A cidade de São Cristóvão (Sergipe, Brasil): educação, patrimônio cultural e turismo
Rafaelle Camilla dos Santos Pinheiro 1
Cristiane Alcântara de Jesus Santos 2
Luara Lázaro Gomes dos Santos 3
Resumo: O presente artigo faz uma discussão teórica sobre a relação existente entre educação, patrimônio
cultural e turismo, levando-se em consideração as necessidades constantes de reafirmação dos valores
culturais e da preservação do patrimônio através do seu uso consciente, objetivando o desenvolvimento local.
Tendo como objeto de estudo a cidade histórica de São Cristóvão, de grande relevância para a história e
cultura de Sergipe, bem como para o desenvolvimento do turismo do Estado, este estudo, através da pesquisa
bibliográfica e documental e pesquisa de campo, busca analisar o patrimônio da cidade sob a ótica da educação
patrimonial e do turismo cultural. Desta forma, pode-se perceber que, apesar da cidade ser contemplada por
diversas políticas públicas de cultura e turismo, ainda apresenta diversos empecilhos para o desenvolvimento
do turismo cultural, dentre estas, a falta de atividades que visem a conscientização dos residentes acerca do
patrimônio local, sinalização turística e a elaboração e comercialização afetiva de roteiros culturais educativos.
Palavras-chave: Educação. Patrimônio Cultural. Turismo.
Introdução
O turismo cultural tem ocasionado o processo de tematização patrimonial das cidades, uma
vez que é um segmento que tem se destacado nos últimos anos, sobretudo, no que diz respeito a
demanda turística. Desta forma, muitas cidades buscam desenvolver políticas, programas e ações
com o intuito de (re)valorizar seus recursos culturais, a fim de elaborar produtos turísticos viáveis e
comerciáveis com o objetivo de atender as atuais exigências dos consumidores turísticos.
É certo afirmar que o modelo turístico baseado exclusivamente no segmento de sol e praia foi
responsável pelo incremento da prática turística na região nordeste do Brasil. No entanto, as novas
demandas originadas a partir da sociedade pós-industrial requerem modelos alternativos ou
complementares e, desta forma, o patrimônio cultural se converte em um produto a ser
comercializado e ofertado aos turistas com inquietudes culturais e que tem como motivação
principal os costumes e as especificidades de determinadas paisagens.
A turistificação pode se converter em uma excelente ferramenta para a preservação de bens
patrimoniais e dos valores culturais, assim como, gerar uma melhoria da qualidade de vida da
comunidade local, uma vez que através da prática turística torna-se possível potencializar a (re)
estruturação da cidade. No entanto, torna-se necessário a definição de ações que visem a sua
utilização, a fim de que sejam desenvolvidas práticas que visem a salvaguarda dos bens patrimoniais
que se convertem em recursos turísticos culturais.
Assim sendo, esse artigo tem como objetivo analisar o patrimônio da cidade sob a ótica da
1
Graduanda em Turismo. Aluna da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected].
Graduação e Mestrado em Geografia pela UFS. Doutoranda em Geografia junto à Universitat de Barcelona. Professora do
Curso de Turismo da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected].
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Graduanda em Turismo Bacharelado. Aluna da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]
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educação patrimonial e do turismo cultural, levando-se em consideração as necessidades constantes
de reafirmação dos valores culturais e da preservação do patrimônio através do seu uso consciente,
objetivando o desenvolvimento local.
Para atingir tal objetivo, foram adotadas, como procedimentos metodológicos, a pesquisa
bibliográfica, documental e de campo. A pesquisa bibliográfica, utilizando de fontes primárias e
secundárias sobre os temas referentes à educação patrimonial, turismo cultural, cultura, globalização
e turismo, bem como temas sobre a história e o patrimônio da cidade de São Cristóvão, teve como
objetivo servir de base para a discussão dos temas em questão e apresentar a cidade de São
Cristóvão sob o ponto de vista histórico e cultural.
Na pesquisa documental foram utilizados documentos e relatórios sobre proteção,
preservação, utilização do patrimônio e dos programas governamentais de incentivo a preservação e
requalificação do patrimônio, entre estes programas o Monumenta e o PAC Cidades Históricas.
