] 1 2 educação patrimonial e do turismo cultural, levando-se em consideração as necessidades constantes de reafirmação dos valores culturais e da preservação do patrimônio através do seu uso consciente, objetivando o desenvolvimento local. Para atingir tal objetivo, foram adotadas, como procedimentos metodológicos, a pesquisa bibliográfica, documental e de campo. A pesquisa bibliográfica, utilizando de fontes primárias e secundárias sobre os temas referentes à educação patrimonial, turismo cultural, cultura, globalização e turismo, bem como temas sobre a história e o patrimônio da cidade de São Cristóvão, teve como objetivo servir de base para a discussão dos temas em questão e apresentar a cidade de São Cristóvão sob o ponto de vista histórico e cultural. Na pesquisa documental foram utilizados documentos e relatórios sobre proteção, preservação, utilização do patrimônio e dos programas governamentais de incentivo a preservação e requalificação do patrimônio, entre estes programas o Monumenta e o PAC Cidades Históricas. Já na pesquisa de campo, adotando a técnica da observação in loco, teve como objetivo a análise dos dados já obtidos durante as pesquisas bibliográficas e documentais e a obtenção de informações atuais sobre a Cidade. Durantes as observações foi possível perceber a dinâmica social e turística deste espaço, contribuindo, assim, para os resultados obtidos na pesquisa. 1. Globalização, cultura, turismo e desenvolvimento local: uma abordagem geral Os avanços tecnológicos nos meios de comunicação, produção e transporte vivenciados nos últimos anos nos conduziram ao que denominamos de globalização, um processo não só econômico, mas social, à medida que novas formas de consumo e de ser são propagadas pelos meios de comunicação em massa. De acordo com Rodrigues (2002), o turismo de massas contemporâneo teve início em meados do século XX com a intensificação do capitalismo industrial na América do Norte a na Europa Ocidental, podendo entender o turismo enquanto um fenômeno moderno, marco da globalização. Os reflexos dos avanços tecnológicos nos meios de produção industrial, nos transportes, na construção civil e na qualidade de vida das populações urbanas, com a ascensão da classe média, fizeram com que outros setores da economia, a exemplo do turismo, até então considerados como desnecessários, começassem a surgir para suprir as necessidades sociais e psicológicas do homem urbano e moderno. O maior acesso às informações, decorrente da melhoria tecnológica dos meios de comunicação digital e impresso, facilitou o deslocamento de pessoas, ao mesmo tempo em que despertou o desejo e a imaginação das mesmas em relação à viagem através da penetração em seu universo simbólico (RODRIGUES, 2002). 2 A globalização, enquanto “um paradigma do conhecimento sistematizado da economia, da política, da cultura, da ciência, da técnica e da informação que se materializam no espaço através de formas e pontos conectados por redes” (Rodrigues, 2002, p. 12) e o turismo, como um marco da globalização, exigem que determinados espaços que pretendam ser turistificados disponham de um nível de ciência, técnica e informação menos díspares às outras regiões turísticas. Para Rodrigues (2002), o conteúdo de ciência, técnica e informação diferencia os espaços entre si e imprime novas desigualdades regionais, sendo de vital importância na capitação de fluxos turísticos. “O fenômeno da globalização, tal como uma moeda, tem duas faces – o verso e o reverso, que correspondem ao global e ao fragmento – um não vive sem o outro. Fortalecer as diferenças – significa alimentar o global” (RODRIGUES, 2002, p. 12). Deste modo, a globalização, no contexto cultural, provoca duas realidades distintas inerentes à relação entre o global e o local. Ao mesmo tempo em que ela promove a homogeneização, também provoca um movimento que lhe é contrário e que resiste a esta homogeneização através da promoção e valorização do diferente. A resistência do local em