CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO CURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS SANDRO ROBERTO CAMPOS AS BASES FIXAS DE POLICIAMENTO INTERATIVO: UMA ANÁLISE DOS CICLOS DO POLICIAMENTO INTERATIVO NA REGIÃO DO MORRO DO QUADRO NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA-ES VILA VELHA 2010 SANDRO ROBERTO CAMPOS AS BASES FIXAS DE POLICIAMENTO INTERATIVO: UMA ANÁLISE DOS CICLOS DO POLICIAMENTO INTERATIVO NA REGIÃO DO MORRO DO QUADRO NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA-ES Monografia apresentada ao Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, da Polícia Militar do Espírito Santo, Pós-graduação Lato Sensu em Segurança Pública – CAO/2009, em convênio com o estado do Espírito Santo, através da Polícia Militar e do Centro Universitário Vila Velha, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Segurança Pública. Orientador: Jailson Miranda. VILA VELHA 2010 SANDRO ROBERTO CAMPOS AS BASES FIXAS DE POLICIAMENTO INTERATIVO: UMA ANÁLISE DOS CICLOS DO POLICIAMENTO INTERATIVO NA REGIÃO DO MORRO DO QUADRO NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA-ES Monografia apresentada ao Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, da Polícia Militar do Espírito Santo, Pós-graduação Lato Sensu em Segurança Pública – CAO/2009, em convênio com o estado do Espírito Santo, através da Polícia Militar e do Centro Universitário Vila Velha, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Segurança Pública. Aprovada em 07 de julho de 2010. COMISSÃO EXAMINADORA _______________________________________________________ Prof. Esp. Jailson Miranda Orientador _______________________________________________________ Prof. Dr. Edson Franco Immaginário Membro da Banca pela UVV _______________________________________________________ Prof. Esp. Jair Gomes de Freitas Membro da Banca pela PMES A todas as pessoas que morreram na luta para a implantação da segurança pública de forma adequada à convivência dos seres humanos. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pela saúde que me proporcionou durante o curso. À minha esposa Salene e à minha filha Lívia, pelo apoio e compreensão. E aos meus amigos, pelas informações concedidas, que foram de grande importância para a realização deste trabalho. RESUMO O presente trabalho tem como objetivo elaborar um estudo de caso acerca dos ciclos de policiamento interativo na região do Morro do Quadro em Vitória-ES, sob a perspectiva da implantação de bases fixas e do policiamento permanente nas comunidades. O objeto contempla os Bairros Morro do Quadro, Morro do Cabral e Santa Tereza, que constituem uma célula Interativa de Segurança, das cinco existentes na Região da Grande Santo Antônio, localizada na zona Sul da cidade de Vitória – Espírito Santo. Para o atendimento da região, foi fixada no Morro do Quadro uma base policial que passou a funcionar 24 horas por dia, sendo de início o Destacamento Policial Militar, e depois o Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC), a partir do qual foi construída a experiência da Polícia Interativa do Morro do Quadro, que viria ganhar em 2001 o 1º Prêmio no Concurso Motorolla de Polícia Comunitária no Brasil. O período pesquisado inicia-se em 1997, com o trágico marco do assassinato de dois policiais militares no alto do Morro do Cabral, seguindo, continuamente, até o ano de 2009, dois anos depois da desativação do SAC. A metodologia empregada foi a pesquisa sistêmica referente à experiência das bases fixas do policiamento permanente nas comunidades contempladas pelo projeto. No processo foram estudados, além da bibliografia geral na área da Segurança Pública, expedientes internos da PMES sobre a doutrina do Policiamento Comunitário Interativo. Foi realizado ainda um levantamento dos documentos internos da Segunda Companhia do 1º Batalhão da Polícia Militar do Espírito Santo à época, além de reportagens da mídia local. A partir das entrevistas realizadas junto à comunidade foi possível perceber a integração e proximidade entre a polícia e os moradores. Posteriormente, com a desativação do SAC esse panorama de aprovação popular e sensação de segurança, mais uma vez, cede espaço ao comércio ilegal de entorpecentes e ao poder ostensivo das armas. De suma importância também foram os depoimentos dos policiais que estiveram empenhados de forma permanente no policiamento comunitário interativo e no atendimento à população naquela localidade. Além desses procedimentos, foi realizado o estudo estatístico dos crimes de maior incidência e impacto social, com a finalidade de avaliar sua evolução histórica no período em análise. No desenvolvimento desse trabalho, é possível concluir a importância da reativação da base fixa de policiamento comunitário interativo para a comunidade da Região do Morro do Quadro. Não é necessário que, de forma cíclica, a interrupção de resultados que hora constituíam a consolidação da Paz naquela comunidade, a exemplo dos fatos de 1997, alcance um desfecho extremo para que somente então, orquestrados pela comoção da opinião pública, sejam disponibilizados os recursos fundamentais à sua implantação. No que se refere à estruturação das Bases de Policiamento Comunitário Interativo em âmbito macro, ressalta-se a necessidade de um estudo técnico que viabilize uma projeção para sua implementação, baseada nos indicadores sociais, criminais, Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), densidade demográfica, entre outros. Palavras-chaves: Atendimento ao Cidadão, Polícia Militar, Morro do Quadro, Policiamento interativo e Segurança Pública. ABSTRACT This research aims to develop a study of case about the cycles of interactive policing in the region of “Morro do Quadro” in Vitoria-ES, from the perspective of deploying of fixed bases and permanent policing in communities. The object retains the Neighborhoods Morro do Quadro, Morro do Cabral and Santa Tereza which constitute a Security Interactive Cell, all over five in the Region of Grande Santo Antônio, located in the south zone in city of Vitoria - Espirito Santo State. For the treatment of region was fixed in the Morro do Quadro a police base that to operate for 24 hours per day, first the Military Police Department, after the Citizen Treatment Center (CTC), which it was built the experience of Interactive Police of the Morro do Quadro that would win in 2001 the first prize in the Motorola Competition of the Community Police in Brazil. The period studied starts in 1997 with murder tragic of two military policemen on the top of the Morro do Cabral; followed continuously until the year 2009, two years after of the deactivation of CAC. The methodology employed was the systemic research referent the experience of permanent fixed bases of policing in the covered communities by the project. In the process were studied, beyond the general bibliography in the area of the Public Security with internal expedients of PMES on the doctrine of Interactive Community Policing. It was yet performed of internal documents of the Second Company of the First Military Police Battalion of the Espirito Santo State at the time, beyond of report of the local media. From the interviews with the community was possible to realize the integration and proximity between the policemen and residents. Later, with the deactivation of CAC this panorama of popular approval and sense of security, one more time, gives way to the illegal trade of the narcotics and the ostensible power of weapons. Extremely importance also was the testimonies of the policemen who were engaged permanently in the Interactive Community Policing and the treatment service to the population in that area. Beside this procedures, it was performed a statistical study of incidence of crime and social impact in order to evaluate its historical evolution in the period in analyses. In developing this research is possible to conclude the importance of reactivating the fixed interactive community policing base in the region of the Morro do Quadro. It is not necessary, cyclically, the interruption of results that consolidation of Peace in that community, like the events of 1997, reaching an extreme outcome that only then, orchestrated by the commotion of public opinion, available resources are fundamental to its deployment. Referring the structuring of the Bases of Interactive Community Policing in macro context, it emphasizes the need to allow a technical study that forecast for its implementation based on social indicators, criminal, Human Development Index (HDI), population density, among others. Keywords: Citizens Service, Military Police, Morro do Quadro, interactive Policing and Public Safety. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Divisão administrativa do município de Vitória........................................ 56 Figura 2 – Divisão da região da Grande Santo Antônio em células interativas........ 58 LISTA DE FOTOS Foto 1 – Operações policiais repressivas................................................................. 68 Foto 2 – Sede do SAC do Morro do Quadro............................................................. 70 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Evolução das ocorrências de crimes contra a pessoa........................... 88 Gráfico 2 – Evolução das ocorrências de homicídios consumados.......................... 89 Gráfico 3 – Evolução das ocorrências de homicídios tentados................................ 89 Gráfico 4 – Evolução das ocorrências de crimes contra o patrimônio...................... 90 Gráfico 5 – Evolução das ocorrências de crimes de furtos e roubos........................ 91 Gráfico 6 – Evolução das ocorrências de crimes de drogas ilícitas.......................... 92 LISTA DE SIGLAS BPM – Batalhão da PMES Cia – Companhia da PMES CIODES – Centro Integrado de Operações de Defesa Social CISEG – Conselho Interativo de Segurança Pública CISEG-REG II – Conselho Interativo de Segurança Pública da região II DIT – Antigo Departamento de Informações Técnicas da Secretaria de Desenvolvimento da Cidade. DPM – Destacamento Policial Militar GEAC – Gerência Estatística e Análise Criminal GEO – Sistema que compõe o banco de dados de informações de georeferenciadas do município de Vitória. IC – integrantes da comunidade MJ – Ministério da Justiça OFPM – oficiais policiais militares ONG – Organização não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PMES – Polícia Militar do Estado do Espírito Santo PMV – Prefeitura Municipal de Vitória PPM – praças policiais militares PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania SAC – Serviço de Atendimento ao Cidadão SEDEC – Secretaria de Desenvolvimento da Cidade SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública SESP – Secretaria de Estado da Segurança Pública SIM – Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Justiça SUMÁRIO 1 INTRODUÇAO....................................................................................................... 