Já na pesquisa de campo, adotando a técnica da observação in loco, teve como objetivo a
análise dos dados já obtidos durante as pesquisas bibliográficas e documentais e a obtenção de
informações atuais sobre a Cidade. Durantes as observações foi possível perceber a dinâmica social e
turística deste espaço, contribuindo, assim, para os resultados obtidos na pesquisa.
1. Globalização, cultura, turismo e desenvolvimento local: uma abordagem geral
Os avanços tecnológicos nos meios de comunicação, produção e transporte vivenciados nos
últimos anos nos conduziram ao que denominamos de globalização, um processo não só econômico,
mas social, à medida que novas formas de consumo e de ser são propagadas pelos meios de
comunicação em massa.
De acordo com Rodrigues (2002), o turismo de massas contemporâneo teve início em
meados do século XX com a intensificação do capitalismo industrial na América do Norte a na Europa
Ocidental, podendo entender o turismo enquanto um fenômeno moderno, marco da globalização.
Os reflexos dos avanços tecnológicos nos meios de produção industrial, nos transportes, na
construção civil e na qualidade de vida das populações urbanas, com a ascensão da classe média,
fizeram com que outros setores da economia, a exemplo do turismo, até então considerados como
desnecessários, começassem a surgir para suprir as necessidades sociais e psicológicas do homem
urbano e moderno.
O maior acesso às informações, decorrente da melhoria tecnológica dos meios de
comunicação digital e impresso, facilitou o deslocamento de pessoas, ao mesmo tempo em que
despertou o desejo e a imaginação das mesmas em relação à viagem através da penetração em seu
universo simbólico (RODRIGUES, 2002).
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A globalização, enquanto “um paradigma do conhecimento sistematizado da economia, da
política, da cultura, da ciência, da técnica e da informação que se materializam no espaço através de
formas e pontos conectados por redes” (Rodrigues, 2002, p. 12) e o turismo, como um marco da
globalização, exigem que determinados espaços que pretendam ser turistificados disponham de um
nível de ciência, técnica e informação menos díspares às outras regiões turísticas.
Para Rodrigues (2002), o conteúdo de ciência, técnica e informação diferencia os espaços
entre si e imprime novas desigualdades regionais, sendo de vital importância na capitação de fluxos
turísticos. “O fenômeno da globalização, tal como uma moeda, tem duas faces – o verso e o reverso,
que correspondem ao global e ao fragmento – um não vive sem o outro. Fortalecer as diferenças –
significa alimentar o global” (RODRIGUES, 2002, p. 12).
Deste modo, a globalização, no contexto cultural, provoca duas realidades distintas inerentes
à relação entre o global e o local. Ao mesmo tempo em que ela promove a homogeneização,
também provoca um movimento que lhe é contrário e que resiste a esta homogeneização através da
promoção e valorização do diferente.
A resistência do local em relação ao global se dá pela necessidade que o local tem em
defender o fortalecer sua identidade cultural ante a cultura de massa. Deste modo, “ os lugares não
são agentes passivos do processo de globalização” (CRUZ, 2002, p. 211).
A homogeneização é um dos desafios que a globalização impõe às sociedades, pondo em
risco a diversidade cultural e, consequentemente o patrimônio cultural, numa relação local versus
global. Toselli (2006, p. 2), afirma que “em tempos de globalização, a conservação, interpretação e
preservação da diversidade cultural e do patrimônio de qualquer lugar ou região é um importante
desafio para qualquer povo de qualquer lugar”.
O turismo, no contexto de consumo de bens, serviços e simbologias, exige um padrão global
de qualidade em termos de serviços e infraestrutura. No entanto, é o desejo de conhecer o outro, o
diferente, que move os fluxos de pessoas e capitais para os destinos turísticos, o que acaba
valorizando o patrimônio cultural e natural das localidades receptoras. Assim, “o turismo vive das
especificidades, uma vez que as pessoas se deslocam em busca do novo, do inusitado, da aventura,
de um lugar – caracterizado pela sua força identitária” (RODRIGUES, 2002, p. 12).
Frente às tendências de globalização, as culturas receptoras tem a necessidade de
redescobrir e fortalecer a identidade cultural, como também (re) significar o patrimônio (TOSELLI,
2006). É a partir desta necessidade de redescobrimento e fortalecimento da identidade cultural que
o turismo cultural assume um papel importante ao promover a valorização econômica e social das
culturas locais quando atribui uso sustentável aos recursos culturais regionais.
