CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA
POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO
CURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS
SANDRO ROBERTO CAMPOS
AS BASES FIXAS DE POLICIAMENTO INTERATIVO:
UMA ANÁLISE DOS CICLOS DO POLICIAMENTO INTERATIVO NA
REGIÃO DO MORRO DO QUADRO NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA-ES
VILA VELHA
2010
SANDRO ROBERTO CAMPOS
AS BASES FIXAS DE POLICIAMENTO INTERATIVO:
UMA ANÁLISE DOS CICLOS DO POLICIAMENTO INTERATIVO NA
REGIÃO DO MORRO DO QUADRO NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA-ES
Monografia apresentada ao Curso de
Aperfeiçoamento de Oficiais, da Polícia
Militar do Espírito Santo, Pós-graduação
Lato Sensu em Segurança Pública –
CAO/2009, em convênio com o estado do
Espírito Santo, através da Polícia Militar e
do Centro Universitário Vila Velha, como
requisito parcial para a obtenção do título
de Especialista em Segurança Pública.
Orientador: Jailson Miranda.
VILA VELHA
2010
SANDRO ROBERTO CAMPOS
AS BASES FIXAS DE POLICIAMENTO INTERATIVO:
UMA ANÁLISE DOS CICLOS DO POLICIAMENTO INTERATIVO NA
REGIÃO DO MORRO DO QUADRO NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA-ES
Monografia apresentada ao Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, da Polícia Militar
do Espírito Santo, Pós-graduação Lato Sensu em Segurança Pública – CAO/2009,
em convênio com o estado do Espírito Santo, através da Polícia Militar e do Centro
Universitário Vila Velha, como requisito parcial para a obtenção do título de
Especialista em Segurança Pública.
Aprovada em 07 de julho de 2010.
COMISSÃO EXAMINADORA
_______________________________________________________
Prof. Esp. Jailson Miranda
Orientador
_______________________________________________________
Prof. Dr. Edson Franco Immaginário
Membro da Banca pela UVV
_______________________________________________________
Prof. Esp. Jair Gomes de Freitas
Membro da Banca pela PMES
A todas as pessoas que morreram na luta
para a implantação da segurança pública
de forma adequada à convivência dos
seres humanos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela saúde que me proporcionou durante o curso.
À minha esposa Salene e à minha filha Lívia, pelo apoio e compreensão.
E aos meus amigos, pelas informações concedidas, que foram de grande
importância para a realização deste trabalho.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo elaborar um estudo de caso acerca dos
ciclos de policiamento interativo na região do Morro do Quadro em Vitória-ES, sob a
perspectiva da implantação de bases fixas e do policiamento permanente nas
comunidades. O objeto contempla os Bairros Morro do Quadro, Morro do Cabral e
Santa Tereza, que constituem uma célula Interativa de Segurança, das cinco
existentes na Região da Grande Santo Antônio, localizada na zona Sul da cidade de
Vitória – Espírito Santo. Para o atendimento da região, foi fixada no Morro do Quadro
uma base policial que passou a funcionar 24 horas por dia, sendo de início o
Destacamento Policial Militar, e depois o Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC),
a partir do qual foi construída a experiência da Polícia Interativa do Morro do Quadro,
que viria ganhar em 2001 o 1º Prêmio no Concurso Motorolla de Polícia Comunitária
no Brasil. O período pesquisado inicia-se em 1997, com o trágico marco do
assassinato de dois policiais militares no alto do Morro do Cabral, seguindo,
continuamente, até o ano de 2009, dois anos depois da desativação do SAC. A
metodologia empregada foi a pesquisa sistêmica referente à experiência das bases
fixas do policiamento permanente nas comunidades contempladas pelo projeto. No
processo foram estudados, além da bibliografia geral na área da Segurança Pública,
expedientes internos da PMES sobre a doutrina do Policiamento Comunitário
Interativo. Foi realizado ainda um levantamento dos documentos internos da
Segunda Companhia do 1º Batalhão da Polícia Militar do Espírito Santo à época,
além de reportagens da mídia local. A partir das entrevistas realizadas junto à
comunidade foi possível perceber a integração e proximidade entre a polícia e os
moradores. Posteriormente, com a desativação do SAC esse panorama de
aprovação popular e sensação de segurança, mais uma vez, cede espaço ao
comércio ilegal de entorpecentes e ao poder ostensivo das armas. De suma
importância também foram os depoimentos dos policiais que estiveram empenhados
de forma permanente no policiamento comunitário interativo e no atendimento à
população naquela localidade. Além desses procedimentos, foi realizado o estudo
estatístico dos crimes de maior incidência e impacto social, com a finalidade de
avaliar sua evolução histórica no período em análise. No desenvolvimento desse
trabalho, é possível concluir a importância da reativação da base fixa de
policiamento comunitário interativo para a comunidade da Região do Morro do
Quadro. Não é necessário que, de forma cíclica, a interrupção de resultados que
hora constituíam a consolidação da Paz naquela comunidade, a exemplo dos fatos
de 1997, alcance um desfecho extremo para que somente então, orquestrados pela
comoção da opinião pública, sejam disponibilizados os recursos fundamentais à sua
implantação. No que se refere à estruturação das Bases de Policiamento
Comunitário Interativo em âmbito macro, ressalta-se a necessidade de um estudo
técnico que viabilize uma projeção para sua implementação, baseada nos
indicadores sociais, criminais, Índices de Desenvolvimento Humano (IDH),
densidade demográfica, entre outros.
Palavras-chaves: Atendimento ao Cidadão, Polícia Militar, Morro do Quadro,
Policiamento interativo e Segurança Pública.
ABSTRACT
This research aims to develop a study of case about the cycles of interactive policing
in the region of “Morro do Quadro” in Vitoria-ES, from the perspective of deploying of
fixed bases and permanent policing in communities. The object retains the
Neighborhoods Morro do Quadro, Morro do Cabral and Santa Tereza which
constitute a Security Interactive Cell, all over five in the Region of Grande Santo
Antônio, located in the south zone in city of Vitoria - Espirito Santo State. For the
treatment of region was fixed in the Morro do Quadro a police base that to operate for
24 hours per day, first the Military Police Department, after the Citizen Treatment
Center (CTC), which it was built the experience of Interactive Police of the Morro do
Quadro that would win in 2001 the first prize in the Motorola Competition of the
Community Police in Brazil. The period studied starts in 1997 with murder tragic of
two military policemen on the top of the Morro do Cabral; followed continuously until
the year 2009, two years after of the deactivation of CAC. The methodology
employed was the systemic research referent the experience of permanent fixed
bases of policing in the covered communities by the project. In the process were
studied, beyond the general bibliography in the area of the Public Security with
internal expedients of PMES on the doctrine of Interactive Community Policing. It was
yet performed of internal documents of the Second Company of the First Military
Police Battalion of the Espirito Santo State at the time, beyond of report of the local
media. From the interviews with the community was possible to realize the integration
and proximity between the policemen and residents. Later, with the deactivation of
CAC this panorama of popular approval and sense of security, one more time, gives
way to the illegal trade of the narcotics and the ostensible power of weapons.
Extremely importance also was the testimonies of the policemen who were engaged
permanently in the Interactive Community Policing and the treatment service to the
population in that area. Beside this procedures, it was performed a statistical study of
incidence of crime and social impact in order to evaluate its historical evolution in the
period in analyses. In developing this research is possible to conclude the importance
of reactivating the fixed interactive community policing base in the region of the Morro
do Quadro. It is not necessary, cyclically, the interruption of results that consolidation
of Peace in that community, like the events of 1997, reaching an extreme outcome
that only then, orchestrated by the commotion of public opinion, available resources
are fundamental to its deployment. Referring the structuring of the Bases of
Interactive Community Policing in macro context, it emphasizes the need to allow a
technical study that forecast for its implementation based on social indicators,
criminal, Human Development Index (HDI), population density, among others.
Keywords: Citizens Service, Military Police, Morro do Quadro, interactive Policing
and Public Safety.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Divisão administrativa do município de Vitória........................................ 56
Figura 2 – Divisão da região da Grande Santo Antônio em células interativas........ 58
LISTA DE FOTOS
Foto 1 – Operações policiais repressivas................................................................. 68
Foto 2 – Sede do SAC do Morro do Quadro............................................................. 70
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Evolução das ocorrências de crimes contra a pessoa........................... 88
Gráfico 2 – Evolução das ocorrências de homicídios consumados.......................... 89
Gráfico 3 – Evolução das ocorrências de homicídios tentados................................ 89
Gráfico 4 – Evolução das ocorrências de crimes contra o patrimônio...................... 90
Gráfico 5 – Evolução das ocorrências de crimes de furtos e roubos........................ 91
Gráfico 6 – Evolução das ocorrências de crimes de drogas ilícitas.......................... 92
LISTA DE SIGLAS
BPM – Batalhão da PMES
Cia – Companhia da PMES
CIODES – Centro Integrado de Operações de Defesa Social
CISEG – Conselho Interativo de Segurança Pública
CISEG-REG II – Conselho Interativo de Segurança Pública da região II
DIT – Antigo
Departamento
de Informações
Técnicas
da Secretaria
de
Desenvolvimento da Cidade.
DPM – Destacamento Policial Militar
GEAC – Gerência Estatística e Análise Criminal
GEO – Sistema que compõe o banco de dados de informações de georeferenciadas
do município de Vitória.
IC – integrantes da comunidade
MJ – Ministério da Justiça
OFPM – oficiais policiais militares
ONG – Organização não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PMES – Polícia Militar do Estado do Espírito Santo
PMV – Prefeitura Municipal de Vitória
PPM – praças policiais militares
PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
SAC – Serviço de Atendimento ao Cidadão
SEDEC – Secretaria de Desenvolvimento da Cidade
SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública
SESP – Secretaria de Estado da Segurança Pública
SIM – Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Justiça
SUMÁRIO
1 INTRODUÇAO....................................................................................................... 13
1.1 METODOLOGIA.................................................................................................. 15
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA POLÍCIA COMUNITÁRIA........................................ 20
2.1 O INÍCIO DA POLÍCIA COMUNITÁRIA NO MUNDO E EXEMPLOS
INTERNACIONAIS SIGNIFICATIVOS............................................................... 20
2.2 POLICIAMENTO COMUNITÁRIO NO BRASIL E NO ESPÍRITO SANTO......... 24
2.3 UMA ANÁLISE DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO....................................... 29
2 3 1 A polícia comunitária e a sua fundamentação legal................................... 29
2 3 2 Comunidade.................................................................................................... 34
2 3 3 Policiamento comunitário............................................................................. 36
2 3 4 Os conselhos comunitários de segurança.................................................. 38
2 3 5 O advento das bases fixas de policiamento interativo.............................. 42
2 3 6 Permanência e responsabilidade territorial................................................ 46
2 3 7 Policiamento e patrulhamento...................................................................... 49
2 3 8 Resolução de problemas.............................................................................. 52
3 O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO E DESATIVAÇÃO...................................... 56
3.1 ASPECTOS DA REGIÃO DO MORRO DO QUADRO E DO ATENDIMENTO
LOCAL DA POLÍCIA MILITAR............................................................................ 56
3.2 O CENÁRIO INICIAL.......................................................................................... 59
3.3 A TRANSIÇÃO DO “DPM” AO “SAC” - A TRANSFORMAÇÃO DO
MECANISMO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE.................. 66
3.4 PROBLEMAS ENCONTRADOS DURANTE A IMPLANTAÇÃO........................ 72
3.5 RESULTADOS OBTIDOS PARA A REGIÃO E A PMES.................................... 76
3 5 1 Resultados para as comunidades................................................................ 76
3 5 2 Resultados para a PMES............................................................................... 78
3.6 A DESATIVAÇÃO DO SAC NA REGIÃO DO MORRO DO QUADRO
E SEUS EFEITOS.............................................................................................. 82
3.7 UMA ANÁLISE QUANTITATIVA........................................................................ 87
3.8 UMA ANÁLISE QUALITATIVA........................................................................... 93
4 CONCLUSÃO........................................................................................................ 99
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 106
APÊNDICE A – FORMULÁRIO DE ENTREVISTA AOS INTEGRANTES DAS
COMUNIDADES...........................................................................................109
APÊNDICE B – FORMULÁRIO DE ENTREVISTA AOS
POLICIAIS MILITARES.............................................................................. 110
APÊNDICE C – FORMULÁRIO DE ENTREVISTA AO OFPM 01......................... 111
APÊNDICE D – FORMULÁRIO DE ENTREVISTA AO OFPM 02......................... 112
ANEXO 1 – MANCHETES DO NOTICIÁRIO ACERCA DO
“DIVISOR DE ÁGUAS” – O ASSASSINATO DOS POLICIAIS MILITARES
NA REGIÃO ESTUDADA............................................................................ 113
ANEXO 2 – QUADRO QUANTITATIVO DE OCORRÊNCIAS ATENDIDAS
NA REGIÃO E PERÍODO ANALISADOS.................................................... 123
ANEXO 3 – ESCALAS DE SERVIÇO DIGITALIZADAS DO SAC
DO MORRO DO QUADRO.......................................................................... 125
ANEXO 4 – DEVOLUÇÃO FORMAL DO IMÓVEL DO SAC
DO MORRO DO QUADRO.......................................................................... 131
13
1 INTRODUÇÃO
É notório o crescimento vertiginoso da criminalidade nos grandes centros urbanos de
nosso país por intermédio da apresentação de vários fatos delituosos que se
destacam no cotidiano e, sobretudo, em todos os níveis das camadas sociais.
Para fazer frente a esse desafio, o poder público, ao longo dos anos, vem
procurando adotar medidas que visam interceptar as causas que estejam originando
tais problemas, que são complexos e se apresentam cada vez mais de formas
violentas e assustadoras para a nossa sociedade.
Como uma dessas medidas, verifica-se a adoção da polícia interativa ou comunitária
em algumas localidades no cenário nacional, visando a melhoria da qualidade dos
serviços prestados pela polícia e o aumento da credibilidade por parte da sociedade
civil organizada.
No Estado do Espírito Santo, desde o ano de 1985, foi autorizada a participação
popular nos assuntos relativos à segurança pública com o incremento do Decreto n.º
2.171, de 13 de novembro de 1985, pelo então Governador, Sr. Gerson Camata. Em
1988, o primeiro conselho comunitário de segurança foi implantado no município de
Alegre por intermédio do Senhor Coronel Carlos Magno da Paz Nogueira, e,
posteriormente no município de Guaçuí, em 1994, pelo então Cap PM Júlio César
Costa.
Os desdobramentos da implantação da polícia interativa no estado do Espírito Santo
foram muitos, e em várias localidades foram abertos espaços para discussões com
as comunidades acerca das questões afetas à segurança pública.
Acredita-se que a participação da sociedade na construção das políticas de
segurança pública voltadas para o bem estar social pôde se tornar uma ferramenta
para o controle da criminalidade.
No contexto da segurança pública, a temática do policiamento comunitário já alcança
relevantes abordagens por parte de vários autores. A violência tem mobilizado
14
profissionais de diversas áreas à realização de abordagens de ideias que podem
fazer diferença para a mudança de uma realidade hostil para um contexto melhor de
convivência humana. Por exemplo, para Silva (2003, p. 344),
Lançando um olhar sobre as duas últimas décadas, vai-se observando que,
diante da crescente dificuldade de manter a ordem sem criar mais conflitos
com a população, as autoridades buscam fórmulas para minimizar esse
problema. De início, busca-se a integração quase que exclusivamente com
os grupos organizados da classe média, o que, do ponto de vista dos
conflitos das forças de segurança com as camadas populares, pouco
representa. A integração com as camadas médias, sobretudo nos clubes de
serviços, embora buscada também pelos próprios policiais, não contribui em
muito para o objetivo de motivar a participação das camadas populares, as
quais, em diferentes pesquisas, têm revelado não confiar no sistema de leis
e justiça, e muito menos na polícia. As autoridades partem, então, para a
estratégia de estabelecer contato direto com as comunidades [...].
Dessa interação, podem resultar algumas formas concretas de melhorias,
culminando em ações que poderão fazer diferença na qualidade de vida de uma
comunidade inteira.
O presente trabalho aborda uma análise do caso ocorrido da região do Morro do
Quadro, no município de Vitória-ES, no período de 1996 a 2009, sob o enfoque da
adoção da filosofia de policiamento interativo, precedido da implantação da base fixa
de policiamento a partir de um fático episódio no qual dois policiais militares foram
sumariamente executados em janeiro de 1997.
A partir desse fato emerge a latente questão de investigar os ciclos que se cercaram
em torno de todo o episódio, desde o cenário anterior, o período da implantação do
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) e a sua desativação, levando-se em
consideração as percepções de alguns importantes integrantes das comunidades
analisadas e parte considerável dos policiais militares que, juntos, participaram
efetivamente para a consumação do projeto.
O primeiro capítulo aborda toda a contextualização histórica, nos cenários
internacional e nacional, acerca da temática do policiamento comunitário até o nível
do Estado do Espírito Santo, além da abordagem sobre a teorização necessária
para o entendimento da dinâmica da comunitarização. Como metodologia para este
capítulo, adotou-se a pesquisa de cunho bibliográfico.
15
O segundo capítulo aborda mais diretamente o tema, sendo narrada toda a história
que se cercou diante da implantação da filosofia de polícia interativa na região do
Morro do Quadro. Em continuidade, foi descrita a trajetória dos problemas
enfrentados, resultados obtidos, além das causas e consequências da desativação
da base na região estudada. Finalizando, emergiram sugestões relevantes acerca
da retomada da base fixa para a localidade, bem como da indicação de estudo
técnico que viabilize uma projeção para sua implantação. Neste segundo capítulo, a
metodologia adotada abordou entrevistas semiestruturadas a integrantes das
comunidades da região estudada que participaram efetivamente do processo de
implantação. Foram gravadas entrevistas à parte relevante dos policiais que
trabalharam diretamente na localidade. Foi realizada pesquisa estatística do período
estudado e pesquisa do noticiário local acerca da situação fatídica, gerada em
função da execução dos dois policiais militares na localidade.
1.1 METODOLOGIA
Como oficial integrante da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo (PMES) há
mais de quinze anos, em meio ao tema apresentado pôde-se verificar as mais
diversas situações envolvendo o caso em análise. Neste sentido, faz-se necessário
uma investigação da implantação do projeto na localidade, sob o ponto de vista de
sua funcionalidade e viabilidade.
Neste sentido, para Severino (2002, p. 74),
O raciocínio – parte essencial de um trabalho – não se desencadeia quando
não se estabelece devidamente um problema. Em outras palavras, o tema
deve ser problematizado. Toda argumentação, todo raciocínio desenvolvido
num trabalho logicamente construído é uma demonstração que visa
solucionar determinado problema.
À medida que a sociedade é abatida pela violência e os seus efeitos, a necessidade
de restauração da ordem se faz de fundamental importância e, como forma de uma
pronta resposta do poder público, a temática do presente trabalho foi uma solução
16
encontrada à época. Lastreado aos fatos que se cercaram ao episódio, este trabalho
procura responder a seguinte questão:
Qual a importância e eficácia da implantação da base fixa de policiamento interativo
na região do Morro do Quadro no município de Vitória-ES, analisando ciclos
diferenciados de implantação e desativação no período compreendido entre 1996 a
2009?
Parte-se da hipótese de que as bases fixas de policiamento interativo são umas
adequadas ações públicas que a PMES pode disponibilizar como forma preliminar
de fixação do efetivo policial, bem como a sedimentação da filosofia do modelo
interativo de polícia. Sua eficácia estará condicionada aos aspectos quantitativo, e
principalmente qualitativo, acerca da percepção do público atendido e dos policiais
militares que trabalharam na região estudada.
Dessa forma, tem-se como objetivo geral: verificar a importância e a eficácia para a
sociedade e PMES da implantação do SAC na região do Morro do Quadro no
município de Vitória-ES, analisando o período de 1996 a 2009.
Os objetivos específicos estão listados abaixo:

Apontar as dificuldades encontradas durante a implantação do SAC na região
do Morro do Quadro, levando-se em consideração a sedimentação da filosofia
do policiamento comunitário ou interativo.

Apontar os resultados obtidos da implantação do SAC da região do Morro do
Quadro para as comunidades afetadas e para a PMES.

Apontar a principal causa e os efeitos da desativação do SAC da região do
Morro do Quadro.

Propor sugestões que possam ser carreadas à administração da PMES no
que tange à ativação ou não das bases fixas de policiamento interativo à luz
das conclusões obtidas no presente trabalho.
Justifica-se este trabalho em função da urgente necessidade de implantação de
políticas públicas de segurança que possam oferecer ações adequadas às
demandas da sociedade.
17
A temática analisada possui vertentes complexas e relevantes para o processo de
construção de ações do poder público, uma vez que envolve a concretização de
ações relacionadas à introdução e sedimentação de uma filosofia perene de
policiamento para a sociedade.
Como forma de melhor ilustração da importância dessa temática, para Rolim (2006,
p. 67),
Há uma importante modificação doutrinária em curso entre as polícias: em
praticamente todos os países, a ideia de policiamento comunitário está
ganhando espaço e, em muitos casos, já se transformou no novo discurso
oficial. Nos EUA, por exemplo, a ideia é, atualmente, parte integrante dos
objetivos governamentais de reforma da polícia e parece ser um consenso
entre aqueles que tomam as decisões. Isso ganhou tamanha força que se
chegaram a estabelecer, com a Lei Criminal de 1994, fundos para a
contratação de 100 mil novos policiais comunitários nos seis anos
subsequentes.
Desta forma, este trabalho se justifica na medida em que pode apresentar a análise
de uma mudança no atendimento da PMES na região do Morro do Quadro e o
retorno da atividade do SAC uma vez implantado na região estudada, além de poder
servir como base de estudos para a implantação em outras localidades.
Quanto aos fins, para a realização da investigação, foi utilizada a pesquisa
descritiva, em função da necessidade de descrição de todo o trabalho desenvolvido
na região do Morro do Quadro pela PMES e comunidades locais. Com esse intuito,
os seguintes períodos são abrangidos: ano de 1996, anterior à implantação; de 1997
a 2007, correspondente ao período de implantação e desenvolvimento da filosofia de
polícia interativa; e o período de 16 de maio de 2007 até o final de 2009, que
compreende a desativação total do SAC na localidade.
Neste sentido, pode-se citar Vergara (2009, p. 42),
A pesquisa descritiva expõe características de determinada população ou
de determinado fenômeno. Pode também estabelecer correlações entre
variáveis e determinar sua natureza. Não tem compromisso de explicar os
fenômenos que descreve, embora sirva de base para tal explicação.
Pesquisa de opinião insere-se nessa classificação.
18
Quanto aos meios, para tanto, foram utilizados os procedimentos abaixo
relacionados:
 Pesquisa bibliográfica;
 Pesquisa documental, com a utilização de manchetes do noticiário local
acerca do assassinato dos dois policiais militares, ocorrido no dia 31 de
janeiro de 1997, considerado como “divisor de águas”, conforme Apêndice E;
 Pesquisa documental, com a utilização de expedientes arquivados na
administração da 2ª Companhia (CIA) do 1º Batalhão de Polícia Militar (BPM)
da PMES, acostando-se a primeira e última escala de serviço do SAC do
Morro do Quadro, conforme Anexo 3, além do recibo formal do imóvel,
conforme Anexo 4;
 Pesquisa por meio eletrônico de correspondência junto à Prefeitura Municipal
de Vitória (PMV);
 Pesquisa por meio eletrônico de correspondência junto à Gerência Estatística
e Análise Criminal da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa
Social do Espírito Santo (GEAC/SESP), com a construção da tabela de
evolução das principais ocorrências criminais no período analisado, conforme
Anexo 2;
 Entrevistas semiestruturadas aos integrantes das comunidades analisadas e
à parte integrante considerável do corpo de policiais militares que trabalharam
no SAC do Morro do Quadro, conforme Apêndices A, B, C e D. Todas as
entrevistas foram gravadas mediante autorização prévia dos respondentes,
transcritas e, após a devida leitura, foram extraídas as partes relevantes que
continham respostas às questões levantadas para a solução do problema.
Quanto ao perfil dos entrevistados das comunidades, os quais estão identificados
como integrantes da comunidade (IC), foram selecionadas pessoas residentes na
região desde o período anterior à implantação do SAC, e que puderam acompanhar
as atividades da PMES na localidade, quer na qualidade de lideranças comunitárias,
como
também
pessoas
que
participaram
ativamente
no
processo
de
comunitarização da polícia, conforme roteiro contido no Apêndice A.
Quanto ao perfil dos policiais militares entrevistados, foram divididos dois grupos
respectivamente:
19

As praças1 que trabalharam diretamente no SAC, tendo como perfil principal
aqueles que, por unanimidade, participaram desde o início da implantação na
região do Morro do Quadro até pelo menos mais da metade do período total
até a desativação do SAC, identificados como sendo praças policiais militares
(PPM), conforme roteiro contido no Apêndice B;

Os oficiais2 que trabalharam na função de comando, identificados como
oficiais policiais militares (OFPM). Preliminarmente, o oficial que comandava
interinamente a então primeira Companhia do primeiro Batalhão da PMES
durante o acontecimento da execução dos dois policiais militares na região e
da efetivação do SAC, identificado como OFPM 01; e o oficial que trabalhou
efetivamente no comando da companhia durante considerável parte da
implantação e desenvolvimento dos trabalhos na região estudada, identificado
como OFPM 02, conforme roteiros contidos, respectivamente, nos Apêndices
C e D;
A análise de dados está diluída nas entrevistas adquiridas, quantitativos de dados de
ocorrências sob forma de gráficos, além dos documentos obtidos da administração
da 2ª Cia do 1º BPM e reportagens de jornal.
Todos os dados obtidos tiveram todos os comentários alusivos, procurando-se
alcançar o problema de pesquisa, bem como as respostas ao objetivo geral e aos
específicos, por intermédio da conclusão.
1
2
Praça: militar de classificação inferior a de oficial.
Oficial: militar de posição hierárquica superior a de subtenente do exército.
20
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA POLÍCIA COMUNITÁRIA
Com o propósito de demonstrar a importância das discussões relativas ao vasto
tema de polícia comunitária, faz-se necessário realizar uma abordagem inicial dos
aspectos que nortearam as mudanças que estão ocorrendo no cenário internacional
e nacional, sobretudo por um apanhado histórico dos fatos que se cercaram na
implantação dessas medidas inovadoras no campo da segurança pública, além da
teorização acerca do modelo comunitário de polícia que adiante se encontram
expostos.
2.1 O INÍCIO DA POLÍCIA COMUNITÁRIA NO MUNDO E EXEMPLOS
INTERNACIONAIS SIGNIFICATIVOS
O tema “polícia comunitária” não é assunto recente no cenário nacional, tampouco
no internacional. A melhor abordagem histórica escolhida se faz a partir das
principais formas de atuação das forças policiais em atenção às diferentes linhas
temporais e localidades distintas. A análise desses aspectos serve como ponto de
partida para o entendimento da forma de relacionamento existente entre as forças
policiais e a sociedade.
Em 1829, na Inglaterra, verificou-se uma iniciativa de organizar a então polícia
metropolitana de Londres a uma força voltada para pilares que pudessem congregar
os objetivos institucionais voltados para a sociedade civil, que ficou conhecida por
“Scotland Yard”. Neste contexto, o então Ministro do interior da época, Sir Robert
Peel, promoveu a adoção de nove princípios que acabaram norteando as ações e
procedimentos a serem adotados pela Instituição (FERNANDES; COSTA, 1998).