13 1.1 METODOLOGIA.................................................................................................. 15 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA POLÍCIA COMUNITÁRIA........................................ 20 2.1 O INÍCIO DA POLÍCIA COMUNITÁRIA NO MUNDO E EXEMPLOS INTERNACIONAIS SIGNIFICATIVOS............................................................... 20 2.2 POLICIAMENTO COMUNITÁRIO NO BRASIL E NO ESPÍRITO SANTO......... 24 2.3 UMA ANÁLISE DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO....................................... 29 2 3 1 A polícia comunitária e a sua fundamentação legal................................... 29 2 3 2 Comunidade.................................................................................................... 34 2 3 3 Policiamento comunitário............................................................................. 36 2 3 4 Os conselhos comunitários de segurança.................................................. 38 2 3 5 O advento das bases fixas de policiamento interativo.............................. 42 2 3 6 Permanência e responsabilidade territorial................................................ 46 2 3 7 Policiamento e patrulhamento...................................................................... 49 2 3 8 Resolução de problemas.............................................................................. 52 3 O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO E DESATIVAÇÃO...................................... 56 3.1 ASPECTOS DA REGIÃO DO MORRO DO QUADRO E DO ATENDIMENTO LOCAL DA POLÍCIA MILITAR............................................................................ 56 3.2 O CENÁRIO INICIAL.......................................................................................... 59 3.3 A TRANSIÇÃO DO “DPM” AO “SAC” - A TRANSFORMAÇÃO DO MECANISMO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE.................. 66 3.4 PROBLEMAS ENCONTRADOS DURANTE A IMPLANTAÇÃO........................ 72 3.5 RESULTADOS OBTIDOS PARA A REGIÃO E A PMES.................................... 76 3 5 1 Resultados para as comunidades................................................................ 76 3 5 2 Resultados para a PMES............................................................................... 78 3.6 A DESATIVAÇÃO DO SAC NA REGIÃO DO MORRO DO QUADRO E SEUS EFEITOS.............................................................................................. 82 3.7 UMA ANÁLISE QUANTITATIVA........................................................................ 87 3.8 UMA ANÁLISE QUALITATIVA........................................................................... 93 4 CONCLUSÃO........................................................................................................ 99 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 106 APÊNDICE A – FORMULÁRIO DE ENTREVISTA AOS INTEGRANTES DAS COMUNIDADES...........................................................................................109 APÊNDICE B – FORMULÁRIO DE ENTREVISTA AOS POLICIAIS MILITARES.............................................................................. 110 APÊNDICE C – FORMULÁRIO DE ENTREVISTA AO OFPM 01......................... 111 APÊNDICE D – FORMULÁRIO DE ENTREVISTA AO OFPM 02......................... 112 ANEXO 1 – MANCHETES DO NOTICIÁRIO ACERCA DO “DIVISOR DE ÁGUAS” – O ASSASSINATO DOS POLICIAIS MILITARES NA REGIÃO ESTUDADA............................................................................ 113 ANEXO 2 – QUADRO QUANTITATIVO DE OCORRÊNCIAS ATENDIDAS NA REGIÃO E PERÍODO ANALISADOS.................................................... 123 ANEXO 3 – ESCALAS DE SERVIÇO DIGITALIZADAS DO SAC DO MORRO DO QUADRO.......................................................................... 125 ANEXO 4 – DEVOLUÇÃO FORMAL DO IMÓVEL DO SAC DO MORRO DO QUADRO.......................................................................... 131 13 1 INTRODUÇÃO É notório o crescimento vertiginoso da criminalidade nos grandes centros urbanos de nosso país por intermédio da apresentação de vários fatos delituosos que se destacam no cotidiano e, sobretudo, em todos os níveis das camadas sociais. Para fazer frente a esse desafio, o poder público, ao longo dos anos, vem procurando adotar medidas que visam interceptar as causas que estejam originando tais problemas, que são complexos e se apresentam cada vez mais de formas violentas e assustadoras para a nossa sociedade. Como uma dessas medidas, verifica-se a adoção da polícia interativa ou comunitária em algumas localidades no cenário nacional, visando a melhoria da qualidade dos serviços prestados pela polícia e o aumento da credibilidade por parte da sociedade civil organizada. No Estado do Espírito Santo, desde o ano de 1985, foi autorizada a participação popular nos assuntos relativos à segurança pública com o incremento do Decreto n.º 2.171, de 13 de novembro de 1985, pelo então Governador, Sr. Gerson Camata. Em 1988, o primeiro conselho comunitário de segurança foi implantado no município de Alegre por intermédio do Senhor Coronel Carlos Magno da Paz Nogueira, e, posteriormente no município de Guaçuí, em 1994, pelo então Cap PM Júlio César Costa. Os desdobramentos da implantação da polícia interativa no estado do Espírito Santo foram muitos, e em várias localidades foram abertos espaços para discussões com as comunidades acerca das questões afetas à segurança pública. Acredita-se que a participação da sociedade na construção das políticas de segurança pública voltadas para o bem estar social pôde se tornar uma ferramenta para o controle da criminalidade. No contexto da segurança pública, a temática do policiamento comunitário já alcança relevantes abordagens por parte de vários autores. A violência tem mobilizado 14 profissionais de diversas áreas à realização de abordagens de ideias que podem fazer diferença para a mudança de uma realidade hostil para um contexto melhor de convivência humana. Por exemplo, para Silva (2003, p. 344), Lançando um olhar sobre as duas últimas décadas, vai-se observando que, diante da crescente dificuldade de manter a ordem sem criar mais conflitos com a população, as autoridades buscam fórmulas para minimizar esse problema. De início, busca-se a integração quase que exclusivamente com os grupos organizados da classe média, o que, do ponto de vista dos conflitos das forças de segurança com as camadas populares, pouco representa. A integração com as camadas médias, sobretudo nos clubes de serviços, embora buscada também pelos próprios policiais, não contribui em muito para o objetivo de motivar a participação das camadas populares, as quais, em diferentes pesquisas, têm revelado não confiar no sistema de leis e justiça, e muito menos na polícia. As autoridades partem, então, para a estratégia de estabelecer contato direto com as comunidades [...]. Dessa interação, podem resultar algumas formas concretas de melhorias, culminando em ações que poderão fazer diferença na qualidade de vida de uma comunidade inteira. O presente trabalho aborda uma análise do caso ocorrido da região do Morro do Quadro, no município de Vitória-ES, no período de 1996 a 2009, sob o enfoque da adoção da filosofia de policiamento interativo, precedido da implantação da base fixa de policiamento a partir de um fático episódio no qual dois policiais militares foram sumariamente executados em janeiro de 1997. A partir desse fato emerge a latente questão de investigar os ciclos que se cercaram em torno de todo o episódio, desde o cenário anterior, o período da implantação do Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) e a sua desativação, levando-se em consideração as percepções de alguns importantes integrantes das comunidades analisadas e parte considerável dos policiais militares que, juntos, participaram efetivamente para a consumação do projeto. O primeiro capítulo aborda toda a contextualização histórica, nos cenários internacional e nacional, acerca da temática do policiamento comunitário até o nível do Estado do Espírito Santo, além da abordagem sobre a teorização necessária para o entendimento da dinâmica da comunitarização. Como metodologia para este capítulo, adotou-se a pesquisa de cunho bibliográfico. 15 O segundo capítulo aborda mais diretamente o tema, sendo narrada toda a história que se cercou diante da implantação da filosofia de polícia interativa na região do Morro do Quadro. Em continuidade, foi descrita a trajetória dos problemas enfrentados, resultados obtidos, além das causas e consequências da desativação da base na região estudada. Finalizando, emergiram sugestões relevantes acerca da retomada da base fixa para a localidade, bem como da indicação de estudo técnico que viabilize uma projeção para sua implantação. Neste segundo capítulo, a metodologia adotada abordou entrevistas semiestruturadas a integrantes das comunidades da região estudada que participaram efetivamente do processo de implantação. Foram gravadas entrevistas à parte relevante dos policiais que trabalharam diretamente na localidade. Foi realizada pesquisa estatística do período estudado e pesquisa do noticiário local acerca da situação fatídica, gerada em função da execução dos dois policiais militares na localidade. 