Deste modo, o turismo cultural “cumpre o papel estimulador para valorizar, afirmar e
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recuperar os elementos culturais que caracterizam e identificam cada
comunidade
ante ao mundo globalizado” (TOSELLI, 2006, p. 2). A autora ainda atribui ao turismo cultural o poder
de contribuição à tomada de consciência da comunidade em relação à preservação do patrimônio
cultural ao compreendê-lo como a herança que lhes distinguem e outorgam identidade.
No destino turístico, o patrimônio cultural constitui recursos básicos que devem ser
valorizados e transformados em um produto a serviço do desenvolvimento local e duradouro
(HERMANDEZ; TRESSERAS, 2001, apud Ribeiro; Santos, 2008). Sob este prisma, trata-se o patrimônio
enquanto um recurso que pode ser apropriado, valorizado e transformado em um produto turístico
para o desenvolvimento local sustentável.
Toselli (2006) corrobora com este pensamento quando diz que o turismo cultural, ao
valorizar a produção em pequena escala, agrega aos seus produtos o valor da experiência turística,
promovendo, sob os princípios da sustentabilidade, o desenvolvimento local e regional.
Frente ao valor do patrimônio cultural das localidades para o resguardo de sua identidade, o
uso dos recursos culturais para e pelo turismo deve se respaldar de medidas, normas e estratégias
para o alcance da valorização e preservação destes, tanto em âmbito local como global. Para tanto, o
desenvolvimento do turismo a partir da apropriação dos recursos culturais de uma localidade deve
se ater ao valor do patrimônio cultural para o turismo e o valor do turismo para o patrimônio
cultural.
2. Patrimônio cultural e turismo: valorização e preservação
As primeiras grandes manifestações para a proteção do patrimônio arquitetônico histórico
ocorrem, em maior parte, na segunda metade do século XX com a realização de vários eventos, entre
estes, o Congresso de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos, em 1964, na cidade de
Veneza, Itália, foi o mais significativo, aprovando o documento marco da preservação e conservação
do patrimônio histórico, a Carta de Veneza (DIAS; AGUIAR, 2002).
A Carta de Veneza traz, além da definição do que seja este patrimônio arquitetônico
histórico, a preocupação de como e para que este deve ser conservado. Assim, a Carta, em seu
primeiro artigo, define monumento histórico como: o conceito que compreende as criações
arquitetônicas isoladas, bem como sitos urbanos ou rurais que testemunhe uma civilização
particular, uma evolução significativa ou acontecimento histórico, compreendendo, não somente as
grandes construções, mas também obras modestas, que com o tempo, tenham adquirido valor
histórico.
Ainda de acordo com a Carta de Veneza, a conservação e restauração dos monumentos
históricos tinham por finalidade a salvaguarda tanto da obra quanto do seu testemunho histórico, ou
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seja, seu simbolismo e significado a ser interpretado pelas gerações futuras e presentes. Vale
destacar que, até o momento, a definição de patrimônio histórico não englobava bens intangíveis.
De acordo com Dias; Aguiar (2002), além da evolução em termos de proteção e restauração
do patrimônio histórico, a partir da carta, muitos países começaram a incorporar os monumentos,
que sofreram um processo de revitalização, aos circuitos turísticos, o que acaba por lhes atribuir
novos usos, preservando suas características arquitetônicas e os integrando a um novo contexto
cultural.
A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura,
promovida pela UNESCO em novembro de 1972 na cidade de Paris, França, levando em consideração
as constantes ameaças de destruição do patrimônio cultural e a perda afetiva do patrimônio por
parte dos povos do mundo e entendendo as dificuldades em âmbito municipal, estadual e nacional
na salvaguarda do mesmo, aprova a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultual e
Natural, documento que estabelece um sistema de proteção mundial do patrimônio cultural e
natural de valor universal excepcional.
Tal proteção seria incumbida à coletividade internacional, que, sem substituir a ação do
poder local, prestaria assistência coletiva de forma a completar e tornar eficaz os mecanismos de
proteção do patrimônio de valor universal excepcional. O documento assinala a indispensabilidade
da adoção de novas disposições convencionais que estabeleçam um sistema de proteção eficaz e
organizado segundo métodos científicos e modernos.