relação ao global se dá pela necessidade que o local tem em defender o fortalecer sua identidade cultural ante a cultura de massa. Deste modo, “ os lugares não são agentes passivos do processo de globalização” (CRUZ, 2002, p. 211). A homogeneização é um dos desafios que a globalização impõe às sociedades, pondo em risco a diversidade cultural e, consequentemente o patrimônio cultural, numa relação local versus global. Toselli (2006, p. 2), afirma que “em tempos de globalização, a conservação, interpretação e preservação da diversidade cultural e do patrimônio de qualquer lugar ou região é um importante desafio para qualquer povo de qualquer lugar”. O turismo, no contexto de consumo de bens, serviços e simbologias, exige um padrão global de qualidade em termos de serviços e infraestrutura. No entanto, é o desejo de conhecer o outro, o diferente, que move os fluxos de pessoas e capitais para os destinos turísticos, o que acaba valorizando o patrimônio cultural e natural das localidades receptoras. Assim, “o turismo vive das especificidades, uma vez que as pessoas se deslocam em busca do novo, do inusitado, da aventura, de um lugar – caracterizado pela sua força identitária” (RODRIGUES, 2002, p. 12). Frente às tendências de globalização, as culturas receptoras tem a necessidade de redescobrir e fortalecer a identidade cultural, como também (re) significar o patrimônio (TOSELLI, 2006). É a partir desta necessidade de redescobrimento e fortalecimento da identidade cultural que o turismo cultural assume um papel importante ao promover a valorização econômica e social das culturas locais quando atribui uso sustentável aos recursos culturais regionais. Deste modo, o turismo cultural “cumpre o papel estimulador para valorizar, afirmar e 3 recuperar os elementos culturais que caracterizam e identificam cada comunidade ante ao mundo globalizado” (TOSELLI, 2006, p. 2). A autora ainda atribui ao turismo cultural o poder de contribuição à tomada de consciência da comunidade em relação à preservação do patrimônio cultural ao compreendê-lo como a herança que lhes distinguem e outorgam identidade. No destino turístico, o patrimônio cultural constitui recursos básicos que devem ser valorizados e transformados em um produto a serviço do desenvolvimento local e duradouro (HERMANDEZ; TRESSERAS, 2001, apud Ribeiro; Santos, 2008). Sob este prisma, trata-se o patrimônio enquanto um recurso que pode ser apropriado, valorizado e transformado em um produto turístico para o desenvolvimento local sustentável. Toselli (2006) corrobora com este pensamento quando diz que o turismo cultural, ao valorizar a produção em pequena escala, agrega aos seus produtos o valor da experiência turística, promovendo, sob os princípios da sustentabilidade, o desenvolvimento local e regional. Frente ao valor do patrimônio cultural das localidades para o resguardo de sua identidade, o uso dos recursos culturais para e pelo turismo deve se respaldar de medidas, normas e estratégias para o alcance da valorização e preservação destes, tanto em âmbito local como global. Para tanto, o desenvolvimento do turismo a partir da apropriação dos recursos culturais de uma localidade deve se ater ao valor do patrimônio cultural para o turismo e o valor do turismo para o patrimônio cultural. 2. Patrimônio cultural e turismo: valorização e preservação As primeiras grandes manifestações para a proteção do patrimônio arquitetônico histórico ocorrem, em maior parte, na segunda metade do século XX com a realização de vários eventos, entre estes, o Congresso de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos, em 1964, na cidade de Veneza, Itália, foi o mais significativo, aprovando o documento marco da preservação e conservação do patrimônio histórico, a Carta de Veneza (DIAS; AGUIAR, 2002). A Carta de Veneza traz, além da definição do que seja este patrimônio arquitetônico histórico, a preocupação de como e para que este deve ser conservado. Assim, a Carta, em seu primeiro