Essas mudanças promoveram uma profunda reforma na polícia da Inglaterra. Os
princípios de Robert Peel podem ser evidenciados conforme Rodrigues et al. (2008,
p. 4):
1. Prevenir o crime, a desordem ao invés de reprimir a população com o uso
da força militar e punições severas; 2. A atuação da polícia depende da
aprovação pública; 3. A polícia deve assegurar o desejo de cooperação do
21
público na aplicação das leis; 4. A cooperação do Público com a polícia fará
diminuir, proporcionalmente, o total da força física utilizada; 5. A polícia não
assegurará apoio público satisfazendo a opinião pública, mas ao
demonstrar constantemente serviço imparcial à lei. Servindo à lei, servindo
as pessoas sem considerar sua posição social ou riqueza, mostrando
cortesia, e ao estar preparada para sacrificar a si mesma para proteger e
preservar a vida; 6. A força física somente deverá ser usada pela polícia,
quando a persuasão, o aviso e a advertência se mostrarem ineficientes para
obter a cooperação do público na observância da lei ou para restaurar a
ordem; 7. A polícia é o público, e o público é a polícia. Em outras palavras, a
polícia constitui-se de membros do público que são pagos para dar a sua
atenção em tempo integral; 8. É importante para a polícia abster-se de
usurpar os poderes do judiciário ou punir os indivíduos, julgar ou punir
culpados. Em outras palavras, não é função da polícia ser juiz ou carrasco;
9. Reconhecer sempre que o teste de eficiência e de eficácia da polícia será
a ausência do crime e da desordem, e não a evidência visível da ação
policial.
O modelo inglês, conforme se evidenciou, sugere uma forma de atuação policial
mais voltada para os cidadãos. A prevenção e o tratamento do crime como um fato
social ficou latente nos princípios mencionados, lastreando a polícia com o propósito
legal perante a sociedade. O policial passa a ser integrado como pertencente a um
grupo social e a sua atuação não deve ser comparada a de um carrasco, e sim como
um profissional responsável pela garantia dos direitos dos cidadãos.
Mesmo após muitos anos após a existência dos princípios de Peel, as organizações
policiais passaram por processos de mudanças que não tiveram o enfoque de suas
atuações operacionais voltados para a sociedade. Os governos autoritários, por
exemplo, na América Latina, utilizavam as forças policiais para a repressão da
população como forma de atuação, passando com isso a gerar o afastamento da
sociedade civil organizada das instituições policiais.
Em contrapartida, na França, o modelo mais acentuado das forças militares é
caracterizado por um regime mais repressivo. Conforme observa Finco (2009, p. 16),
[...] o modelo francês (que influenciou profundamente a polícia brasileira)
nasce com uma vocação totalitária, como instrumento do rei, que buscava
sua hegemonia sobre todo o território nacional. Neste caso, o policiamento
tinha um caráter repressivo e objetivava a defesa do estado, personalizado
na figura de Luiz XIV.
A figura de Luiz XIV, conforme referência anterior, está intimamente ligada ao
período do absolutismo, onde o monarca abarcava o poder, sendo que as decisões
22
e atuações de repressão giravam em torno dele, e essa era uma das características
de uma época de difícil convivência social. A sociedade se via obrigada a relegar a
sua liberdade a um plano inferior. Pode-se evidenciar essa afirmativa, pois, conforme
Cotrim (1999, p. 130),
[...] no século XVII, o processo de centralização do poder atingiu o seu
ponto máximo com Luís XIV (1661-1715), rei da dinastia dos Bourbons.
Conhecido como o Rei Sol, Luiz XIV tornou-se o símbolo supremo do
absolutismo francês, atribuindo-se a ele a famosa frase L’État c’est moi (o
Estado sou eu).
Ainda segundo Cotrim (1999, p. 130), a formação do Estado francês teve, dentre
outras medidas, a “criação progressiva de um exército nacional subordinado ao rei”.
Neste contexto, verifica-se um forte aspecto da formação da força pública voltada
para o Estado e não para a sociedade.
Diante de todo esse contexto apresentado, o modelo acabou ruindo em função da
Revolução Francesa no final do século XVIII, em que a preocupação com a
disseminação da igualdade, fraternidade e liberdade estavam por encerrar uma difícil
época e dar início a um necessário regime de convivência pautada numa maior
legalidade. Isto é evidenciado conforme Fernandes e Costa (1998, p. 14):
A Revolução Francesa foi o grande marco. O lema da Igualdade, da
Fraternidade e da Liberdade expande-se para todo o Mundo. Enfim a
humanidade soltava a sua voz e simbolicamente dava o brado anunciando o
limiar de uma nova época, que seria consubstanciada na busca pelo
respeito aos direitos inalienáveis da pessoa humana. No final do século
XVIII, os acontecimentos históricos na França gerariam novas expectativas,
que multiplicar-se-iam a partir do continente europeu para todo o mundo,
favorecendo o surgimento de novos ideais na sociedade, e habilitando os
homens para uma fase nova em suas relações com o aparelho do Estado.
Diante dessas duas vertentes, verifica-se a existência de duas lógicas de atuação
das forças policiais: a prevenção e a repressão. A predominância de um modelo
sobre o outro é um forte aspecto que pode acarretar no processo de aproximação ou
distanciamento da população do poder público.
No cenário internacional, ao longo dos anos, a polícia comunitária vem obtendo uma
relevante importância para os governos e órgãos policiais como forma inovadora de
alicerçar os seus procedimentos perante as demandas da sociedade. Muitas
23
experiências exitosas puderam ser vistas em vários países, dentre os quais no
Japão, Estados Unidos, Canadá e em alguns paises da Europa, como a polícia de
proximidade na Espanha.
Tomando-se por base os Estados Unidos, segundo o livro do Curso Internacional de
Multiplicador de Polícia Comunitária - Sistema Koban (BRASIL, 2008, p. 116),
[...] o maior destaque americano é o programa desenvolvido na cidade de
Nova Iorque. No início dos anos 90, Lee P. Brown, Chefe de Polícia daquela
Cidade, encontrou dois problemas sérios na polícia: o alto índice de
criminalidade e a pesada burocracia do departamento. Iniciou um processo
de profunda mudança em que os conceitos do policiamento tradicional
seriam substituídos por processos mais modernos e mais próximos da
comunidade. Adotando medidas estruturais, operacionais e de marketing, o
conceito da polícia mudou consideravelmente. Isto tudo associado a um
amplo programa de Governo que integrava todos os órgãos públicos. Um
dos pontos importantes do programa era o ‘Tolerância Zero’, que coibia
todos os tipos de crimes e infrações às normas sociais.
A mudança na abordagem policial se deu em função da implantação do programa de
“tolerância zero”, onde todos os tipos de crimes passaram a ser alvo da polícia, bem
como o bem-estar da sociedade passou a ser a principal meta da polícia de Nova
Iorque.
Uma outra iniciativa nos Estados Unidos foi a adoção do policiamento orientado para
a solução de problemas, tendo como enfoque a comunidade e as suas
características, como parte principal para a solução de problemas de insegurança
pública.
Neste sentido, pode-se claramente evidenciar uma presença muito acentuada de
aspectos que podem ser latentes e indispensáveis para importantes mudanças,
conforme pode se verificar, segundo Skolnick e Bayley (2006, p. 37):
O enfoque orientado para a solução de problemas de Goldstein já foi
testado em várias comunidades americanas. Em Madison, Wisconsin, por
exemplo, a polícia era constantemente chamada ao pátio do shopping
center no centro da cidade devido a pessoas que estavam se comportando
de modo bizarro e desordeiro. Reportagens afirmavam ser em torno de mil o
número de pessoas envolvidas nesses tumultos, descrevendo o shopping
como um refúgio para desempregados e vagabundos das ruas. Não é de
surpreender que o público tenha começado a evitar o shopping, e os
negócios sofreram as consequências. Ao estudar o problema por um certo
período, a polícia constatou que apenas treze indivíduos eram responsáveis
24
pelo problema todo: tinham estado sob supervisão psicológica e seu
comportamento estranho só se manifestava quando deixavam de tomar os
remédios prescritos para eles. A polícia começou a trabalhar com as
autoridades de saúde mental e criou um sistema mais rigoroso de
supervisão para essas pessoas. Em pouco tempo, o problema do shopping
center tinha sido resolvido, os negócios começaram a aumentar, e a polícia
ficou livre para tratar de outros assuntos.
Muitos exemplos em outros países podem ser citados, no entanto há de se
considerar que o policiamento comunitário possui uma vertente extremamente
importante e ocorre no cenário internacional como ferramenta de mudança e há de
ser considerada como política de segurança pública para as instituições policiais e a
sociedade civil organizada.
2.2 POLICIAMENTO COMUNITÁRIO NO BRASIL E NO ESPÍRITO SANTO
Em se tratando da polícia brasileira, o imaginário dos cidadãos volta-se aos fatídicos
episódios que associaram a Polícia Militar à época da ditadura, com ênfase para a
repressão política em que a polícia era utilizada como meio de fazer valer os
interesses do Estado.
Neste sentido, há de se considerar alguns trechos históricos, conforme Cotrim (1999,
p. 474):
No período de 1964 a 1985, o Brasil foi governado por militares, que
impuseram uma cruel ditadura. Cinco militares sucederam-se no poder:
Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo. Para evitar os
protestos da sociedade, o regime militar cassou os direitos de voto e calou
as oposições por meio da censura ou pela violência da repressão policial.
Muitos brasileiros foram mortos e torturados pela polícia política nesse
período.
As manifestações do povo diante da barbárie eram sufocadas com a violência
policial, bem como os direitos cerceados e associados aos interesses do Estado. Um
exemplo ocorreu no Governo Costa e Silva com a decretação do AI-53, considerado
o mais terrível instrumento de força lançado pelo regime militar. Para melhor
ilustração dos termos do AI-5, verifica-se, conforme Cotrim (1999, p. 476), que
3
AI-5: Ato Institucional nº 5.
25
O AI-5 conferia ao Presidente da República poderes totais para reprimir e
perseguir as oposições. Por exemplo: ele podia fechar o Congresso
Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores;
suspender os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de 10 anos;
cassar mandatos parlamentares e suspender a garantia do habeas-corpus.
Tamanho era o poder ditatorial conferido ao Presidente da República que
excluíam-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de
acordo com o AI-5.
Ainda segundo Cotrim (1999), o auge da repressão política se deu no Governo
Médici, do ano de 1969 a 1974, quando vários direitos fundamentais do cidadão
foram suspensos, e em todos os segmentos componentes da sociedade brasileira
sentia-se a mão-de-ferro da ditadura militar.
Partindo-se dessa premissa, verifica-se que o cenário político no Brasil fomentou
seriamente um processo cultural de repressão nas instituições policiais, no trato com
a sociedade civil e na abordagem da garantia dos direitos individuais.
Dessa análise pode-se extrair que a repressão, como atuação das forças policiais,
foi evidentemente uma prática de abordagem àqueles que se insurgiam contra o
sistema. Este fato pode explicar a imagem das instituições policiais que permaneceu
por longos anos na sociedade brasileira.
Em 1988, emerge a nova Carta Magna do Brasil, carreando ao bojo do ordenamento
jurídico da sociedade brasileira as garantias aos direitos fundamentais do cidadão e
as mudanças no funcionamento das organizações de Estado.
Neste sentido, algumas iniciativas de mudança no enfoque repressivo da polícia
foram surgindo no cenário nacional e acabaram servindo de norte para a construção
de políticas de segurança pública voltadas realmente aos propósitos sociais.
Sem a preocupação do estabelecimento de um início de implantação do modelo
interativo ou comunitário de polícia no cenário nacional, pode-se verificar o exemplo
de Jardim Ângela, localizado no estado de São Paulo. No ano de 1996, Jardim
Ângela foi considerado, pela Organização das Nações Unidas (ONU), o lugar mais
violento do mundo.
26
Conforme se pode verificar no livro do Curso Nacional de Multiplicador de Polícia
Comunitária (BRASIL, 2006, p. 304),
Essa primeira base do Jardim Ângela foi instalada em 22 de dezembro de
1998 e revolucionou o relacionamento da população local com a Polícia
Militar. A PM paulista iniciou o policiamento comunitário no Estado em 1997,
mas aquela base foi a primeira no município de São Paulo. E havia pelo
menos um grande motivo para que fosse a pioneira: de acordo com a
Organização das Nações Unidas, aquele subdistrito era, em 1996, o lugar
mais violento do mundo. Além de tudo, é uma área de apenas 30
quilômetros quadrados com a altíssima densidade demográfica de 8.666
habitantes por quilômetro quadrado, onde os números da violência ainda
assustam: em 2000, o Sistema Estadual de Análise de Dados registrou
116,23 vítimas de homicídios por 100 mil habitantes no Jardim Ângela.
No Amapá, por exemplo, o caso Macapá dos “Anjos da Paz” também ressalta um
bom exemplo de mudança de enfoque das forças policiais no cenário da segurança
pública, obtendo-se resultados visíveis de redução da criminalidade.
Conforme se evidencia no livro do Curso de Multiplicador de Polícia Comunitária
(BRASIL, 2006, p. 298),
O novo modelo de policiamento resultou na diminuição surpreendentemente
rápida dos índices de criminalidade nos três bairros. A queda foi visível já no
início do funcionamento da polícia interativa: antes de sua instalação, a
região registrava a média mensal de mais de 400 ocorrências, entre
homicídios, furtos, roubos e agressões. Três meses depois, esse índice
baixou para 202. E se mantém estável. ‘Muitas das ocorrências não eram
sequer notificadas à polícia’, diz o capitão Santos Costa. ‘Isso não ocorre
mais hoje’.
No Espírito Santo, em 1994, surge, efetivamente, a implantação da polícia interativa
no município de Guaçuí, sendo a pioneira no Estado, e a partir da qual ocorreram
desdobramentos consideráveis dentro do cenário das políticas de segurança pública
estadual.
Para Fernandes e Costa (1998, p. 9),
Em 1994, o Capitão Júlio Cézar Costa reinicia o processo de interatividade
entre a Polícia Militar, Comunidades, Poderes Públicos e Clubes de
Serviços, visando à implantação de uma mentalidade de polícia ostensiva,
que na época, nas palavras do Prefeito Dr. Luiz Ferraz Moulin, seria a
‘polícia de Guaçuí, o exemplo de uma polícia cidadã, a exportar-se para
todo o País’. Por iniciativa da Loja Maçônica Liberdade e Luz de Guaçuí, e
ainda dos representantes da Sub-seção da OAB, do Rotary Clube, do Lions
27
Clube e finalmente da Associação Comercial, em dezembro de 1994, é
criada a Comissão de Estudos para formalização do Conselho Interativo de
Segurança (CISEG), sendo tal conselho empossado pelo Coronel
Comandante Geral da Polícia Militar do Espírito Santo, em solenidade
festiva na Câmara Municipal de Guaçuí, por ocasião do I Encontro Estadual
sobre Polícia Interativa, ocorrido em 26 de janeiro de 1995. Várias reuniões
antecederam à formalização do CISEG, permitindo assim, que Guaçuí fosse
a primeira cidade capixaba a dar cumprimento ao mandamento
constitucional, que autoriza a participação da sociedade na formulação das
políticas públicas de segurança, pois desde o seu nascedouro, a
participação comunitária na formulação das questões locais de segurança
pública, trilhou pelo caráter democrático e isento da eclética participação de
todos os segmentos da sociedade.
Para se ter uma ideia da repercussão da introdução da nova filosofia de pensamento
institucional, em Guaçuí ocorreu o “I Encontro Estadual Sobre Polícia Interativa”.
Nesse encontro, o Comandante Geral, na época o Cel PM Alvim José Costalonga,
adotou a polícia interativa como meta a ser atingida, sendo defendida e implantada
pelo Governador do Estado do Espírito Santo, Dr. Vítor Buaiz, que abraçou a ideia e
incluiu a polícia interativa em sua plataforma política como forma de mudança na
face da segurança pública estatal (FERNANDES; COSTA, 1998).
Profundas mudanças se seguiram a partir da implantação no município de Guaçuí,
sendo o projeto à época difundido nos veículos nacionais e locais de comunicações,
bem como sendo alvo de olhares em âmbito nacional.
Em 1999, os Conselhos Interativos de Segurança Pública (CISEG) somavam 116
Organizações Não-Governamentais (ONGs), conforme a repercussão do processo
de implantação da polícia interativa no Espírito Santo. Ressalta-se também que,
dentre várias outras localidades, destacam-se Linhares, Centro de Vitória e Santo
Antônio. Esses locais, além do município de Guaçuí, tiveram uma repercussão muito
acentuada para a sociedade local em função da implantação da polícia interativa
(RODRIGUES et al., 2008).
Dessa forma, a filosofia de polícia interativa desbravou o Estado do Espírito Santo e
alcançou muitas localidades, sobretudo com o reconhecimento por parte de vários
setores no cenário nacional e internacional.
28
Entretanto, com o passar dos anos após a implantação pioneira em Guaçuí, a
filosofia de polícia interativa foi ruindo gradativamente. Conforme se verificou em
2005, houve uma acentuada queda do número de Conselhos Interativos, na ordem
de 119 CISEGs, em 1999, para 38 em atividade. Os cursos e treinamentos em
policiamento comunitário tiveram também uma redução drástica. Enquanto, em
2002, foram capacitados 684 policiais, em 2005 apenas 28 policiais foram treinados.
Esses números mostram um declínio do processo de implantação da filosofia de
polícia interativa dentro da PMES e o consequente afastamento da sociedade civil
organizada das discussões para a construção das políticas de segurança pública
(RODRIGUES et al., 2008).
Apesar desse cenário de dificuldades, a PMES vem tentando retomar o processo de
implantação e execução da filosofia de polícia interativa. Em 2009, o Comando Geral
da PMES implantou a “Coordenadoria de Polícia Comunitária” (ESPÍRITO SANTO,
2009), que passou a exercer a função, dentre outras atividades, de representar a
instituição perante o Ministério da Justiça (MJ) e a Secretaria Nacional de Segurança
Pública (SENASP).
Essa específica atribuição demonstra a importância da Coordenadoria enquanto
canal de comunicação do Estado do Espírito Santo junto ao Governo Federal, como
forma de direcionamento de recursos necessários para treinamentos e implantação
de projetos úteis para a instituição e a sociedade civil organizada.
Como demonstração dessa preocupação, pode-se verificar o Termo de Referências
do Curso Nacional de Multiplicador de Polícia Comunitária:
Nos últimos anos, o Ministério da Justiça, por intermédio da SENASP/MJ,
investiu vultosos recursos para implantação da polícia comunitária no Brasil.
Atualmente, temos a estratégia de polícia comunitária implantada em
praticamente todas as Unidades da Federação. No entanto, a falta de uma
orientação doutrinária, clara, precisa e qualificada sobre a implantação,
implementação e evolução deste tipo de ação policial fez com que, por trás
do nome polícia comunitária, surgisse um conjunto extenso e heterogêneo
de ações que muitas vezes não tem relação direta com as diretrizes deste
tipo de ação. Assim sendo, a partir da identificação do papel da polícia
comunitária no SUSP, estamos institucionalizando esta ação como parte
integrante e fundamental do Programa Nacional de Segurança Pública,
dentro da vertente estruturante ‘FORMAÇÃO E VALORIZAÇÃO
PROFISSIONAL’, tendo como amparo legal o Plano Plurianual 2004/2007 –
Governo Federal, publicado no D.O.U de 12/08/04, Suplemento A, página
29
13, que estabelece no seu bojo a diretriz nº 5 – Adoção do policiamento
comunitário, como política de segurança pública descentralizada e
integrada, e a Lei n.º 10.201, de 14/02/01, atualizada pela Lei n.º 10.746 de
10/10/2003 que institui o Fundo Nacional de Segurança Pública – FNSP,
que também estabelece no seu bojo o incentivo e o apoio aos programas de
Polícia Comunitária (TERMO..., 2010).
Neste sentido, verifica-se uma preocupação do Comando Geral da PMES no sentido
de retomada da disseminação da filosofia de polícia interativa por intermédio da
capacitação de profissionais nos cursos nacionais de polícia comunitária, em
parceria com a SENASP. Além disso, a criação da Coordenadoria de Polícia
Comunitária abre uma maior possibilidade de lastrear os propósitos da instituição
junto aos anseios das comunidades atendidas.
2.3 UMA ANÁLISE DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO
Com a melhor finalidade de ilustração e entendimento do processo de
comunitarização promovido na região estudada neste trabalho, a seguir são
apresentados alguns conceitos sobre a sistemática do policiamento comunitário e
suas vertentes. Este conteúdo é uma base teórica de explicação das mudanças
ocorridas para a região, em função da implantação do SAC do Morro do Quadro.
À luz de importantes obras, se faz necessário lastrear importantes raciocínios e
experiências ao presente trabalho, com o fim de compreensão de que todo o
processo de comunitarização é realizado por intermédio do conhecimento de alguns
termos e princípios que antecederam à execução do policiamento adotado.
2 3 1 A polícia comunitária e a sua fundamentação legal
O processo de comunitarização da polícia, bem como os seus desdobramentos, está
alicerçado por um vasto embasamento legal, a fim de legitimar as ações policiais e
permear a participação dos cidadãos como importantes peças na construção das
políticas e ações de segurança pública.
30
A Constituição Federal de 1988 constrói no cenário nacional um marco de
modificações em muitos aspectos na sociedade brasileira, sobretudo nas garantias
de direitos, expostas no artigo 5º aos cidadãos brasileiros. Em atenção aos regimes
autoritários e às tragédias decorrentes, sem dúvida foi uma vitória para o início da
construção da democracia no Brasil.
Há de se considerar relevantes análises acerca do tratamento destinado à
segurança pública. Como lei máxima no país, é de fundamental importância que o
norte das atividades das instituições encontre amparo legal a fim de propiciar uma
maior legitimação perante a sociedade civil organizada.
Para Pedroso (2005, p. 65),
A Constituição Federal de 1988, em seu capítulo II, que tratou da
Segurança Pública, estabeleceu em seu artigo 144 que a segurança pública
é um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos e que deve ser
exercida para a preservação da ‘ordem pública’ e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio. Cabendo à Polícia Militar o trabalho de polícia
ostensiva e de preservação da ‘ordem pública’, constituindo força auxiliar e
reserva do exército.
Na frase da “responsabilidade de todos”, as pessoas podem ser encorajadas a
participarem não só como meros denunciantes, mas principalmente, reais
participadores da construção das políticas de segurança pública.
No Espírito Santo, pode-se carrear uma importante legislação que deu partida para o
processo de comunitarização. Conforme Fernandes e Costa (1998, p. 7),
A comunitarização da polícia no Estado do Espírito Santo, como um sistema
oficial e formal, iniciou-se em 13 de novembro de 1985, com a edição do
Decreto n.º 2.171, autorizando a criação dos Conselhos Comunitários de
Segurança no território capixaba. Neste mesmo ano, a Polícia Militar do
Espírito Santo criou, através da Diretriz nº 02/85 – 3ª Seção do Estado
Maior da Polícia Militar, o Programa de Interação Comunitária, denominado
de ‘Pacto’, como forma de proporcionar condições de execução das
disposições contidas no Decreto já mencionado.
A sociedade neste aspecto possui liberdade plena para encaminhar ao poder público
as demandas estruturais necessárias para a implantação de importantes mudanças,
31
legitimando assim na Constituição Federal a participação social, com a abertura de
espaços que possam canalizar a participação ativa dos cidadãos.
Segundo Fernandes e Costa (1998, p. 87),
A questão da ética policial tem recebido alguma consideração nos
instrumentos internacionais de direitos humanos e justiça criminal, de
maneira mais destacada no Código de Conduta para os Encarregados da
4
Aplicação da Lei (CCEAL) . A resolução da Assembleia Geral da ONU que
estabeleceu o CCEAL declarou que a natureza das funções policiais na
defesa da ordem pública e a maneira como essas funções são exercidas,
possui um impacto direto na qualidade de vida dos indivíduos, assim como
da sociedade como um todo. Ao mesmo tempo em que ressalta a
importância das tarefas desempenhadas pelos policiais, a Assembleia Geral
também destacou o potencial para o abuso que o cumprimento desses
deveres acarreta.
A prestação de contas da polícia aos cidadãos se faz diariamente com as suas
atividades cotidianas e a sua atuação dentro da legalidade, e também nos espaços
ofertados. Essa prestação de contas tem o fim de divulgar à população os dados do
que se tem feito e propiciar a abertura de diálogo, com o propósito da melhor coleta
possível de informações e problemas.
Verifica-se então que é lícito à sociedade debater sobre segurança pública
conjuntamente com os órgãos de defesa sociais nas unidades federativas. Dessa
discussão, pode-se consolidar ferramentas úteis para a implantação de projetos que
atendam aos anseios locais das comunidades.
Da mesma forma reza a Carta Magna, em seu artigo 144, que cabe às polícias
militares a preservação da ordem pública, através do policiamento ostensivo
(BRASIL, 1988). O termo “preservação da ordem pública” dá um sentido muito
amplo na atuação da PMES e na de todas as polícias militares do Brasil, oferecendo
um leque muito acentuado de opções e direções que essas forças policiais podem
seguir.
Corroborando com essa premissa, segundo Silva (2003, p. 399),
4
O CCEAL foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na sua resolução n.º 34/169, de
17 de dezembro de 1979.
32
[...] na vertente da ‘preservação da ordem pública’, implicam o domínio de
conhecimentos que capacitem os policiais a tomar decisões diante de
situações imprevisíveis e complexas do dia-a-dia, para o que a criatividade
e o bom senso devem ser estimulados, e não o condicionamento militar.
Uma coisa não é compatível com a outra, mas simplesmente treinar o
policial para cumprir ordens e agir sem refletir sobre as suas próprias ações
é assemelhá-lo a um robô, o que só seria possível em situações em que ele
não precisasse pensar... Enfim, com essas transformações, o adjetivo
‘militar’ do nome Polícia Militar passou a referir-se mais à hierarquia e à
disciplina internas, para efeito de controle do pessoal. Diferente, portanto,
do que ocorria antes de 1964.
A manutenção do termo “forças auxiliares e reserva do exército” mantém as polícias
militares no capítulo da segurança nacional, provocando uma destinação muito
diferente da que deveria possuir. As polícias militares possuem uma finalidade muito
mais social do que de enfrentamento, em atenção aos tipos de demandas que
surgem durante o cotidiano.
Para Silva (2003, p. 390), “[...] a Constituição de 1988 não só manteve as Polícias
Militares como ‘forças auxiliares e reserva do Exército’ (Art. 144, §6º) como colocou
o capítulo da Segurança Pública – e as polícias – sob sugestivo título: ‘Da Defesa do
Estado’ [...]”.
Essa tônica pode explicar a manutenção do tipo de atuação das polícias militares
voltado fortemente ao confronto armado, gerando com isso uma visão muito mais
belicista das instituições do que voltada para a sociedade.
Outra importante consideração reside no policiamento ostensivo como forma de
atuação das polícias militares. Sobre esse aspecto, por exemplo, a farda, as viaturas
caracterizadas e as bases fixas de policiamento, foco desse trabalho, são algumas
manifestações que a ostensividade das polícias militares podem acarretar no
cumprimento de sua função constitucional.
Neste sentido, o contexto da implantação do SAC é perfeitamente legal e oportuno,
carreando então a filosofia das bases fixas de policiamento interativo com a
ostensividade necessária para a visualização e o alcance da sociedade aos serviços
de policiamento realizado por parte do Estado através da Polícia Militar,
fundamentando assim a importância da criação dessas estruturas.
33
A legalidade que antecede o policiamento acaba fundamentando também todas as
providências que surgirão no contexto da atuação da PMES nas suas respectivas
localidades, tendo em vista que, diante dos fatos que serão encaminhados ao SAC,
haverá uma resposta legal para aquele problema apresentado à polícia. Neste
sentido, haverá desdobramentos com destinações aos órgãos que pertencem ao
Estado, como a Polícia Civil, Ministério Público, Poder Judiciário e até mesmo à
Prefeitura Municipal, podendo ser fator de importante ferramenta de mudanças
estruturais das localidades.