O patrimônio cultural é então definido como: os monumentos, conjuntos e locais de
interesse com um valor excepcional histórico, artístico, científico, estético, etnológico ou
antropológico, competindo aos estados a identificação e delimitação dos diferentes bens situados
em seu território, reconhecendo a sua obrigação em proteger, conservar, valorizar e transmitir às
gerações futuras o patrimônio cultural (UNESCO, 1972).
Vale ressaltar que a inclusão de monumentos e sítios na Lista do Patrimônio Mundial
proporciona ao governo “prestígio e proteção internacional, valorizando culturalmente esses locais e
incluindo-os no circuito do turismo internacional” (Dias; Aguiar, 2008). É neste contexto de prestígio
e proteção internacional que a cidade de São Cristóvão, no Estado de Sergipe, se insere desde o ano
de 2011, quando o foi conferido o título de Patrimônio Cultural ao conjunto arquitetônico da Praça
São Francisco (FIGURA 1).
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FIGURA 1
PRAÇA SÃO FRANCISCO – PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE
Fonte: tripadvisor.com.br, 2012.
Sobre este título conferido ao conjunto, Santos; Campos (2010, p. 1873) dizem que “esta
ação pode atuar como forma de garantir o reconhecimento histórico e, mesmo sem planejamento e
adequação de uma política de turismo, ampliar o fluxo de turistas na cidade, como possibilidade de
promoção do desenvolvimento econômico e social”.
Dentre as medidas propostas pela UNESCO aos países e Estados para a proteção,
conservação e valorização do patrimônio cultural existentes em seu território, tem-se a elaboração
de uma política geral que vise à determinação de uma função ao patrimônio cultural. Tal função deve
se ater, não somente a proteção do patrimônio, mas também a integração do mesmo à vida coletiva.
É sob esta justificativa, de atribuição de uma função coletiva ao patrimônio, que urge a
necessidade da promoção de um uso que promova a identidade cultural do povo detentor deste
patrimônio. Dentre estes usos do patrimônio cultural, destaca-se o educativo, através da Educação
Patrimonial, e o uso turístico, como forma de promover práticas de lazer educativo em conjunto com
a valorização social e econômica da identidade e história local.
De acordo com Dias; Aguiar (2008) o turismo cultural é uma atividade de lazer educacional
que proporciona ao visitante conhecer os aspectos históricos e culturais de uma dada localidade com
o objetivo de apreciar os monumentos e sítios históricos, contribuindo para a manutenção e
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proteção do patrimônio cultural.
Bahl (2004), ao entender o turismo enquanto uma atividade social e econômica sujeita a uma
série de determinantes naturais e culturais que afetam diretamente a imagem turística e as
expectativas dos turistas e viajantes, destaca a importância do estabelecimento de ações de
planejamento, ordenação e coordenação do turismo e da cultura, envolvendo a comunidade
receptora nas decisões para um desenvolvimento harmônico da atividade.
O mesmo autor ainda destaca as ações que devem ser empreendidas para a inserção dos
elementos culturais na composição dos produtos turísticos para que sejam evitados possíveis
impactos negativos:

Estimular o resgate da cultura local, a autoestima e o orgulho dos hábitos e costumes das
comunidades;

Incentivar a conservação, manutenção e restauração do patrimônio arquitetônico;

Buscar a revalorização da gastronomia, folclore e tradições;

Fomentar o desenvolvimento de programas educativos;

Oportunizar a participação da comunidade nas discussões, decisões e resultados econômicos,
riscos e benefícios;
Destarte, para que o turismo se aproprie dos recursos culturais de uma dada localidade de
forma a preservar e valorizar a sua cultura e história, faz-se necessário, dentre outras medidas de
intervenção no espaço físico, como a restauração dos monumentos, a inserção da educação
patrimonial como forma de promover os direitos e deveres de cidadãos e visitantes em relação ao
seu patrimônio, pois é através do conhecimento e reconhecimento que são adotadas as posturas e
ações de proteção e valorização da cultura.
3. Educação patrimonial e turismo: interpretação e valorização do patrimônio pela comunidade
local e visitantes
De acordo com Santos; Alexandre (2011), o patrimônio histórico e cultural apresenta-se
como uma estratégia viável capaz de articular segmentos distintos na tentativa de consolidação do
destino na elaboração de produtos complementares para atender a nova demanda turística. Ainda
de acordo com a autora, a demanda turística apresenta tendências crescentes na busca de novos
produtos que possibilitem a participação/integração em novas e profundas experiências culturais,
tanto no plano estético quanto intelectual, emocional e psicológico, atendendo a tríade lazer-prazerenriquecimento cultural.