artigo, define monumento histórico como: o conceito que compreende as criações arquitetônicas isoladas, bem como sitos urbanos ou rurais que testemunhe uma civilização particular, uma evolução significativa ou acontecimento histórico, compreendendo, não somente as grandes construções, mas também obras modestas, que com o tempo, tenham adquirido valor histórico. Ainda de acordo com a Carta de Veneza, a conservação e restauração dos monumentos históricos tinham por finalidade a salvaguarda tanto da obra quanto do seu testemunho histórico, ou 4 seja, seu simbolismo e significado a ser interpretado pelas gerações futuras e presentes. Vale destacar que, até o momento, a definição de patrimônio histórico não englobava bens intangíveis. De acordo com Dias; Aguiar (2002), além da evolução em termos de proteção e restauração do patrimônio histórico, a partir da carta, muitos países começaram a incorporar os monumentos, que sofreram um processo de revitalização, aos circuitos turísticos, o que acaba por lhes atribuir novos usos, preservando suas características arquitetônicas e os integrando a um novo contexto cultural. A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, promovida pela UNESCO em novembro de 1972 na cidade de Paris, França, levando em consideração as constantes ameaças de destruição do patrimônio cultural e a perda afetiva do patrimônio por parte dos povos do mundo e entendendo as dificuldades em âmbito municipal, estadual e nacional na salvaguarda do mesmo, aprova a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultual e Natural, documento que estabelece um sistema de proteção mundial do patrimônio cultural e natural de valor universal excepcional. Tal proteção seria incumbida à coletividade internacional, que, sem substituir a ação do poder local, prestaria assistência coletiva de forma a completar e tornar eficaz os mecanismos de proteção do patrimônio de valor universal excepcional. O documento assinala a indispensabilidade da adoção de novas disposições convencionais que estabeleçam um sistema de proteção eficaz e organizado segundo métodos científicos e modernos. O patrimônio cultural é então definido como: os monumentos, conjuntos e locais de interesse com um valor excepcional histórico, artístico, científico, estético, etnológico ou antropológico, competindo aos estados a identificação e delimitação dos diferentes bens situados em seu território, reconhecendo a sua obrigação em proteger, conservar, valorizar e transmitir às gerações futuras o patrimônio cultural (UNESCO, 1972). Vale ressaltar que a inclusão de monumentos e sítios na Lista do Patrimônio Mundial proporciona ao governo “prestígio e proteção internacional, valorizando culturalmente esses locais e incluindo-os no circuito do turismo internacional” (Dias; Aguiar, 2008). É neste contexto de prestígio e proteção internacional que a cidade de São Cristóvão, no Estado de Sergipe, se insere desde o ano de 2011, quando o foi conferido o título de Patrimônio Cultural ao conjunto arquitetônico da Praça São Francisco (FIGURA 1). 5 FIGURA 1 PRAÇA SÃO FRANCISCO – PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE Fonte: tripadvisor.com.br, 2012. Sobre este título conferido ao conjunto, Santos; Campos (2010, p. 1873) dizem que “esta ação pode atuar como forma de garantir o reconhecimento histórico e, mesmo sem planejamento e adequação de uma política de turismo, ampliar o fluxo de turistas na cidade, como possibilidade de promoção do desenvolvimento econômico e social”. Dentre as medidas propostas pela UNESCO aos países e Estados para a proteção, conservação e valorização do patrimônio cultural existentes em seu território, tem-se a elaboração de uma política geral que vise à determinação de uma função ao patrimônio cultural. Tal função deve se ater, não somente a proteção do patrimônio, mas também a integração do mesmo à vida coletiva. É sob esta justificativa, de atribuição de uma função coletiva ao patrimônio, que urge a necessidade da promoção