Como exemplo, pode-se citar a delicada questão da criança e do adolescente.
Nesse aspecto, existem direitos a serem preservados e localidades apropriadas para
o encaminhamento legal nos casos do cometimento dos atos infracionais. Conforme
o ECA, no Capítulo II, do Direito à Liberdade, Ao Respeito e à Dignidade,
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à
dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e
como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na
Constituição e nas leis (BRASIL, 1990).
No seio das comunidades residem muitos conflitos decorrentes dos próprios
relacionamentos humanos e o entendimento de suas causas pode acarretar numa
forma diferente de abordagem ao problema. O caso citado como exemplo mostra
apenas uma parte dos diversos conhecimentos que os profissionais de polícia
devem possuir para alinhar as suas atitudes junto aos órgãos do poder público.
Esses relacionamentos são de fundamental importância para que haja as mudanças
necessárias para a transformação de uma localidade hostilizada para um ambiente
de convivência mais harmoniosa.
Muitas demandas que podem surgir de relatórios dessas bases fixas de policiamento
podem subsidiar ações estruturais como melhoria de iluminação pública, abordagens
a indigentes e até mesmo a construção de escolas e outros serviços julgados
importantes para aquela comunidade, tendo na legalidade uma importante
ferramenta de mudanças a seu favor.
34
2 3 2 Comunidade
A compreensão do conceito de comunidade é necessária para o entendimento da
complexidade dos acontecimentos e relacionamentos envolvidos, e para que se
possa ajustar a melhor forma de atuação das forças policiais dentro dessas
localidades.
Segundo Trojanowicz e Bucqueroux (1994, p. 91),
[...] a própria natureza da comunidade constitui um dos primeiros problemas
enfrentados por alguém que tenta iniciar esforços para lidar com o crime, a
desordem e o medo. Uma comunidade agrícola coesa de 5000 habitantes,
uma cidade industrial, uma capital, uma cidade universitária, uma metrópole
– todas diferem radicalmente em termos de taxas de criminalidade, grau de
homogeneidade ou heterogeneidade cultural, recursos financeiros e
institucionais, condições políticas e medo do crime.
A observação desses fatos proporciona uma melhor visão acerca dos problemas,
que são percebidos de maneira diferente quando se presta atenção às diferenças
geográficas, sociais
e econômicas.
Dessa forma,
há demandas
também
diferenciadas no que se refere à segurança pública.
O respeito às diferenças existentes no interior das comunidades – e sobretudo o
alinhamento dos interesses dos moradores e organismos pertencentes à
comunidade – são necessários para que haja o funcionamento harmônico entre os
órgãos e as pessoas.
Para Bauman (2003, p. 101),
A sociedade era imaginada como o pai poderoso, rigoroso e às vezes
implacável, mas sempre pai, alguém a quem sempre se podia recorrer em
busca de ajuda em caso de problemas. Tendo desde então dispensado, ou
tendo sido roubada de muitos dos eficientes instrumentos de ação que
manejava nos tempos da soberania inconteste do Estado-nação, a
‘sociedade’ perdeu muito de sua aparência ‘paternal’. Pode algumas vezes
ferir, e dolorosamente; mas no que diz respeito ao suprimento dos bens
necessários para uma vida decente e para enfrentar as adversidades do
destino, ela parece perturbadora de mãos vazias. Por isso as esperanças de
salvação que podem vir das torres de controle (adequadamente tripuladas)
da ‘sociedade’ definham e se esvaem. Por isso também a ‘boa sociedade’ é
uma noção a que a maioria de nós não dá maior importância, e cuja
consideração seria vista como uma perda de tempo.
35
O conceito de comunidade se faz de forma muito complexa, uma vez que o
ambiente é composto por uma heterogeneidade acentuada de pessoas com
diferentes interesses e classes sociais, porém, com um grande objetivo comum: a
garantia da segurança pública.
Nessas condições, o poder público, internamente, necessita delinear ferramentas de
abordagem a essas localidades, respeitando toda a complexidade existente no seio
das comunidades e lastreando os moradores ou seus representantes na construção
de suas atividades.
Segundo consta no livro do Curso Nacional de Promotor de Polícia Comunitária, a
“[...] teoria do patrocínio normativo postula que a maioria das pessoas tem boa
vontade e irão cooperar com as outras para facilitar a construção de um consenso”
(SOWER, 1957, apud BRASIL, 2007, p. 296).
Na sequência, o texto do curso afirma que “[...] Quanto mais diversos grupos
partilham valores, crenças, e objetivos comuns, mais provavelmente irão concordar a
respeito dos objetivos comuns, quando interagem com propósito de melhorar os
bairros” (BRASIL, 2007, p. 296).
Dessa forma, no meio social pode-se sempre encontrar e encorajar pessoas, para
que juntas possam lutar pelos seus direitos, melhorando os serviços públicos que a
elas estão disponibilizados, em sintonia com uma melhoria da qualidade de vida de
toda a sociedade, mesmo diante do cenário do medo e da violência.
A partir do exposto evidencia-se, portanto, que o conceito de comunidade está
intimamente ligado ao conjunto de pessoas que estão presentes em uma localidade,
e cujos interesses são difusos. Porém, todos juntos objetivam a ordem pública e o
bem-estar da coletividade. Nesse contexto, o conhecimento do poder público a
respeito dessa heterogeneidade pode abarcar formas mais adequadas de
intervenção nessas localidades, visando o alinhamento dos interesses da maioria da
coletividade.
36
2 3 3 Policiamento comunitário
O tema do policiamento comunitário vem sendo discutido e adotado por várias forças
policiais, em âmbito nacional e internacional, em atenção a uma importante
ferramenta que desponta para a administração do controle social, e que é focada na
participação da sociedade civil organizada.
Vários são os autores que procuram conceituar o “policiamento comunitário”, dentro
dos aspectos da segurança pública nos espaços geográficos da sociedade, em
virtude da complexidade das visões que cada um possui acerca do tema.
Segundo Trojanowicz e Bucqueroux (1994, p. 5),
O policiamento comunitário exige um comprometimento de cada um dos
policiais e funcionários civis do departamento policial com sua filosofia. Ele
também desafia todo o pessoal a encontrar meios de expressar esta nova
filosofia nos seus trabalhos, compensando assim a necessidade de manter
uma resposta rápida, imediata e efetiva aos crimes individuais e as
emergências, com o objetivo de explorar novas iniciativas preventivas,
visando a resolução de problemas antes que eles ocorram ou se tornem
graves.
Dentro dessa premissa, o policiamento comunitário nasce nas instituições policiais
por intermédio de uma profunda mudança de mentalidade voltada para a sociedade
e a ruptura dos antigos hábitos da repressão que faziam parte de uma visão
tradicional de polícia.
Para Maquiavel (2008, p. 182), “[...] um príncipe pouco deverá temer uma
conspiração se tiver a confiança do povo, que é uma das mais importantes coisas
que deve procurar; contudo, se é rejeitado pelos súditos, deverá temer a todos e a
tudo”.
Pode-se verificar a necessidade dos profissionais de segurança pública possuírem a
confiança de público, a fim de que este possa conspirar em favor da polícia. Caso
contrário, a polícia não conseguirá auferir o apoio necessário da sociedade para o
controle da criminalidade.
37
Neste sentido, a mudança de atitudes referente à conduta dos policiais, de modo
que esteja voltada para o social, se faz necessária.
A sociedade, por sua vez, necessita estar preparada para tal aproximação, uma vez
que vários foram os casos que associaram o passado de repressão, em nosso
cenário nacional, à instituição Polícia Militar. E todas as associações decorrentes
dessa premissa posicionam a instituição sempre em uma situação de críticas
severas e muitas vezes descabidas no que se refere à sua real atuação.
Tais fatos são relembrados quando alguns casos de violência e corrupção policial
são divulgados na mídia, gerando uma ideia de que todos os integrantes das
instituições policiais são truculentos e corruptos. Neste sentido, cabe ao próprio
policial essa mudança, como profissional que está diretamente ligado à sociedade,
atendendo-a e promovendo espaços que permitam essa aproximação.
Para Trojanowicz e Bucqueroux (1994, p. 4),
Policiamento comunitário é uma filosofia e uma estratégia organizacional
que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se
na premissa de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar
juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâneos tais
como crime, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral
a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade geral da
vida na área.
Neste sentido, o policiamento comunitário está voltado principalmente para a
implantação de uma filosofia de aproximação e ajuda mútua, tanto da polícia para
com a sociedade e vice-versa, uma vez que a sociedade trabalhará em prol de uma
melhoria de qualidade de vida.
Mesmo diante das dificuldades de atendimento a necessidades estruturais da
instituição, a sociedade possui o direito de opinar e cobrar para onde os seus
impostos estão sendo investidos dentro dos órgãos públicos e, neste sentido,
participar diretamente para que os investimentos na segurança pública sejam
direcionados nas localidades que efetivamente estão necessitadas do amparo do
poder público.
38
Para Silva (2003, p. 351),
Num momento em que se reconhece a necessidade de que a segurança
seja compartilhada por todos, não há como seguir adiante sem investir
pesadamente na democratização da polícia, no interesse da segurança de
todos os segmentos sociais, dos quais se espera a união de esforços contra
o inimigo comum, o verdadeiro criminoso, encontrado em qualquer lugar.
O policiamento comunitário ou interativo enseja então uma aproximação entre a
polícia e a comunidade, não só ao indivíduo isolado, como também aos organismos
que estão presentes no seio da sociedade. Verifica-se que o conjunto de pessoas
pertencentes à comunidade está em permanente contato com os policiais em suas
rondas, dialogando e construindo laços de confiança mútuos.
Desse relacionamento cotidiano, pode-se extrair uma proporção direta na diferença
entre deter o conhecimento exato do que está ocorrendo em determinada localidade
e desconhecer profundamente o caos, adotando medidas superficiais para a sua
solução.
2 3 4 Os conselhos comunitários de segurança
A participação da sociedade na construção das ações policiais pode ser uma
importante vertente que necessita ser sedimentada, bem como um desafio muito
grande a ser enfrentado.
Neste sentido, ao dar voz à sociedade, o poder público pode passar a ser municiado
de informações sobre a realidade dos acontecimentos daquelas localidades, bem
como prestar contas à sociedade sobre as suas ações e informar as suas falhas, e
envolver os cidadãos para a solução dos problemas apresentados.
Os Conselhos comunitários ou interativos de segurança pública encontram-se neste
contexto, por intermédio da construção de um meio que permita realizar a interface
entre o poder público e a sociedade civil organizada, com a séria possibilidade da
comunhão de esforços conjuntos.
39
Para Silva (2003, p. 355),
Em suma: na realidade, a polícia comunitária é resultado de uma
constatação: de que as formas tradicionais adotadas pelo poder público
para enfrentar a criminalidade e manter a ordem, centradas na ação
preventiva e repressiva da polícia, no modelo dito profissional, não se
sustentam numa sociedade fragmentada como a atual, e que a provisão de
segurança, como já comentado anteriormente, consiste também na
administração de riscos por parte de diferentes instituições públicas e
privadas, pela polícia especificamente, pela sociedade em geral e pelas
comunidades em particular [...].
Em meio a um cenário de criminalidade em que as pessoas estão cada vez mais
reféns e amedrontadas com as práticas delituosas, a participação social se faz
necessária no sentido de que sejam transmitidas informações suficientes à polícia ou
a participação em transformações fundamentais para que as forças policiais se
adaptem às suas demandas.
Urge então um desafio por parte das forças policiais de conclamar a sociedade para
a luta por sua própria qualidade de vida, por intermédio de participações que mudem
o cenário de insegurança pública no seio das comunidades.
Como ilustra Waiselfisz (2010, p. 17),
Na década 1997/2007, o número total de homicídios registrados pelo SIM
passou de 40.507 para 47.707, o que representa um incremento de 17,8%,
pouco inferior ao incremento populacional do período que, segundo
estimativas oficiais, foi de 18,6%.5
Verifica-se que, em números absolutos, o cenário nacional foi palco de uma
alarmante e sangrenta cifra com um somatório, no período de 1997 a 2007, de
512.216 vítimas. O dado demonstra uma preocupação muito acentuada no que
tange ao aumento da violência, podendo afetar claramente na percepção da
sociedade acerca da gravidade dos crimes (WAISELFISZ, 2010).
Segundo consta no livro do Curso Nacional de Promotor de Polícia Comunitária
(BRASIL, 2006, p. 298), os conselhos comunitários de segurança são entidades de
5
SIM: Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Justiça.
40
direito privado, com vida própria, são independentes em relação aos segmentos da
segurança pública ou a qualquer outro órgão público.
Fica evidente que o sentido de organização não-governamental dá a autonomia
necessária para a condução das atividades dos conselhos comunitários de forma
transparente e independente de critérios político-partidários. Isto força o poder
público a receber a sociedade legalmente representada para o encaminhamento,
acompanhamento e a solução dos problemas inicialmente apresentados.
Quando uma demanda nasce nas discussões junto à Polícia Militar, por exemplo,
deve ser carreada ao alto comando da Instituição e alavancar os recursos
necessários para a sua solução. Muitas vezes, as demandas representam
problemas que podem estar atrapalhando o funcionamento de uma importante
atividade.
Para Silva (2003, p. 374),
Considerando que a segurança pública é um bem difuso e indivisível, isto é,
não pode ser medido, fracionado e proporcionado de forma individualizada;
e considerando também que é um bem ao qual todos têm direito,
independentemente do local de moradia ou condição social, cada vez
menos (à medida que a sociedade brasileira vai se democratizando) é
possível distribuir os serviços policiais em função da hierarquia social e das
relações informais. Assim, diferentemente do que ocorria há uma ou duas
décadas, de pouco adiantará que pessoas ou grupos particulares ‘exijam’
do Estado mais segurança, ou melhor, polícia para a sua rua, para a porta
do seu condomínio, do seu edifício, para as proximidades do seu hotel, da
sua casa de espetáculos, do seu comércio.
As demandas surgidas nas reuniões internas dos conselhos comunitários de
segurança pública também estão afetas a outros órgãos de defesa social, além da
Polícia Militar, e mais além ainda, como melhorias estruturais das cidades que
venham minimizar problemas de insegurança. Como se pode verificar na citação
acima, os casos específicos de interesses particulares passam a não ser o foco dos
debates em função de um interesse público maior e coletivo.
Para Fernandes e Costa (1998, p. 85),
Os Conselhos Interativos de Segurança Pública, surgidos a partir de
41
Guaçuí/ES, são organizações não-governamentais, com personalidade
jurídica própria, formados pela sociedade civil organizada, e que
recepcionam as demandas populares na área da segurança pública,
funcionando como instrumentos de gestão democrática e participativa neste
segmento, inovando, pois constituem-se no fórum de supervisão e controle
civil dos órgãos policiais envolvidos no processamento da interação.
Conforme exposto anteriormente, os Conselhos Comunitários ou interativos de
Segurança são importantes canais de comunicações entre as comunidades e a
polícia, podendo inclusive extrapolar situações que não estão diretamente
vinculadas com a segurança pública.
Problemas afetos à iluminação precária, residências abandonadas, indigência social,
dentre outros aspectos, podem estar sendo condicionantes para a eclosão da
criminalidade e alvos de discussões nesses fóruns para a canalização de respostas
às demandas surgidas.
Nesse contexto, segundo Fernandes e Costa (1998, p. 93),
Interação Estratégica e Social consiste em mobilizar recursos internos e
externos à polícia, no intuito de promover e consolidar a parceria com as
comunidades e agências públicas e civis – elemento essencial no processo
de comunitarização do provimento de ordem pública. Recomenda-se o
emprego de expedientes criativos para sensibilizar e envolver as
comunidades e suas lideranças nas atividades do programa. Deve-se,
ainda, fazer uso de dispositivos formais e informais que visem não só
garantir e ampliar a participação comunitária, como também estimular o
convívio social entre policiais e cidadãos.
Em conformidade com a citação anterior, verifica-se que a mobilização de recursos
externos à própria polícia para a resolução de problemas que não estão diretamente
vinculados à atividade policial possui forte necessidade.
Apesar desses problemas não pertencerem diretamente à alçada policial, eles são
passíveis de condicionar algum crime, caso o poder público externo à polícia não
tome as providências adequadas.
O enfoque se dirige à participação coletiva e apresentação mútua dos problemas, e
fomenta um processo de discussão direcionado a ações que permitam minimizá-los.
Além disso, possibilita o encaminhamento de comissões formadas pela sociedade
42
civil organizada aos dirigentes de órgãos públicos, concedendo poder às
comunidades de cobrarem aquilo que efetivamente pertence ao povo por direito.
2 3 5 O advento das bases fixas de policiamento interativo
As bases fixas de policiamento interativo ou comunitário constituíram dentro da
PMES uma forma de atuação que esteve em evidência e, ao longo dos anos foram
sendo desativadas em função de vários fatores, dentre os quais a falta de efetivo
policial militar.
O contexto de policiamento a pé possui a sua importância em função do maior
tempo de permanência junto à sociedade, possibilitando o conhecimento real dos
problemas que estão em trâmite nas comunidades.
Para Skolnick e Bayley (2006, p. 29),
O que uma ronda a pé pode fazer, entretanto, é reduzir o medo do crime,
em especial a onda de medo que paira em locais que parecem não seguir
as normas e estar fora de controle. Patrulhas a pé eles sustentam, poderiam
reduzir os ‘sinais de crime’ e de desordem, tais como vandalismo,
pichações, comportamento agressivo e violento, mendigos pelas ruas,
bicicletas e skates guiados perigosamente nas calçadas, bebedeiras em
público, música muito alta e vagabundos dormindo em locais públicos.
Nesse cenário, com o passar dos anos, os moradores de uma comunidade passam
a conhecer todos os policiais militares que atuam naquele posto policial, em razão
do cotidiano de seus serviços e de suas aproximações com muitas pessoas. Isto
acontece com a finalidade de orientação ou para realizar alguma providência de
cunho mais repressivo, como, por exemplo, uma prisão em flagrante.
Conforme Rolim (2006, p. 65),
Um novo modelo, proativo, de policiamento deve estar tão próximo e
vinculado às comunidades quanto possível, inclusive com a retomada dos
patrulhamentos a pé. A ideia central nesse caso é substancialmente
diferente daquela direcionada para o número de prisões efetuadas ou a taxa
de resolução de crimes. Ela parte do princípio de que um percentual muito
significativo dos crimes, especialmente os chamados ‘crimes de
oportunidade’, podem ser evitados. E compartilha também o pressuposto de
43
que uma intervenção racional das forças policiais, em parceria com
entidades da sociedade civil, pode alterar várias das condições que são
preditivas do crime e da violência. Por conta disso, o ponto central desse
novo modelo deve ser a prevenção.
Na prática, a forma mais visível de sedimentar o processo de polícia comunitária,
dentro de uma visão de contribuição da PMES, está ligada à construção de algo que
possa oferecer à sociedade um sentimento de confiança e credibilidade.
Neste sentido, verifica-se que as estruturas fixas de policiamento podem possibilitar
uma ferramenta para que a aproximação e o permanente contato da polícia com as
comunidades fundamentem um posicionamento aceitável como norte de referências
para as vítimas de crimes ou prevenção de fatos que não foram consumados.
Ainda segundo Rolim (2006, p. 65),
O trabalho da polícia passaria a ser avaliado pelo mal que ela foi capaz de
evitar, ou seja, pelas ocorrências criminosas e violentas que ela soube
impedir, e não pelos resultados alcançados diante do mal já praticado.
Afirmá-lo assim pode parecer estranho em um contexto no qual nos
acostumamos a pensar em ‘prevenção’ no âmbito de políticas sociais e
nunca no âmbito das tarefas específicas de policiamento.
A prisão de meliantes, as apreensões de drogas e armas de fogo e essa vinculação
ao noticiário na mídia acarreta uma visão de “eficácia” por parte da polícia, no
entanto, conforme Rolim, a ocorrência já foi consumada e o mal já é um fato
confirmado.
Não podemos dizer que não houve ação eficiente por parte da polícia nesses casos
de atuações repressivas. No entanto, com a adoção da polícia comunitária, a
prevenção emerge a um nível de importância muito maior em função da capacidade
de debelação
do fato criminoso apenas
com a presença
policial
e o
comprometimento da sociedade.
Em 1994, o município de Guaçuí foi contemplado com uma importante mudança a
partir da implantação da polícia interativa, como nova forma de filosofia do emprego
do policiamento ostensivo aos integrantes locais da PMES. Verificou-se à época, em
meio a essa implantação, o incremento do Serviço de Atendimento ao Cidadão
44
(SAC), que serviu como base de atendimento à comunidade e de onde partia o
efetivo para o policiamento.
Neste sentido, segundo Fernandes e Costa (1998, p. 91),
Serviços de Atendimento aos Cidadãos: constituem-se na setorização
territorial das ações táticas da polícia, atuando como pontos referenciais
para o atendimento às comunidades de forma descentralizada, e que visam
estabelecer a efetiva prática da comunitarização da polícia. Os Serviços de
Atendimento aos Cidadãos também têm por objetivo facilitar o acesso dos
cidadãos à polícia, visto que nestes lugares, procura-se de modo enfático
atuar na resolução preventiva dos problemas originados no cotidiano das
comunidades, e que por vezes pelo pequeno impacto são desprezados,
mas que funcionam como alimentadores do aumento da sensação de
insegurança e de temor da sociedade.
Essas estruturas com a denominação de “SAC” passaram a substituir o chamado
Destacamento Policial Militar (DPM), em função da implantação da polícia interativa
na PMES, dando um tom mais aberto para os cidadãos se aproximarem da
instituição. Em meio a essa mudança, verifica-se também um importante processo
de transição, no qual a PMES passa a adotar referências de atendimento à
sociedade.
As bases fixas de policiamento interativo ou comunitário possuem denominações
diferentes em outras localidades, porém a filosofia no atendimento é preservada.
Como exemplo, cita-se os modelos adotados em São Paulo, e até mesmo no Japão,
com estruturas fixas de atendimento em regime de vinte e quatro horas. Em meio à
implantação dessas estruturas, há implicações de administração de recursos
humanos e materiais necessários para a sua constituição.
O modelo japonês de policiamento comunitário remonta ao ano de 1874. Há mais de
130 anos os japoneses implantam o policiamento a pé como forma de permanência
nas comunidades. Esse policiamento também é interligado através de bicicletas,
viaturas policiais e até mesmo embarcações (BRASIL, 2008).
Há de se verificar que o investimento no aparato policial para a melhoria da
prestação de serviços, no modelo implantado no Japão, apresenta eficácia, com a
45
delimitação e o posicionamento de postos fixos denominados Kobans6 e
Chuzaishos7.
Esses postos de atendimento à população constituem referências na procura e
encaminhamentos dos problemas de segurança pública. Na mesma literatura, é
mostrado que o Japão soma cerca de 15.000 postos policiais para atendimento à
população, e suas dimensões territoriais somam pouco mais que o estado de São
Paulo, com cerca de 150 milhões de habitantes (BRASIL, 2008).
Da mesma forma, na Polícia Militar do Estado de São Paulo verificam-se as
chamadas “bases comunitárias”, que consistem em postos policiais que funcionam
em regime de vinte e quatro horas por dia para o atendimento aos cidadãos. A
filosofia implantada pela Polícia Militar daquele Estado tem sido empregada segundo
a metodologia implantada no Japão, com ênfase ao policiamento a pé e maior
aproximação da polícia com as comunidades.
Segundo o livro do Curso Nacional de Multiplicador de Polícia Comunitária (BRASIL,
2006, p. 304), a primeira base do Jardim Ângela, em São Paulo, foi instalada em 22
de dezembro de 1998 e revolucionou o relacionamento da população local com a
Polícia Militar.
Neste sentido, constata-se que as estruturas fixas de policiamento, como referência
à população, podem representar um norte a ser seguido, no âmbito do estado do
Espírito Santo ou em qualquer outra área, guardando-se as cautelas necessárias
relacionadas com o tipo da região a ser atendida e com a melhor abordagem a ser
empregada.
Para Silva (2003, p. 367),
[...] fala-se muito, e com entusiasmo, das cabinas e distritos comunitários do
Japão (Koban), mas seria um equívoco pensar em copiá-los pura e
simplesmente sem levar em conta as diferenças culturais e a forma de o
poder público se relacionar com a população naquele país. Assim,
informados dos desenvolvimentos da polícia comunitária em outros países,
6
7
Kobans: Postos policiais japoneses localizados no meio urbano.
Chuzaishos: Postos policiais japoneses localizados no meio rural.
46
importará indagar sobre os valores culturais da nossa própria sociedade,
para saber até onde é possível adotar tal filosofia.
Evidencia-se que o trabalho desenvolvido pelos policiais nas estruturas fixas
depende de muitos fatores, dentre os quais a forma mais adequada do tipo de
policiamento a ser empregado. Essa premissa lastreia a possibilidade de
aproximação com a sociedade e pode nortear ações mais eficazes diante dos
problemas apresentados no cotidiano.
Toda a dinâmica apresentada constitui-se numa relevante importância do SAC para
a comunidade local, associando a presença policial ao cotidiano das pessoas, como
uma resposta para as suas demandas.
A mesma importância se dá à disponibilidade do efetivo policial empregado e ao seu
comprometimento com o serviço que executa e com os problemas existentes no seu
setor de trabalho.
2 3 6 Permanência e responsabilidade territorial
A execução do trabalho policial em uma determinada localidade necessita,
obrigatoriamente, que o policial permaneça num relevante espaço de tempo possível
dentro de seu setor de serviço, a fim de que possa conhecer efetivamente os
problemas e os moradores, para então fomentar o desenho de ações de rotina.
Segundo Fernandes e Costa (1998, p. 87),
A experiência originária da cidade de Aberdeen na Escócia, com os
chamados ‘team policing’ ou equipes de policiamento, comprovam que, para
que se efetive a comunitarização da polícia, é necessária a aplicação do
exercício de policiamento com profissionais ambientados na circunscrição
social onde se desenvolve a parceria. As partes devem se conhecer, pois
somente através dos contatos pessoais de seus integrantes é que se obterá
êxito no controle da criminalidade, visto que policiar é, sobretudo conhecer,
investigar, obter informações, entre outros tantos aplicativos.
Neste sentido, verifica-se que a permanência do profissional de polícia junto a uma
devida circunscrição geográfica culmina em um maior conhecimento da realidade
47
dos problemas ali presentes, possibilitando nortear de forma mais eficaz e eficiente
as possíveis soluções.
Ainda que os crimes possam ser consumados, a riqueza de informações que os
moradores locais podem transmitir aos policiais daquela localidade se constitui em
um diferencial muito elevado. Neste sentido, a credibilidade no serviço policial pode
acarretar numa preciosa contribuição às investigações posteriores que ocorrerão
acerca dos fatos, tudo isso gerado preliminarmente por intermédio da aproximação
da força policial com moradores e a construção de um relacionamento sadio e capaz
de mudanças significativas.
Dessa forma, conforme ressalta Rodrigues, Miranda e Tatagiba (2008, p. 34),
A fixação do efetivo policial ostenta-se como um grande avanço para o
policiamento comunitário. À medida que o policial permanece num
determinado setor de patrulhamento, é possível que conheça facilmente a
sua realidade e os seus problemas; assim como se relacione com as
pessoas do local. Deve-se evitar que os policiais comunitários sejam
trocados com frequência.
A permanência do policial nos setores de serviço também está diretamente guiada
pelo compromisso da instituição de não retirar os policiais daquela área e pela
manutenção das escalas de serviço, para que uma rotina seja estabelecida.