No entanto, a mesma autora destaca que, para que os recursos culturais possam ser
considerados uma estratégia de desenvolvimento turístico, existe a necessidade de elaboração e
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implementação de mecanismos locais de cooperação e gestão do patrimônio que possibilitem a
resolução de problemas inerentes à turistificação dos bens patrimoniais.
Além da apropriação dos meios de produção pela comunidade, é importante eleger e
entender os valores que a comunidade e os grupos de atores sociais locais atribuem ao seu
patrimônio, sendo que a percepção destes valores percorre os caminhos da educação formal, da
oralidade, das políticas públicas de educação, de preservação e manutenção do patrimônio (RIBEIRO;
SANTOS, 2008).
É neste momento que a educação patrimonial, entendida como o “caminho pedagógico na
construção da valorização dos bens patrimoniais em determinados espaços onde convivem
diferentes grupos sociais” (Ribeiro; Santos, 2008, p. 3), ganha destaque. Para além da valorização dos
bens patrimoniais, a educação patrimonial objetiva a preservação do patrimônio, uma vez que tem
como premissa o uso disciplinado do patrimônio, evitando a depredação do mesmo.
A experiência proporcionada pela prática turística é enraizada no conhecimento de um
determinado destino, seja este especializado no turismo cultural ou turismo de natureza. Desvendar
o lugar a partir da viagem, em grande parte, é o desejo de quem está turista. Assim, o turismo
também pode ser entendido sobre o prisma educativo, uma vez que proporciona ao indivíduo a
aquisição de conhecimentos e auto reconhecimento através da prática de atividades de lazer.
Embora conhecer um lugar pareça fácil na teoria, na prática a realidade é outra, pois é
necessário que o destino turístico elabore e implante mecanismos que facilitem a interpretação do
destino pelo visitante para que o conhecimento seja possível. É a partir desta necessidade que se
estabelece a Interpretação, seja esta ambiental ou patrimonial.
A Interpretação do Patrimônio busca a comunicação com o visitante para ampliar seus
conhecimentos em relação ao patrimônio cultural. Direcionada tanto para visitantes como para a
comunidade local, a interpretação patrimonial tem como objetivo convencer as pessoas do valor do
patrimônio, encorajando-as a preservá-los (MURTA; ALBANO, 2002).
Deste modo, a interpretação patrimonial “é um instrumento de comunicação com o
morador, o visitante e o turista” (MURTA; GOODEY, 2002, p. 17) que, através de técnicas específicas
de mediação, envolve os indivíduos no ambiente específico, os induzindo a tomada de consciência
em relação ao meio, uma vez que, sob os princípios da educação patrimonial, faz com que os
indivíduos conheçam e reconheçam o valor do patrimônio e, consequentemente, sintam-se
responsáveis pelo mesmo.
Apesar de todo o rico conhecimento que se possa ter sobre o lugar e os eventos, a
maioria das comunidades locais parece estar muito mal aparelhada para
corresponder às mudanças que possam ocorrer, como exemplo, a migração de
adolescentes para as cidades, o declínio de prédios tradicionais, os primeiros
indícios do turismo de massas (BRIAN GOODEY, 2002, p. 50).
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Destarte, desenvolver o turismo cultural tendo como instrumentos a educação e
interpretação patrimonial para proporcionar uma melhor experiência turística no destino, tendo
como base o desenvolvimento local, a preservação e valorização da cultura, torna-se de extrema
importância. Para tanto, o destino com vocação para o turismo cultural deve estruturar se estruturar
e desenvolver produtos culturais educativos e interpretativos a partir do planejamento participativo,
onde a comunidade possa ter voz ativa nas decisões em relação ao uso turístico do patrimônio.
4. A cidade de São Cristóvão (Sergipe, Brasil)
Localizada a 17 quilômetros de Aracaju, São Cristóvão, considerada a quarta cidade mais
antiga do Brasil, foi o primeiro povoamento urbano do território sergipano. Hoje, São Cristóvão se
destaca como uma cidade histórica de grande representatividade, configurando-se como um dos
grandes atrativos culturais do Estado.