de um uso que promova a identidade cultural do povo detentor deste patrimônio. Dentre estes usos do patrimônio cultural, destaca-se o educativo, através da Educação Patrimonial, e o uso turístico, como forma de promover práticas de lazer educativo em conjunto com a valorização social e econômica da identidade e história local. De acordo com Dias; Aguiar (2008) o turismo cultural é uma atividade de lazer educacional que proporciona ao visitante conhecer os aspectos históricos e culturais de uma dada localidade com o objetivo de apreciar os monumentos e sítios históricos, contribuindo para a manutenção e 6 proteção do patrimônio cultural. Bahl (2004), ao entender o turismo enquanto uma atividade social e econômica sujeita a uma série de determinantes naturais e culturais que afetam diretamente a imagem turística e as expectativas dos turistas e viajantes, destaca a importância do estabelecimento de ações de planejamento, ordenação e coordenação do turismo e da cultura, envolvendo a comunidade receptora nas decisões para um desenvolvimento harmônico da atividade. O mesmo autor ainda destaca as ações que devem ser empreendidas para a inserção dos elementos culturais na composição dos produtos turísticos para que sejam evitados possíveis impactos negativos: Estimular o resgate da cultura local, a autoestima e o orgulho dos hábitos e costumes das comunidades; Incentivar a conservação, manutenção e restauração do patrimônio arquitetônico; Buscar a revalorização da gastronomia, folclore e tradições; Fomentar o desenvolvimento de programas educativos; Oportunizar a participação da comunidade nas discussões, decisões e resultados econômicos, riscos e benefícios; Destarte, para que o turismo se aproprie dos recursos culturais de uma dada localidade de forma a preservar e valorizar a sua cultura e história, faz-se necessário, dentre outras medidas de intervenção no espaço físico, como a restauração dos monumentos, a inserção da educação patrimonial como forma de promover os direitos e deveres de cidadãos e visitantes em relação ao seu patrimônio, pois é através do conhecimento e reconhecimento que são adotadas as posturas e ações de proteção e valorização da cultura. 3. Educação patrimonial e turismo: interpretação e valorização do patrimônio pela comunidade local e visitantes De acordo com Santos; Alexandre (2011), o patrimônio histórico e cultural apresenta-se como uma estratégia viável capaz de articular segmentos distintos na tentativa de consolidação do destino na elaboração de produtos complementares para atender a nova demanda turística. Ainda de acordo com a autora, a demanda turística apresenta tendências crescentes na busca de novos produtos que possibilitem a participação/integração em novas e profundas experiências culturais, tanto no plano estético quanto intelectual, emocional e psicológico, atendendo a tríade lazer-prazerenriquecimento cultural. No entanto, a mesma autora destaca que, para que os recursos culturais possam ser considerados uma estratégia de desenvolvimento turístico, existe a necessidade de elaboração e 7 implementação de mecanismos locais de cooperação e gestão do patrimônio que possibilitem a resolução de problemas inerentes à turistificação dos bens patrimoniais. Além da apropriação dos meios de produção pela comunidade, é importante eleger e entender os valores que a comunidade e os grupos de atores sociais locais atribuem ao seu patrimônio, sendo que a percepção destes valores percorre os caminhos da educação formal, da oralidade, das políticas públicas de educação, de preservação e manutenção do patrimônio (RIBEIRO; SANTOS, 2008). É neste momento que a educação patrimonial, entendida como o “caminho pedagógico na construção da valorização dos bens patrimoniais em determinados espaços onde convivem diferentes grupos sociais” (Ribeiro; Santos, 2008, p. 3), ganha destaque. Para além da valorização dos bens patrimoniais, a educação patrimonial objetiva a preservação do patrimônio, uma vez que