A rotatividade de policiais na área de policiamento trará exatamente o contrário: o
desconhecimento da área, das pessoas que nela residem e trabalham no local e,
principalmente, dos problemas locais.
A responsabilidade territorial significa:
Comprometimento do policial militar ou da OPM com uma área geográfica
determinada, buscando todos os mecanismos junto à sociedade para a
identificação dos problemas e as suas soluções. É a preocupação e o
compromisso com os resultados a serem alcançados por parte da Polícia,
no campo da Segurança Pública, visando atender satisfatoriamente as
carências do grupo social atendido. A prática da mini-chefia ou minigerência e a fixação do efetivo facilitam a compreensão da responsabilidade
territorial nas comunidades e nos setores de policiamento ostensivo
(RODRIGUES; MIRANDA; TATAGIBA, 2008, p. 34).
48
A responsabilidade territorial se resume, então, em um sentimento de compromisso
do profissional de segurança pública que está atuando diretamente no seio das
comunidades. Esse sentimento é construído por intermédio do envolvimento com as
pessoas e com a área de atuação daquele profissional.
Em seu cotidiano, o profissional é demandado exatamente por aquelas pessoas que
se encontram na comunidade durante o seu turno de serviço. Com a finalidade de
dar respostas à sociedade local, ele é encarregado de estar presente e com a sua
conduta voltada para a melhor prestação de serviço aos cidadãos.
Em meio aos conflitos sociais, o policial deve ser considerado peça importante neste
cenário, devendo possuir habilidade suficiente para conduzir os conflitos na
comunidade, visando a melhor solução possível. O policial acaba por ser eleito, de
alguma forma, por parte da comunidade local, como mediador de conflitos e
profissional responsável por sedimentar uma atmosfera de tranquilidade.
Segundo Skolnick e Bayley (2006, p. 33),
O policiamento deve ser adaptável. Para realizar esta tarefa, deve-se dar
aos comandantes subordinados a liberdade para agir de acordo com suas
próprias leituras das condições locais. A descentralização do comando é
necessária para ser aproveitada a vantagem que traz o conhecimento
particular, obtido e alimentado pelo maior envolvimento da polícia na
comunidade.
Conforme citação anterior, quando a liberdade para a ação dos policiais é
permeada, os policiais se sentem responsáveis pelos problemas que estão
presentes na circunscrição em que atuam. Da mesma forma, as comunidades
começam também a partilhar da mesma conduta, propiciando uma atmosfera de
mútua ajuda, por intermédio de um interesse conjunto: a não incidência de delito
como pressuposto de uma atuação policial eficiente e, por outro lado uma localidade
tranquila, culminando em maior qualidade de vida aos seus integrantes.
À medida que os policiais têm autonomia para a tomada de decisões diante do
cenário onde estão atuando, os procedimentos policiais podem estar mais
adequados às demandas que são encaminhadas. As mudanças significativas e
49
perenes podem passar por essa vertente, uma vez que os policiais locais, quando
são conhecedores dos moradores e de seus problemas, têm uma atuação que
passa a incidir direta e favoravelmente aos anseios da comunidade.
2 3 7 Policiamento e patrulhamento
Na filosofia de polícia comunitária, os profissionais de segurança pública passam a
realizar o policiamento de uma forma diferenciada do que se fazia até então de
forma tradicional, sem seletividade e com truculência.
Entretanto, necessitam estar presentes em uma determinada área de atuação, de
forma permanente e sem rotatividade e, principalmente, comprometidos com aquela
comunidade local e com os seus problemas.
Em contrapartida, muito longe das pessoas, o policial no patrulhamento motorizado
acaba não conhecendo a realidade específica de uma determinada localidade,
permanecendo vinculado ao atendimento de ocorrências solicitadas via rádio pela
central de chamadas. Neste sentido, seu serviço não alcança o real propósito de ser
conhecido e conhecer as pessoas, a fim de construir a credibilidade para a
transmissão e recepção de informações.
Em conformidade com Skolnick e Bayley (2006, p. 36),
O efeito de se aderir a essa estratégia centrada no incidente é que os
recursos policiais são, em grande parte, perdidos. Nem as forças policiais
resolvem os problemas, nem previnem contra o crime. Suas presenças
visíveis, a pé ou motorizadas, têm sobre o crime um efeito questionável,
como muitas pesquisas têm demonstrado. Ao se concentrarem em
incidentes, as polícias têm perdido o controle sobre os seus trabalhos e a
sua eficácia. A maior parte de seus recursos humanos está amarrada a um
formato que os torna inviáveis para buscar abordagens mais efetivas para
enfrentar os problemas de perturbação da ordem nas comunidades
modernas.
Ao contrário da estagnação do policial com o foco anteriormente citado, o
policiamento realizado a pé, como dito antes, enfatiza uma forma muito adequada de
maior aproximação, cujo tempo de permanência junto a uma determinada
50
comunidade se faz muito maior do que em viaturas.
Dessa forma, é importante destacar que os profissionais de polícia devem utilizar
esse maior tempo de permanência, a fim de conhecerem de fato o seu setor de
serviço, aproximando-se e interagindo com as pessoas.
Uma vez conhecedores dos moradores, estes passam também conhecer os
profissionais e confiá-los informações extremamente úteis de fatos que possam
elucidar crimes e até preveni-los. Essa complexa convivência em um mundo
cotidiano pode acarretar em consequências positivas para o controle da
criminalidade e, por consequência, a mudança da imagem institucional da polícia.
Segundo Rodrigues, Miranda e Tatagiba (2008, p. 34),
O policiamento comunitário, quando reconhecido por uma população
participante do processo, tende a realizar prisões em número ainda maior
que o policiamento tradicional, tendo em vista as informações que chegam
através dos contatos com as comunidades. Percebemos que, quanto maior
o contato entre a polícia e a população, maior será o número de
informações produzidas. Podemos concluir que um bom policiamento
preventivo de resultados, quando necessário, é capaz de produzir ações
repressivas de qualidade, voltadas para o anseio social. As duas
modalidades de ações acabam por se completarem, produzindo uma melhor
sensação de segurança para o cidadão, e consequentemente, melhorando
os indicadores de qualidade de vida na sociedade. Os policiais devem
enfatizar o policiamento a pé, devido à sua facilidade em identificar os
problemas e atender de maneira personalizada as comunidades. Os
patrulhamentos motorizados, a cavalo, em bicicletas ou qualquer outra
modalidade podem ser utilizados, desde que não percam as características
comunitárias. É necessário o redesenho dos setores de patrulhamento, com
fixação dos efetivos policiais, a fim de personalizar o atendimento policial e
descentralizar as decisões e a prática do policiamento.
Neste sentido, evidencia-se uma mudança substancial na forma como se executa o
policiamento e o patrulhamento dentro de uma área de atuação conhecida e
favorável. As abordagens policiais se modificam, em atenção à necessidade de uma
atuação pautada na legalidade e respeito à integridade física, moral, psicológica e
do patrimônio dos cidadãos.
Durante a atuação policial, a repressão acaba fazendo parte como medida de
contenção dos delitos, uma vez que durante a ocorrência do fato, o policial se vê
legalmente obrigado a atuar diante do ordenamento jurídico vigente. No entanto, no
51
enfoque do policiamento comunitário, essa atuação policial se dará de uma forma
muito mais qualificada e profissional, utilizando-se dos meios adequados e
proporcionais para a adoção de uma resposta adequada à determinada agressão.
Essa mudança de procedimento à luz da legalidade também dá à polícia um caráter
muito mais técnico e produz na sociedade um sentimento real de uma resposta
adequada por parte do Estado, neste caso personificado por intermédio da polícia,
aos conflitos em execução.
No cenário da repressão costuma-se medir a “produção” policial pelo viés das
prisões e apreensões ocorridas durante o turno de serviço. A capacidade de
prevenção e da não ocorrência de delitos que transformam o cotidiano das pessoas
passa a não ser vista como prioritária em função de sua difícil mensuração.
Para Rolim (2006, p. 79),
Uma nova ‘engenharia institucional’ é, então, uma exigência incontornável.
Policiais que trabalhem fixamente em uma área da cidade e que realizem
patrulhas a pé [...] deverão despender muito tempo conversando com os
residentes, participando de reuniões comunitárias, acompanhando os
problemas vividos pela escola local, estabelecendo e desenvolvendo
relações de natureza social com os moradores. Isso não será possível caso
estejam vinculados ao sistema de atendimento a emergências. Como regra,
será preciso que outros policiais atendam às ocorrências tidas como
emergenciais, enquanto a patrulha a pé orienta suas atividades para o
atendimento daquele tipo de demanda que normalmente não envolve
assuntos de natureza criminal ou que, pelo menos, não diz respeito a crimes
graves.
Muito embora nos veículos de comunicação perceba-se nitidamente que, quando há
uma visível ação policial com prisões ou apreensões, associa-se a uma atuação
eficaz e eficiente, há de se considerar que a não ocorrência de delitos, por mais
utópico que possa parecer, pode se constituir numa meta primordial que o serviço
policial se destina a executar.
Neste sentido, durante o seu turno de serviço, o policial realiza o policiamento
estando presentes as figuras da prevenção e repressão. Agir preventivamente para
que o crime não ocorra torna-se a principal meta que deve estar aliada nos
procedimentos diários do policial no trato com a sociedade. Em contrapartida,
52
quando se faz necessário utilizar a figura repressiva, o policial deve agir buscando o
amparo legal necessário para legitimar a sua ação. Nesse sentido, a comunidade
pode ser uma parceira indispensável para o desfecho de suas ações com maior
êxito.
2 3 8 Resolução de problemas
Em meio à atmosfera de uma turbulenta convivência urbana com uma quantidade
relevante de problemas oriundos da sociedade, os profissionais de segurança
pública se vêem num cenário de difíceis respostas às demandas que surgem.
A habilidade para a condução de ocorrências, sem que o profissional faça parte
como envolvido é um aspecto de fundamental importância para a construção de um
perfil que esteja realmente voltado para a sociedade, salvo naqueles casos em que
o policial seja vítima de alguma agressão física ou verbal.
Segundo Fernandes e Costa (1998, p. 87),
O distanciamento do policial das pessoas na circunscrição em que age,
despersonifica o trabalho da polícia, tornando anônima a sua atuação no
seio da sociedade, gerando o desconhecimento das causas primárias da
criminalidade. A fixação de equipes e a sua permanente interação com os
diversos atores sociais constitui-se em fator de sucesso do trabalho
realizado.
Conforme citação acima, de forma exaustiva a prática diária do policiamento
comunitário está relacionada à presença do policial no seu setor de serviço, bem
como à sua capacidade de atuação. O anonimato de ambos os lados pode construir
uma ferramenta muito perigosa no trato diário do policiamento. Aqueles profissionais
que não querem trabalhar em conjunto com as comunidades, se escondem para a
prática de qual serviço? Esse questionamento pode ensejar com isso uma posição
refratária por parte da polícia, que deve assumir as suas responsabilidades
enquanto agência de controle social.
O policial nesse cenário é um profissional que deve ser considerado como
53
importante peça da complexa máquina da sociedade, enquanto agente de controle
social.
Para tanto, conforme Skolnick e Bayley (2006, p. 34),
Os policiais devem ter capacidade de pensar por si só e de traduzir as
ordens gerais em palavras e ações apropriadas. É necessário uma nova
espécie de policial, bem como um novo tipo de comando. O policiamento
comunitário transforma as responsabilidades em todos os níveis: no nível
dos subordinados, aumenta a autogestão; no dos superiores, encorajam-se
as iniciativas disciplinadas, ao mesmo tempo em que se desenvolvem
planos coerentes que correspondam às condições locais.
De outro lado, quando a comunidade encontra-se no anonimato, muitos
questionamentos também emergem diante da negativa dessa aproximação,
culminando em uma atmosfera de resolução de problemas inócua, além da
inexistência da credibilidade entre ambos.
Conforme expõe o livro do Curso Nacional de Promotor de Polícia Comunitária –
(BRASIL, 2007, p. 53),
Verifica-se que aquela que é mais visível no sistema da Segurança Pública,
acaba sendo a mais atacada, mesmo com seus componentes sendo as
maiores vítimas no combate à criminalidade. Antes a população não
conhecia e a única acusada como culpada pela insegurança era a polícia.
Pessoas importantes e até muitos representantes de outros órgãos coresponsáveis ficavam no anonimato, apontando as acusações para a
polícia. Com a participação da comunidade e do envolvimento de todos os
segmentos, as polícias deixaram de ser acusadas e sim respeitadas e
apoiadas, sendo os problemas resolvidos ou encaminhados pelos
verdadeiros responsáveis, pois quando a comunidade conhece, ela confia,
respeita e auxilia a corrigir as falhas.
Verifica-se que a Polícia Militar é a mais visível dentro do sistema de segurança
pública, uma vez que está diretamente presente e em contato permanente com a
sociedade. As cobranças e conflitos decorrentes desse contato se agravam por
intermédio da despreocupação, corrupção e violência de alguns profissionais de
segurança
pública durante parte desses
distanciamento das comunidades.
Para Pedroso (2005, p. 47),
atendimentos, podendo gerar
o
54
As corporações policiais enveredam suas ações concretas neste limite
tênue, entre o campo político-ideológico e o campo das ações visando a
ordem social. Como estabelecer então as estratégias de atuação, já que a
estruturação do poder de Estado é datado historicamente a partir de uma
composição política? Qual o papel da polícia enquanto órgão responsável
pela ordem pública e segurança interna?
Emerge no cenário da segurança pública a importância da Polícia Militar como
agência de controle social mesmo diante das dificuldades de se estabelecer
estratégias de abordagens ao problema em um contexto de formação política
estatal. A política de governo neste aspecto não pode estar acima do Estado como
viga-mestra e destinação real à sociedade.
Em sua ronda durante o policiamento em via pública e nos bairros, o profissional de
polícia se depara com toda sorte de problemas que se apresentam em seu cotidiano.
Esses problemas nem sempre estão ligados diretamente com o crime, e geralmente
são: a iluminação precária, o lixo depositado em desacordo com as normas da
municipalidade, a indigência social, dentre outros. De alguma forma, esse
profissional acaba dando encaminhamento a esses problemas para os outros órgãos
a fim de que sejam adotadas as soluções necessárias.
Conforme Skolnick e Bayley (2006, p. 36),
Os policiais do patrulhamento também reconhecem que não resolvem os
problemas; eles lidam com as consequências dos problemas. Na melhor
das hipóteses, eles encaminham as situações para outras pessoas que têm
tempo e experiência para encontrar as soluções de longo prazo.
Nesta linha de raciocínio, o policial passa a funcionar na figura de “solucionador de
problemas”, pela sua proximidade e permanência junto das pessoas e suas
demandas. Esse perfil exige cada vez mais que o profissional esteja de acordo e em
sintonia
com as
mudanças
comportamentais
da
sociedade
e
demandas
apresentadas no cotidiano.
Rolim (2006, p. 67) destaca que,
Quando pensamos no papel desempenhado pelas polícias no mundo
moderno, o maior desafio é o de superar um modelo pelo qual os policiais
se obrigam a ‘nadar’ todo o tempo, normalmente com resultados muito
limitados porque, quando são avisados, isso é sinal de que ‘as crianças já
55
estão afogadas’. As propostas em favor do policiamento comunitário (PC) e
do policiamento orientado para a solução de problemas (Posp) partem do
pressuposto de que é preciso procurar o que está acontecendo antes
daquele ponto da ‘correnteza’.
Neste sentido, da mesma forma se verifica que o trabalho do profissional de
segurança pública na resolução de problemas deve estar vinculado a uma visão de
que o crime é um fenômeno social e de múltiplas faces. Antecipar-se e procurar dar
o encaminhamento aos problemas uma vez identificados é uma das melhores
formas de desencadear a prevenção propriamente dita.
O exemplo trazido por Rolim (2006) narra a estória de que todos os dias havia
crianças sendo afogadas em determinado ponto de uma correnteza, e um cidadão
que por ali passava todos os dias tinha a missão árdua de salvá-las. Com o passar
do tempo, algumas delas morriam e a vida desse cidadão começava a ser colocada
em risco.
Neste sentido, pode-se extrair a construção do seguinte raciocínio: deve-se procurar
o que estava acontecendo antes daquele ponto da correnteza. É necessário que o
trabalho policial esteja voltado para a busca das causas dos problemas nas
comunidades.
A partir das respostas obtidas, pode-se tornar mais fácil a atuação do policial no
ajuste de procedimentos mais adequados aos problemas da comunidade, tomando
por base a ideia de que existem outros atores fazendo parte do contexto social.
56
3 O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO E DESATIVAÇÃO
Este capítulo desbrava a história específica da atuação da PMES na região do Morro
do Quadro, tendo como enfoque o contexto inicial, a implantação do projeto com as
mudanças decorrentes, os problemas enfrentados, os resultados obtidos, a
desativação do SAC e seus efeitos, uma análise quantitativa acerca dos principais
delitos na região e uma análise qualitativa sobre as percepções quanto à eficácia do
modelo implantado na região.
3.1 ASPECTOS DA REGIÃO DO MORRO DO QUADRO E DO ATENDIMENTO
LOCAL DA POLÍCIA MILITAR
A região do Morro do Quadro, também composta pelos bairros Morro do Cabral e
Santa Tereza, é apresentada como uma localidade de morros, repleta de becos e
acessos difíceis, muitos deles apenas feitos a pé.
Esses bairros fazem parte da região II - região administrativa do município de Vitória,
capital do Estado do Espírito Santo, também conhecida como “Grande Santo
Antônio”, atendida pela 2ª Cia do 1º Batalhão de Polícia Militar (BPM) da PMES. Na
figura 1, pode-se visualizar a referida região administrativa.
Figura 1 – Divisão administrativa do município de Vitória-ES
Fonte: Vitória... (2010).
O SAC do Morro do Quadro encontrava-se no meio do complexo dos Morros do
Quadro e Morro do Cabral na Rua São João. Esta rua é o principal acesso de
57
veículos ao bairro, e uma importante via de acesso que conta com a presença de
escolas e área comercial.
Segundo a Diagonal Urbana do Projeto Terra/SEDEC/DIT/GEO, da Prefeitura
Municipal de Vitória (PMV),
O Morro do Quadro fazia parte do bairro Santa Tereza e teve origem através
de um loteamento feito em 1964, em Caratoíra, de propriedade do Sr.
Manoel Rozindo da Silva e de outro pequeno loteamento feito em 1965, de
propriedade do Sr. Constant Furlani, na área do Morro do Quadro. Santa
Tereza foi criado pela lei nº 1.192/64 e no mesmo ano, através da Lei n.º
1.267 foi criado Presidente Kennedy. Assim o Bairro do Quadro, criado pela
Lei 6.077/03, contempla a aglomeração urbana conhecida como Morro do
Quadro, bem como parte do antigo bairro conhecido como Presidente
Kennedy. O bairro ficou conhecido como Quadro devido à construção da
Praça Dr. Athayde que, através do seu formato, ficou referenciada como
'quadro'. Assim, era comum os moradores dizerem que estavam 'lá no
quadro'. A praça, na realidade, tem o formado de um retângulo medindo
36x17m. O Morro do Cabral, essas áreas foram ocupadas na década de 50
e adensadas na década de 60 e 70, devido à pressão por moradia exercida
pelo grande contingente populacional que chegou ao município, oriundo do
interior do Estado. Originalmente, as terras eram de propriedade de Manoel
Rosindo e Manoel Camargo e o nome Cabral é referido à escadaria do
Cabral – um antigo morador do Morro.
Em
conformidade
com
os
dados
obtidos
na
Diagonal
Urbana
Projeto
Terra/SEDEC/DIT/GEO da Prefeitura Municipal de Vitória, foram tabulados abaixo os
dados sócio-econômicos das localidades que estão em análise, como se pode
visualizar no quadro 1, abaixo:
ÁREA (km²)
POPULAÇÃO
RENDA MÉDIA
(salários mínimos)
NÍVEL DE
ESCOLARIDADE
(anos estudados)
Morro do Quadro
0,05
1.093
4,85
7,22
Morro do Cabral
0,13
1.688
2,75
5,84
4,54
7,19
BAIRROS
Santa Tereza
0,57
3.131
Quadro 1 – Dados sócio-econômicos da região estudada
Fonte: Dados... (2010).
Neste sentido, observa-se, em linhas gerais, que a população soma 5.812 pessoas
com uma renda média de 4,04 salários mínimos e um nível médio de escolaridade
de 6,75 anos estudados.
58
Quanto ao exercício de uma análise sobre a densidade demográfica da região, que
soma 0,75/km², a região conta com 7.749,33 habitantes por cada quilômetro
quadrado, constituindo uma importante informação acerca da concentração
populacional relevante numa pequena área predominantemente residencial.
Para melhor distribuição do policiamento, a região da Grande Santo Antônio foi
dividida em cinco células interativas, onde permaneciam fixados os policiais
militares. Dentro do enfoque de atendimento da PMES, os bairros Morro do Quadro,
Morro do Cabral e Santa Tereza encontram-se contidos na célula interativa 02.
(CAMPOS; LIBARDI, 2001).
A melhor visualização possível dessa divisão pode ser demonstrada conforme a
figura 2 abaixo:
05
04
CÉLULA 02
BAIRROS
02
03
01
Morros do Quadro,
Santa Tereza, Bananal
e Cabral
Figura 2 – Divisão da região da Grande Santo Antônio em células interativas
Fonte: Campos e Libardi (2001).
59
3.2 O CENÁRIO INICIAL
A história tem início no dia 31 de janeiro de 1997, na ocasião em que dois policiais
militares foram assassinados por traficantes do alto do Morro de Santa Tereza, um
bairro sob o “comando” do traficante conhecido como “Juninho”, o que fez acender
um estopim e ativar um alerta para a segurança pública na época.
A localidade encontrava-se em alarmante situação, em função da constante
presença de grupos de traficantes e do fato de que imperava a lei do crime e da
desordem, instaurando um caos “silencioso” para a opinião pública, que veio à tona
através do episódio narrado (CAMPOS; LIBARDI, 2001).
O fato se confirma pelo noticiário da época do jornal “A Tribuna”, de 1 de fevereiro
de 1997 (ANEXO 1):
O sargento Sebastião Ferreira Bezerra, 40 anos, e o cabo Rui Barbosa, 45,
foram até o Morro de Santa Tereza para realizar investigações, quando
foram cercados pelos homicidas. A polícia acredita que os militares foram
rendidos nas imediações da Rua Dalmácio Sodré e foram obrigados a subir
a escadaria que fica no final da rua e que dá acesso ao alto do morro. No
topo da escadaria, eles foram levados para o lado esquerdo onde, depois
de arrastados por cerca de 10 metros, foram obrigados a ajoelhar no meio
do capim e executados com tiros de pistolas calibre 45 e nove milímetros.
(MORTES..., 1997, p. 9).
Após a execução dos dois policiais militares, a polícia iniciou uma verdadeira caçada
aos criminosos que os executaram, promovendo uma série de ocupações nos
morros do Quadro, Cabral e Santa Tereza. Várias abordagens se disseminaram a
partir do episódio, conforme relato em “A Tribuna”, de 1 de fevereiro de 1997
(ANEXO 1):
A morte dos policiais provocou uma operação relâmpago no morro e nos
bairros vizinhos. Às 18 horas de ontem, cerca de 60 policiais de diversos
batalhões da Polícia Militar da Grande Vitória, da PM-2 e da Tropa de
Choque, vasculharam a região em busca dos criminosos. O helicóptero da
PM sobrevoou a área por uma hora dando reforço à operação. Armados
com metralhadoras, pistolas e escopetas, eles tentaram identificar os
responsáveis pela morte do sargento Bezerra e do cabo Rui mas, até as 21
horas de ontem, os assassinos não haviam sido descobertos. Do alto do
morro dava para se ver parte da cidade de Vitória. O local fica próximo à
antena de televisão e é conhecido como Alto Santa Tereza, que faz divisa
com o Morro do Cabral. Apesar de terem dado buscas por todo o local, a
área é de difícil acesso. Do alto do morro os bandidos poderiam alcançar os
60
morros da Fonte Grande, do Quadro e o bairro Bela Vista (MORTES...,
1997, p. 9).
A dinâmica do crime ocorrido cercou-se de requintes de crueldade, em função da
identificação prévia da existência de policiais militares “à paisana”8 no morro. O
jornal “A Tribuna”, de 3 de fevereiro de 1997 (ANEXO 1), divulgou o depoimento
prestado por um dos envolvidos:
No depoimento prestado, às 23 horas de sábado, ao delegado Aloísio Alves
da Silva, Tuia contou que os dois PMs foram reconhecidos pelo ex-PM
Adriano Rosário, o Tatu, que subiu a escadaria e avisou aos traficantes
João Carlos, o Porca Russa, Nego Rose, Léo, Zé e Siri. Sebastião e Rui,
do Serviço Reservado da PM (PM-2), tinham ido até o morro levar
intimações. O grupo de traficantes foi ao encontro dos dois PMs, que foram
desarmados e levados para ao alto do morro, em direção à mata da Fonte
Grande. Segundo Tuia, depois de alguns metros, o cabo Rui disse que, se
tivesse que morrer, que fosse logo e Nego Rose deu um tiro no tórax dele
com uma pistola calibre 40. ‘Diante da cena, o sargento Sebastião tentou
reagir e os traficantes abriram fogo contra ele também. Só depois de
eliminar o sargento é que terminaram de matar o cabo Rui’, contou Tuia. O
peixeiro disse ainda que Nego Rose fugiu de bicicleta para o bairro Santo
Antônio, enquanto Siri, que estava com uma pistola 7,65, se escondeu na
Vila Rubim e os outros, com revólveres calibre 38, se esconderam no Morro
do Cabral (PEIXEIRO..., 1997, p. 4).
Posteriormente aos fatos ora divulgados, o “Tuia” apresentou publicamente a figura
que seria a principal no contexto da criminalidade daquela região, o seu irmão José
Sanches de Oliveira Júnior, conhecido como “Juninho”, como o responsável pelos
disparos perpetrados contra os dois policiais militares do serviço reservado,
conforme evidencia o jornal “A Tribuna”, de 4 de fevereiro de 1997 (ANEXO 1),
O peixeiro Roberto César Sanches de Oliveira, o Tuia, 18 anos, envolvido
no assassinato dos policiais militares Sebastião Ferreira Bezerra e Rui
Barbosa, afirmou ontem que a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa
(DHPP) vai receber uma fita de vídeo com uma confissão que o inocentará
da acusação. Segundo ele, seu irmão, José Sanches de Oliveira Júnior, o
Juninho, confessa na fita que foi ele (Juninho) o autor dos tiros que
mataram os dois PMs, do Serviço Reservado de Informações.
(CONFISSÃO..., 1997, p. 9).
A tentativa ora narrada evidencia um poder de articulação do tráfico instalado na
região, onde não se respeitava a fronteira da legalidade. A apresentação de uma fita
de vídeo responsabilizando um só indivíduo, e de forma pública, demonstra
8
À paisana: em trajes civis.
61
claramente uma hierarquia presente na distribuição do poder existente naqueles
bairros, mesmo após o depoimento prestado pela pessoa de Tuia.
Essa hierarquia ainda se evidencia conforme relato do “Tuia” publicado no Jornal “A
Tribuna”, de 4 de fevereiro de 1997 (ANEXO 1),
Segundo os policiais civis, na hierarquia da distribuição da droga, o expolicial militar Wilson Monteiro do Rosário, o Tatu, é o homem de confiança
de Juninho e principal distribuidor de droga nos morros do Quadro e Santa
Tereza. Depois de receber a droga, Tatu a passa para os gerentes, que, por
sua vez, a repassam aos ‘vapores’ (pessoas encarregadas da revenda)
(CONFISSÃO..., 1997, p. 9).