Em 1540, o território de Sergipe, inicialmente vinculado à capitania da Bahia, foi doado pelo
Rei Dom João III a Francisco Pereira Coutinho que, em 1548, sem a capacidade de administrar o
território, o devolve para a Coroa Portuguesa, ficando conhecido como terras de El Rei. Habitada por
tribos indígenas da Nação Tupinambá, a região serviu de palco para muitas batalhas entre índios e
europeus na conquista da região. Entretanto, o título de conquistador coube a Cristóvão de Barros
que, em 1º de janeiro de 1590, funda o arraial de São Cristóvão nas proximidades da Foz do Rio
Sergipe que, após várias mudanças de localização, devido aos ataques de holandeses e franceses, se
estabelece definitivamente às margens do Rio Paramopama (Nunes; Lima, 2007).
O território sergipano, se emancipou da Bahia em 8 de julho de 1820, elevando-se a
categoria de Capitania Independente (Nunes; Lima, 2007), tendo como capital a cidade de São
Cristóvão que, por motivos de ordem econômica, no ano de 1855, perde o título para Aracaju,
fundada pelo então presidente provincial Inácio Barboza na justificativa da necessidade de uma
capital portuária para a escoação da produção do açúcar, principal produto de exportação da então
Província.
De acordo com Santos; Campos (2010), o espaço urbano de São Cristóvão retrata seu antigo
fausto, reunindo grande parte do patrimônio material do estado. Ainda de acordo com os autores, o
fato de ser a primeira capital de Sergipe, um dos maiores centros urbanos durante o século XIX e
deter importante função econômica, social e cultural no contexto da Província, refletiu no padrão
arquitetônico dos sobrados e das igrejas.
Com exceção do Convento Franciscano e da Igreja do Rosário, do século XVII, o aspecto
monumental arquitetônico da atualidade da cidade de São Cristóvão consolida-se no século XVIII
(Nunes; Lima, 2007). Tais monumentos arquitetônicos representam a riqueza da cultura material da
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cidade, sendo que grande parte das construções de seu centro são considerados bens patrimoniais
protegidos em abrangência estadual, nacional e mais recentemente internacional.
Santos; Campos (2010) afirmam que o modelo de urbanização adotado pelo Brasil no século
XX, que promovia a destruição e substituição de antigas construções por novas, foi uma das grandes
ameaças ao patrimônio cultural material da Cidade de São Cristóvão que, na mesma época,
vivenciava a migração de antigas famílias tradicionais para Aracaju, fato que agravava a decadência
social da cidade e contribuiu para a deterioração do patrimônio arquitetônico, cabendo aos
munícipes a tarefa de manter vivas as tradições populares.
Entendendo o valor cultural e histórico da cidade de São Cristóvão várias são as ações
empreendidas pelo Estado, a nível estadual e nacional, para a proteção, conservação e revitalização
deste acervo. Tais ações contribuíram na atribuição de funções de cunho cultural para grande parte
deste acervo, os quais foram transformados em museus e centros culturais, que contribuem para a
manutenção e preservação de obras e manifestações culturais do município (SANTOS; CAMPOS,
2010).
Tombada a nível nacional no Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, como conjunto
arquitetônico, urbanístico e paisagístico, a cidade de São Cristóvão (FIGURA 2), com um importante
conjunto de edificações de período colonial, é “o maior exemplo do Barroco sergipano no campo das
artes [...], onde se destaca o conjunto arquitetônico da Praça São Francisco” (NUNES, 1991).
FIGURA 2
CONJUNTO ARQUITETÔNICO, URBANÍSTICO E PAISAGISTICO – SÃO CRISTOVÃO/SE
Fonte: thiagofragata.blogspot.com, 2012.