1.1 METODOLOGIA Como oficial integrante da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo (PMES) há mais de quinze anos, em meio ao tema apresentado pôde-se verificar as mais diversas situações envolvendo o caso em análise. Neste sentido, faz-se necessário uma investigação da implantação do projeto na localidade, sob o ponto de vista de sua funcionalidade e viabilidade. Neste sentido, para Severino (2002, p. 74), O raciocínio – parte essencial de um trabalho – não se desencadeia quando não se estabelece devidamente um problema. Em outras palavras, o tema deve ser problematizado. Toda argumentação, todo raciocínio desenvolvido num trabalho logicamente construído é uma demonstração que visa solucionar determinado problema. À medida que a sociedade é abatida pela violência e os seus efeitos, a necessidade de restauração da ordem se faz de fundamental importância e, como forma de uma pronta resposta do poder público, a temática do presente trabalho foi uma solução 16 encontrada à época. Lastreado aos fatos que se cercaram ao episódio, este trabalho procura responder a seguinte questão: Qual a importância e eficácia da implantação da base fixa de policiamento interativo na região do Morro do Quadro no município de Vitória-ES, analisando ciclos diferenciados de implantação e desativação no período compreendido entre 1996 a 2009? Parte-se da hipótese de que as bases fixas de policiamento interativo são umas adequadas ações públicas que a PMES pode disponibilizar como forma preliminar de fixação do efetivo policial, bem como a sedimentação da filosofia do modelo interativo de polícia. Sua eficácia estará condicionada aos aspectos quantitativo, e principalmente qualitativo, acerca da percepção do público atendido e dos policiais militares que trabalharam na região estudada. Dessa forma, tem-se como objetivo geral: verificar a importância e a eficácia para a sociedade e PMES da implantação do SAC na região do Morro do Quadro no município de Vitória-ES, analisando o período de 1996 a 2009. Os objetivos específicos estão listados abaixo: Apontar as dificuldades encontradas durante a implantação do SAC na região do Morro do Quadro, levando-se em consideração a sedimentação da filosofia do policiamento comunitário ou interativo. Apontar os resultados obtidos da implantação do SAC da região do Morro do Quadro para as comunidades afetadas e para a PMES. Apontar a principal causa e os efeitos da desativação do SAC da região do Morro do Quadro. Propor sugestões que possam ser carreadas à administração da PMES no que tange à ativação ou não das bases fixas de policiamento interativo à luz das conclusões obtidas no presente trabalho. Justifica-se este trabalho em função da urgente necessidade de implantação de políticas públicas de segurança que possam oferecer ações adequadas às demandas da sociedade. 17 A temática analisada possui vertentes complexas e relevantes para o processo de construção de ações do poder público, uma vez que envolve a concretização de ações relacionadas à introdução e sedimentação de uma filosofia perene de policiamento para a sociedade. Como forma de melhor ilustração da importância dessa temática, para Rolim (2006, p. 67), Há uma importante modificação doutrinária em curso entre as polícias: em praticamente todos os países, a ideia de policiamento comunitário está ganhando espaço e, em muitos casos, já se transformou no novo discurso oficial. Nos EUA, por exemplo, a ideia é, atualmente, parte integrante dos objetivos governamentais de reforma da polícia e parece ser um consenso entre aqueles que tomam as decisões. Isso ganhou tamanha força que se chegaram a estabelecer, com a Lei Criminal de 1994, fundos para a contratação de 100 mil novos policiais comunitários nos seis anos subsequentes. Desta forma, este trabalho se justifica na medida em que pode apresentar a análise de uma mudança no atendimento da PMES na região do Morro do Quadro e o retorno da atividade do SAC uma vez implantado na região estudada, além de poder servir como base de estudos para a implantação em outras localidades. Quanto aos fins, para a realização da investigação, foi utilizada a pesquisa descritiva, em função da necessidade de descrição de todo o trabalho desenvolvido na região do Morro do Quadro pela PMES e comunidades locais. Com esse intuito, os seguintes períodos são abrangidos: ano de 1996, anterior à implantação; de 1997 a 2007, correspondente ao período de implantação e desenvolvimento da filosofia de polícia interativa; e o período de 16 de maio de 2007 até o final de 2009, que compreende a desativação total do SAC na localidade. Neste sentido, pode-se citar Vergara (2009, p. 42), A pesquisa descritiva expõe características de determinada população ou de determinado fenômeno. Pode também estabelecer correlações entre variáveis e determinar sua natureza. Não tem compromisso de explicar os fenômenos que descreve, embora sirva de base para tal explicação. Pesquisa de opinião insere-se nessa classificação. 18 Quanto aos meios, para tanto, foram utilizados os procedimentos abaixo relacionados: Pesquisa bibliográfica; Pesquisa documental, com a utilização de manchetes do noticiário local acerca do assassinato dos dois policiais militares, ocorrido no dia 31 de janeiro de 1997, considerado como “divisor de águas”, conforme Apêndice E; Pesquisa documental, com a utilização de expedientes arquivados na administração da 2ª Companhia (CIA) do 1º Batalhão de Polícia Militar (BPM) da PMES, acostando-se a primeira e última escala de serviço do SAC do Morro do Quadro, conforme Anexo 3, além do recibo formal do imóvel, conforme Anexo 4; Pesquisa por meio eletrônico de correspondência junto à Prefeitura Municipal de Vitória (PMV); Pesquisa por meio eletrônico de correspondência junto à Gerência Estatística e Análise Criminal da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo (GEAC/SESP), com a construção da tabela de evolução das principais ocorrências criminais no período analisado, conforme Anexo 2; Entrevistas semiestruturadas aos integrantes das comunidades analisadas e à parte integrante considerável do corpo de policiais militares que trabalharam no SAC do Morro do Quadro, conforme Apêndices A, B, C e D. Todas as entrevistas foram gravadas mediante autorização prévia dos respondentes, transcritas e, após a devida leitura, foram extraídas as partes relevantes que continham respostas às questões levantadas para a solução do problema. Quanto ao perfil dos entrevistados das comunidades, os quais estão identificados como integrantes da comunidade (IC), foram selecionadas pessoas residentes na região desde o período anterior à implantação do SAC, e que puderam acompanhar as atividades da PMES na localidade, quer na qualidade de lideranças comunitárias, como também pessoas que participaram ativamente no processo de comunitarização da polícia, conforme roteiro contido no Apêndice A. Quanto ao perfil dos policiais militares entrevistados, foram divididos dois grupos respectivamente: 19 As praças1 que trabalharam diretamente no SAC, tendo como perfil principal aqueles que, por unanimidade, participaram desde o início da implantação na região do Morro do Quadro até pelo menos mais da metade do período total até a desativação do SAC, identificados como sendo praças policiais militares (PPM), conforme roteiro contido no Apêndice B; Os oficiais2 que trabalharam na função de comando, identificados como oficiais policiais militares (OFPM). Preliminarmente, o oficial que comandava interinamente a então primeira Companhia do primeiro Batalhão da PMES durante o acontecimento da execução dos dois policiais militares na região e da efetivação do SAC, identificado como OFPM 01; e o oficial que trabalhou efetivamente no comando da companhia durante considerável parte da implantação e desenvolvimento dos trabalhos na região estudada, identificado como OFPM 02, conforme roteiros contidos, respectivamente, nos Apêndices C e D; A análise de dados está diluída nas entrevistas adquiridas, quantitativos de dados de ocorrências sob forma de gráficos, além dos documentos obtidos da administração da 2ª Cia do 1º BPM e reportagens de jornal. Todos os dados obtidos tiveram todos os comentários alusivos, procurando-se alcançar o problema de pesquisa, bem como as respostas ao objetivo geral e aos específicos, por intermédio da conclusão. 1 2 Praça: militar de classificação inferior a de oficial. Oficial: militar de posição hierárquica superior a de subtenente do exército. 20 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA POLÍCIA COMUNITÁRIA Com o propósito de demonstrar a importância das discussões relativas ao vasto tema de polícia comunitária, faz-se necessário realizar uma abordagem inicial dos aspectos que nortearam as mudanças que estão ocorrendo no cenário internacional e nacional, sobretudo por um apanhado histórico dos fatos que se cercaram na implantação dessas medidas inovadoras no campo da segurança pública, além da teorização acerca do modelo comunitário de polícia que adiante se encontram expostos. 2.1 O INÍCIO DA POLÍCIA COMUNITÁRIA NO MUNDO E EXEMPLOS INTERNACIONAIS SIGNIFICATIVOS O tema “polícia comunitária” não é assunto recente no cenário nacional, tampouco no internacional. A melhor abordagem histórica escolhida se faz a partir das principais formas de atuação das forças policiais em atenção às diferentes linhas temporais e localidades distintas. A análise desses aspectos serve como ponto de partida para o entendimento da forma de relacionamento existente entre as forças policiais e a sociedade. Em 1829, na Inglaterra, verificou-se uma iniciativa de organizar a então polícia metropolitana de Londres a uma força voltada para pilares que pudessem congregar os objetivos institucionais voltados para a sociedade civil, que ficou conhecida por “Scotland Yard”. Neste contexto, o então Ministro do interior da época, Sir Robert Peel, promoveu a adoção de nove princípios que acabaram norteando as ações e procedimentos a serem adotados pela Instituição (FERNANDES; COSTA, 1998). Essas mudanças promoveram uma profunda reforma na polícia da Inglaterra. Os princípios de Robert Peel podem ser evidenciados conforme Rodrigues et al. (2008, p. 4): 1. Prevenir o crime, a desordem ao invés de reprimir a população com o uso da força militar e punições severas; 2. A atuação da polícia depende da aprovação pública; 3. A polícia deve assegurar o desejo de cooperação do 21 público na aplicação das leis; 4. A cooperação do Público com a polícia fará diminuir, proporcionalmente, o total da força física utilizada; 5. A polícia não assegurará apoio público satisfazendo a opinião pública, mas ao demonstrar constantemente serviço imparcial à lei. Servindo à lei, servindo as pessoas sem considerar sua posição social ou riqueza, mostrando cortesia, e ao estar preparada para sacrificar a si mesma para proteger e preservar a vida; 6. A força física somente deverá ser usada pela polícia, quando a persuasão, o aviso e a advertência se mostrarem ineficientes para obter a cooperação do público na observância da lei ou para restaurar a ordem; 7. A polícia é o público, e o público é a polícia. Em outras palavras, a polícia constitui-se de membros do público que são pagos para dar a sua atenção em tempo integral; 8. É importante para a polícia abster-se de usurpar os poderes do judiciário ou punir os indivíduos, julgar ou punir culpados. Em outras palavras, não é função da polícia ser juiz ou carrasco; 9. Reconhecer sempre que o teste de eficiência e de eficácia da polícia será a ausência do crime e da desordem, e não a evidência visível da ação policial. O modelo inglês, conforme se evidenciou, sugere uma forma de atuação policial mais voltada para os cidadãos. A prevenção e o tratamento do crime como um fato social ficou latente nos princípios mencionados, lastreando a polícia com o propósito legal perante a sociedade. O policial passa a ser integrado como pertencente a um grupo social e a sua atuação não deve ser comparada a de um carrasco, e sim como um profissional responsável pela garantia dos direitos dos cidadãos. Mesmo