O referido noticiário ainda ressalta que, dias após a morte dos dois policiais militares
do serviço reservado da PMES, a gangue comandada por “Juninho” foi denunciada
como responsável por mais de vinte mortes na região. A figura de “Juninho” também
era apelidada no morro como “Robin Hood”, um indivíduo que “praticava o bem” para
a comunidade local.
A ausência do Estado como poder público que deveria se fazer perene na região
teve algumas demonstrações, conforme relato no jornal “A Tribuna”, de 5 de
fevereiro de 1997,
Moradores do Morro do Cabral mostravam ontem um misto de medo e
tranquilidade. Medo porque se assustam só em ouvir o nome de Juninho;
tranquilidade porque em parte se sentiam seguras com a presença da
Polícia Militar. Mas algumas afirmaram que, enquanto estava no morro,
Juninho era tratado como Robin Hood, o herói que tirava dos ricos para dar
aos pobres. ‘Nunca a polícia veio ao morro. Aliás só vinha aqui para
perseguir quem estava desempregado. Ninguém dava proteção pra gente,
até que esse menino, o Juninho, cresceu e, infelizmente, se enveredou pelo
caminho do crime’, contou um homem que se disse pastor de uma igreja
evangélica de Cariacica e que tem 33 anos, 23 dos quais morando no Morro
do Cabral (GANGUE..., 1997, p. 2).
A complexidade geográfica da área, associada à presença dos grupos de
traficantes, foi um fator importante que se verificou no episódio. A facilidade da fuga
e de meios de dificultar a chegada do conhecimento rápido por parte da PMES
também é relevante no cenário apresentado.
62
Foi possível perceber que a inexistência da presença da PMES, anteriormente ao
episódio, deixou uma lacuna. Isto admitiu uma forma de poder que trouxe para a
comunidade local uma atmosfera de medo e, ao mesmo tempo, cordialidade com o
crime instalado.
As entrevistas feitas às pessoas residentes na região confirmaram o cenário inicial,
pois houve unanimidade em destacar o local como problemático em termos de
criminalidade, antes da implantação do DPM do Morro do Quadro. A seguir, são
mencionados alguns relevantes trechos dessas entrevistas feitas aos integrantes
das comunidades (IC), que estão na faixa etária entre 20 a 49 anos:
Antes do evento de 97, que foi a morte dos dois sargentos, o Morro do
Quadro era um caos total. Quando eu vim pra cá na década de 70, ainda
era um pouco menos. Mas depois de 80 e poucos, a criminalidade subiu ao
morro, o bairro ficou praticamente sem condições de vivência, com o tráfico
de drogas, roubo, criminalidade, gente armada na rua. Então a população
de dentro ficou refém da criminalidade na região. A qualidade de vida... o
Morro do Quadro era falado... se você falava que morava no Morro do
Quadro... você mora mal, você mora numa região perigosa... Então você
tinha até vergonha de falar que morava nesse bairro. Então isso tudo ia
fazendo a qualidade de vida ir embora. Para você ter ideia, a padaria não
tinha... tinha uma padaria vendendo um pãozinho muito mau, não tinha
qualidade nenhuma. O caminhão de gás não subia, o caminhão da Kibon...
A gente queria comprar aquele picolé da Kibon, um pouco melhor, e não
tinha por que não poder subir, se não cobrava pedágio. Era assaltado, e os
caminhões de gás eram interpelados, tinha que descer pra Vila Rubim para
comprar alguma coisa. Era um caos total, a criminalidade tomou conta... No
mesmo nível que a gente ouve falar do Rio de Janeiro hoje, era o Morro do
Quadro (IC 01).
Era de risco, né, porque ali os moradores tinham medo de sair à noite nas
ruas, devido à grande criminalidade local. As brigas de gangues, e o tráfico
eram constantes nas praças, e tem o agravante de ser perto de escolas...,
tem escolas ao redor, e os pais tinham medo até a noite de deixar suas
crianças à vontade brincando na praça. Aí teve o fato que andou
acontecendo lá, que houve briga de gangues lá entre os morros, a chapada,
o Cabral, e o Morro do Quadro, e ali era tráfico, briga constante de gangues.
Era muito arriscado, porque a qualquer hora do dia havia embate entre eles,
tiroteio mesmo, e os moradores ficavam muito assustados, né? Nesse
período é que houver o assassinato de dois policiais lá no local, aonde a
policia teve que intervir com grande intensidade, aonde esses bandidos
foram localizados, alguns componentes dessas gangues foram presos. Se
conseguiu mais ou menos manter a ordem ali na nossa região (IC 03).
A região era bem violenta, insegurança total, havia muito assalto a carros de
gás, as pessoas tinha medo de trazer compras, móveis não subia pra
entrega... enfim, as gangues, me lembro que, de madrugada, eles ficavam
testando armas nos muros, dando tiro nos muros assim, entendeu? Você
acordava com os tiros, você ia olhar não era nada, só simplesmente
brincando de dar tiro, até a situação dos policiais serem assassinados lá no
morro (IC 06).
63
Conforme se pode verificar, ficou evidente nos relatos dos moradores da região que
a localidade passava por uma fase de alta criminalidade. Segundo as percepções
dos moradores, o medo do ir e vir era uma sensação latente dos entrevistados, em
função da presença ostensiva de meliantes que impunham as suas regras violentas.
Na ótica dos policiais militares que trabalharam diretamente no DPM da região do
Morro do Quadro, também houve unanimidade, ao afirmarem categoricamente que o
cenário inicial encontrava-se difícil no que se refere à alta criminalidade que se fazia
presente na região. A seguir, cita-se alguns relevantes trechos de entrevistas
realizadas com os praças policiais militares (PPM) e oficiais policiais militares
(OFPM) que comandavam a companhia da PMES responsável pelo SAC do Morro
do Quadro, dentro da região da Grande Santo Antônio:
O cenário combinava o medo da criminalidade e da violência por parte da
comunidade local, com a total ausência do Estado, no tocante à segurança
pública e outras questões sociais (OFPM 01).
O contexto social da região do Morro do Quadro a essa época era de
verdadeiro abandono por parte do Estado e do Município, no que diz
respeito à estrutura urbana, acessibilidade precária, iluminação pública,
telefones públicos quebrados, entre outros. Os criminosos circulavam de
forma ostensiva, com armas em punho. Conforme reportagens da época, a
comunidade refém do medo do ir e vir, os moradores se viam obrigados a
descer a cidade para fazerem suas compras, pois o comércio local estava
fechando as portas, por conta dos assaltos constantes. O abastecimento de
diversos produtos, tais como gás de cozinha, refrigerantes, sorvetes,
alimentos e serviços do Estado e do Município, era coagido pelos traficantes
da região, sendo que os poucos e corajosos comerciantes do morro tinham
que descer até a avenida para receber suas mercadorias nos caminhões,
pois caso subissem eram assaltados. No auge do domínio criminoso, foi
montado no alto do Morro um estande de tiro ilegal para prática dos
infratores daquela região. O local era conhecido como estande da Jaqueira.
Tais ações contavam com a opressão e silêncio dos moradores, que eram
‘comprados’ com cestas básicas, remédios e festas patrocinadas pelos
criminosos. Por parte da polícia, tenho um exemplo próprio que ocorreu em
1996, quando, ao assumir o comando da 2ª Cia do 1º BPM, responsável
pelo policiamento ostensivo nas regiões da Grande São Pedro e Grande
Santo Antônio, procuramos de imediato conhecer o território no qual
trabalharíamos. Assim, quando começamos a patrulhar e percorrer bairro a
bairro e chegamos à parte alta da região, mais precisamente na Rua São
João, no Morro do Quadro, o policial que me acompanhava informou
assustado, que, nos bairros Alagoano, Morro do Quadro e outros daquela
circunscrição (2ª Cia do 1º BPM), só era possível subir com um grande
aparato policial. Considerando ter vindo de uma região extremamente
problemática, que é o Município de Cariacica, com bairros
reconhecidamente de alto índice de violência como Morro da Aparecida,
Flexal, Itanhenga, Castelo Branco, entre outros, me parecia improvável que
em nossa capital poderia haver bairros nos quais a Polícia Militar não
entrava de forma rotineira. Nesta incursão, durante a subida da Rua São
João, fomos surpreendidos uma saraivada de tiros que vinham de todos os
64
lados. Tive então a confirmação da gravidade da situação naquela Região,
como havia me alertado o Soldado. Posteriormente, retornei ao local com
mais cinco viaturas e com apoio do Batalhão de Missões Especiais (OFPM
02).
Bom, pelos relatos que eu sabia, aquela área estava completamente
abandonada pelo setor, pela segurança pública, pelo Estado, e foi devido a
esse fato que ocorreu a morte de dois policiais na época. Foi então nessa
época que resolveram abrir esse destacamento no Morro do Quadro, e
levando um pouco de segurança para aquela região que estava bastante
afetada pelo o tráfico de drogas (PPM 01).
Olha, no início da implantação do destacamento da polícia militar no Morro
do Quadro, o bairro encontrava-se num total desças. Podemos dizer aonde
os marginais controlavam a entrada e saída de pessoas. E naquela época
surgiu o fato de que a polícia teve que dar início com ação de um
destacamento, após a morte de dois policiais, tendo em vista, o grau de
violência que estava imperando na localidade. Após esta instalação do
destacamento no Morro do Quadro, a polícia militar ela conseguiu realizar
alguns trabalhos lá, aonde pode voltar, ou dar a tranquilidade aos
moradores do bairro, mas no entanto, o local era dominado por marginais e
traficantes do bairro (PPM 02).
[...] o que acontecia, que era um momento. Antes da polícia, a criminalidade,
realmente, ela imperava na região, os moradores ficavam amedrontados,
não havia uma interação com a polícia e a comunidade, e dessa forma,
praticamente o crime permanecia na região ali. [...] os traficantes eles
praticamente eles dominavam os tráficos de drogas. Havia alguns que eram
conhecidos na região, que tinha o nome de Juninho, um dos acusados pela
execução dos militares, os dois militares que foram executados... e que deu
origem, né, à implantação do DPM no Morro do Quadro (PPM 03).
A criminalidade imperava devido ao grande número de traficantes que
existia na região, não subia carro de gás, não existia naquele bairro
comércio, porque os traficantes não deixam e com passar do tempo, com a
implantação do policiamento, as coisas ali foram mudando. [...] as gangues
ali eram formadas com intuito de trazer terror ao bairro, vinha gangues dos
bairros vizinhos ali promover baderna, tiroteios, e com a implantação do
DPM, do policiamento ali interativo, já foi amenizando a situação (PPM 04).
Assim como os próprios moradores na época nos informavam, não é,
ficavam a mercê da própria marginalidade lá no local, serviço de utilidade
pública, como CESAN, Escelsa, não podia subir o morro, porque a
criminalidade não deixava, e esses serviços sob constante repressão lá por
parte da criminalidade. [...] Era constante, inclusive, constantemente toque
de recolher pelos criminosos lá, e depois de certo horário, os cidadãos não
podiam sair de suas residências entre outras, né, que eles sofriam lá por
parte da criminalidade (PPM 05).
Pois bem, pra que o Estado, a polícia, tomasse essa decisão..., apesar de
que era época de conhecimento de todos, que ali naquela comunidade do
Morro do Quadro e adjacências, era risco de vida, não para só o cidadão
comum, mas para o policiamento, os policiais que ali chegassem
desprovidos de cobertura, Foi preciso ocorrer dois assassinatos de um cabo
e um sargento, ruim dizer... para que viesse tomar uma decisão de dar
segurança àquela comunidade (PPM 06).
Sobre o aspecto do atendimento da PMES na localidade, pode-se constatar que a
região não era contemplada com um policiamento permanente e fixo. A PMES
65
somente se fazia presente na região em ocasiões esporádicas e em circunstâncias
de necessidades. Das entrevistas aos integrantes das comunidades, ficou evidente
essa ausência da PMES e também do poder público em geral, conforme alguns
trechos seguintes:
[...] quando passava, passava para buscar os mortos, né, quando tinha. E
vinha o rabecão buscar, e mais nada..., não adiantava ligar, porque quando
vinha a rádio patrulha, eles vinham a mil por hora, senão tomava tiro
também. A polícia não tinha nenhuma, era função zero, nosso bairro era
isolado praticamente de toda Vitória (IC 01).
Praticamente atendimento não havia, era muito raro a gente ver uma viatura
passando pelo bairro, ou quando solicitava algum atendimento, era pra ta
indo buscar algum corpo, ou alguma briga entre as famílias, alguma coisa
assim, porque na verdade policiamento ali na nossa região não tinha (IC
03).
Só ia lá quando acontecia alguma tragédia, fora isso não tinha paisano.
Paisano não..., não tinha aquele costume da viatura estar sempre
passando, estar passando um policial a pé, não tinha... (IC 04).
Era uma dificuldade passar uma viatura pelo bairro. Isso era demanda que a
gente sempre levava, às vezes a gente chegava a levar essa demanda pra
própria Prefeitura, porque é um órgão que está mais próximo, né? A gente
não ia, por exemplo, à Secretaria de Segurança. É, tem um fato que a
gente..., eu me lembro..., isso é bem anterior mesmo à instalação do DPM,
quando chegava a ir lá cima. Então, tem um menino o nome dele é Alcemar,
como ele disse que era um surdo, aí a gente ia lá, quando a polícia chegava
lá, já era pra poder pegar, pra dar porrada e pra prender. E no caso do
Alcemar, foi até a polícia que viu, foi e mataram esse menino em frente ali,
na rua Pedro Rosindo da Silva. Isso foi em 85, em 88, por aí... Então, assim,
só ia no extremo, no limite, aí isso não interessa a gente. A gente pensava
na época que você colocasse, se tivesse o atendimento da PM ali, você
evitaria isso (IC 05).
Os relatos dos oficiais entrevistados, responsáveis pelo comando da companhia,
também dão mostras da fragilidade do atendimento que a PMES possuía para a
região, conforme se apresenta a seguir:
Os atendimentos da PMES resumiam-se às ações repressivas pontuais,
diante da constatação de ocorrências policiais ou socorro público das mais
diversas naturezas (OFPM 01).
O atendimento era esporádico e reativo, não havendo um policiamento
permanente nestes Morros, pois a maior parte do efetivo concentrava-se na
Rodoviária e na parte baixa da região, com o foco voltado à proteção do
patrimônio, em razão da concentração do comércio na área, ficando a
comunidade da parte alta em segundo plano. Quase que a totalidade dos
atendimentos nesses Morros se dava por meio do Centro de Operações da
Polícia Militar (COPOM), sendo que a maioria dos chamados eram
ocorrências assistenciais (transporte de ferido/enfermos/parturiente),
66
disparos de arma de fogo em via pública e crimes contra a pessoa (vias de
fato, homicídio) (OFPM 02).
Como se pode observar, a ausência da PMES conjugada com a sua presença
episódica e em alguns momentos violenta, além de contribuir para estabelecer uma
área com forte presença criminal, demarca um primeiro ciclo que teve como “divisor
de águas” o assassinato dos dois policiais militares na região, em janeiro de 1997. A
partir desse episódio, o poder público se posiciona no sentido de mobilizar as forças
de segurança pública para a região.
3.3 A TRANSIÇÃO DO “DPM” AO “SAC” - A TRANSFORMAÇÃO DO MECANISMO
DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE
Em meio à crise ora instalada, o Estado se viu na obrigação de adotar uma
providência legal em relação ao incidente ocorrido. Como resposta à sociedade, o
Governo do Estado e a PMES anunciaram as medidas que seriam adotadas,
conforme se evidencia no noticiário da época de “A Tribuna”, de 2 de fevereiro de
1997 (ANEXO 1):
As novas medidas para o policiamento ostensivo foram traçadas na manhã
de ontem no Quartel do Comando Geral da PM, em Maruípe, numa reunião
entre o governador, o comandante da PM e o secretário da justiça e da
cidadania, Perly Cipriano. Depois, os três foram ao velório dos PMs
assassinados, para darem solidariedade às famílias. ‘Nós vamos aumentar
o policiamento e contamos com a ajuda da comunidade para obtermos um
bom desempenho’, afirmou o governador. Além disso, um Destacamento da
Polícia Militar (DPM) vai ser implantado no morro onde foram mortos o cabo
Rui Barbosa, 45 anos, e o sargento Sebastião Ferreira Bezerra, 40. ‘A
situação ficou mais preocupante. Já no início da semana vamos procurar
um lugar para construirmos o DPM, para podermos fazer um trabalho
interativo com os moradores’, informou o comandante da PM, coronel
Orlando Pessali (POLÍCIA..., 1997, p. 11).
Conforme se verificou acima, o fatídico episódio motivou a implantação do
Destacamento Policial Militar (DPM) no Morro do Quadro, através da locação de um
imóvel por parte do Estado. Na época, foram empregados vinte policiais militares,
conforme mostram as escalas de serviço iniciais, no Apêndice G.
67
O DPM ficava subordinado à 1ª Cia do 1º BPM, que posteriormente recebeu a
denominação de 2ª Cia do 1º BPM. Na época, estava sob o comando interino do 1º
tenente Andrey Carlos Rodrigues, uma vez que o titular, 1º tenente Jailson Miranda,
encontrava-se de férias.
Coube ao tenente Andrey operacionalizar inicialmente a alocação do efetivo e o
condicionamento dos policiais, em uma localidade cujo desafio de vencer perigosos
obstáculos estava latente, como evidenciam as escalas de serviço apresentadas no
Apêndice G.
Na entrevista do antigo comandante, identificado como OFPM 01, verifica-se a
compreensão do desencadeamento das responsabilidades iniciais:
As primeiras atividades foram direcionadas à Inteligência Policial, através
dos levantamentos de informações necessárias ao emprego do policiamento
nas ações repressivas e preventivas na Região. Houve, inclusive, a
constatação do envolvimento de um policial militar com traficantes locais.
Em seguida, houve uma grande mobilização da Corporação, no sentido de
fixar uma base junto à Região, a fim de modificar a imagem da segurança
pública na localidade, bem como adotar as medidas necessárias para o
restabelecimento da ordem local, com a prisão dos principais cidadãos,
protagonistas das ações criminais na Região (OFPM 01).
No dia 5 de fevereiro de 1997, o DPM foi instalado, conforme registro do livro de
ocorrências no Apêndice G, onde consta a primeira escala de serviço do efetivo
policial. Nesta mesma data, o noticiário divulgou o início de seu funcionamento,
conforme publicação de “A Tribuna”, de 5 de fevereiro de 1997:
A ocupação de Santa Tereza e dos morros do Quadro e Cabral começa
hoje. A partir do início da manhã, policiais militares do 1º Batalhão (Vitória)
estarão tomando posição no Destacamento de Polícia Militar (DPM) que
está sendo instalado na parte alta de Santa Tereza. Na manhã de ontem,
uma equipe de policiais do 1º BPM, acompanhada do adjunto do Serviço
Reservado de Informações da PM (PM-2), major Fernando Araújo, esteve
no imóvel que será utilizado pela corporação na vigência do morro. A casa
fica no final da rua São João, na parte alta de Santa Tereza, na divisa com o
Morro do Quadro. Durante a tarde de ontem, vários militares estiveram
limpando o local e transferindo móveis e materiais de uso administrativo.
(NINGUÉM..., 1997, p. 3).
A partir de então, as intervenções policiais na localidade se intensificaram. Muitas
operações se seguiram e os meliantes foram presos e retirados do bairro. O
processo do policiamento interativo começava a se construir através do
68
conhecimento mútuo entre a polícia e moradores locais, como se pode verificar na
foto 1.
Foto 1 – Operações policiais repressivas
Fonte: Campos e Libardi (2001).
Em paralelo a esses fatos, a polícia interativa no Estado do Espírito Santo
encontrava-se em plena execução, tendo como pioneira a implantação em Guaçuí,
pelo então capitão Júlio Cézar Costa, no ano de 1994.
Neste sentido, já no comando do OFPM 02, verificou-se uma série de medidas que,
empregadas conjuntamente com as comunidades locais, foram decisivas para a
promoção de profundas mudanças no bairro, como se pode verificar no teor da
entrevista do aludido oficial:
Em 1996, a PMES iniciou a capacitação de oficiais nos Cursos de
Instrutores de Polícia Interativa, com finalidade de multiplicação e aplicação
da filosofia em todo o Estado do Espírito Santo. No mesmo ano, após a
minha conclusão no Curso, escolhemos a região da Grande São Pedro para
iniciarmos a comunitarização do policiamento em Vitória. É preciso salientar
que essa escolha foi baseada, tanto nos altos índices de violência na
69
Grande São Pedro, quanto por esta representar um desafio que nos foi
lançado ainda durante o curso, quando, incrédulos e desmotivados, vários
oficiais alunos questionavam a eficiência do modelo interativo de
policiamento, se este fosse empregado em uma região da complexidade de
São Pedro. Contudo, esse projeto inicial veio a sofrer uma mudança, com as
trágicas mortes dos dois policiais do cartório do 1º BPM, por traficantes no
alto do Morro do Cabral, acelerando e direcionando os esforços do
Comando da Polícia Militar para a região da Grande Santo Antônio, vizinha
da Grande São Pedro. Nesse primeiro momento foi disponibilizado um
grande aparato policial (viaturas, cavalaria, canil, BME, Grupamento Aéreo)
para ser base do policiamento repressivo, necessário ao restabelecimento
da ordem na região para, em ato contínuo iniciar a comunitarização. O
projeto piloto de implantação e implementação da Polícia Interativa na
Região da Grande São Pedro criou o Conselho Interativo de Segurança e
aumentou consideravelmente o número de policiais com aplicação dos
métodos e princípios do policiamento interativo. Essa reestruturação foi
possível também em razão da elaboração de uma nova escala de trabalho
dos policias da 2ª Cia, já que o modelo anterior, tradicional, empregava o
efetivo em escala única de 12/24h e 12/72h, engessando o policiamento em
destacamentos e viaturas, praticamente suprimindo o policiamento a pé.
Com elaboração de uma nova escala, foi possível a adequação do
policiamento às necessidades da comunidade e aos locais de maior
ocorrência de violência. Foi constituída também uma Gerência de Tenentes
e Sargentos, com responsabilidade territorial e autonomia operacional.
Passamos a construir a Polícia Interativa da grande Santo Antônio, que viria
a ser o modelo do Programa de Reestruturação dos Órgãos de Segurança
Pública do Governo Estadual denominado PROPAS. No processo inicial de
restabelecimento da ordem, assumi também a presidência do inquérito
policial militar para apurar a morte dos policiais no Morro do Cabral. A
conclusão do inquérito, indiciamento e prisão dos homicidas, ganhou uma
conotação simbólica naquela conjuntura, uma vez que representou o
resgate do sentimento coletivo de justiça daquela comunidade e honra
institucional dos policiais de toda a Corporação. Após um considerável
período de investigação, cumprimento de mandados e outros esforços para
que fossem retirados do seio social os traficantes e homicidas que
impunham o medo àquela comunidade, passamos então trabalhar a
mudança do modelo mental dos policiais da 2ª Cia, cuja visão guerreira,
patrimonialista e sectária não enxergavam a comunidade como parceiros,
dificultando uma aproximação mais tranquila com a comunidade humilde
dos morros. Passamos então a fazer reuniões doutrinárias, chegando a
encaminhar quase que 70% do efetivo da Cia e 100% do efetivo do SAC
para serem capacitados no curso de multiplicadores de Polícia Interativa
oferecidos aos praças da PMES. Foram realizadas ainda com o público
interno, nas dependências da Pizzaria Madrigal, dentro da comunidade,
reuniões mensais de planejamento e avaliação dos trabalhos. A
comunidade local também foi envolvida nas comemorações e festividades
da 2ª Cia. Homenagens aos policiais que se destacavam, despedidas aos
que concluíam seu tempo de serviço, comemorações natalinas, eventos
comemorativos militares, entre outros. Essas ações criaram um clima
interno favorável à mudança da realidade, na medida em que contribuiu
para alavancar os potenciais humanos, motivar e integrar o corpo funcional,
além de aproximar e envolver a comunidade da Polícia. Concomitante às
ações de valorização do público interno e aproximação com a comunidade,
passamos a nos reunir com lideranças comunitárias da região. A partir da
mobilização do público interno e externo, foram revitalizados outros canais
de comunicação entre o Estado e a sociedade civil entre os quais as
associações de moradores do Morro do Quadro e do Cabral onde, no alto
do Morro, fazíamos reuniões surpreendentes. Uma feliz surpresa foi
quando, em reunião na capela no alto do morro, um líder comunitário me
chamou a atenção durante nossa apresentação de proposta de trabalho e
70
prestação de contas da Polícia Militar. Ele pediu que a Polícia Militar,
através da 2ª Cia, fizesse um ofício às empresas de abastecimento (entrega
de gás, de sorvetes - Kibon entre outros) para que fossem cientificados que
poderiam subir o morro e fazer suas entregas, pois estavam vivenciando
uma nova época; tempo de paz baseado em muito diálogo e confiança.
Estabelecida esta confiança, foi gerada a grande possibilidade da criação
do Conselho Interativo de segurança da região da Grande Santo Antônio,
que teve nas lideranças do Morro do Quadro os grandes incentivadores do
Conselho, criado em 1998 (OFPM 02).
A base fixa de policiamento, o DPM do Morro do Quadro, teve sua nomenclatura
posteriormente modificada para Serviço de Atendimento ao Cidadão, ou SAC do
Morro do Quadro (Foto 2), em função das profundas mudanças que a polícia
interativa estava promovendo na PMES.
Foto 2 – A sede do SAC da região do Morro do Quadro
Fonte: Campos e Libardi (2001).
O PPM 06 foi o primeiro comandante do SAC do Morro do Quadro, manteve
permanente contato junto aos seus policiais subordinados (cabos e soldados), a fim
de que estes realizassem o patrulhamento ininterrupto na região e conhecessem a
sua realidade, os organismos, os moradores e, principalmente, se tornassem
conhecidos pela população. Tal fato pode ser confirmado pelo relato contido na
entrevista do militar, que foi identificado devido à forte necessidade de focá-lo neste
contexto:
No início, nós exercemos o poder real de polícia, dentro das normas, da
garantia, detendo, fazendo apreensão de drogas. Detivemos pessoas que
estavam com mandado de prisão em aberto, fazendo com que eles
71
entendessem que ali estava a presença do Estado, através da polícia
militar. Bom, eu tive a minha responsabilidade, a minha dedicação. Quando
eu peguei, eu tive quase para separar da minha família, porque eu achei
que o meu compromisso era muito sério eu sair de lá, aonde que, não tinha
hora pra chegar, não tinha hora de almoço, não tinha hora para voltar,
porque os primeiros momentos para conseguir os objetivos que foram
traçados tinham que ter a dedicação principalmente do comandante do SAC
(PPM 06).
O SAC do Morro do Quadro constituiu um ponto de parada para os intermitentes
patrulhamentos a pé que eram feitos pelo efetivo policial militar. Serviu para
atendimento aos cidadãos que ali compareciam, recebimento de denúncias
anônimas por parte da comunidade local e, ao mesmo tempo, para o patrulhamento
a pé em vários becos e vielas dos bairros.
A forma de atendimento aos cidadãos passou a se tornar foco de atenção para os
policiais militares ali presentes, contrariando a visão tradicional de fechamento da
instituição ao diálogo com a sociedade. Vale ressaltar alguns relatos acerca da
natureza dos serviços e atendimentos dos policiais (sargento, cabos e soldados) que
trabalharam diretamente no SAC:
De várias naturezas, principalmente no combate ao tráfico de drogas, certo?
e no assistencialismo, certo? Na época a polícia fazia muito trabalho de
assistência a partos, mulheres grávidas, e de toda natureza, né? (PPM 01).