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Dentre as edificações mais significativas, encontram-se (NUNES; LIMA, 2007):

A Igreja Nossa Senhora da Vitória, a Matriz da cidade, apresentando características jesuíticas;

A Santa Casa e Igreja da Misericórdia, antigo hospital que atualmente abriga o Orfanato
Imaculada Conceição;

A Igreja Nossa Senhora do Rosário, uma das edificações mais antigas que apresenta as
características arquitetônicas das primeiras capelas construídas pelos jesuítas na época
colonial;

A Igreja e Convento São Francisco, construção da Ordem dos Frades Menores e da Ordem
Terceira Franciscana, com traços arquitetônicos claramente barrocos;

A Igreja e Convento das Carmelitas, conjunto formado pelo Carmo Grande e Carmo Pequeno,
monumentos de fortes traços barrocos e de grande representatividade religiosa, onde é
abrigada a imagem de Senhor dos Passos;

E a Igreja de Nossa Senhora do Amparo, construção do século XVIII;

Entre sobrados, igrejas e capelas, o município de São Cristóvão abriga 12 bens tombados a
nível nacional, 4 a nível estadual e 1 (o Cristo Redentor) a nível municipal, sendo que a
grande maioria concentra-se na área urbana.
Dentre os pontos abertos para visitação, são destaque: o Lar Imaculada Conceição; a Igreja
Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos; Igreja Nossa Senhora da Vitória; Museu de Arte Sacra,
Igreja São Francisco e Covento dos Franciscanos; Museu Histórico de Sergipe; Museu dos Ex-votos,
Igreja do Carmo Pequena, Igreja do Carmo Maior e Convento dos Carmelitas; Igreja Nossa Senhora
do Amparo dos Homens Pardos; Cristo Redentor; Casa da Queijada; Casa do IPHAN; Casa do Folclore
“Zeca de Noberto”; e a Sala dos Saberes e Fazeres.
A cultura imaterial de São Cristóvão também muito representativa (FIGURA 3). São eventos
religiosos, como a Festa do Senhor dos Passos e as procissões do Fogaréu e do Senhor Morto, a
gastronomia, com destaque para os bricelets4, queijadas5 e as moquecas, já as manifestações
folclóricas são Chegança, Caceteira, Samba de Coco, Dança do Langa, Reisado, São Gonçalo, Taieira,
entre outros.
4
Os bricelets são biscoitos feitos artesanalmente pelas freiras carmelitas do Lar Imaculada Conceição na cidade de São
Cristóvão.
5
As queijadas, uma adaptação da receita que veio de Portugal, são comercializadas na Casa da Queijada, localizada na
Cidade Histórica de São Cristóvão.
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FIGURA 3
PATRIMÔNIO IMATERIAL DE SÃO CRISTOVÃO - SERGIPE
Fonte: Elaboração própria, 2012.
Destarte, por deter um grande acervo de patrimônio cultural que remota dos primeiros anos
de conquista e colonização do Estado de Sergipe, assumindo um importante papel no que tange a
formação histórica e cultural do povo sergipano, a cidade de São Cristóvão, apresenta elevado
potencial para o desenvolvimento do turismo cultural.
É importante ressaltar que o tombamento do patrimônio cultural material não garante a sua
preservação e conservação. Faz-se necessário também a revitalização dos monumentos com a
atribuição de um uso coletivo ao mesmo e a sensibilização da comunidade local para a necessidade
de um uso disciplinar deste patrimônio.
5. Turismo cultural e educação patrimonial: possibilidades e desafios para a cidade de São
Cristóvão
A organização política do turismo no município de São Cristóvão se dá pela Secretaria
Municipal da Cultura e do Turismo, a nível estadual, a cidade está inclusa no Roteiro Cidades
Históricas, elaborado pela Secretaria de Turismo do Estado, e faz parte do Polo Costa dos Coqueirais,
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recebendo investimentos do PRODETUR II6, destinados, em grande parte, a melhoria da
infraestrutura e à restauração do patrimônio arquitetônico.
Desde o ano de 2009, a cidade de São Cristóvão, junto com as cidades de Aracaju e
Laranjeiras, estão incluídas no PAC Cidades Históricas. O programa, de abrangência nacional,
tem como objetivo a integração do patrimônio às políticas de desenvolvimento econômico e
regional, com ênfase no turismo. São Cristóvão, com previsão de um repasse de R$ 60 milhões,
aplicará os recursos em obras de restauração, requalificação urbanística de pontos da área
tombada.
As ações do PAC Cidades Históricas com metas previstas para 2009-2012, tem como
objetivos: a promoção e requalificação urbanística dos sítios históricos estimulando o uso na garantia
do desenvolvimento econômico, social e cultural; investir na infraestrutura urbana e social;
ampliação dos financiamentos para a recuperação de imóveis privados; a recuperação dos
monumentos e imóveis com destinação de uso de interesse social; fomentar o desenvolvimento de
cadeias produtivas locais; e promover o patrimônio cultural, o intercâmbio, a formação e a
capacitação de agentes, técnicos e gestores.