após muitos anos após a existência dos princípios de Peel, as organizações policiais passaram por processos de mudanças que não tiveram o enfoque de suas atuações operacionais voltados para a sociedade. Os governos autoritários, por exemplo, na América Latina, utilizavam as forças policiais para a repressão da população como forma de atuação, passando com isso a gerar o afastamento da sociedade civil organizada das instituições policiais. Em contrapartida, na França, o modelo mais acentuado das forças militares é caracterizado por um regime mais repressivo. Conforme observa Finco (2009, p. 16), [...] o modelo francês (que influenciou profundamente a polícia brasileira) nasce com uma vocação totalitária, como instrumento do rei, que buscava sua hegemonia sobre todo o território nacional. Neste caso, o policiamento tinha um caráter repressivo e objetivava a defesa do estado, personalizado na figura de Luiz XIV. A figura de Luiz XIV, conforme referência anterior, está intimamente ligada ao período do absolutismo, onde o monarca abarcava o poder, sendo que as decisões 22 e atuações de repressão giravam em torno dele, e essa era uma das características de uma época de difícil convivência social. A sociedade se via obrigada a relegar a sua liberdade a um plano inferior. Pode-se evidenciar essa afirmativa, pois, conforme Cotrim (1999, p. 130), [...] no século XVII, o processo de centralização do poder atingiu o seu ponto máximo com Luís XIV (1661-1715), rei da dinastia dos Bourbons. Conhecido como o Rei Sol, Luiz XIV tornou-se o símbolo supremo do absolutismo francês, atribuindo-se a ele a famosa frase L’État c’est moi (o Estado sou eu). Ainda segundo Cotrim (1999, p. 130), a formação do Estado francês teve, dentre outras medidas, a “criação progressiva de um exército nacional subordinado ao rei”. Neste contexto, verifica-se um forte aspecto da formação da força pública voltada para o Estado e não para a sociedade. Diante de todo esse contexto apresentado, o modelo acabou ruindo em função da Revolução Francesa no final do século XVIII, em que a preocupação com a disseminação da igualdade, fraternidade e liberdade estavam por encerrar uma difícil época e dar início a um necessário regime de convivência pautada numa maior legalidade. Isto é evidenciado conforme Fernandes e Costa (1998, p. 14): A Revolução Francesa foi o grande marco. O lema da Igualdade, da Fraternidade e da Liberdade expande-se para todo o Mundo. Enfim a humanidade soltava a sua voz e simbolicamente dava o brado anunciando o limiar de uma nova época, que seria consubstanciada na busca pelo respeito aos direitos inalienáveis da pessoa humana. No final do século XVIII, os acontecimentos históricos na França gerariam novas expectativas, que multiplicar-se-iam a partir do continente europeu para todo o mundo, favorecendo o surgimento de novos ideais na sociedade, e habilitando os homens para uma fase nova em suas relações com o aparelho do Estado. Diante dessas duas vertentes, verifica-se a existência de duas lógicas de atuação das forças policiais: a prevenção e a repressão. A predominância de um modelo sobre o outro é um forte aspecto que pode acarretar no processo de aproximação ou distanciamento da população do poder público. No cenário internacional, ao longo dos anos, a polícia comunitária vem obtendo uma relevante importância para os governos e órgãos policiais como forma inovadora de alicerçar os seus procedimentos perante as demandas da sociedade. Muitas 23 experiências exitosas puderam ser vistas em vários países, dentre os quais no Japão, Estados Unidos, Canadá e em alguns paises da Europa, como a polícia de proximidade na Espanha. Tomando-se por base os Estados Unidos, segundo o livro do Curso Internacional de Multiplicador de Polícia Comunitária - Sistema Koban (BRASIL, 2008, p. 116), [...] o maior destaque americano é o programa desenvolvido na cidade de Nova Iorque. No início dos anos 90, Lee P. Brown, Chefe de Polícia daquela Cidade, encontrou dois problemas sérios na polícia: o alto índice de criminalidade e a pesada burocracia do departamento. Iniciou um processo de profunda mudança em que os conceitos do policiamento tradicional seriam substituídos por processos mais modernos e mais próximos da comunidade. Adotando medidas estruturais, operacionais e de marketing, o conceito da polícia mudou consideravelmente. Isto tudo associado a um amplo programa de Governo que integrava todos os órgãos públicos. Um dos pontos importantes do programa era o ‘Tolerância Zero’, que coibia todos os tipos de crimes e infrações às normas sociais. A mudança na abordagem policial se deu em função da implantação do programa de “tolerância zero”, onde todos os tipos de crimes passaram a ser alvo da polícia, bem como o bem-estar da sociedade passou a ser a principal meta da polícia de Nova Iorque. Uma outra iniciativa nos Estados Unidos foi a adoção do policiamento orientado para a solução de problemas, tendo como enfoque a comunidade e as suas características, como parte principal para a solução de problemas de insegurança pública. Neste sentido, pode-se claramente evidenciar uma presença muito acentuada de aspectos que podem ser latentes e indispensáveis para importantes mudanças, conforme pode se verificar, segundo Skolnick e Bayley (2006, p. 37): O enfoque orientado para a solução de problemas de Goldstein já foi testado em várias comunidades americanas. Em Madison, Wisconsin, por exemplo, a polícia era constantemente chamada ao pátio do shopping center no centro da cidade devido a pessoas que estavam se comportando de modo bizarro e desordeiro. Reportagens afirmavam ser em torno de mil o número de pessoas envolvidas nesses tumultos, descrevendo o shopping como um refúgio para desempregados e vagabundos das ruas. Não é de surpreender que o público tenha começado a evitar o shopping, e os negócios sofreram as consequências. Ao estudar o problema por um certo período, a polícia constatou que apenas treze indivíduos eram responsáveis 24 pelo problema todo: tinham estado sob supervisão psicológica e seu comportamento estranho só se manifestava quando deixavam de tomar os remédios prescritos para eles. A polícia começou a trabalhar com as autoridades de saúde mental e criou um sistema mais rigoroso de supervisão para essas pessoas. Em pouco tempo, o problema do shopping center tinha sido resolvido, os negócios começaram a aumentar, e a polícia ficou livre para tratar de outros assuntos. Muitos exemplos em outros países podem ser citados, no entanto há de se considerar que o policiamento comunitário possui uma vertente extremamente importante e ocorre no cenário internacional como ferramenta de mudança e há de ser considerada como política de segurança pública para as instituições policiais e a sociedade civil organizada. 2.2 POLICIAMENTO COMUNITÁRIO NO BRASIL E NO ESPÍRITO SANTO Em se tratando da polícia brasileira, o imaginário dos cidadãos volta-se aos fatídicos episódios que associaram a Polícia Militar à época da ditadura, com ênfase para a repressão política em que a polícia era utilizada como meio de fazer valer os interesses do Estado. Neste sentido, há de se considerar alguns trechos históricos, conforme Cotrim (1999, p. 474): No período de 1964 a 1985, o Brasil foi governado por militares, que impuseram uma cruel ditadura. Cinco militares sucederam-se no poder: Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo. Para evitar os protestos da sociedade, o regime militar cassou os direitos de voto e calou as oposições por meio da censura ou pela violência da repressão policial. Muitos brasileiros foram mortos e torturados pela polícia política nesse período. As manifestações do povo diante da barbárie eram sufocadas com a violência policial, bem como os direitos cerceados e associados aos interesses do Estado. Um exemplo ocorreu no Governo Costa e Silva com a decretação do AI-53, considerado o mais terrível instrumento de força lançado pelo regime militar. Para melhor ilustração dos termos do AI-5, verifica-se, conforme Cotrim (1999, p. 476), que 3 AI-5: Ato Institucional nº 5. 25 O AI-5 conferia ao Presidente da República poderes totais para reprimir e perseguir as oposições. Por exemplo: ele podia fechar o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores; suspender os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de 10 anos; cassar mandatos parlamentares e suspender a garantia do habeas-corpus. Tamanho era o poder ditatorial conferido ao Presidente da República que excluíam-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com o AI-5. Ainda segundo Cotrim (1999), o auge da repressão política se deu no Governo Médici, do ano de 1969 a 1974, quando vários direitos fundamentais do cidadão foram suspensos, e em todos os segmentos componentes da sociedade brasileira sentia-se a mão-de-ferro da ditadura militar. Partindo-se dessa premissa, verifica-se que o cenário político no Brasil fomentou seriamente um processo cultural de repressão nas instituições policiais, no trato com a sociedade civil e na abordagem da garantia dos direitos individuais. Dessa análise pode-se extrair que a repressão, como atuação das forças policiais, foi evidentemente uma prática de abordagem àqueles que se insurgiam contra o sistema. Este fato pode explicar a imagem das instituições policiais que permaneceu por longos anos na sociedade brasileira. Em 1988, emerge a nova Carta Magna do Brasil, carreando ao bojo do ordenamento jurídico da sociedade brasileira as garantias aos direitos fundamentais do cidadão e as mudanças no funcionamento das organizações de Estado. Neste sentido, algumas iniciativas de mudança no enfoque repressivo da polícia foram surgindo no cenário nacional e acabaram servindo de norte para a construção de políticas de segurança pública voltadas realmente aos propósitos sociais. Sem a preocupação do estabelecimento de um início de implantação do modelo interativo ou comunitário de polícia no cenário nacional, pode-se verificar o exemplo de Jardim Ângela, localizado no estado de São Paulo. No ano de 1996, Jardim Ângela foi considerado, pela Organização das Nações Unidas (ONU), o lugar mais violento do mundo. 