tem como premissa o uso disciplinado do patrimônio, evitando a depredação do mesmo. A experiência proporcionada pela prática turística é enraizada no conhecimento de um determinado destino, seja este especializado no turismo cultural ou turismo de natureza. Desvendar o lugar a partir da viagem, em grande parte, é o desejo de quem está turista. Assim, o turismo também pode ser entendido sobre o prisma educativo, uma vez que proporciona ao indivíduo a aquisição de conhecimentos e auto reconhecimento através da prática de atividades de lazer. Embora conhecer um lugar pareça fácil na teoria, na prática a realidade é outra, pois é necessário que o destino turístico elabore e implante mecanismos que facilitem a interpretação do destino pelo visitante para que o conhecimento seja possível. É a partir desta necessidade que se estabelece a Interpretação, seja esta ambiental ou patrimonial. A Interpretação do Patrimônio busca a comunicação com o visitante para ampliar seus conhecimentos em relação ao patrimônio cultural. Direcionada tanto para visitantes como para a comunidade local, a interpretação patrimonial tem como objetivo convencer as pessoas do valor do patrimônio, encorajando-as a preservá-los (MURTA; ALBANO, 2002). Deste modo, a interpretação patrimonial “é um instrumento de comunicação com o morador, o visitante e o turista” (MURTA; GOODEY, 2002, p. 17) que, através de técnicas específicas de mediação, envolve os indivíduos no ambiente específico, os induzindo a tomada de consciência em relação ao meio, uma vez que, sob os princípios da educação patrimonial, faz com que os indivíduos conheçam e reconheçam o valor do patrimônio e, consequentemente, sintam-se responsáveis pelo mesmo. Apesar de todo o rico conhecimento que se possa ter sobre o lugar e os eventos, a maioria das comunidades locais parece estar muito mal aparelhada para corresponder às mudanças que possam ocorrer, como exemplo, a migração de adolescentes para as cidades, o declínio de prédios tradicionais, os primeiros indícios do turismo de massas (BRIAN GOODEY, 2002, p. 50). 8 Destarte, desenvolver o turismo cultural tendo como instrumentos a educação e interpretação patrimonial para proporcionar uma melhor experiência turística no destino, tendo como base o desenvolvimento local, a preservação e valorização da cultura, torna-se de extrema importância. Para tanto, o destino com vocação para o turismo cultural deve estruturar se estruturar e desenvolver produtos culturais educativos e interpretativos a partir do planejamento participativo, onde a comunidade possa ter voz ativa nas decisões em relação ao uso turístico do patrimônio. 4. A cidade de São Cristóvão (Sergipe, Brasil) Localizada a 17 quilômetros de Aracaju, São Cristóvão, considerada a quarta cidade mais antiga do Brasil, foi o primeiro povoamento urbano do território sergipano. Hoje, São Cristóvão se destaca como uma cidade histórica de grande representatividade, configurando-se como um dos grandes atrativos culturais do Estado. Em 1540, o território de Sergipe, inicialmente vinculado à capitania da Bahia, foi doado pelo Rei Dom João III a Francisco Pereira Coutinho que, em 1548, sem a capacidade de administrar o território, o devolve para a Coroa Portuguesa, ficando conhecido como terras de El Rei. Habitada por tribos indígenas da Nação Tupinambá, a região serviu de palco para muitas batalhas entre índios e europeus na conquista da região. Entretanto, o título de conquistador coube a Cristóvão de Barros que, em 1º de janeiro de 1590, funda o arraial de São Cristóvão nas proximidades da Foz do Rio Sergipe que, após várias mudanças de localização, devido aos ataques de holandeses e franceses, se estabelece definitivamente às margens do Rio Paramopama (Nunes; Lima, 2007). O território sergipano, se emancipou da Bahia em 8 de julho de 1820, elevando-se a categoria de Capitania Independente (Nunes; Lima, 2007), tendo como capital a cidade de São Cristóvão que, por motivos de ordem econômica, no