Alguns dos nossos serviços realizados eram justamente de assistente
social. Às vezes uma pessoa passava mal, necessitava de um apoio da
polícia em deslocar até outro hospital, e após este início de trabalho a
população pode ver que a polícia militar tava preocupada com o problema
local. [...] havia um comprometimento, sim, no nosso serviço, a partir das
informações que foram trazidas até os policiais na época no destacamento,
então a polícia militar, ela pode ter acesso ao que havia realmente
acontecido no passado, o que estava acontecendo no momento. Ela pode
fazer parte daquela situação, tomar parte daquele problema e, no entanto,
ela se empenhou pra mudar aquele cenário que era passado. A polícia
militar queria mostrar realmente o que ela estava fazendo no local, mostrar
que a polícia teve sempre presente, mas por falta de informações ou até
mesmo de controle, por parte dos traficantes, não chegava informações até
a polícia militar (PPM 02).
A gente fazia apreensões, fazia algumas detenções, de dentro de tudo que
fugia à normalidade, fazia preventivos na área, até que acabamos tendo
certa afinidade com as pessoas da região. [...] no passar do tempo, as
pessoas acabavam tendo certa intimidade e a gente se unia de forma que
levava informações. As informações chegavam até nós, e a gente dava uma
resposta, de acordo com aquelas informações, as denúncias, que, com isso,
a população trazia pra ela mesma aquela segurança almejada (PPM 03).
Inicialmente, foram feitas ali várias apreensões de droga, pessoas foram
presas, foi feito ali... o policiamento era feito no alto do morro, onde as
72
pessoas eram abordadas, e foi aí depois... A comunidade foi passando a ter
certa é, no início é, confiabilidade no policiamento, devido eles
presenciarem ali a ação do policiamento, e passaram a ter a confiabilidade
no policiamento. [...] a gente procurava saber junto à comunidade qual seria
ali, como deveria fazer, pedindo ali apoio da comunidade, para que eles
passassem para o policiamento a maneira ideal para ser feito ali o
policiamento. Era ali feito um intercâmbio, vamos dizer assim, entre a
comunidade, e ali era passado para o policiamento. A comunidade passava
para o policiamento as carências ali do policiamento, onde realmente
precisava ter mais efetivações no policiamento (PPM 04).
No começo muitas prisões, depois foram também policiamentos pra dar
continuidade ao serviço, maioria foram prisões no começo e policiamento,
mesmo no local que é difícil acesso, e com isso aí a gente percebeu que a
comunidade ficou satisfeita, satisfeita com a nossa presença já que eles não
conheciam. E passou até a ajudar nosso serviço, algumas informações que
foram chegadas, e ajudou o nosso serviço. [...] eu acho que deu certo por
conta disso, quando uma equipe de policiais iniciava o serviço, quando ela
saía, a outra equipe que assumia dava continuidade àquele serviço. E com
isso houve um comprometimento dos policiais, estavam empenhados no
mesmo o objetivo, que era proporcionar a tranquilidade daquela
comunidade (PPM 05).
Como se pode observar, tanto as comunidades locais quanto os policiais foram
modificando atitudes, na medida em que seguia a convivência entre ambas as
partes. A demarcação do segundo ciclo de policiamento se delineia neste sentido,
durante toda a fase em que os policiais estiveram trabalhando, diretamente na
localidade. Inclui-se adiante os problemas enfrentados e os resultados que puderam
ser obtidos.
3.4 PROBLEMAS ENCONTRADOS DURANTE A IMPLANTAÇÃO
Na implantação do SAC na região do Morro do Quadro, após a leitura das
entrevistas dos integrantes das comunidades, alguns relatos levantam a questão da
difícil situação da região, também no que se refere à desconfiança dos policiais
militares presentes, conforme expõem alguns trechos abaixo, dos integrantes da
comunidade:
[...] a implantação foi até uma ordem do governador, né? Quando teve o
óbito dos dois sargentos, o Governador, então na época Vitor Buaiz,
mandou instalar, porque, se não mandasse, não teriam feito não. Na época
dos dois policiais, a região foi ocupada com mais de 200 homens, polícia
federal, polícia civil tal. Aí implantaram o DPM, por ordem do Governador.
Assim, as dificuldades principais foram a falta total de confiança. De quem
eram esses policiais? Não sei quem é... zero. Então, como é que nós vamos
confiar nuns policiais que passavam a mil por hora, que foi ordem do
73
Governador instalar? Então a confiança era zero, assim, a principal
dificuldade foi a confiança... confiar em quem? A gente não sabia em quem
confiar (IC 01).
[...] não, aí depois do SAC que os policiais começaram a andar pelo bairro a
se comunicar com as pessoas, a estar mais presente ali na vida da
comunidade. Aí sim, a gente começou a ter mais confiança neles. E a gente
começava a apontar os problemas, não precisava nem perguntar. Já tinha
aquela confiança... começando a conversar com eles a questão dos nossos
problemas no bairro. Eles passaram a ir mais ao centro comunitário..., no
centro comunitário, não, porque a gente não tinha. Mas nas nossas
reuniões de bairro... começaram a ir mais, começaram a participar mais da
vida do bairro (IC 02).
Foi o medo, né? Na hora, aquilo, na verdade, a implantação foi novidade
para a comunidade. Até então não tinha essa aproximação com os policiais,
com o policiamento. Então havia certo receio dos moradores, das lideranças
locais de estar se envolvendo, de estar dispondo, né?... de isso acarretar
algum embate, de serem prejudicados pelos traficantes locais,... alguma
coisa assim, a ser ameaçados por estar se envolvendo, por estar
participando. Então houve certa rejeição, só com um tempo, né, passando a
mostrar boa vontade, de terem convidado a participar das reuniões e
mostrar realmente o objetivo, que era de estar ajudando a região local. E
que ela tá amenizando os conflitos em relação às gangues e ao tráfico, que
as lideranças passaram a ter uma confiança melhor (IC 03).
A manutenção, no DPM, porque foi alugado um espaço, um prédio, né, de
um comerciante do bairro... E aí por um tempo estava vivendo
tranquilamente, depois tinha problema que o morador vinha reclamar... o
dono, né, o proprietário, o aluguel tava atrasado. Até gás pra fazer café para
os policiais, porque no início era uma quantidade maior. Se eu não me
engano era uns 10 a 20 policiais. E no final foi minimizando, no final eram
dois policiais. E aí dois policiais pra subir o Cabral, por exemplo, porque ele
não atendia só o Morro do Quadro. Era uma região que tem muitas famílias.
O último número que eu me lembro que naquela região que o DPM atendia.
Hoje, ela tá em torno de 50 mil pessoas. [...] Não, porque a gente não
conhecia. Depois você foi criando uma relação com as pessoas. Às vezes,
até briga de marido e mulher, a gente ia lá e conversava com os..., eu
esqueci o nome dele, mas era um Sargento, Sargento Adir. Ele atendia,
chamava. Quando tinha um menino que queria ir pra um canto errado, a
gente dava um toque. Ele chamava o menino e conversava. E em alguns
casos, o menino ficava meio que... opa, tô fazendo coisa errada, não posso
fazer isso, já me chamaram atenção... e às vezes não entrava... Então, essa
relação que é interessante, ela foi muito legal pra comunidade (IC 05).
Os problemas sentidos pelos policiais militares que trabalharam diretamente na
região do Morro do Quadro, são mostrados através de alguns trechos das
entrevistas:
Primeiramente, a mudança entre nós mesmos, devido à formação que nos
tivemos militarizado, certo? E mudar essa concepção que a gente tinha, foi
meio difícil, inclusive até desgastante, certo? Mas com muita conversa, a
gente conseguiu adotar essa polícia interativa. E também não tinha a
credibilidade das pessoas, a confiança, principalmente a confiança, porque
a população... ela não se sentia segura em dar informações à policia, certo?
Porque muitas vezes a polícia chegava no local, atendia à ocorrência e saía
74
do local, não permanecia. Talvez essa seja a principal dificuldade que nós
encontramos no setor, nesse local. [...] Nem a polícia confiava na
comunidade e nem a comunidade, em contrapartida também, não confiava
na polícia, né? (PPM 01).
A dificuldade na época que foi encontrada é justamente a falta de confiança
que os moradores não tinham mais por parte dos policiais, porque muitas
vezes acontecia um crime no local e a polícia, às vezes, por algum motivo
ou outro, talvez, não dava uma resposta de imediato ao fato ocorrido. Com
isto, eles continuavam controlando a criminalidade no morro, e surgiu ali a
insatisfação, ou até mesmo, a falta de credibilidade de moradores no serviço
da polícia militar. [...] Alguns problemas foram detectados. Mas após esta
instalação, pode observar, tinha outros problemas também no bairro, como
a falta de luminosidade, o difícil acesso pra chegar ao alto do morro, Alto
Cabral, Bananal, Morro do Quadro, e outros fatores também, que
dificultavam a ação da polícia no local (PPM 02).
No começo, foi até aceitação na própria comunidade, com ela e a policia...
que havia certo distanciamento. A comunidade praticamente não conhecia,
não sabia o que era chegar perto de polícia, simplesmente. Até um bom dia
era difícil, então não havia esse elo. E com certo tempo, passamos a
realmente conseguir o apoio a essa comunidade. E entre outros, a
instalação do DPM, trouxe a comunidade também, à condição de ter os
serviços particulares, né?... poder ter outros serviços, entrega de pizza, que
passou o pessoal a ter mais confiança, e prosseguir no morro com mais
tranquilidade (PPM 03).
Inicialmente, existia o problema da falta de confiança entre a comunidade e
o policiamento. A comunidade tinha o receio de passar certas informações
para o policiamento, devido ao medo que imperava... dos traficantes...
impunha na comunidade (PPM 04).
A credibilidade por parte da comunidade, já que eles, na verdade, eles não
conheciam a polícia, né? Como eles mesmos informavam, a polícia só ia lá
para atender ocorrência de homicídio, ou até mesmo outras repressões. No
caso, cumprimento de mandado..., e eles não conheciam na verdade (PPM
05).
Primeiramente, era uma comunidade que não tinha uma associação pra
representá-la, uma associação representativa pra cobrar os seus interesses,
não só de segurança, mas, de água, esgoto, telefone, entrega de gás,
perante a Prefeitura e etc. Aí uma comunidade em que os seus
representantes são os seus traficantes, o comandante de droga, não tem
nenhuma segurança, não tem nenhuma possibilidade de pedir nada a
ninguém, a não ser aquele que manda naquela comunidade, que é o
traficante. O que acontece? Eles dão mais valor ao traficante e seu
colegiado, que estão ali no dia a dia com eles, pois eles não têm segurança.
Vai lá naquele momento em que, apenas para recolher um cadáver, apenas
para atender um BO, e ir embora... Ir ficar a mercê dos traficantes? Eles não
tomam nenhuma atitude contra..., O que acontece? A polícia militar
chegando, ela sente uma dificuldade em se aproximar do cidadão, e os
cidadãos de se aproximar dos policiais, por medo, por intimidação daqueles
que ali já estão há mais tempo. Então essa é uma dificuldade, que é desde
o cidadão mais antigo da comunidade... até aquela criança que ali estuda,
que ali mora. Nos primeiros dias, subia-se com uma metralhadora, uma
escopeta... fardados em baixo de sol de trinta e cinco graus. Para a gente
conseguir um copo de água na porta do cidadão, era difícil, porque eles
tinham medo de que, daqui a pouco, o chefe dos bandidos, dos traficantes,
iria perguntar pra aquelas pessoas se estavam passando informação para a
polícia. Seria o x9, seria o dedo duro... Então evitava se expor, pensando
75
que, no outro dia, a polícia não estaria presente naquela localidade, então
tivemos muita dificuldade nesse sentido (PPM 06).
Seguindo a linha de raciocínio, agora na ótica dos oficiais que se encontravam na
gestão do SAC da região do Morro do Quadro, pode-se observar alguns itens de
relevância, conforme os seus relatos abaixo:
Os recursos disponíveis no 1º BPM não eram suficientes para uma ação
planejada, com a duração necessária para o restabelecimento da ordem
local. Não havia uma sede para servir de base para as atividades policiais
no bairro ou proximidades. Era necessário, antes de qualquer coisa, fixar
uma sede local, a fim de valorizar as ações policiais e os contatos com a
comunidade. Por outro lado, o Comando da PMES buscou todas as
alternativas possíveis para a adoção de medidas que pudessem dar uma
resposta digna à demanda. Efetivos e outros recursos disponíveis foram
transferidos para o 1º BPM, a fim de serem utilizados, exclusivamente, no
policiamento do Morro do Quadro. Por outro lado, não havia registro de uma
relação duradoura entre a PM e as comunidades locais. Até porque as
intervenções policiais eram cotidianamente episódicas, como de costume da
época (OFPM 01).
Como já disse a transformação do modelo mental dos policiais foi um
grande desafio a ser superado, bem como a desconfiança da comunidade
que estava acostumada com o descaso e a violência, inclusive policial. A
geografia do morro, muito acidentado, com vielas e becos de difícil acesso,
também dificultava o policiamento, pois somente se conseguia alcançar o
alto do morro através das íngremes escadarias a pé. Verificavam-se
também muitos barracos abandonados que serviam de esconderijos de
fugitivos, de armas, drogas (OFPM 02).
Em síntese, verifica-se que os principais problemas sentidos à época, na
implantação do SAC na região, podem ser resumidos conforme segue abaixo:
 Falta de confiança das comunidades no corpo de policiais militares
alocados inicialmente no SAC da região;
 Medo de retaliações da criminalidade local contra os moradores;
 Localidade acidentada para o patrulhamento;
 Descrédito da comunidade na polícia em função de sua histórica ausência
na localidade;
 Falta de confiança dos policiais militares nas pessoas que residiam na
localidade;
 Dificuldades iniciais de recursos, como a necessidade de uma sede para o
SAC e contingente policial necessário para os serviços;
 Problemas de manutenção do SAC, tais como despesas do aluguel e
custeio de material de consumo, como, por exemplo, o gás de cozinha e
76
café;
 Resistências internas dos profissionais para a mudança de mentalidade da
repressão para a prevenção;
 Ausência de uma associação de moradores que pudesse representar os
anseios das comunidades locais;
 Problemas estruturais no bairro como: baixa luminosidade e difícil acesso
para chegar ao alto do morro.
3.5 RESULTADOS OBTIDOS PARA A REGIÃO E A PMES
A implantação do SAC na região do Morro do Quadro, juntamente com a filosofia de
policiamento interativo, promoveu uma série de resultados, tanto para a PMES
quanto para a comunidade local.
Para maior esclarecimento, vale destacar de forma preliminar uma divisão dos
resultados para cada lado presente no cenário de atuação. Neste sentido, busca-se
estabelecer a exposição de percepções de cada uma das partes observadas –
comunidades e polícia.
3 5 1 Resultados para as comunidades
Como resultados obtidos para as comunidades, destacam-se os relatos de todas as
entrevistas aos integrantes das comunidades – ICs 01, 02, 03, 04, 05 e 06:
Os resultados foram maravilhosos. O bairro transformou da água para o
vinho, eu me elegi a presidente da comunidade, e depois até do conselho
de segurança, onde eu fui presidente até um tempo demais. E a qualidade,
o morro, os becos, as escadarias..., a Prefeitura começou a reativar as
obras, porque estavam paradas. Começamos a iluminar, pois não tinha
iluminação. Adquirimos a confiança dos moradores, porque onde o bairro se
torna perigoso, 99% do bairro é gente boa, gente humilde que gosta de
trabalhar. E meia dúzia de vagabundos que transforma o bairro, que oprime
o bairro, bota uma pistola na cintura, ai já viu, né? Um homem de bem não
tem uma arma, né? Mas aí a qualidade mudou, o bairro cresceu,
desenvolveu. Nos conseguimos reforma de creche, nos conseguimos uma
creche nova, tá até hoje, que é a Elza Lemos Andreata, que foi por causa
disso. Se não, não teria até hoje. Escadaria, corrimão, abastecimento de
água não tinha. A CESAN não subia, porque tinha medo de ir lá regularizar.
77
Conseguimos o Projeto Terra, da Prefeitura, urbanizamos, resolvemos
problema de encostas. Tudo porque os órgãos públicos estavam ausentes.
Com a tranquilidade do bairro, os próprios trabalhadores, os próprios
moradores pedir, começar a se interagir com a comunidade. O bairro se
transformou da água para o vinho. Não vou dizer perfeito, que não existe
perfeição. Tinha problema? Tinha! Problema de Drogas? Lógico que tinha!
Mas a gente tinha um trabalho de confiança, tinha tranquilidade, e o bairro
cresceu, se desenvolveu, virou uma maravilha. [...] Com a polícia, a gente
deixou de ser apenas um elemento, a gente se tornou um cidadão com a
polícia. Eu acho bacana isso, porque geralmente um policial militar fala
‘elemento’, tudo é elemento, fora a policia, o resto é elemento. Nós viramos
cidadãos, eu virei seu amigo, amigo do pessoal dos saldados, dos
sargentos. Então eu não sou só um elemento, a comunidade não só um
elemento. Porque, não é porque é policia tem que ficar só com cara feia,
achar que vai assaltar alguém só porque é uma morena ou um negro. E em
cima da comunidade, a qualidade de vida do bairro se transformou em
termos de segurança e tranquilidade. Porque o que adianta você chegar no
seu bairro, na sua própria comunidade lá, tem que ir correndo pra dentro de
casa? Você não pode ir num bar, não pode ir na pracinha... Com isso, a
qualidade de vida vai para o espaço. Então isso modificou, e você
dinamizou, a gente fazia festa junina, fazia tudo, e melhorou cem por cento
com a polícia, e com a comunidade na vida da gente (IC 01).
Bom, eu acho que um dos pontos que começaram a desaparecer daqui do
Morro foram as bocas de fumo, né que os policiais eles subiam o Morro eles
iam à causa do problema, eles iam à boca de fumo, as mortes começaram a
desaparecer, os roubos na comunidade começaram, a desaparecer, então
foi muito bom a implantação do SAC aqui em cima. [...] As pessoas que, por
exemplo, não vinham ao bairro, começaram a vir. Por exemplo, eu trabalho
numa escola, né? Aí, muitas professoras falavam assim, eu não venho aqui
para essa escola porque era muita violência. Agora não, agora com a
implantação do SAC, começaram a aparecer boas professoras, e o trânsito
nosso, das pessoas de boas índoles, foi melhor (IC 02).
[...] após um tempo ou após há algum tempo já participando de algumas
reuniões, e passando a ter mais essa confiança, houve usuários nas praças
que a gente já não via. O tráfico a gente já não percebia mais, com tanta
intensidade, e benefícios em relação até a Prefeitura, que pode estar
subindo no Morro e fazendo as benfeitorias, que era as necessidades dos
moradores locais, principalmente dos morros, né? Em relação à reforma de
escadas, à iluminação dos becos, orelhão, que até então os moradores
tinham muita dificuldade de estar se comunicando, de estar ligando para um
hospital, uma ambulância, uma coisa de emergência. Na época não tinha
orelhão, e após esse sentimento de segurança, com a implantação do SAC,
pode-se ter o orelhão lá em cima, no local, beneficiou muito os moradores
(IC 03).
[...] eles não estavam mais tão abusados, porque na verdade o tráfico tava
nas portas das nossas casas. E com o policiamento mais próximo ali, inibiu
eles. Na verdade, eles tiveram que subir para o morro, entendeu, porque
eles já estavam ficando nas portas das nossas casas. [...] A Prefeitura às
vezes não subia lá em cima no morro para varrer as escadarias. Temiam,
né, tinham medo, pediam autorização aos bandidos, quem tivesse
chefiando lá em cima, o mandante, o dono do Morro na época, que era
assim que se falava... Aí a Prefeitura começou a subir, começou a ter
melhorias, as escadarias, iluminação pública. Se quebrava um orelhão lá
em cima, ai Jesus, a polícia lá em cima... Pra Telemar na época ir lá em
cima era muito difícil. Quantas vezes eu, como líder, fazia ofício pra pedir
pra acertar o orelhão lá próximo à igrejinha do Morro do Cabral, e não era
atendida... Tinha que estar insistindo, implorando, porque eles tinham
78
medo... porque todo mundo que subia uniformizado, os bandidos achavam
que era polícia, então tinha medo. E com a estadia do DPM ali em cima,
tudo isso mudou. A realidade mudou com certeza, com certeza. Você via as
pessoas mais tranquilas. Qualquer coisa, corria, ia lá ao DPM... ah, vou é
falar com seu policia... Até as brigas de vizinhos diminuíram (IC 04).
Eu acho que a gente conseguiu, apesar de ser muito subjetivo.
Conseguimos assim uma relação melhor das instituições que estavam ali.
Por exemplo, a associação, o CAJUN, a Igreja, com o próprio DPM, as
pessoas se relacionavam melhor. Inclusive com um dos policiais, tinha uma
relação de confiança, mesmo... Você saber que podia contar com alguém,
caso você alguma coisa acontecesse (IC 05).
Mais segurança para os comerciantes, começou a voltar àquelas pessoas...
Fornecedores que não subiam o morro mais, tipo o carro de gás não subia,
a Sadia não sobe até hoje, continua não subindo... Mas assim, os sorvetes,
essas coisas, essas pessoas tinham medo de subir o morro. Voltou a subir,
as pessoas começaram a ter mais confiança em abrir um comércio, uma
coisa (IC 06).
Após citar os relatos, com a finalidade de melhor visualização, são registrados os
resultados obtidos:
 Melhoria da qualidade de vida para a comunidade local;
 Melhorias estruturais de serviços públicos, como iluminação, saneamento
básico, colocação de corrimões nas escadarias, instalação de orelhões,
dentre outros;
 Aumento da credibilidade e confiança das comunidades junto aos policiais
locais;
 Melhor relacionamento entre os policiais locais, junto às instituições presentes
nas comunidades;
 Inibição do cometimento de crimes por parte dos meliantes;
 Forte sensação de tranquilidade e segurança por parte da comunidade;
 Redução gradual das bocas de fumo;
 Melhoria do trânsito de serviços particulares para os moradores, como os
carros de gás.
3 5 2 Resultados para a PMES
Como resultados obtidos para a PMES, menciona-se a seguir os relatos obtidos
pelas entrevistas aos integrantes da Polícia Militar – PPMs 01, 02, 03, 04, 05, 06 e
79
07; e OFPMs 01 e 02 – que trabalharam diretamente no SAC da região do Morro do
Quadro:
Foi bom, o resultado... Com o passar do tempo, foi bom. A população
passou a confiar mais na polÍcia, várias informações chegavam ao nosso
conhecimento. Conseguimos deter vários elementos que praticavam atos,
tráfico de drogas, principalmente, vários mandatos de prisão, elementos que
não moravam na comunidade mais permaneciam ali até então. [...] Antes da
implantação desse DPM, desse destacamento no morro, a Prefeitura,
principalmente, ela não conseguia realizar serviços, como escadarias,
corrimões, e devido à implantação, vários serviços foram implantados no
morro, para benfeitorias, várias coisas. A Escelsa conseguia subir no morro,
instalação de luz, água, mais precisamente a Prefeitura, fez vários trabalhos
pra aquela comunidade, que era carente. E como a gente sabe, nos morros
também existem várias pessoas de bem, a maioria de bens, mais são
poucos delinquentes que vivem no morro. E por portarem armas, as
pessoas de bem têm medo, e não denunciam, se calam diante disso (PPM
01).
Os maiores resultados, podemos dizer, é justamente a credibilidade da
polícia militar em relação aos moradores... Eles puderam ver que a policia
militar estava ali justamente pra segurança e não mais aquela mentalidade,
que a polícia militar no local era justamente só pra prender pessoas de bem,
ou até mesmo bater, como no passado houve alguns fatos nesse sentido.
Resultado foi a confiança, quando chegava uma denúncia, a polícia no caso
subia o morro e prendia, dava resultado positivo. Com isso, voltou
novamente a tranquilidade, ao morro, aonde foi feito um excelente trabalho
naquela época. [...] Um dos resultados que podemos dizer é justamente um
concurso que houve entre as polícias militares, no modelo de policia
interativa, em que houve ali vários estados concorrendo no modelo de
policia interativa. E a policia militar no estado, através de um trabalho
desenvolvido no Morro do Quadro, ela foi indicada como polícia militar
modelo, podemos até dizer, padrão, aonde recebeu prêmios, uma viatura
ganhada através deste trabalho. Com a chegada da polícia militar ao bairro,
carteiros tiveram acesso ao morro, pessoas trabalhavam na área de
Escelsa, iluminação, CESAN... Eles puderam até mesmo ajudar às pessoas
que tinham dificuldade até mesmo para adquirir a energia, a água. Eles
puderam subir com o apoio da polícia, e trouxe benefício. Foram colocados
corrimãos, iluminação nas escadarias, onde melhorou para o serviço da
polícia militar e pra toda comunidade local da parte alta do morro (PPM 02).
[...] as pessoas foram tendo mais credibilidade com a polícia, sabendo que
teria resposta. Então elas efetuavam denúncias, sabendo que tinha uma
polícia ali, que estava pronta para estar auxiliando o cidadão. Dentre outros,
a Prefeitura praticamente teve a condição de subir aos morros, realizando
alguns serviços de CESAN, de Escelsa. Houve lá a implantação de
orelhões, por parte da Telest. Foi feito melhorias numa praça no bairro,
ampliou-se o comércio, houve realmente benefícios pra comunidade local
(PPM 03).
No início, depois que o policiamento foi implantado, antes a pessoas não
ficavam na rua, as pessoas não ficavam nas calçadas conversando, as
famílias não desciam das suas casas, não ficava em frente a sua casa
conversando, se interagindo com os vizinhos, devido o medo. Mas com a
implantação do policiamento, pode-se perceber, que havia já... As pessoas
conversavam, as pessoas andavam na rua, as pessoas tinham tranquilidade
de andar na rua. Comércio foi ganhando força no bairro, o correio, que
antes não poderia subir para entregar as cartas, já passou a subir, até no
80
alto do morro pra entregar as correspondências. Carro de gás, que não
poderia subir, depois com implantação do policiamento, passou a subir o
morro para entregar o gás. Padaria, não tinha padaria no bairro. Com a
implantação do policiamento, foi implantada várias padarias, as pessoas já
abriu comércio, até comércio de grande porte ali em cima já tinha, já foram
implantada naquele bairro (PPM 04).
[...] com aquele policiamento ali houve a credibilidade com a comunidade, e
com isso foi desempenhando vários serviços, serviço de utilidade pública,
que não podia subir o morro, e saneamento. Passaram a servir de
saneamento básico, passou a ser desenvolvido. As escadarias foram
ampliadas e reformaram. Antes não poderia ser feito por conta da
criminalidade mesmo. E várias ruas foram calçadas, e com isso foi ajudando
até nossa locomoção naquele local, e a presença da comunidade e várias
outras melhorias (PPM 05).