26 Conforme se pode verificar no livro do Curso Nacional de Multiplicador de Polícia Comunitária (BRASIL, 2006, p. 304), Essa primeira base do Jardim Ângela foi instalada em 22 de dezembro de 1998 e revolucionou o relacionamento da população local com a Polícia Militar. A PM paulista iniciou o policiamento comunitário no Estado em 1997, mas aquela base foi a primeira no município de São Paulo. E havia pelo menos um grande motivo para que fosse a pioneira: de acordo com a Organização das Nações Unidas, aquele subdistrito era, em 1996, o lugar mais violento do mundo. Além de tudo, é uma área de apenas 30 quilômetros quadrados com a altíssima densidade demográfica de 8.666 habitantes por quilômetro quadrado, onde os números da violência ainda assustam: em 2000, o Sistema Estadual de Análise de Dados registrou 116,23 vítimas de homicídios por 100 mil habitantes no Jardim Ângela. No Amapá, por exemplo, o caso Macapá dos “Anjos da Paz” também ressalta um bom exemplo de mudança de enfoque das forças policiais no cenário da segurança pública, obtendo-se resultados visíveis de redução da criminalidade. Conforme se evidencia no livro do Curso de Multiplicador de Polícia Comunitária (BRASIL, 2006, p. 298), O novo modelo de policiamento resultou na diminuição surpreendentemente rápida dos índices de criminalidade nos três bairros. A queda foi visível já no início do funcionamento da polícia interativa: antes de sua instalação, a região registrava a média mensal de mais de 400 ocorrências, entre homicídios, furtos, roubos e agressões. Três meses depois, esse índice baixou para 202. E se mantém estável. ‘Muitas das ocorrências não eram sequer notificadas à polícia’, diz o capitão Santos Costa. ‘Isso não ocorre mais hoje’. No Espírito Santo, em 1994, surge, efetivamente, a implantação da polícia interativa no município de Guaçuí, sendo a pioneira no Estado, e a partir da qual ocorreram desdobramentos consideráveis dentro do cenário das políticas de segurança pública estadual. Para Fernandes e Costa (1998, p. 9), Em 1994, o Capitão Júlio Cézar Costa reinicia o processo de interatividade entre a Polícia Militar, Comunidades, Poderes Públicos e Clubes de Serviços, visando à implantação de uma mentalidade de polícia ostensiva, que na época, nas palavras do Prefeito Dr. Luiz Ferraz Moulin, seria a ‘polícia de Guaçuí, o exemplo de uma polícia cidadã, a exportar-se para todo o País’. Por iniciativa da Loja Maçônica Liberdade e Luz de Guaçuí, e ainda dos representantes da Sub-seção da OAB, do Rotary Clube, do Lions 27 Clube e finalmente da Associação Comercial, em dezembro de 1994, é criada a Comissão de Estudos para formalização do Conselho Interativo de Segurança (CISEG), sendo tal conselho empossado pelo Coronel Comandante Geral da Polícia Militar do Espírito Santo, em solenidade festiva na Câmara Municipal de Guaçuí, por ocasião do I Encontro Estadual sobre Polícia Interativa, ocorrido em 26 de janeiro de 1995. Várias reuniões antecederam à formalização do CISEG, permitindo assim, que Guaçuí fosse a primeira cidade capixaba a dar cumprimento ao mandamento constitucional, que autoriza a participação da sociedade na formulação das políticas públicas de segurança, pois desde o seu nascedouro, a participação comunitária na formulação das questões locais de segurança pública, trilhou pelo caráter democrático e isento da eclética participação de todos os segmentos da sociedade. Para se ter uma ideia da repercussão da introdução da nova filosofia de pensamento institucional, em Guaçuí ocorreu o “I Encontro Estadual Sobre Polícia Interativa”. Nesse encontro, o Comandante Geral, na época o Cel PM Alvim José Costalonga, adotou a polícia interativa como meta a ser atingida, sendo defendida e implantada pelo Governador do Estado do Espírito Santo, Dr. Vítor Buaiz, que abraçou a ideia e incluiu a polícia interativa em sua plataforma política como forma de mudança na face da segurança pública estatal (FERNANDES; COSTA, 1998). Profundas mudanças se seguiram a partir da implantação no município de Guaçuí, sendo o projeto à época difundido nos veículos nacionais e locais de comunicações, bem como sendo alvo de olhares em âmbito nacional. Em 1999, os Conselhos Interativos de Segurança Pública (CISEG) somavam 116 Organizações Não-Governamentais (ONGs), conforme a repercussão do processo de implantação da polícia interativa no Espírito Santo. Ressalta-se também que, dentre várias outras localidades, destacam-se Linhares, Centro de Vitória e Santo Antônio. Esses locais, além do município de Guaçuí, tiveram uma repercussão muito acentuada para a sociedade local em função da implantação da polícia interativa (RODRIGUES et al., 2008). Dessa forma, a filosofia de polícia interativa desbravou o Estado do Espírito Santo e alcançou muitas localidades, sobretudo com o reconhecimento por parte de vários setores no cenário nacional e internacional. 28 Entretanto, com o passar dos anos após a implantação pioneira em Guaçuí, a filosofia de polícia interativa foi ruindo gradativamente. Conforme se verificou em 2005, houve uma acentuada queda do número de Conselhos Interativos, na ordem de 119 CISEGs, em 1999, para 38 em atividade. Os cursos e treinamentos em policiamento comunitário tiveram também uma redução drástica. Enquanto, em 2002, foram capacitados 684 policiais, em 2005 apenas 28 policiais foram treinados. Esses números mostram um declínio do processo de implantação da filosofia de polícia interativa dentro da PMES e o consequente afastamento da sociedade civil organizada das discussões para a construção das políticas de segurança pública (RODRIGUES et al., 2008). Apesar desse cenário de dificuldades, a PMES vem tentando retomar o processo de implantação e execução da filosofia de polícia interativa. Em 2009, o Comando Geral da PMES implantou a “Coordenadoria de Polícia Comunitária” (ESPÍRITO SANTO, 2009), que passou a exercer a função, dentre outras atividades, de representar a instituição perante o Ministério da Justiça (MJ) e a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Essa específica atribuição demonstra a importância da Coordenadoria enquanto canal de comunicação do Estado do Espírito Santo junto ao Governo Federal, como forma de direcionamento de recursos necessários para treinamentos e implantação de projetos úteis para a instituição e a sociedade civil organizada. Como demonstração dessa preocupação, pode-se verificar o Termo de Referências do Curso Nacional de Multiplicador de Polícia Comunitária: Nos últimos anos, o Ministério da Justiça, por intermédio da SENASP/MJ, investiu vultosos recursos para implantação da polícia comunitária no Brasil. Atualmente, temos a estratégia de polícia comunitária implantada em praticamente todas as Unidades da Federação. No entanto, a falta de uma orientação doutrinária, clara, precisa e qualificada sobre a implantação, implementação e evolução deste tipo de ação policial fez com que, por trás do nome polícia comunitária, surgisse um conjunto extenso e heterogêneo de ações que muitas vezes não tem relação direta com as diretrizes deste tipo de ação. Assim sendo, a partir da identificação do papel da polícia comunitária no SUSP, estamos institucionalizando esta ação como parte integrante e fundamental do Programa Nacional de Segurança Pública, dentro da vertente estruturante ‘FORMAÇÃO E VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL’, tendo como amparo legal o Plano Plurianual 2004/2007 – Governo Federal, publicado no D.O.U de 12/08/04, Suplemento A, página 29 13, que estabelece no seu bojo a diretriz nº 5 – Adoção do policiamento comunitário, como política de segurança pública descentralizada e integrada, e a Lei n.º 10.201, de 14/02/01, atualizada pela Lei n.º 10.746 de 10/10/2003 que institui o Fundo Nacional de Segurança Pública – FNSP, que também estabelece no seu bojo o incentivo e o apoio aos programas de Polícia Comunitária (TERMO..., 2010). Neste sentido, verifica-se uma preocupação do Comando Geral da PMES no sentido de retomada da disseminação da filosofia de polícia interativa por intermédio da capacitação de profissionais nos cursos nacionais de polícia comunitária, em parceria com a SENASP. Além disso, a criação da Coordenadoria de Polícia Comunitária abre uma maior possibilidade de lastrear os propósitos da instituição junto aos anseios das comunidades atendidas. 2.3 UMA ANÁLISE DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO Com a melhor finalidade de ilustração e entendimento do processo de comunitarização promovido na região estudada neste trabalho, a seguir são apresentados alguns conceitos sobre a sistemática do policiamento comunitário e suas vertentes. Este conteúdo é uma base teórica de explicação das mudanças ocorridas para a região, em função da implantação do SAC do Morro do Quadro. À luz de importantes obras, se faz necessário lastrear importantes raciocínios e experiências ao presente trabalho, com o fim de compreensão de que todo o processo de comunitarização é realizado por intermédio do conhecimento de alguns termos e princípios que antecederam à execução do policiamento adotado. 2 3 1 A polícia comunitária e a sua fundamentação legal O processo de comunitarização da polícia, bem como os seus desdobramentos, está alicerçado por um vasto embasamento legal, a fim de legitimar as ações policiais e permear a participação dos cidadãos como importantes peças na construção das políticas e ações de segurança pública. 30 A Constituição Federal de 1988 constrói no cenário nacional um marco de modificações em muitos aspectos na sociedade brasileira, sobretudo nas garantias de direitos, expostas no artigo 5º aos cidadãos brasileiros. Em atenção aos regimes autoritários e às tragédias decorrentes, sem dúvida foi uma vitória para o início da construção da democracia no Brasil. Há de se considerar relevantes análises acerca do tratamento destinado à segurança pública. Como lei máxima no país, é de fundamental importância que o norte das atividades das instituições encontre amparo legal a fim de propiciar uma maior legitimação perante a sociedade civil organizada. Para Pedroso (2005, p. 65), A Constituição Federal de 1988, em seu capítulo II, que tratou da Segurança Pública, estabeleceu em seu artigo 144 que a segurança pública é um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos e que deve ser exercida para a preservação da ‘ordem pública’ e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Cabendo à Polícia Militar o trabalho de polícia ostensiva e de preservação da ‘ordem pública’, constituindo força auxiliar e reserva do exército. Na frase da “responsabilidade de todos”, as pessoas podem ser encorajadas a participarem não só como meros denunciantes, mas principalmente, reais participadores da construção das políticas de segurança pública. No Espírito Santo, pode-se carrear uma importante legislação que deu partida para o processo de comunitarização. Conforme Fernandes e Costa (1998, p. 7), A comunitarização da polícia no Estado do Espírito Santo, como um sistema oficial e formal, iniciou-se em 13 de novembro de 1985, com a edição do Decreto n.