ano de 1855, perde o título para Aracaju, fundada pelo então presidente provincial Inácio Barboza na justificativa da necessidade de uma capital portuária para a escoação da produção do açúcar, principal produto de exportação da então Província. De acordo com Santos; Campos (2010), o espaço urbano de São Cristóvão retrata seu antigo fausto, reunindo grande parte do patrimônio material do estado. Ainda de acordo com os autores, o fato de ser a primeira capital de Sergipe, um dos maiores centros urbanos durante o século XIX e deter importante função econômica, social e cultural no contexto da Província, refletiu no padrão arquitetônico dos sobrados e das igrejas. Com exceção do Convento Franciscano e da Igreja do Rosário, do século XVII, o aspecto monumental arquitetônico da atualidade da cidade de São Cristóvão consolida-se no século XVIII (Nunes; Lima, 2007). Tais monumentos arquitetônicos representam a riqueza da cultura material da 9 cidade, sendo que grande parte das construções de seu centro são considerados bens patrimoniais protegidos em abrangência estadual, nacional e mais recentemente internacional. Santos; Campos (2010) afirmam que o modelo de urbanização adotado pelo Brasil no século XX, que promovia a destruição e substituição de antigas construções por novas, foi uma das grandes ameaças ao patrimônio cultural material da Cidade de São Cristóvão que, na mesma época, vivenciava a migração de antigas famílias tradicionais para Aracaju, fato que agravava a decadência social da cidade e contribuiu para a deterioração do patrimônio arquitetônico, cabendo aos munícipes a tarefa de manter vivas as tradições populares. Entendendo o valor cultural e histórico da cidade de São Cristóvão várias são as ações empreendidas pelo Estado, a nível estadual e nacional, para a proteção, conservação e revitalização deste acervo. Tais ações contribuíram na atribuição de funções de cunho cultural para grande parte deste acervo, os quais foram transformados em museus e centros culturais, que contribuem para a manutenção e preservação de obras e manifestações culturais do município (SANTOS; CAMPOS, 2010). Tombada a nível nacional no Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, como conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico, a cidade de São Cristóvão (FIGURA 2), com um importante conjunto de edificações de período colonial, é “o maior exemplo do Barroco sergipano no campo das artes [...], onde se destaca o conjunto arquitetônico da Praça São Francisco” (NUNES, 1991). FIGURA 2 CONJUNTO ARQUITETÔNICO, URBANÍSTICO E PAISAGISTICO – SÃO CRISTOVÃO/SE Fonte: thiagofragata.blogspot.com, 2012. 10 Dentre as edificações mais significativas, encontram-se (NUNES; LIMA, 2007): A Igreja Nossa Senhora da Vitória, a Matriz da cidade, apresentando características jesuíticas; A Santa Casa e Igreja da Misericórdia, antigo hospital que atualmente abriga o Orfanato Imaculada Conceição; A Igreja Nossa Senhora do Rosário, uma das edificações mais antigas que apresenta as características arquitetônicas das primeiras capelas construídas pelos jesuítas na época colonial; A Igreja e Convento São Francisco, construção da Ordem dos Frades Menores e da Ordem Terceira Franciscana, com traços arquitetônicos claramente barrocos; A Igreja e Convento das Carmelitas, conjunto formado pelo Carmo Grande e Carmo Pequeno, monumentos de fortes traços barrocos e de grande representatividade religiosa, onde é abrigada a imagem de Senhor dos Passos; E a Igreja de Nossa Senhora do Amparo, construção do século XVIII; Entre sobrados, igrejas e capelas, o município de São Cristóvão abriga 12 bens tombados a nível nacional, 4 a nível estadual e 1 (o Cristo Redentor) a nível municipal, sendo que a grande maioria concentra-se na área urbana. Dentre os pontos abertos para visitação, são destaque: o Lar Imaculada Conceição; a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos; Igreja Nossa Senhora da Vitória; Museu de Arte Sacra, Igreja São Francisco