Outro programa governamental implantado na cidade foi o Monumenta 7 que, com
financiamento de 4,9 milhões, recuperou diversas edificações (Sobrado da Antiga Ouvidoria, Museu
Histórico de Sergipe, Lar Imaculada Conceição, Convento e Igreja Santa Cruz, Igreja de Nossa Senhora
do Rosário dos Homens Pretos e a Capela dos Capuchinhos), espaços públicos da cidade (Praça da
Bandeira, Praça São Francisco, Largo do Carmo, Beco da Poesia, Largo do Rosário e Beco do Amparo),
e dois imóveis privados (o restaurante do Japonês e a Casa da Queijada).
Embora o programa não tenha alcançado objetivos mais largos em relação à recuperação dos
imóveis privados, são notáveis os resultados positivos obtidos atarvés da recuperação dos edifícios e
dos espaços públicos. Atualmente, a cidade, apesar de possuir um conjunto arquitetônico em bom
estado de conservação, ainda apresenta muitas dificuldades para o desenvolvimento do turismo,
entre estas, a falta de infraestrutura turística (hotéis, pousadas e restaurantes), a acessibilidade, a
sinalização básica e turística, o uso coletivo do patrimônio e a promoção e comercialização de
roteiros turísticos culturais.
6
O Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste – PRODETUR, tem como finalidade reforçar a capacidade do
Nordeste em expandir e manter o setor turístico de forma a contribuir para o desenvolvimento social e econômico da
região.
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O Programa Monumenta do Ministério do Turismo, criado desde 1995, financiado pelo Banco Interamericano e
Desenvolvimento e com apoio da Unesco, tem como objetivo conjugar a recuperação e preservação do patrimônio
histórico com o desenvolvimento econômico e social, atuando nas cidade históricas protegidas pelo Instituto do Ptrimônio
Histórico e Arquitetônico Nacional – IPHAN.
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Conclusões
Atualmente, as práticas turísticas desenvolvidas na cidade de São Cristóvão estão
relacionadas à realização de passeios comercializados por agências receptivas de Aracaju que,
acompanhando o modelo econômico insustentável de exploração dos recursos naturais e culturais
adotado pelo mercado das agências de receptivo em Sergipe, transformam os atrativos culturais da
cidade de São Cristóvão em mercadorias sem acréscimo de experiência e vivência, utilizando o
patrimônio sem proporcionar retorno social e econômico para a comunidade local.
A forma com que o turismo se “estabilizou” no município contraria o roteiro elaborado pelo
Programa de Regionalização do Turismo em Sergipe, que inclui a cidade no “Caminho dos Jesuítas:
cidades históricas”, roteiro este que inclui, além de São Cristóvão, outras cidades que possui riqueza
cultural e arquitetônica e tem como característica a passagem dos jesuítas, a exemplo de Laranjeiras.
Tal contrariedade é fruto da não participação ativa da comunidade local no processo de
planejamento de roteiros. Entende-se que o turismo necessita de infraestrutura básica e de serviços
de qualidade, mas o novo modelo de desenvolvimento do turismo que prevê não somente a
participação da comunidade na elaboração de projetos, mas também a apropriação dos meios de
produção e prestação de serviços pela população, considerando que a qualidade não está na
quantidade e grandeza do empreendimento turístico, mas na higiene, no atendimento personalizado
e na experiência cultural, social e ambiental que se quer transmitir.
A partir da observação da realidade do turismo na cidade, é possível entender que a
comunidade de São Cristóvão necessita participar mais ativamente no processo de elaboração e
comercialização turística, objetivando o desenvolvimento do turismo cultural e a adoção de ações
cidadãs em relação ao patrimônio.
Sendo necessária, assim, a sensibilização dos moradores para a apropriação simbólica deste
patrimônio através do turismo cultural baseado em práticas de lazer educativas que despertem o
exercício da cidadania dos munícipes em relação a sua participação, entendendo seus deveres e
obrigações no uso e resguardo do patrimônio presente em seu município.
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(Sergipe, Brasil): educação, patrimônio cultural e turismo