º 2.171, autorizando a criação dos Conselhos Comunitários de Segurança no território capixaba. Neste mesmo ano, a Polícia Militar do Espírito Santo criou, através da Diretriz nº 02/85 – 3ª Seção do Estado Maior da Polícia Militar, o Programa de Interação Comunitária, denominado de ‘Pacto’, como forma de proporcionar condições de execução das disposições contidas no Decreto já mencionado. A sociedade neste aspecto possui liberdade plena para encaminhar ao poder público as demandas estruturais necessárias para a implantação de importantes mudanças, 31 legitimando assim na Constituição Federal a participação social, com a abertura de espaços que possam canalizar a participação ativa dos cidadãos. Segundo Fernandes e Costa (1998, p. 87), A questão da ética policial tem recebido alguma consideração nos instrumentos internacionais de direitos humanos e justiça criminal, de maneira mais destacada no Código de Conduta para os Encarregados da 4 Aplicação da Lei (CCEAL) . A resolução da Assembleia Geral da ONU que estabeleceu o CCEAL declarou que a natureza das funções policiais na defesa da ordem pública e a maneira como essas funções são exercidas, possui um impacto direto na qualidade de vida dos indivíduos, assim como da sociedade como um todo. Ao mesmo tempo em que ressalta a importância das tarefas desempenhadas pelos policiais, a Assembleia Geral também destacou o potencial para o abuso que o cumprimento desses deveres acarreta. A prestação de contas da polícia aos cidadãos se faz diariamente com as suas atividades cotidianas e a sua atuação dentro da legalidade, e também nos espaços ofertados. Essa prestação de contas tem o fim de divulgar à população os dados do que se tem feito e propiciar a abertura de diálogo, com o propósito da melhor coleta possível de informações e problemas. Verifica-se então que é lícito à sociedade debater sobre segurança pública conjuntamente com os órgãos de defesa sociais nas unidades federativas. Dessa discussão, pode-se consolidar ferramentas úteis para a implantação de projetos que atendam aos anseios locais das comunidades. Da mesma forma reza a Carta Magna, em seu artigo 144, que cabe às polícias militares a preservação da ordem pública, através do policiamento ostensivo (BRASIL, 1988). O termo “preservação da ordem pública” dá um sentido muito amplo na atuação da PMES e na de todas as polícias militares do Brasil, oferecendo um leque muito acentuado de opções e direções que essas forças policiais podem seguir. Corroborando com essa premissa, segundo Silva (2003, p. 399), 4 O CCEAL foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na sua resolução n.º 34/169, de 17 de dezembro de 1979. 32 [...] na vertente da ‘preservação da ordem pública’, implicam o domínio de conhecimentos que capacitem os policiais a tomar decisões diante de situações imprevisíveis e complexas do dia-a-dia, para o que a criatividade e o bom senso devem ser estimulados, e não o condicionamento militar. Uma coisa não é compatível com a outra, mas simplesmente treinar o policial para cumprir ordens e agir sem refletir sobre as suas próprias ações é assemelhá-lo a um robô, o que só seria possível em situações em que ele não precisasse pensar... Enfim, com essas transformações, o adjetivo ‘militar’ do nome Polícia Militar passou a referir-se mais à hierarquia e à disciplina internas, para efeito de controle do pessoal. Diferente, portanto, do que ocorria antes de 1964. A manutenção do termo “forças auxiliares e reserva do exército” mantém as polícias militares no capítulo da segurança nacional, provocando uma destinação muito diferente da que deveria possuir. As polícias militares possuem uma finalidade muito mais social do que de enfrentamento, em atenção aos tipos de demandas que surgem durante o cotidiano. Para Silva (2003, p. 390), “[...] a Constituição de 1988 não só manteve as Polícias Militares como ‘forças auxiliares e reserva do Exército’ (Art. 144, §6º) como colocou o capítulo da Segurança Pública – e as polícias – sob sugestivo título: ‘Da Defesa do Estado’ [...]”. Essa tônica pode explicar a manutenção do tipo de atuação das polícias militares voltado fortemente ao confronto armado, gerando com isso uma visão muito mais belicista das instituições do que voltada para a sociedade. Outra importante consideração reside no policiamento ostensivo como forma de atuação das polícias militares. Sobre esse aspecto, por exemplo, a farda, as viaturas caracterizadas e as bases fixas de policiamento, foco desse trabalho, são algumas manifestações que a ostensividade das polícias militares podem acarretar no cumprimento de sua função constitucional. Neste sentido, o contexto da implantação do SAC é perfeitamente legal e oportuno, carreando então a filosofia das bases fixas de policiamento interativo com a ostensividade necessária para a visualização e o alcance da sociedade aos serviços de policiamento realizado por parte do Estado através da Polícia Militar, fundamentando assim a importância da criação dessas estruturas. 33 A legalidade que antecede o policiamento acaba fundamentando também todas as providências que surgirão no contexto da atuação da PMES nas suas respectivas localidades, tendo em vista que, diante dos fatos que serão encaminhados ao SAC, haverá uma resposta legal para aquele problema apresentado à polícia. Neste sentido, haverá desdobramentos com destinações aos órgãos que pertencem ao Estado, como a Polícia Civil, Ministério Público, Poder Judiciário e até mesmo à Prefeitura Municipal, podendo ser fator de importante ferramenta de mudanças estruturais das localidades. Como exemplo, pode-se citar a delicada questão da criança e do adolescente. Nesse aspecto, existem direitos a serem preservados e localidades apropriadas para o encaminhamento legal nos casos do cometimento dos atos infracionais. Conforme o ECA, no Capítulo II, do Direito à Liberdade, Ao Respeito e à Dignidade, Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis (BRASIL, 1990). No seio das comunidades residem muitos conflitos decorrentes dos próprios relacionamentos humanos e o entendimento de suas causas pode acarretar numa forma diferente de abordagem ao problema. O caso citado como exemplo mostra apenas uma parte dos diversos conhecimentos que os profissionais de polícia devem possuir para alinhar as suas atitudes junto aos órgãos do poder público. Esses relacionamentos são de fundamental importância para que haja as mudanças necessárias para a transformação de uma localidade hostilizada para um ambiente de convivência mais harmoniosa. Muitas demandas que podem surgir de relatórios dessas bases fixas de policiamento podem subsidiar ações estruturais como melhoria de iluminação pública, abordagens a indigentes e até mesmo a construção de escolas e outros serviços julgados importantes para aquela comunidade, tendo na legalidade uma importante ferramenta de mudanças a seu favor. 34 2 3 2 Comunidade A compreensão do conceito de comunidade é necessária para o entendimento da complexidade dos acontecimentos e relacionamentos envolvidos, e para que se possa ajustar a melhor forma de atuação das forças policiais dentro dessas localidades. Segundo Trojanowicz e Bucqueroux (1994, p. 91), [...] a própria natureza da comunidade constitui um dos primeiros problemas enfrentados por alguém que tenta iniciar esforços para lidar com o crime, a desordem e o medo. Uma comunidade agrícola coesa de 5000 habitantes, uma cidade industrial, uma capital, uma cidade universitária, uma metrópole – todas diferem radicalmente em termos de taxas de criminalidade, grau de homogeneidade ou heterogeneidade cultural, recursos financeiros e institucionais, condições políticas e medo do crime. A observação desses fatos proporciona uma melhor visão acerca dos problemas, que são percebidos de maneira diferente quando se presta atenção às diferenças geográficas, sociais e econômicas. Dessa forma, há demandas também diferenciadas no que se refere à segurança pública. O respeito às diferenças existentes no interior das comunidades – e sobretudo o alinhamento dos interesses dos moradores e organismos pertencentes à comunidade – são necessários para que haja o funcionamento harmônico entre os órgãos e as pessoas. Para Bauman (2003, p. 101), A sociedade era imaginada como o pai poderoso, rigoroso e às vezes implacável, mas sempre pai, alguém a quem sempre se podia recorrer em busca de ajuda em caso de problemas. Tendo desde então dispensado, ou tendo sido roubada de muitos dos eficientes instrumentos de ação que manejava nos tempos da soberania inconteste do Estado-nação, a ‘sociedade’ perdeu muito de sua aparência ‘paternal’. Pode algumas vezes ferir, e dolorosamente; mas no que diz respeito ao suprimento dos bens necessários para uma vida decente e para enfrentar as adversidades do destino, ela parece perturbadora de mãos vazias. Por isso as esperanças de salvação que podem vir das torres de controle (adequadamente tripuladas) da ‘sociedade’ definham e se esvaem. Por isso também a ‘boa sociedade’ é uma noção a que a maioria de nós não dá maior importância, e cuja consideração seria vista como uma perda de tempo. 35 O conceito de comunidade se faz de forma muito complexa, uma vez que o ambiente é composto por uma heterogeneidade acentuada de pessoas com diferentes interesses e classes sociais, porém, com um grande objetivo comum: a garantia da segurança pública. Nessas condições, o poder público, internamente, necessita delinear ferramentas de abordagem a essas localidades, respeitando toda a complexidade existente no seio das comunidades e lastreando os moradores ou seus representantes na construção de suas atividades. Segundo consta no livro do Curso Nacional de Promotor de Polícia Comunitária, a “[...] teoria do patrocínio normativo postula que a maioria das pessoas tem boa vontade e irão cooperar com as outras para facilitar a construção de um consenso” (SOWER, 1957, apud BRASIL, 2007, p. 296). Na sequência, o texto do curso afirma que “[...] Quanto mais diversos grupos partilham valores, crenças, e objetivos comuns, mais provavelmente irão concordar a respeito dos objetivos comuns, quando interagem com propósito de melhorar os bairros” (BRASIL, 2007, p. 296). Dessa forma, no meio social pode-se sempre encontrar e encorajar pessoas, para que juntas possam lutar pelos seus direitos, melhorando os serviços públicos que a elas estão disponibilizados, em sintonia com uma melhoria da qualidade de vida de toda a sociedade, mesmo diante do cenário do medo e da violência. A partir do exposto evidencia-se, portanto, que o conceito de comunidade está intimamente ligado ao conjunto de pessoas que estão presentes em uma localidade, e cujos interesses são difusos. Porém, todos juntos objetivam a ordem pública e o bem-estar da coletividade. Nesse contexto, o conhecimento do poder público a respeito dessa heterogeneidade pode abarcar formas mais adequadas de intervenção nessas localidades, visando o alinhamento dos interesses da maioria da coletividade. 