e Covento dos Franciscanos; Museu Histórico de Sergipe; Museu dos Ex-votos, Igreja do Carmo Pequena, Igreja do Carmo Maior e Convento dos Carmelitas; Igreja Nossa Senhora do Amparo dos Homens Pardos; Cristo Redentor; Casa da Queijada; Casa do IPHAN; Casa do Folclore “Zeca de Noberto”; e a Sala dos Saberes e Fazeres. A cultura imaterial de São Cristóvão também muito representativa (FIGURA 3). São eventos religiosos, como a Festa do Senhor dos Passos e as procissões do Fogaréu e do Senhor Morto, a gastronomia, com destaque para os bricelets4, queijadas5 e as moquecas, já as manifestações folclóricas são Chegança, Caceteira, Samba de Coco, Dança do Langa, Reisado, São Gonçalo, Taieira, entre outros. 4 Os bricelets são biscoitos feitos artesanalmente pelas freiras carmelitas do Lar Imaculada Conceição na cidade de São Cristóvão. 5 As queijadas, uma adaptação da receita que veio de Portugal, são comercializadas na Casa da Queijada, localizada na Cidade Histórica de São Cristóvão. 11 FIGURA 3 PATRIMÔNIO IMATERIAL DE SÃO CRISTOVÃO - SERGIPE Fonte: Elaboração própria, 2012. Destarte, por deter um grande acervo de patrimônio cultural que remota dos primeiros anos de conquista e colonização do Estado de Sergipe, assumindo um importante papel no que tange a formação histórica e cultural do povo sergipano, a cidade de São Cristóvão, apresenta elevado potencial para o desenvolvimento do turismo cultural. É importante ressaltar que o tombamento do patrimônio cultural material não garante a sua preservação e conservação. Faz-se necessário também a revitalização dos monumentos com a atribuição de um uso coletivo ao mesmo e a sensibilização da comunidade local para a necessidade de um uso disciplinar deste patrimônio. 5. Turismo cultural e educação patrimonial: possibilidades e desafios para a cidade de São Cristóvão A organização política do turismo no município de São Cristóvão se dá pela Secretaria Municipal da Cultura e do Turismo, a nível estadual, a cidade está inclusa no Roteiro Cidades Históricas, elaborado pela Secretaria de Turismo do Estado, e faz parte do Polo Costa dos Coqueirais, 12 recebendo investimentos do PRODETUR II6, destinados, em grande parte, a melhoria da infraestrutura e à restauração do patrimônio arquitetônico. Desde o ano de 2009, a cidade de São Cristóvão, junto com as cidades de Aracaju e Laranjeiras, estão incluídas no PAC Cidades Históricas. O programa, de abrangência nacional, tem como objetivo a integração do patrimônio às políticas de desenvolvimento econômico e regional, com ênfase no turismo. São Cristóvão, com previsão de um repasse de R$ 60 milhões, aplicará os recursos em obras de restauração, requalificação urbanística de pontos da área tombada. As ações do PAC Cidades Históricas com metas previstas para 2009-2012, tem como objetivos: a promoção e requalificação urbanística dos sítios históricos estimulando o uso na garantia do desenvolvimento econômico, social e cultural; investir na infraestrutura urbana e social; ampliação dos financiamentos para a recuperação de imóveis privados; a recuperação dos monumentos e imóveis com destinação de uso de interesse social; fomentar o desenvolvimento de cadeias produtivas locais; e promover o patrimônio cultural, o intercâmbio, a formação e a capacitação de agentes, técnicos e gestores. Outro programa governamental implantado na cidade foi o Monumenta 7 que, com financiamento de 4,9 milhões, recuperou diversas edificações (Sobrado da Antiga Ouvidoria, Museu Histórico de Sergipe, Lar Imaculada Conceição, Convento e Igreja Santa Cruz, Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e a Capela dos Capuchinhos), espaços públicos da cidade (Praça da Bandeira, Praça São Francisco, Largo do Carmo, Beco da Poesia, Largo do Rosário e Beco do Amparo), e dois imóveis privados (o restaurante do Japonês e a Casa da Queijada). Embora o programa não tenha alcançado objetivos mais largos em relação à recuperação dos imóveis privados, são notáveis os resultados positivos obtidos atarvés da recuperação dos edifícios e dos espaços públicos. Atualmente, a cidade, apesar de possuir um conjunto arquitetônico em bom estado de conservação, ainda apresenta muitas dificuldades para o desenvolvimento do turismo, entre estas, a falta de infraestrutura turística (hotéis, pousadas e restaurantes), a acessibilidade, a sinalização básica e turística, o uso coletivo do patrimônio e a promoção e comercialização de roteiros turísticos culturais. 