Os resultados foram excepcionais, devido a estatísticas anteriores, todas as
semanas existiam naquela comunidade a média de dois a três crimes,
diretamente homicídios e outros também, tentativas de homicídio, brigas
familiares com lesões corporais. A partir do momento que foi alcançando os
nossos objetivos, passamos de manter homicídio nenhum, durante mais de
anos. Não to falando isso com certeza, porque eu já estou afastado mais ou
menos dez anos... Não me foge a memória, essa média mesmo, mas, mais
de ano sem ter um homicídio... E ali nós implantamos, não só evitamos
esses homicídios, mas tivemos muita tranquilidade de praticar o
policiamento social, ajudando em parto, ajudando em socorrer vítimas a
mais de cem metros escadaria a cima. Esses foram os objetivos que nós
alcançamos com a implantação do SAC. [...] A comunidade em si passou a
receber seus visitantes, parentes, sem ter que pagar praticamente pedágio
Repetindo, a comunidade em si, antes que ia receber uma visita de um
parente, seja quem for, essa visita chegaria em sua casa escoltado por
aqueles que mandavam no morro. E teve também a maior facilidade em se
locomover, sem dar satisfação àquelas pessoas que não teriam o direito de
cobrar. Tiveram também uma melhora nos serviços social de entrega de
gás, entrega de material de construção, entregas... enfim, esses serviços
essenciais que a comunidade necessita normalmente. Tiveram também,
aonde não tinha escadaria, passara a ter, porque a Prefeitura já tinha
garantia de segurança pra fazer a devidas escadarias. Aonde necessitava
de corrimão, a Prefeitura lá também colocou os corrimões pra que um
cidadão, um senhor de idade, uma senhora, uma grávida, pudesse descer
ou subir uma escadaria com mais segurança, tudo isso ai foram coisas que
a comunidade em si teve, adquiriu com o SAC lá implantado. Fora disso
também foi os dois postes que lá foram reativados, naquela rua de baixo do
DPM e da rua principal. Melhorou pra dentistas, pra consultas, entregas de
remédios, vacinação, tudo isso melhorou pra comunidade (PPM 06).
A relação de confiança firmada entre a Polícia e a Comunidade, decorrente
da fixação do efetivo policial na região, de modo que as comunidades locais
passaram a contar com um policiamento próprio de referência, conhecedor
das dificuldades sociais diversas de seus moradores. Isso possibilitou uma
aproximação recíproca, permanente e organizada, que culminou com a
diminuição dos indicadores criminais e consequentemente com a melhoria
da prestação de outros serviços disponibilizados pelo Estado e pelo
Município. O somatório de tudo contribuiu para a melhoria da imagem da
Corporação na sociedade, através do aprimoramento das atividades
policiais na constante melhoria da Qualidade de Vida no grupo social local,
respeitando a dignidade humana e promovendo os Direitos Humanos e as
garantias constitucionais (OFPM 01).
81
Sem sombras de dúvidas, a paz que reinou naquele período de intensa
convivência harmoniosa e de cooperação mútua entre a Polícia,
comunidade e Município na construção de uma cultura de trabalho pautada
na parceria e interação (OFPM 02).
Algumas medidas adotadas à época foram o incentivo da PM local, para que a
comunidade se organizasse em nível de associação comunitária. A implantação do
disque denúncia, com o telefone do próprio SAC para o recebimento de denúncias
por parte da população, amplamente divulgado, a criação das urnas interativas, a fim
de canalizar o recebimento de denúncias escritas sobre os fatos delituosos
(CAMPOS; LIBARDI, 2001).
Até a Prefeitura Municipal de Vitória esteve mais presente por intermédio da
construção de corrimões nas encostas do morro, além de intervenções sociais e
educacionais bastante significativas para a localidade.
No ano de 2001, a empresa Motorola do Brasil promoveu no âmbito nacional um
concurso de polícia comunitária, com a abertura de encaminhamentos dos projetos
das Unidades da Federação e, nessa época, o projeto “Morro do Quadro” alcançou a
primeira colocação em nível nacional, conforme se evidencia abaixo:
Experiências exitosas estão sendo disseminadas a partir do exemplo
capixaba, que recentemente obteve a primeira colocação entre os Estados
brasileiros no concurso nacional de polícia comunitária, patrocinado pela
Motorola do Brasil. A cidade de Vitória, através do jovial e competente
trabalho dos policiais e da comunidade do Morro do Quadro, é hoje,
reconhecida pelo Ministério da Justiça como a melhor referência de
interação entre a polícia e a sociedade civil organizada no Brasil (COSTA,
2003, p. 149).
Essa premiação coroou o trabalho de dois significativos lados: a Polícia Militar e as
comunidades locais. Neste sentido, ficou nítido que essa aproximação poderia gerar
importante ferramenta no processo de controle social, que era devidamente
construído através do respeito mútuo de ambos os atores.
Diante de todas as entrevistas aos policiais militares e aos outros resultados obtidos
até no cenário nacional, para melhor visualizar os resultados obtidos para a PMES,
destaca-se abaixo a síntese das percepções dos entrevistados e dos demais dados
investigados acerca dos resultados institucionais:
82
 Aumento da confiança e credibilidade da sociedade em policiais presentes na
comunidade;
 Aumento de prisões e apreensões de drogas;
 Disponibilização de canais de comunicação com a comunidade através do
disque denúncia;
 Aumento na sensação de segurança dos moradores ao descerem do morro e
transitarem livremente pelo bairro;
 A PMES se transformou em uma referência de atendimento para a população;
 Garantia de melhorias estruturais para o bairro;
 Contemplação de primeira colocação no concurso nacional de polícia
comunitária, patrocinado pela empresa Motorolla do Brasil, no ano de 2001.
3.6 A DESATIVAÇÃO DO SAC NA REGIÃO DO MORRO DO QUADRO E SEUS
EFEITOS
Segundo dados obtidos junto à administração da atual 2ª Cia do 1º BPM, o SAC do
Morro do Quadro foi desativado no dia 16 de maio de 2007, em função da
problemática em torno da carência de efetivo na localidade, e, até os dias atuais, o
local não é contemplado com nenhuma base fixa de policiamento ostensivo.
Conforme se pode evidenciar no Anexo 4, o imóvel foi formalmente entregue a seu
proprietário por intermédio de um recibo lavrado exatamente no dia 16 de maio de
2007. Pode-se observar um sério contraste entre o início da ativação do SAC na
região e a última atuação policial no SAC. As escalas apontam para um quantitativo
de vinte policiais militares em fevereiro e março de 1997, revezando-se num regime
de trabalho de vinte e quatro horas em todos os dias da semana (ANEXO 3).
Em contrapartida, no ano de 2007, mais precisamente no dia 15 de maio de 2007, a
realidade do efetivo policial no SAC chegou a dois policiais militares. Estes
trabalhavam de segunda a sexta-feira, das dez da manhã às cinco da tarde, muito
aquém da capacidade inicial configurada (ANEXO 3). Era latente o risco de vida de
uma quantidade pequena de profissionais empregados no local, em face da gênese
83
da intervenção da força pública na região: exatamente o assassinato de dois
policiais militares.
Essa parte inicial acaba por desenhar as circunstâncias principais acerca da
desativação do SAC na região.
Diante da necessidade de compreensão dos efeitos que surgiram após a
desativação do SAC, ressalta-se abaixo os trechos das entrevistas dos integrantes
das comunidades:
Infelizmente, eu estava conversando com o comando, alguns oficiais aí.
Nossos problemas hoje em dia, não são nem os vagabundos não, tava
falando, é a polícia! Nós estamos sem comando na região de Santo
Antônio, nossos comandos aqui não existem e isso naturalmente acarreta
para os comandados deles. Eu tomo conta de equipe, eu sou coordenador
da dengue da equipe de Vitória. Eu tomo conta de 300 agentes da dengue
em Vitória. Se eu fosse omisso, fosse para uma sala ficasse no ar
condicionado o dia inteiro, meus meninos lá em campo não iriam combater
a dengue... Ah... meu chefe ta lá... uma coisa natural da vida, se você não
recebe a pressão natural, sem caxiagem, pelos menos fazer o feijão com
arroz... não estou dizendo pra ninguém ser herói não, matar ninguém, sem
matança, fazendo besteira não... Mas pelos o mínimo da função tem que ser
cumprida e não está sendo cumprida, nós estamos infelizmente entregues.
Vão ver a nova estrutura que está vindo aí, o que vai acontecer... mas
infelizmente caiu muito a qualidade (IC 01).
Bom, a gente teve uma época que tinha só dois policiais no SAC. Naquela
época eu acho ainda que a gente tinha o controle da violência aqui no
bairro. Agora eu acho que piorou muito, muito, muito, muito, muito mesmo.
A nossa região da precisando assim, de imediato, de novo do SAC, ou não
sei, o que pode ser implantado aqui pra que esses policiais sejam
permanentes aqui no bairro, porque o negócio não tá bonito, não (IC 02).
Houve um grande retrocesso, porque aí infelizmente não houve uma visão
das políticas públicas, principalmente da segurança, de estar nos
atendendo, a pedido das lideranças que mentisse aquilo lá... porque ali
estava gerando segurança. Tava gerando benefício realmente para toda
região local. Mas depois disso, realmente o tráfico retornou, as violências
voltaram, os usuários das praças voltaram, porque eles se sentiram à
vontade pra isso. Sendo que o DPM desativado, eles novamente tomaram
conta da área, né? E isso prejudicou bastante a nossa região. [...] A
princípio, antes da implantação do SAC, hoje a gente até que vê algumas
viaturas passando. Elas costumam dar uma parada na praça, mas não há
mais aquela aproximação, ficou uma coisa mais distante. Se você quiser
fazer alguma reclamação, ou solicitar algum serviço, você vai ter que ligar
pro 190 e aguardar não sei quanto tempo para ser atendido. Sendo que, na
época dos SAC, ou seja, você já tinha conhecimento dos policiais que
trabalhavam na região... era mais fácil. Hoje a gente fica na dependência do
190 e a boa vontade da viatura poder estar passando atender os moradores
(IC 03).
84
Olha, quando desativaram o DPM, sumiu os policiais, voltou o que era.
Esporadicamente passava uma viatura, não tava tendo mais aqueles
policiais que subiam o morro. Aqueles policiais que ficavam ali no DPM, eles
subiam o morro normalmente, em cinco, seis policiais, sempre via
passando. Não acabaram com o tráfico, mas inibia. E isso tudo acabou.
Hoje quem tá mandando no morro, na nossa rua, na nossa vida, ali, são os
bandidos (IC 04).
[...] voltou a ser como era antes, muito raramente passa uma viatura.
Continuam indo quando tem que fazer, parece. Eu não sei o Capitão, mas a
impressão que eu tenho é que a policia sabe de tudo o que está
acontecendo, sabe de onde tem o tráfico, sabe quem tá envolvido e tal, mas
só faz a ação. Ela é repressiva, aí já vai para prender, para bater, igual
prenderam um menino lá em cima. Ele pode ter se envolvido com o tráfico?
Agora esfregar a cara do menino na parede no meio de todo mundo, para o
menino sair sangrando, para mim não é atitude que vai fazer readaptar
ninguém. Por mais errado que ele esteja, ele é uma pessoa, que tem os
motivos, que estão errados? Estão! Agora, a polícia não tem o direito de
fazer isso, acho que o Estado tem que..., a gente tem que discutir e retomar
a questão das unidades nos bairros, mesmo que não consiga colocar lá,
que eu acho errado... porque o Estado tem que garantir isso. Tem que
colocar policiais qualificados e não colocar naquele universo de população
que tem... colocar 3 ou 4 policiais... porque se subir 3 ou 4 policiais no
Cabral, e do jeito que tá hoje, desce 3 ou 4 corpos, tá? Então, assim, é estar
organizando, e eu acho, tenho certeza, que a segurança tem verba para
isso... que a gente vive ouvindo na imprensa aí, na mídia, recursos
destinados à segurança, essas capacitações, que eu acho extremamente
importante. Hoje tem a Guarda Municipal, que apesar de questionar, mas
que a SENASP manda muito recurso para a formação deles. Então, assim...
acho que a população tem que ter esse retorno e não está tendo. Na pior
das hipóteses, só o fato de ter instalado no bairro uma unidade, o espaço
físico, ter policial transitando ali, já inibe a ação dos bandidos, já inibe a
instalação do tráfico (IC 05).
Olha, pra te falar a verdade, eu não tenho sentido nada, eu não vejo polícia
aqui, entendeu? Não tem polícia aqui em cima. Às vezes... até tem um dia
que houve uma confusão na rua aí, de puxando o cabelo, briga de uma
pessoa com a outra, a gente chamou a polícia, mas não apareceu,
apareceu tipo uma hora depois, entendeu? Aí já tinha acabado a confusão
(IC 06).
Diante das percepções dos integrantes das comunidades entrevistados, pode-se
apontar, os efeitos da desativação do SAC para a sociedade local, conforme segue
abaixo:
 Retorno do cenário criminal que antecedeu a instalação do SAC na região;
 Instalação do tráfico de drogas, disseminação de usuários de drogas e outras
situações criminais;
 Atendimento precário da PMES na região, com o patrulhamento esporádico e
atendimento de ocorrências policiais;
 Solicitações da comunidade somente com atendimento junto ao Centro
Integrado de Operações de Defesa Social (CIODES), via telefone 190;
85
 Perda do intenso contato da polícia com a sociedade local;
 Modalidade maior da repressão policial aos incidentes criminais;
 Presença de violência policial.
Mesmo que os efeitos da desativação do SAC possam ser mais bem captados por
parte das pessoas que residem na localidade, foi também investigada a ótica dos
policiais que ali trabalharam, acerca da mesma sociedade, sem a presença do SAC
na região.
Neste sentido, também foram ouvidos os policiais militares (oficiais e praças) que
trabalharam na localidade, a fim de melhor canalizar as suas percepções acerca da
lacuna ora deixada na região:
Uma comunidade sem referência em Segurança Pública e com o
sentimento de pleno abandono por parte do Estado. Justamente onde o
próprio Estado (e Governo) firmou tantos compromissos e promessas, e de
onde tantos frutos e homenagens foram colhidos. Tanto marketing positivo
registrado, tanto para Governos, quanto para as Instituições. Nem mesmo a
inscrição perenizada na história da segurança pública no Brasil, através de
prêmios e livros, foi suficiente para respeitar os avanços do policiamento
interativo na Região (OFPM 01).
Aquele SAC é um local estratégico, uma vez que é passagem obrigatória a
todos que adentram o Morro do Quadro e do Cabral. Possui também uma
representação simbólica da presença da Polícia e, consequentemente do
Estado na Região, já que a história de sua estruturação foi marcada por um
intenso trabalho, e muito sofrimento daquela comunidade. A consagração
do Prêmio Nacional de Polícia Comunitária deveria ser lembrada por meio
da preservação do SAC do Morro do Quadro, enquanto exemplo a ser
lembrado e seguido, pois representava um ponto irradiador de segurança e
interação entre os bairros que compõe a célula interativa de segurança do
Morro do Quadro. Até hoje moradores nos ligam falando da falta que faz o
destacamento da Polícia no bairro e reclamam também da falta de diálogo e
de aproximação da Polícia, hoje. De acordo com moradores, o policiamento
é feito de forma esporádica e não há mais a fixação do policial. Hoje já não
se conhece o policial do bairro, não se sabe mais o nome dos policiais,
como nos tempos da interação permanente. Isto prejudicou muito a relação
comunidade e polícia (OFPM 02).
Bom, com a desativação do SAC, certo? foi voltando o que era antes, certo?
Agora o tráfico é intenso. Temos informações que várias pessoas andam
armadas, portam armas e não se intimidam, certo? Inclusive as nossas
viaturas ,quando passam na rua, já foi recebida a bala, a tiro. E agora a
gente sabe que tá uma bagunça, né? Tá uma bagunça de novo, e que pra
retomar o lugar de novo, vai ser difícil, certo? Vai ter que ter alguém de
pulso forte, pra retomar o local, certo? Não é que a polícia não tenha feito
um trabalho nesse tempo... só que como era feito, não tem condições o
problema de efetivo, certo? E a gente também não sabe porque até então,
porque que, se foi parte de governo, se foi parte do comando, certo, que
resolveram fechar o destacamento, certo? Sendo que o destacamento não
86
só lá nessa região do Morro do Quadro, como em todo os bairros, certo, é o
ponto de referência. E quem tá dentro do bairro, os policiais que trabalham
dentro do bairro, eles conhecem certo, sabem quem são as pessoas de bem
e quem são as pessoas de mal. O que acontece? Quando fecha um
destacamento, os marginais tomam conta, eles tomam conta da situação, e
depois fica difícil da polícia resolver a situação (PPM 01).
Na época, existia o SAC da polícia militar no bairro. As pessoas podiam até
mesmo dormir de janelas e portas abertas, porque a criminalidade que
existia na época, já não havia mais. A maioria das pessoas que tiravam a
tranquilidade já havia sido presa. Os traficantes, outros haviam sido mortos
entre brigas rivais. E com a retirada do SAC do local, hoje voltou novamente
a intranquilidade, voltou novamente o tiroteio, brigas de gangues rivais. E
podemos dizer até nas últimas reportagens, vários homicídios que vêm
ocorrendo nos dois bairros. A parte alta, com a parte baixa..., Então
podemos dizer quais, todos os meses, aí, noticiário envolvendo o Morro do
Quadro, justamente a saída, a retirada, da polícia militar no Morro do
Quadro, com a desativação do DPM (PPM 02).
Isso, praticamente houve um distanciamento entre a comunidade e a
polícia. Praticamente, a comunidade sentiu muito, devido à ausência da
policia, e com isso voltou à criminalidade no local. Os traficantes
começaram a voltar àquela rotina anterior a instalação do DPM. A
comunidade voltou a ficar novamente insegura (PPM 03).
Infelizmente, aquelas coisas aconteceram de maneira até... não teve, vamos
botar assim, não teve continuidade, entendeu? Hoje, o morro, o bairro Morro
do Quadro, a violência está começando a imperar, a violência ali já tá
grande. Fica um dia lá com os comerciantes, já tão fechando o comércio até
cedo demais, já com medo da violência, com medo dos assaltos. E antes
quando tinha o policiamento, não existia isso, o comércio ficava ali até dez,
dez e meia da noite, e os comerciantes tinham plena confiança no
policiamento que se encontrava no bairro (PPM 04).
É um pesar muito grande, porque, quando nós fomos pra lá, nós assumimos
o compromisso com a comunidade, de policiar, de proporcionar sensação
de tranquilidade pra aquela comunidade. Até mesmo eles chegavam pra
gente e falavam... é... depois vocês vão sair... A gente falava que não,
porque até mesmo eu acreditava que a gente não ia sair, ia acabar o SAC.
Mas apesar da gente perceber que houve essa quebra do
comprometimento, de nós não darmos segurança para eles, mas não houve
a quebra da confiança... já que uns dias atrás um indivíduo, cidadão lá do
Morro do Quadro, ele passou todas as informações pra mim, que estavam
acontecendo, tráfico de drogas intenso. Inclusive, indivíduos andando com
arma em punho. E a gente fica até triste, né com a situação, porque nós
fizemos um trabalho no local e depois não teve continuidade... não teve
continuidade... Aí, com isso, a gente vê que, apesar da quebra de
compromisso de darmos segurança para a comunidade, mas não teve a
quebra da confiança, já que essas pessoas que me passavam informação
na época. Apesar de antes que fechou o DPM, essas mesmas pessoas me
encontram na rua, e passam informação, mas passa por que? Porque
houve aquela confiança... Passa pra mim, mas de repente, para outros
policiais não passariam. Então, essa confiança aí foi também primordial pra
dar certo, além do empenho dos policiais da época, o comprometimento de
todos, inclusive da comunidade (PPM 05).
Bom, quando tinha o SAC lá, de vez em quando eu passava por lá, de carro
principalmente. Seria cortando caminho pra sair em Santo Antônio. Após o
desativamento do SAC lá, já não tenho mais segurança pra fazer isso não.
E assim como eu, eu acho que muitos outros cidadãos também, que ali
87
passava, deixou de passar. E acredito plenamente com o que aconteceu em
noventa e sete, com o Rui e o Bezerra, pode vim a acontecer... e que as
autoridades podem ter que tomar a mesma providência que tomou em mil
novecentos e noventa e sete (PPM 06).
Em linhas gerais, verificou-se que, por parte dos oficiais e praças que ali
trabalharam, existe uma aceitação unânime quanto ao funcionamento do SAC, como
uma ferramenta adequada para o atendimento na região.
Mesmo após anos de desativação, alguns policiais ainda recebem informações dos
crimes que estão ocorrendo na região através da confiança neles depositada por
parte de alguns moradores locais.
A lacuna deixada abre espaço para questionamentos contundentes acerca do
processo de descontinuidade de ações públicas. Estas têm início, obtêm aceitação
por parte do público e dos próprios policiais, e depois de algum tempo se desfazem,
ocasionando um mal estar imenso entre os moradores, e gerando problemas que só
aquela comunidade conhece.
Dessa forma, verificou-se o desfecho do último ciclo de policiamento na região, com
um cenário de incertezas e de retrocesso diante das narrativas obtidas e das
conseqüências que se instalaram na região após a desativação do SAC na região do
Morro do Quadro.
3.7 UMA ANÁLISE QUANTITATIVA
Depois de todas as análises qualitativas, emerge também a necessidade de
apresentar uma análise quantitativa acerca dos principais delitos ocorridos na região
estudada, no período de 1996 a 2007.
Os dados numéricos constituem os somatórios de todas as ocorrências policiais que
foram registradas nos bairros Morro do Quadro, Morro do Cabral e Santa Tereza,
nos anos citados. Este somatório de ocorrências é descrito no Anexo 2, em um
quadro que aponta a evolução do crime na região, englobando os principais delitos.
88
No presente tópico, cada espécie de delito é apresentada isoladamente, por meio de
um gráfico, que foi elaborado com base nos dados contidos no Anexo 2, a fim de
que se possa efetuar as ponderações.
Dessa forma, analisa-se, a seguir, as seguintes ocorrências: crimes contra a pessoa;
homicídios consumados; homicídios tentados; crimes contra o patrimônio; furtos e
roubos; crimes de drogas ilícitas. Os casos de crimes contra a pessoa podem ser
observados no gráfico 1:
45
33
29
23
14
Evolução
13
2007
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
19
21
19
25
2006
22
25
2008
28
2009
26
1997
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
1996
Qtd
Crimes contra a pessoa
Período
Gráfico 1 – Evolução das ocorrências de crimes contra a pessoa
Fonte: Centro Integrado de Operações de Defesa Social (2010).
O gráfico dos crimes contra a pessoa corresponde a um somatório geral de todos os
delitos aplicados contra a pessoa, tais como: lesões corporais, ameaças, homicídios
consumados e tentados, dentre outros.
Em números de ocorrências de crimes contra a pessoa, verificou-se uma ausência
de tendências dignas de nota, com uma variabilidade muito acentuada entre
aumentos e reduções.
As ocorrências de homicídios consumados para o período analisado podem ser
visualizadas a seguir, no gráfico 2:
89
Homicídios consumados
7
6
6
5
4
Evolução
2
2
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1
3
1
1
0
2
2003
2
2
1
5
3
3
2002
Qtd
5
5
5
Período
Gráfico 2 – Evolução das ocorrências de homicídios consumados
Fonte: Centro Integrado de Operações de Defesa Social (2010).
A análise dos números de ocorrências de homicídios consumados não seguiu um
padrão lógico dentro da evolução criminal, desde a formação do SAC na região, de
forma que permitisse constatar alguma melhoria numérica em termos de redução
criminal. Verifica-se uma tendência de crescimento, a partir do ano de 2003, de uma
para seis ocorrências, mantendo-se estável em cinco ocorrências, nos anos de 2008
e 2009.
A evolução das ocorrências de homicídios tentados pode ser apresentada conforme
o gráfico 3, abaixo:
Homicídios tentados
7
6
6
6
5
4
Qtd
5
4
3
4
3
2
2
2
2
2
2
1
3
3
1
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
0
Período
Gráfico 3 – Evolução das ocorrências de homicídios tentados
Fonte: Centro Integrado de Operações de Defesa Social (2010).
Evolução
90
Os números de ocorrências de homicídios tentados apresentam-se com uma
pequena tendência de redução no período compreendido entre 1996 a 1998, vindo
aumentar acentuadamente em 1999, e depois outra queda, deste ano até 2002.
A partir do ano de 2002, houve uma variabilidade acentuada em sua evolução, entre
aumentos
e reduções. Em linhas gerais, não há uma possibilidade de
estabelecimento de nexo junto ao tema em análise.
O enfoque seguinte apresenta a evolução das ocorrências dos crimes contra o
patrimônio, conforme o gráfico 4:
Crimes contra o patrimônio
35
29
30
24
25
20
17
14
15
12
12
10
14
2009
15
21
19
19
2008
Qtd
19
20
Evolução
13
5
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
0
Período
Gráfico 4 – Evolução das ocorrências de crimes contra o patrimônio
Fonte: Centro Integrado de Operações de Defesa Social (2010).
Esses crimes constituem um somatório de todos aqueles relacionados ao
patrimônio, tais como os furtos, roubos a pessoas, escolas, estabelecimentos
comerciais, danos, dentre outros.
Os números de ocorrências de crimes contra o patrimônio apresentaram-se com
uma ausência de tendências dignas de nota. Dessa forma, não se evidencia uma
variabilidade muito acentuada de aumentos e reduções, e não há possibilidade de
relacionamento com a intervenção em estudo.
Ainda dentro da linha afeta ao patrimônio, foi retirado em análise o somatório dos
delitos relacionados aos furtos e roubos cometidos contra pessoas em via pública,
91
estabelecimentos comerciais, residências, dentre outros, de forma que se pudesse
conter delitos de preocupação voltada contra o patrimônio e praticadas contra
pessoas vítimas desse contexto.
A evolução das ocorrências está apresentada no gráfico 5, abaixo:
Furtos e roubos
25
22
19
12
12
13
12
13
10
9
12
10
9
2008
15
2007
Qtd
20
Evolução
11
10
9
5
2009
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
0
Pe ríodo
Gráfico 5 – Evolução das ocorrências de crimes de furtos e roubos
Fonte: Centro Integrado de Operações de Defesa Social (2010).
No gráfico anterior, verificou-se que há quedas e aumentos de ocorrências em cada
ano apresentado. Verifica-se um considerável aumento entre os anos de 2000 e
2001. Em linhas gerais, também não se pode evidenciar alguma significativa
redução que esteja relacionada à atuação policial presente na localidade estudada.
No que se refere à questão das drogas dentro da região, foi levantado o somatório
de todas as ocorrências gerais relacionadas aos crimes de drogas ilícitas, tais como
o tráfico e o uso de drogas presentes na região.
Essas ocorrências são resultantes das apreensões e prisões, efetuadas pela PMES,
dos indivíduos, que, de alguma forma, encontravam-se relacionados com a prática
desse delito.
A evolução das ocorrências dos crimes de drogas ilícitas pode ser analisada pelo
gráfico 6, a seguir:
92
Crimes de drogas ilícitas
80
72
70
60
Evolução
40
12
5
2009
2008
2007
1999
1998
1997
1996
19
8
9
0
20
3
2006
7
2004
4
2003
11
2002
7
2001
10
2000
20
27
25
30
2005
Qtd
50
Período
Gráfico 6 – Evolução das ocorrências de crimes de drogas ilícitas
Fonte: Centro Integrado de Operações de Defesa Social (2010).
A evolução dos crimes relacionados a drogas ilícitas pode oferecer informações
interessantes a serem carreadas ao contexto deste trabalho. Verifica-se que, do ano
de 1996 a 2003, os números mostram um quantitativo pequeno de intervenções
policiais que resultaram em prisões e apreensões.
Em contrapartida, a partir de 2003, verifica-se que houve um salto de três
ocorrências para setenta e duas em 2009, evidenciando um acréscimo considerável
da atuação policial sob o enfoque da repressão, e delineando uma preocupante cifra
presente na região analisada.
Associando aos números relacionados às ocorrências de homicídios consumados, a
partir do ano de 2003, esses delitos também passaram a crescer dentro da
comunidade, junto com os crimes relacionados a drogas ilícitas.