36 2 3 3 Policiamento comunitário O tema do policiamento comunitário vem sendo discutido e adotado por várias forças policiais, em âmbito nacional e internacional, em atenção a uma importante ferramenta que desponta para a administração do controle social, e que é focada na participação da sociedade civil organizada. Vários são os autores que procuram conceituar o “policiamento comunitário”, dentro dos aspectos da segurança pública nos espaços geográficos da sociedade, em virtude da complexidade das visões que cada um possui acerca do tema. Segundo Trojanowicz e Bucqueroux (1994, p. 5), O policiamento comunitário exige um comprometimento de cada um dos policiais e funcionários civis do departamento policial com sua filosofia. Ele também desafia todo o pessoal a encontrar meios de expressar esta nova filosofia nos seus trabalhos, compensando assim a necessidade de manter uma resposta rápida, imediata e efetiva aos crimes individuais e as emergências, com o objetivo de explorar novas iniciativas preventivas, visando a resolução de problemas antes que eles ocorram ou se tornem graves. Dentro dessa premissa, o policiamento comunitário nasce nas instituições policiais por intermédio de uma profunda mudança de mentalidade voltada para a sociedade e a ruptura dos antigos hábitos da repressão que faziam parte de uma visão tradicional de polícia. Para Maquiavel (2008, p. 182), “[...] um príncipe pouco deverá temer uma conspiração se tiver a confiança do povo, que é uma das mais importantes coisas que deve procurar; contudo, se é rejeitado pelos súditos, deverá temer a todos e a tudo”. Pode-se verificar a necessidade dos profissionais de segurança pública possuírem a confiança de público, a fim de que este possa conspirar em favor da polícia. Caso contrário, a polícia não conseguirá auferir o apoio necessário da sociedade para o controle da criminalidade. 37 Neste sentido, a mudança de atitudes referente à conduta dos policiais, de modo que esteja voltada para o social, se faz necessária. A sociedade, por sua vez, necessita estar preparada para tal aproximação, uma vez que vários foram os casos que associaram o passado de repressão, em nosso cenário nacional, à instituição Polícia Militar. E todas as associações decorrentes dessa premissa posicionam a instituição sempre em uma situação de críticas severas e muitas vezes descabidas no que se refere à sua real atuação. Tais fatos são relembrados quando alguns casos de violência e corrupção policial são divulgados na mídia, gerando uma ideia de que todos os integrantes das instituições policiais são truculentos e corruptos. Neste sentido, cabe ao próprio policial essa mudança, como profissional que está diretamente ligado à sociedade, atendendo-a e promovendo espaços que permitam essa aproximação. Para Trojanowicz e Bucqueroux (1994, p. 4), Policiamento comunitário é uma filosofia e uma estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâneos tais como crime, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade geral da vida na área. Neste sentido, o policiamento comunitário está voltado principalmente para a implantação de uma filosofia de aproximação e ajuda mútua, tanto da polícia para com a sociedade e vice-versa, uma vez que a sociedade trabalhará em prol de uma melhoria de qualidade de vida. Mesmo diante das dificuldades de atendimento a necessidades estruturais da instituição, a sociedade possui o direito de opinar e cobrar para onde os seus impostos estão sendo investidos dentro dos órgãos públicos e, neste sentido, participar diretamente para que os investimentos na segurança pública sejam direcionados nas localidades que efetivamente estão necessitadas do amparo do poder público. 38 Para Silva (2003, p. 351), Num momento em que se reconhece a necessidade de que a segurança seja compartilhada por todos, não há como seguir adiante sem investir pesadamente na democratização da polícia, no interesse da segurança de todos os segmentos sociais, dos quais se espera a união de esforços contra o inimigo comum, o verdadeiro criminoso, encontrado em qualquer lugar. O policiamento comunitário ou interativo enseja então uma aproximação entre a polícia e a comunidade, não só ao indivíduo isolado, como também aos organismos que estão presentes no seio da sociedade. Verifica-se que o conjunto de pessoas pertencentes à comunidade está em permanente contato com os policiais em suas rondas, dialogando e construindo laços de confiança mútuos. Desse relacionamento cotidiano, pode-se extrair uma proporção direta na diferença entre deter o conhecimento exato do que está ocorrendo em determinada localidade e desconhecer profundamente o caos, adotando medidas superficiais para a sua solução. 2 3 4 Os conselhos comunitários de segurança A participação da sociedade na construção das ações policiais pode ser uma importante vertente que necessita ser sedimentada, bem como um desafio muito grande a ser enfrentado. Neste sentido, ao dar voz à sociedade, o poder público pode passar a ser municiado de informações sobre a realidade dos acontecimentos daquelas localidades, bem como prestar contas à sociedade sobre as suas ações e informar as suas falhas, e envolver os cidadãos para a solução dos problemas apresentados. Os Conselhos comunitários ou interativos de segurança pública encontram-se neste contexto, por intermédio da construção de um meio que permita realizar a interface entre o poder público e a sociedade civil organizada, com a séria possibilidade da comunhão de esforços conjuntos. 39 Para Silva (2003, p. 355), Em suma: na realidade, a polícia comunitária é resultado de uma constatação: de que as formas tradicionais adotadas pelo poder público para enfrentar a criminalidade e manter a ordem, centradas na ação preventiva e repressiva da polícia, no modelo dito profissional, não se sustentam numa sociedade fragmentada como a atual, e que a provisão de segurança, como já comentado anteriormente, consiste também na administração de riscos por parte de diferentes instituições públicas e privadas, pela polícia especificamente, pela sociedade em geral e pelas comunidades em particular [...]. Em meio a um cenário de criminalidade em que as pessoas estão cada vez mais reféns e amedrontadas com as práticas delituosas, a participação social se faz necessária no sentido de que sejam transmitidas informações suficientes à polícia ou a participação em transformações fundamentais para que as forças policiais se adaptem às suas demandas. Urge então um desafio por parte das forças policiais de conclamar a sociedade para a luta por sua própria qualidade de vida, por intermédio de participações que mudem o cenário de insegurança pública no seio das comunidades. Como ilustra Waiselfisz (2010, p. 17), Na década 1997/2007, o número total de homicídios registrados pelo SIM passou de 40.507 para 47.707, o que representa um incremento de 17,8%, pouco inferior ao incremento populacional do período que, segundo estimativas oficiais, foi de 18,6%.5 Verifica-se que, em números absolutos, o cenário nacional foi palco de uma alarmante e sangrenta cifra com um somatório, no período de 1997 a 2007, de 512.216 vítimas. O dado demonstra uma preocupação muito acentuada no que tange ao aumento da violência, podendo afetar claramente na percepção da sociedade acerca da gravidade dos crimes (WAISELFISZ, 2010). Segundo consta no livro do Curso Nacional de Promotor de Polícia Comunitária (BRASIL, 2006, p. 298), os conselhos comunitários de segurança são entidades de 5 SIM: Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Justiça. 40 direito privado, com vida própria, são independentes em relação aos segmentos da segurança pública ou a qualquer outro órgão público. Fica evidente que o sentido de organização não-governamental dá a autonomia necessária para a condução das atividades dos conselhos comunitários de forma transparente e independente de critérios político-partidários. Isto força o poder público a receber a sociedade legalmente representada para o encaminhamento, acompanhamento e a solução dos problemas inicialmente apresentados. Quando uma demanda nasce nas discussões junto à Polícia Militar, por exemplo, deve ser carreada ao alto comando da Instituição e alavancar os recursos necessários para a sua solução. Muitas vezes, as demandas representam problemas que podem estar atrapalhando o funcionamento de uma importante atividade. Para Silva (2003, p. 374), Considerando que a segurança pública é um bem difuso e indivisível, isto é, não pode ser medido, fracionado e proporcionado de forma individualizada; e considerando também que é um bem ao qual todos têm direito, independentemente do local de moradia ou condição social, cada vez menos (à medida que a sociedade brasileira vai se democratizando) é possível distribuir os serviços policiais em função da hierarquia social e das relações informais. Assim, diferentemente do que ocorria há uma ou duas décadas, de pouco adiantará que pessoas ou grupos particulares ‘exijam’ do Estado mais segurança, ou melhor, polícia para a sua rua, para a porta do seu condomínio, do seu edifício, para as proximidades do seu hotel, da sua casa de espetáculos, do seu comércio. As demandas surgidas nas reuniões internas dos conselhos comunitários de segurança pública também estão afetas a outros órgãos de defesa social, além da Polícia Militar, e mais além ainda, como melhorias estruturais das cidades que venham minimizar problemas de insegurança. Como se pode verificar na citação acima, os casos específicos de interesses particulares passam a não ser o foco dos debates em função de um interesse público maior e coletivo. Para Fernandes e Costa (1998, p. 85), Os Conselhos Interativos de Segurança Pública, surgidos a partir de 41 Guaçuí/ES, são organizações não-governamentais, com personalidade jurídica própria, formados pela sociedade civil organizada, e que recepcionam as demandas populares na área da segurança pública, funcionando como instrumentos de gestão democrática e participativa neste segmento, inovando, pois constituem-se no fórum de supervisão e controle civil dos órgãos policiais envolvidos no processamento da interação. Conforme exposto anteriormente, os Conselhos Comunitários ou interativos de Segurança são importantes canais de comunicações entre as comunidades e a polícia, podendo inclusive extrapolar situações que não estão diretamente vinculadas com a segurança pública. Problemas afetos à iluminação precária, residências abandonadas, indigência social, dentre outros aspectos, podem estar sendo condicionantes para a eclosão da criminalidade e alvos de discussões nesses fóruns para a canalização de respostas às demandas surgidas. Nesse contexto, segundo Fernandes e Costa (1998, p. 93), Interação Estratégica e Social consiste em mobilizar recursos internos e externos à polícia, no intuito de promover e consolidar a parceria com as comunidades e agências públicas e civis – elemento essencial no processo de comunitarização do provimento de ordem pública. Recomenda-se o emprego de expedientes criativos para sensibilizar e envolver as comunidades e suas lideranças nas atividades do programa. Deve-se, ainda, fazer uso de dispositivos formais e informais que visem não só garantir e ampliar a participação comunitária, como também estimular o convívio social entre policiais e cidadãos. Em conformidade com a citação anterior, verifica-se que a mobilização de recursos externos à própria polícia para a resolução de problemas que não estão diretamente vinculados à atividade policial possui forte necessidade. Apesar desses problemas não pertencerem diretamente à alçada policial, eles são passíveis de condicionar algum crime, caso o poder público externo à polícia não tome as providências adequadas. O enfoque se dirige à participação coletiva e apresentação mútua dos problemas, e fomenta um processo de discussão direcionado a ações que permitam minimizá-los. Além disso, possibilita o encaminhamento de comissões formadas pela sociedade 42 civil organizada aos dirigentes de órgãos públicos, concedendo poder às comunidades de cobrarem aquilo que efetivamente pertence ao povo por direito. 