6 O Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste – PRODETUR, tem como finalidade reforçar a capacidade do Nordeste em expandir e manter o setor turístico de forma a contribuir para o desenvolvimento social e econômico da região. 7 O Programa Monumenta do Ministério do Turismo, criado desde 1995, financiado pelo Banco Interamericano e Desenvolvimento e com apoio da Unesco, tem como objetivo conjugar a recuperação e preservação do patrimônio histórico com o desenvolvimento econômico e social, atuando nas cidade históricas protegidas pelo Instituto do Ptrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional – IPHAN. 13 Conclusões Atualmente, as práticas turísticas desenvolvidas na cidade de São Cristóvão estão relacionadas à realização de passeios comercializados por agências receptivas de Aracaju que, acompanhando o modelo econômico insustentável de exploração dos recursos naturais e culturais adotado pelo mercado das agências de receptivo em Sergipe, transformam os atrativos culturais da cidade de São Cristóvão em mercadorias sem acréscimo de experiência e vivência, utilizando o patrimônio sem proporcionar retorno social e econômico para a comunidade local. A forma com que o turismo se “estabilizou” no município contraria o roteiro elaborado pelo Programa de Regionalização do Turismo em Sergipe, que inclui a cidade no “Caminho dos Jesuítas: cidades históricas”, roteiro este que inclui, além de São Cristóvão, outras cidades que possui riqueza cultural e arquitetônica e tem como característica a passagem dos jesuítas, a exemplo de Laranjeiras. Tal contrariedade é fruto da não participação ativa da comunidade local no processo de planejamento de roteiros. Entende-se que o turismo necessita de infraestrutura básica e de serviços de qualidade, mas o novo modelo de desenvolvimento do turismo que prevê não somente a participação da comunidade na elaboração de projetos, mas também a apropriação dos meios de produção e prestação de serviços pela população, considerando que a qualidade não está na quantidade e grandeza do empreendimento turístico, mas na higiene, no atendimento personalizado e na experiência cultural, social e ambiental que se quer transmitir. A partir da observação da realidade do turismo na cidade, é possível entender que a comunidade de São Cristóvão necessita participar mais ativamente no processo de elaboração e comercialização turística, objetivando o desenvolvimento do turismo cultural e a adoção de ações cidadãs em relação ao patrimônio. Sendo necessária, assim, a sensibilização dos moradores para a apropriação simbólica deste patrimônio através do turismo cultural baseado em práticas de lazer educativas que despertem o exercício da cidadania dos munícipes em relação a sua participação, entendendo seus deveres e obrigações no uso e resguardo do patrimônio presente em seu município. Referências Bahl, M. (2004). Fatores ponderáveis no turismo: sociais, culturais e políticos. Curitiba: Protexto. Cruz, R. C. A. (2002). O Nordeste que o Turismo(ta) não vê. In A. B. Rodrigues (Org.). Turismo; Modernidade; Globalização (3 ed.). São Paulo: HUCITEC. Dias, R, & Aguiar, M. R. (2002). Fundamentos do turismo: conceitos, normas e definições. Campinas: Editora Alínea. Goodey, B. (2002). Interpretação e comunidade local. In S. M. Murta, & C. Albano (Orgs.). Interpretar o Patrimônio: um exercício do olhar. Belo Horizonte: Ed. UFMG; Território Brasilis. Murta, S. M., & Albano, C. (2002). 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