Sobre a análise quantitativa dos principais indicadores criminais na região, pode-se
constatar que não houve uma relação clara entre a ativação e o funcionamento do
SAC da região estudada, com possíveis reduções criminais. A verificação geral dos
números permitiu constatar uma variabilidade muito acentuada entre reduções e
aumentos de incidências dentro da evolução criminal no período analisado.
Verificou-se ainda que os crimes relacionados a drogas ilícitas mostram uma
intervenção policial de cunho mais repressivo na localidade e em ritmo crescente, ao
93
mesmo tempo em que também cresceram os homicídios na região.
3.8 UMA ANÁLISE QUALITATIVA
Muito embora o quantitativo não demonstrasse claramente um relacionamento entre
os dados obtidos por intermédio da gerência estatística e de análise criminal do
Centro Integrado de Defesa Social da Secretaria de Estado da Segurança Pública
(CIODES), emerge a necessidade de carrear a percepção dos principais atores que
estiveram diretamente envolvidos com o trabalho implantado à época.
Neste sentido, dois grupos são delineados, para que esteja em sintonia a formação
de um conjunto de percepções relacionadas à eficácia e à importância da
implantação do SAC na região do Morro do Quadro: os integrantes das
comunidades que lá residem há mais de vinte anos e que puderam participar
ativamente do processo e, por outro lado, os policiais que participaram diretamente
no policiamento e oficiais que estiveram no comando da localidade.
No primeiro grupo estão os trechos dos relatos dos integrantes das comunidades
(IC), de suas respectivas entrevistas, versando sobre a eficácia do modelo de
policiamento:
Porque foi um conjunto de coisas que aconteceram... não sei... O grupo de
pessoas que estavam na comunidade, que acertou o grupo de oficiais de
comando que estavam, que acertou... é um conjunto... não é uma coisa
fácil. Você chega aqui hoje... Eu vou implantar o SAC no Morro do Quadro e
vai voltar o que era? Não sei, pode ser que sim, pode ser que não... Tem
que ver quem vai ser o grupo que tá lá na hora, quem que vai ser, isso não
é uma coisa fácil, não. É muito difícil, mas temos que ser otimistas que dê
certo (IC 01).
[...] Eu acho que, como antigamente, quando os policiais tinham
permanência aqui, que vinham, que ficavam, a gente tinha confiança neles.
O nosso bairro era menos violento. Porque eles atuavam em tudo do bairro.
Então, quer dizer, a gente tinha menos lixo na rua, menos violência... então
quer dizer, além deles atuarem na violência, eles atuavam em outras coisas
que o bairro tinha, que ajudava a melhorar esse bairro. A gente luta muito
pela permanência do SAC, né, eu vejo assim... Pelo que eu converso com
as outras pessoas do bairro, que se voltasse o antigo DPM, ajudaria
melhorar muito a vida dos nossos filhos. Não é porque meu filho não esteja
envolvido nessa questão das drogas, que eu não tenha que lutar pra que os
outros filhos das outras pessoas não esteja nessa mesma posição dos
meus. Então, quer dizer, que eles voltem para cá, que a gente possa estar
94
retornando. Que a gente possa tá fazendo um trabalho na escola, tá
fazendo um trabalho no bairro, pra que fique menos violento (IC 02).
Acredito, a implantação é muito importante porque vamos retomar
novamente a credibilidade na polícia, de estar implantando novamente a
polícia interativa, que vai fazer todo um trabalho de campanhas, prevenção
de segurança com criança, até mesmo nas escolas locais, quanto aos
usuários, né? É o maior problema que a gente tem hoje, que são as
crianças menores. São adolescentes que estão se rendendo a isso... Então
isso aí a gente podia estar desenvolvendo com a implantação novamente.
Até mesmo, desenvolvendo um projeto junto com os policiais, as lideranças,
pra tá vendo alguma coisa que possa tá tirando essas crianças de serem
usuários, até mesmo, futuramente, um traficante (IC 03).
Tem que voltar, precisa voltar, tem que ter um DPM ali em cima. Ele pode
até não ser a resolução, resolver todos os problemas, mas que é
importante, é importante demais... O DPM ali em cima inibia a criminalidade.
Inibia os traficantes, entendeu? É muito importante. Eu peço a Deus todos
os dias que isso volta pra ali... o DPM voltar a ser reativado ali. E até
cheguei falar com um amigo meu que é líder comunitário no Morro do
Quadro, se ele não conseguia ali no CAJUN umas salas pros policiais
descansarem, ter um lugar para eles descansar, pra ver se eles ficam mais
por ali. Coitados, eles não têm nem aonde ficar, se não tiver um DPM, pra ir
no banheiro... Porque a população tem medo. Não são todos que têm
coragem... eu, por exemplo dou água pros policiais, mas nem todo mundo
tem coragem de parar um policial na sua parte e dar uma jarra de água pra
ele, então é muito importante que o DPM volte (IC 04).
Não só no Morro do Quadro, mas como nos outros bairros violentos de
Vitória, ou do Estado. Exatamente por isso, Capitão, eu penso que você tem
que fazer uma ação... é preventiva. Não é você deixar primeiro instalar o
caos e depois sair atirando, batendo, esfregando a cara no muro, você tem
que fazer uma ação preventiva. E outra coisa, se você for fazer um estudo
nesses bairros violentos, você vai ver que nesses bairros não tem espaço
pra lazer, não tem espaço cultural, não tem nada. Deixa muito a desejar
nesse sentido, então vai fazer o que? Não tem acesso a lazer, não tem
acesso à cultura, trabalho, né, porque não tem como garantir uma
qualificação profissional. O tráfico tá oferecendo muito... qualquer menino
que entra no tráfico aí, pra ser aviãozinho, ele tá ganhando 1500 reais por
semana. Eu ralo aqui um mês inteiro pra ganhar 700, então assim, é muito
fácil, é um dinheiro fácil. O que falta são ações integradas de governo, e
não tem que ser, nem é projeto de governo, não. Tem que ser projeto de
estado, tem que ter essas ações do estado que garantam a integração tanto
da educação, cultura, lazer, ação social. Não tem jeito... se não fizer isso,
nós vamos continuar vendo os adolescentes morrerem, porque daqui a
pouco nem a previdência vai dar conta de aposentar todo mundo... porque
não vai ter quem pague a previdência. Os jovens estão morrendo, só estão
ficando os velhos. Eu penso, se fizer essa ação integrada, principalmente
instalando essas unidades no bairro, e buscar fazer essa parceria com os
movimentos que são instituídos no bairro, associação de moradores, a
Igreja, o CAJUN... A gente já tentou fazer isso, só que uma coisa é uma
pessoa tentar, e outra tentar. Outra coisa se você juntar, unificar o poder
público com pessoas que tenham vontade de ver as coisas acontecerem. A
gente já conseguiu isso uma vez, quando tava lá o DPM. Quantas vezes a
gente fez vaquinha pra comprar gás pros policiais terem café... quantas
vezes nós compramos açúcar, pó de café, pra ajudar... Acho que falta isso.
Fazendo isso, acho que a gente..., tá certo que não tem muita expectativa
que a gente consiga recuperar os que já estão. Mas evitar os que estão
crescendo hoje entrar nessa vida, que nossos bairros não sejam tão
violentos do jeito que estão (IC 05).
95
Com certeza! Porque eu acho que só assim a gente vai ter um pouquinho
mais de paz e que vai conseguir aproximação da comunidade com a polícia
(IC 06).
Verifica-se, nos trechos dos integrantes das comunidades, que todos opinaram
favoravelmente pela eficácia do SAC implantado na região como ferramenta de
atuação da PMES, mesmo que todos os problemas da criminalidade local não
venham a ser resolvidos.
A questão da eficácia ficou bastante evidente, conforme os entrevistados, sobretudo
no que tange à referência no atendimento às comunidades da base instalada no
local. O enfoque da prevenção, antes que se instale o caos, também foi uma
observação apontada e, neste sentido, o serviço ora instalado pareceu fazer uma
interface junto àquela comunidade.
Uma outra interessante visão por parte de um dos entrevistados foi a associação de
que os policiais necessitavam de um ponto de apoio para descanso e banheiro.
Este aspecto figuraria como uma forma digna de ambiente de serviço, elevando a
instalação do SAC à condição da garantia de uma estrutura adequada de
permanência para os policiais.
Os serviços dos policiais lotados no SAC não se limitavam tão somente a questões
criminais, como se pode evidenciar em uma das entrevistas. A presença policial
acaba intervindo no próprio funcionamento do bairro, como por exemplo, na melhoria
no depósito adequado de lixo nas ruas, como pressuposto de intervenção certa da
polícia em possíveis conflitos.
Uma outra interessante associação de um entrevistado foi a necessidade de
conhecer o grupo de policiais que estão presentes na localidade para que a
interação possa realmente ocorrer. Essa observação nos mostra que o
comportamento dos policiais, tanto individualmente quanto em grupo, pode
realmente fazer a diferença para aquela comunidade.
A sensação de segurança instalada com a presença da base fixa local foi clara na
demonstração das entrevistas. A lacuna deixada pela desativação do SAC e suas
96
consequências, sobretudo com o retorno do esporádico contato da PMES com os
cidadãos e a instalação de um cenário criminal na região, foram relevantes fatos a
relatar.
No que se refere aos oficiais e policiais militares que trabalharam diretamente na
região e pertencentes ao SAC, pode-se extrair os trechos abaixo:
É uma grande ferramenta de interação e de gestão das relações
comunitárias entre a polícia e os demais segmentos sociais locais. Em
outras palavras, é a certeza de que a PM não vai abandonar a comunidade
ao final de cada ocorrência atendida. É a presença real da polícia que
auxilia na construção da responsabilidade territorial e possibilita uma
aproximação recíproca entre a PM e os demais cidadãos, buscando uma
relação permanente e organizada entre todos os envolvidos. Para a
comunidade, é a porta do Estado mais próxima e visível nos momentos de
dor, medo ou qualquer outro tipo de necessidade. Para a PM, é a
modalidade em que policiar é, diuturnamente, servir, proteger e cuidar
(OFPM 01).
A constituição do SAC do Morro do Quadro foi feita devido a uma comoção
social vivida com morte estúpida de dois companheiros da Polícia Militar,
que desencadeou o processo de comunitarização na região. Mesmo que
não tenha sido escolhido de forma técnica, atendeu às expectativas da
comunidade e da Polícia. Portanto, não podemos acreditar que a estrutura
fixa possa interagir com a comunidade. O policiamento descentralizado e a
pé deve ser sempre priorizado para aumentar a ostensividade, visibilidade
e, principalmente, a possibilidade de estarem permanentemente interagindo
e diagnosticando demandas da comunidade, no sentido de promoverem
ambientes mais seguros, e assim alcançar uma melhor qualidade vida dos
seus moradores e a paz social que um dia eles viveram. Isto é possível e
depende da vontade de construir uma gestão participativa. Nesse sentido, o
papel da Polícia na mobilização social é fundamental (OFPM 02).
[...] Sim, com certeza certo, não só... Já foi verificado, e está sendo
verificado até em outro estado, como no Rio de Janeiro, agora, com a
polícia pacificadora... Que a polícia interativa dá resultado, que este é o
cominho a seguir... No Rio com outro nome, mas aqui com a polícia
interativa, mas o método, o conceito é o mesmo (PPM 01).
[...] com a chegada, na época, do SAC no Morro do Quadro, resgatou a
confiança da polícia militar... Quando era acionado por parte dos moradores,
então podemos dizer que ali foi um momento de tranquilidade, momento
aonde as pessoas procuravam a polícia militar para ajudar no trabalho.
Moradores chegavam até o destacamento, conversavam, batiam papo,
falavam da situação que estava ocorrendo. Hoje, com a retirada, não tem
mais esse diálogo entre a polícia e os moradores, onde voltou tudo do
passado. Então, naquela época teve grandes resultados com a instalação
durante todo o período, e hoje voltou tudo novamente... a insatisfação..., até
mesmo a falta de confiança quando acionada a viatura. Não vai naquele
local por falta de efetivo. Então, com isso, vem perdendo a credibilidade da
polícia militar no alto do morro, ali, por parte dos moradores. Já não tem
mais a mesma interatividade no local (PPM 02).
Sim, virou um ponto de referência. Como já foi dito, a população,
praticamente, ela tinha um convívio com os policiais, confiança em si. E a
97
gente retornava, conhecia cada um, cidadãos do morro, de modo que cada
pessoa que subia o morro, que não fosse dali, os próprios moradores
informavam aos policiais... havia uma pessoa estranha... e com isso, eles
conseguiam, através da gente, obter a condição de segurança (PPM 03).
[...] porque era como se fosse um ponto de referência da comunidade, tudo
que a comunidade queria. O telefone do Morro do Quadro era o primeiro
objetivo dela. Primeiro pensamento da comunidade é ligar pra DPM do
Morro do Quadro... era para atender pessoas necessitadas, pessoas
doentes, era para fazer algumas denúncias, era para pedir apoio em relação
até pessoas andantes, pessoas que não eram do bairro... A comunidade
ligava pro DPM, informava aí as características da pessoa, e atendia a
comunidade. Então, era um ponto de referência ali da comunidade, todos...
Os taxistas, quando eles subiam o morro, primeiro lugar que ele passava
pra pedir informação era no DPM do Morro do Quadro. Via o policiamento
na rua, parava e pedia ali uma orientação, perguntava se o bairro tava
tranquilo, esse foi o diferencial (PPM 04).
Com certeza, foi muito eficaz. Inclusive diminuiu o índice de criminalidade,
proporcionou sensação de segurança para a comunidade, como eles
mesmos informaram. E foi só melhorias..., só melhoria (PPM 05).
Enquanto o SAC tava funcionando devidamente com a boa estrutura, com
uma linha telefônica, com equipamento, armamento, efetivo, com a minha
presença, a gente atendia a média de... não vou conseguir dar números de
pessoas, mas atendíamos o Morro do Quadro totalmente, um pedaço da
Vila Rubim, no Morro da Santa Clara, aonde tem uma escola, Morro do
Cabral, Bananal, Santa Tereza, Caratoíra, Alagoano, e até mesmo Bela
Vista que fica bem distante. Então, com a presença do SAC, que é o DPM,
a gente fazia uma segurança, dava segurança e fazia segurança pra toda
essa comunidade. E toda essa comunidade era que... antes, não tinha a
presença de polícia... ela passou a confiar na polícia, dando informação,
conversando, fazendo reuniões na sua comunidade, indicando o que era
mais necessário naquele momento, aonde era necessário, onde estava o
problema, o problema da segurança... e, como se diz... após conseguirmos
ter a confiança que toda essa comunidade..., essa comunidade depositar
confiança na polícia, acreditando que ela ia ter segurança, ali presente na
hora que ligasse, na hora que solicitasse, foi fechado o SAC. Deixamos
todas essas comunidades abandonadas... aquela comunidade que
acreditou no nosso trabalho... (PPM 06).
Diante de todas as entrevistas dos oficiais e praças, verificou-se que o SAC da
região estudada constituiu-se numa ferramenta eficaz, tornou-se uma referência, e
permaneceu presente na sociedade e nos policiais. A fixação do efetivo policial
deveu-se, preliminarmente, à existência de uma estrutura que pudesse abarcar o
corpo de policiais disponibilizados para o policiamento na localidade e o atendimento
aos cidadãos.
A confiança e a credibilidade foram manifestadas em muitas falas, tanto por parte
dos policiais quanto dos integrantes das comunidades. Os serviços policiais não se
resumiam apenas no enfoque da repressão de delitos. Mas muitos acionamentos
98
eram de natureza assistencial, e isso também pode ter acarretado na comunidade
local uma atmosfera de aceitação e ajuda a quem a protegia, no caso a polícia.
99
4 CONCLUSÃO
Levando em conta todos os dados trazidos para o presente trabalho, nota-se que
várias conclusões podem ser apresentadas, em conformidade com o objetivo geral e
objetivos específicos, mencionados na parte introdutória.
O primeiro ciclo de policiamento interativo trouxe uma reflexão acerca do cenário
anterior à ativação do SAC na região do Morro do Quadro. As matérias de
noticiários, conjugadas com as entrevistas, permitiram evidenciar um cenário de
criminalidade, que já não era novidade para a sociedade local.
A Polícia Militar, nessa ocasião, se fazia presente de forma esporádica, limitando-se
tão somente ao atendimento de ocorrências policiais, recolhimento de vítimas de
homicídios, e além disso havia truculência por parte de policiais.
No dia trinta e um de janeiro de 1997, o assassinato dos dois policiais militares na
região define um “divisor de águas”, que assinala o final do primeiro ciclo e o início
do segundo ciclo em análise: a intervenção do poder público de uma forma real, e
marcada por uma resposta imediata ao incidente ocorrido.
Em cinco de fevereiro do mesmo ano, aconteceu a abertura do SAC na região do
Morro do Quadro, com o emprego de um considerável corpo de policiais militares, a
fim de que a região passasse a ter um policiamento ostensivo, em caráter
permanente.
No início da implantação do policiamento na localidade, foram observados vários
problemas, tanto do lado da PMES, quanto por parte da sociedade local. Todos os
problemas foram listados, e ficou claro em todas as entrevistas que o principal deles
foi o descrédito entre ambos os lados.
Verificou-se, por intermédio das entrevistas obtidas, que havia mútua desconfiança
inicial e a desinformação por parte da polícia, que não recebia as denúncias dos
moradores, pois estes tinham desconfiança e medo de retaliações por parte de
criminosos. Com o passar do tempo, essa realidade foi mudando, à medida que o
100
corpo de policiais foi se aproximando da comunidade local e mostrando o objetivo da
presença policial na comunidade.
O atendimento dos policiais passou a ser realizado, não sob o enfoque apenas da
repressão, mas, principalmente, sob o enfoque da prevenção, socorrendo pessoas,
assistindo à comunidade, através de encaminhamentos e direcionamentos diversos
e protegendo a sociedade local em sua atuação específica para coibir a
criminalidade.
As denúncias de crimes se fizeram mais presentes no cotidiano dos policiais que
estavam lotados no SAC. Esses policiais se viam responsáveis pelo atendimento
das demandas que eram encaminhadas pela sociedade. Todos passaram a ter
responsabilidade territorial, uma vez que, com o efetivo ora fixado no local, o
sentimento do dever se delineava, com o passar dos anos.
Os serviços públicos e privados, disponíveis para a sociedade organizada, também
voltaram a fazer parte do cotidiano na região, uma vez que se pode extrair duas
realidades distintas. No cenário anterior, a prefeitura Municipal de Vitória não podia
intervir na localidade e alguns serviços particulares eram impedidos de frequentar
normalmente os bairros. Após a implantação do modelo de policiamento, verificou-se
por unanimidade que esse quadro mudou, fazendo com que a comunidade tivesse
mais qualidade de vida.
Outros bons resultados foram observados, tais como a obtenção, para ambos os
lados, da 1ª colocação num concurso nacional de polícia comunitária patrocinado
pela empresa Motorola do Brasil, estando o modelo de policiamento em evidência
em âmbito nacional.
Em paralelo a esse cenário de mudanças, e com bons resultados, tornou-se
evidente um grave contraste entre duas situações: o início e o final do emprego do
policiamento na região. Enquanto, em 1997, foram empregados vinte policiais
militares no SAC, no ano de 2007, esse efetivo caiu para apenas dois. Assim, ao
longo de dez anos corridos, portanto, ocorreu uma queda de 90%, sendo o SAC
desativado aos dezesseis dias do mês de maio de 2007. A partir de então, teve
101
início o terceiro ciclo de análise, considerando efeitos posteriores à desativação do
SAC.
A lacuna deixada pelo Estado proporcionou uma série de efeitos para a comunidade
local, dentre os quais o retorno de uma realidade criminal que anteriormente não se
via de forma latente, como no período que seguiu após a desativação do SAC, cuja
análise foi vista no subitem 3.6.
O contato cotidiano, o atendimento às demandas locais, de uma forma mais
próxima, e o intermitente patrulhamento a pé nos becos do morro tiveram um fim. O
que se viu foi apenas a esporádica presença policial no atendimento de ocorrências,
distante, portanto, da gênese dos reais problemas daquela comunidade.
Mesmo distantes da região, alguns policiais até hoje recebem denúncias e
informações de como está à comunidade. Vale destacar uma importante fala de um
dos policiais entrevistados no decurso desse trabalho:
[...] aí, com isso, a gente vê que, apesar da quebra de compromisso, de
darmos segurança para a comunidade, mas não teve a quebra da
confiança... já que essas pessoas que me passavam informação na época...
Apesar de antes, que fechou o DPM, essas mesmas pessoas me encontram
na rua e passam informação. Mas passa por que? Porque houve aquela
confiança. Passa pra mim, mas de repente para outros policiais não
passariam [...] (PPM 05).
A quebra da atividade institucional na localidade não foi suficiente para interromper o
processo de confiança, uma vez que esta se fez e não se desfaz com a desativação
do SAC na região. Porém, há de se considerar que o término da rotina de atuação
dos policiais desencadeou um retrocesso no atendimento policial para a região, bem
como a ausência de contatos e informações, que tanto são necessárias ao serviço
policial.
Com a preocupação de que fosse extraída uma análise quantitativa acerca das
ocorrências policiais de maior gravidade, e também a respeito de sua evolução
dentro da comunidade local, pode-se verificar que os dados de uma forma geral
possuíram uma oscilação muito grande de ano para ano.
102
Diante desse quadro ficou evidente que a presença policial na região não acabou
com a criminalidade local em termos quantitativos. No entanto, em termos
qualitativos, houve aceitação unânime dos entrevistados quanto à forma de
atendimento voltado para aquela comunidade.
Ainda sob o enfoque quantitativo, verificou-se uma curiosa evolução criminal, que é
comprovada pelos números de ocorrências relativas aos crimes de tóxicos, que
abarcam o tráfico e uso de drogas ilícitas. Do ano de 2003 a 2009, verificou-se um
considerável aumento de apenas três para setenta e duas ocorrências policiais
dessa natureza. Tal fato pode servir para esclarecer a razão do aumento
considerável da repressão policial no quesito do tráfico e uso de drogas ilícitas na
localidade. Após o ano de 2007, período que o SAC foi desativado, esses números
foram aumentando intensamente, podendo-se delinear um aspecto de uma polícia
muito mais repressiva do que preventiva nessa região.
Com a preocupação de investigar a eficácia do SAC da região do Morro do Quadro
ouvindo ambos os lados, essa lógica passa para uma avaliação dos aspectos
qualitativos quanto às percepções tanto dos profissionais que se encontravam na
condição de prestadores de serviço quanto dos integrantes das comunidades que
recebiam os serviços prestados.
Do lado das comunidades, os integrantes entrevistados foram unânimes ao
reconhecerem que o SAC foi uma ferramenta de aproximação entre a PMES e a
sociedade. Essas pessoas concordaram que a implantação do SAC gerou uma
sensação de segurança muito superior, em relação aos cenários anterior e ao
posterior a sua desativação.
A construção da credibilidade e da confiança nos policiais está ligada ao fato dos
mesmos pertencerem à comunidade, estando presentes à mesma, de modo fixo e
ininterrupto. A polícia interferia em muitas questões da localidade, e a ordem
decorrente dessas interferências acabava por fazer os bairros funcionarem, no que
se refere à prestação de serviços públicos e privados.
103
Uma outra importante questão levantada por muitos integrantes das comunidades
entrevistados relaciona-se ao uso de drogas. Algumas pessoas apontam que a
polícia também esteve muito presente neste sentido, tanto na atuação repressiva
quanto nas orientações. Diante desse contexto, com a sua ausência, emergiu a
preocupação para os moradores locais a respeito de qual deveria ser a saída.
Acerca das percepções dos policiais entrevistados, e na ótica dos oficiais,
primeiramente o SAC constituiu-se numa importante referência de atendimento
àquela população. Este serviço não se limitava ao simples atendimento de
ocorrências policiais, e sim de manter a Polícia Militar de forma contínua na
comunidade participando do seu funcionamento.
Quanto aos praças entrevistados de uma forma geral, também avaliaram que o SAC
constituiu-se numa importante referência para a comunidade. A extensão do
atendimento ia mais além, chegando a locais distantes do SAC e dos bairros
analisados, tais como: parte alta da Vila Rubim; Morro de Santa Clara; Morro de Bela
Vista; Morro de Caratoíra; e Alagoano.
A percepção do atendimento aos moradores se fez também conjugada à
necessidade dos policiais terem um ponto de parada para descanso das muitas
patrulhas a pé, que se desenvolviam nos becos dos morros. Isto se expressa nas
entrevistas feitas às pessoas da comunidade, que mencionaram a real necessidade
de uma estrutura fixa prévia, que mantivesse esses policiais diuturnamente
presentes na região.
Após a aferição dos ângulos quantitativo e qualitativo acerca da eficácia do modelo
de policiamento adotado na região, restou comprovado que, quantitativamente
analisando, não há uma conexão direta acerca de reduções criminais dentro da
região estudada no período de vigência do SAC. No entanto, sob o prisma
qualitativo, verifica-se que ocorreram mudanças profundas quanto ao funcionamento
da comunidade estudada.
A aceitação, entre ambos os lados, do modelo de policiamento adotado na região
ficou muito evidente nas entrevistas obtidas, tanto sob o aspecto dos resultados,
104
quanto em relação à superação de problemas e, principalmente, na avaliação dos
efeitos que se instauraram após a desativação do SAC na região.
Diante de todos os aspectos ora mencionados, dos dados obtidos por intermédio de
entrevistas, pesquisas bibliográficas, noticiários, documentações arquivadas junto à
administração da 2ª Cia do 1º BPM, dentre outros, emergem algumas sugestões,
que passamos a expor ao Comando Geral da Polícia Militar do Estado do Espírito
Santo:

A reativação do SAC na região do Morro do Quadro, dentro dos mesmos
moldes adotados originalmente;

Estudo de ativação em outras localidades,
inicialmente, na região
metropolitana da Grande Vitória, utilizando-se, para tanto, indicadores sócioeconômicos e índice de desenvolvimento humano;

Elaboração de calendário de ativação de SAC anualmente, como forma
contínua e progressiva de fixação permanente de efetivo da PMES, associado
à logística necessária para a alocação de estruturas, materiais, mobiliários e
equipamentos necessários para o funcionamento;

Controle de transferências de efetivo policial militar do SAC, como forma de
manter perene a capacidade de respostas da PMES, à medida que as
demandas ocorrem;

Manutenção de oficiais comandantes de companhias, por períodos mais
elevados, a fim de manterem os laços de estreitamento necessários junto às
organizações comunitárias de bairros;

Atuação difusa dos serviços que o SAC desenvolve em parceria, junto aos
demais órgãos do poder público, como forma de complementação das
atividades de polícia, a fim de incidir de forma mais contundente para a
redução de indicadores criminais.
Enfim, podemos passar anos omissos e indiferentes aos problemas alheios,
calçados em uma frágil certeza de que a criminalidade nunca irá nos atingir e nem a
nossos familiares. No entanto, essa premissa muda de figura quando tais fatos
ocorrem colocando-nos na posição de vítimas.
105
As ações muito dependem de que sejam iniciadas e, principalmente, que sejam
mantidas. As tragédias que trazem inicialmente respostas prontas e imediatas do
poder público, após algum tempo, tornam-se esquecidas rapidamente. Assim
ocorreu com a região do Morro do Quadro, após a dor de outrora que se cercou, e
após as mudanças exitosas que se ali processaram.
Sendo assim, finalizamos o presente trabalho com a frase abaixo mencionada, como
forma de incentivarmos o poder público, sugerindo a implantação dessas
importantes medidas, que se fazem necessárias para o bem estar das comunidades
e a propagação de uma real qualidade de vida, sem que sejam feitas distinções
quanto a áreas periféricas ou ricas de nossas cidades, obviamente divididas.
“Para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada”.
Edmund Bruke
106
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