2 3 5 O advento das bases fixas de policiamento interativo As bases fixas de policiamento interativo ou comunitário constituíram dentro da PMES uma forma de atuação que esteve em evidência e, ao longo dos anos foram sendo desativadas em função de vários fatores, dentre os quais a falta de efetivo policial militar. O contexto de policiamento a pé possui a sua importância em função do maior tempo de permanência junto à sociedade, possibilitando o conhecimento real dos problemas que estão em trâmite nas comunidades. Para Skolnick e Bayley (2006, p. 29), O que uma ronda a pé pode fazer, entretanto, é reduzir o medo do crime, em especial a onda de medo que paira em locais que parecem não seguir as normas e estar fora de controle. Patrulhas a pé eles sustentam, poderiam reduzir os ‘sinais de crime’ e de desordem, tais como vandalismo, pichações, comportamento agressivo e violento, mendigos pelas ruas, bicicletas e skates guiados perigosamente nas calçadas, bebedeiras em público, música muito alta e vagabundos dormindo em locais públicos. Nesse cenário, com o passar dos anos, os moradores de uma comunidade passam a conhecer todos os policiais militares que atuam naquele posto policial, em razão do cotidiano de seus serviços e de suas aproximações com muitas pessoas. Isto acontece com a finalidade de orientação ou para realizar alguma providência de cunho mais repressivo, como, por exemplo, uma prisão em flagrante. Conforme Rolim (2006, p. 65), Um novo modelo, proativo, de policiamento deve estar tão próximo e vinculado às comunidades quanto possível, inclusive com a retomada dos patrulhamentos a pé. A ideia central nesse caso é substancialmente diferente daquela direcionada para o número de prisões efetuadas ou a taxa de resolução de crimes. Ela parte do princípio de que um percentual muito significativo dos crimes, especialmente os chamados ‘crimes de oportunidade’, podem ser evitados. E compartilha também o pressuposto de 43 que uma intervenção racional das forças policiais, em parceria com entidades da sociedade civil, pode alterar várias das condições que são preditivas do crime e da violência. Por conta disso, o ponto central desse novo modelo deve ser a prevenção. Na prática, a forma mais visível de sedimentar o processo de polícia comunitária, dentro de uma visão de contribuição da PMES, está ligada à construção de algo que possa oferecer à sociedade um sentimento de confiança e credibilidade. Neste sentido, verifica-se que as estruturas fixas de policiamento podem possibilitar uma ferramenta para que a aproximação e o permanente contato da polícia com as comunidades fundamentem um posicionamento aceitável como norte de referências para as vítimas de crimes ou prevenção de fatos que não foram consumados. Ainda segundo Rolim (2006, p. 65), O trabalho da polícia passaria a ser avaliado pelo mal que ela foi capaz de evitar, ou seja, pelas ocorrências criminosas e violentas que ela soube impedir, e não pelos resultados alcançados diante do mal já praticado. Afirmá-lo assim pode parecer estranho em um contexto no qual nos acostumamos a pensar em ‘prevenção’ no âmbito de políticas sociais e nunca no âmbito das tarefas específicas de policiamento. A prisão de meliantes, as apreensões de drogas e armas de fogo e essa vinculação ao noticiário na mídia acarreta uma visão de “eficácia” por parte da polícia, no entanto, conforme Rolim, a ocorrência já foi consumada e o mal já é um fato confirmado. Não podemos dizer que não houve ação eficiente por parte da polícia nesses casos de atuações repressivas. No entanto, com a adoção da polícia comunitária, a prevenção emerge a um nível de importância muito maior em função da capacidade de debelação do fato criminoso apenas com a presença policial e o comprometimento da sociedade. Em 1994, o município de Guaçuí foi contemplado com uma importante mudança a partir da implantação da polícia interativa, como nova forma de filosofia do emprego do policiamento ostensivo aos integrantes locais da PMES. Verificou-se à época, em meio a essa implantação, o incremento do Serviço de Atendimento ao Cidadão 44 (SAC), que serviu como base de atendimento à comunidade e de onde partia o efetivo para o policiamento. Neste sentido, segundo Fernandes e Costa (1998, p. 91), Serviços de Atendimento aos Cidadãos: constituem-se na setorização territorial das ações táticas da polícia, atuando como pontos referenciais para o atendimento às comunidades de forma descentralizada, e que visam estabelecer a efetiva prática da comunitarização da polícia. Os Serviços de Atendimento aos Cidadãos também têm por objetivo facilitar o acesso dos cidadãos à polícia, visto que nestes lugares, procura-se de modo enfático atuar na resolução preventiva dos problemas originados no cotidiano das comunidades, e que por vezes pelo pequeno impacto são desprezados, mas que funcionam como alimentadores do aumento da sensação de insegurança e de temor da sociedade. Essas estruturas com a denominação de “SAC” passaram a substituir o chamado Destacamento Policial Militar (DPM), em função da implantação da polícia interativa na PMES, dando um tom mais aberto para os cidadãos se aproximarem da instituição. Em meio a essa mudança, verifica-se também um importante processo de transição, no qual a PMES passa a adotar referências de atendimento à sociedade. As bases fixas de policiamento interativo ou comunitário possuem denominações diferentes em outras localidades, porém a filosofia no atendimento é preservada. Como exemplo, cita-se os modelos adotados em São Paulo, e até mesmo no Japão, com estruturas fixas de atendimento em regime de vinte e quatro horas. Em meio à implantação dessas estruturas, há implicações de administração de recursos humanos e materiais necessários para a sua constituição. O modelo japonês de policiamento comunitário remonta ao ano de 1874. Há mais de 130 anos os japoneses implantam o policiamento a pé como forma de permanência nas comunidades. Esse policiamento também é interligado através de bicicletas, viaturas policiais e até mesmo embarcações (BRASIL, 2008). Há de se verificar que o investimento no aparato policial para a melhoria da prestação de serviços, no modelo implantado no Japão, apresenta eficácia, com a 45 delimitação e o posicionamento de postos fixos denominados Kobans6 e Chuzaishos7. Esses postos de atendimento à população constituem referências na procura e encaminhamentos dos problemas de segurança pública. Na mesma literatura, é mostrado que o Japão soma cerca de 15.000 postos policiais para atendimento à população, e suas dimensões territoriais somam pouco mais que o estado de São Paulo, com cerca de 150 milhões de habitantes (BRASIL, 2008). Da mesma forma, na Polícia Militar do Estado de São Paulo verificam-se as chamadas “bases comunitárias”, que consistem em postos policiais que funcionam em regime de vinte e quatro horas por dia para o atendimento aos cidadãos. A filosofia implantada pela Polícia Militar daquele Estado tem sido empregada segundo a metodologia implantada no Japão, com ênfase ao policiamento a pé e maior aproximação da polícia com as comunidades. Segundo o livro do Curso Nacional de Multiplicador de Polícia Comunitária (BRASIL, 2006, p. 304), a primeira base do Jardim Ângela, em São Paulo, foi instalada em 22 de dezembro de 1998 e revolucionou o relacionamento da população local com a Polícia Militar. Neste sentido, constata-se que as estruturas fixas de policiamento, como referência à população, podem representar um norte a ser seguido, no âmbito do estado do Espírito Santo ou em qualquer outra área, guardando-se as cautelas necessárias relacionadas com o tipo da região a ser atendida e com a melhor abordagem a ser empregada. Para Silva (2003, p. 367), [...] fala-se muito, e com entusiasmo, das cabinas e distritos comunitários do Japão (Koban), mas seria um equívoco pensar em copiá-los pura e simplesmente sem levar em conta as diferenças culturais e a forma de o poder público se relacionar com a população naquele país. Assim, informados dos desenvolvimentos da polícia comunitária em outros países, 6 7 Kobans: Postos policiais japoneses localizados no meio urbano. Chuzaishos: Postos policiais japoneses localizados no meio rural. 46 importará indagar sobre os valores culturais da nossa própria sociedade, para saber até onde é possível adotar tal filosofia. Evidencia-se que o trabalho desenvolvido pelos policiais nas estruturas fixas depende de muitos fatores, dentre os quais a forma mais adequada do tipo de policiamento a ser empregado. Essa premissa lastreia a possibilidade de aproximação com a sociedade e pode nortear ações mais eficazes diante dos problemas apresentados no cotidiano. Toda a dinâmica apresentada constitui-se numa relevante importância do SAC para a comunidade local, associando a presença policial ao cotidiano das pessoas, como uma resposta para as suas demandas. A mesma importância se dá à disponibilidade do efetivo policial empregado e ao seu comprometimento com o serviço que executa e com os problemas existentes no seu setor de trabalho. 2 3 6 Permanência e responsabilidade territorial A execução do trabalho policial em uma determinada localidade necessita, obrigatoriamente, que o policial permaneça num relevante espaço de tempo possível dentro de seu setor de serviço, a fim de que possa conhecer efetivamente os problemas e os moradores, para então fomentar o desenho de ações de rotina. Segundo Fernandes e Costa (1998, p. 87), A experiência originária da cidade de Aberdeen na Escócia, com os chamados ‘team policing’ ou equipes de policiamento, comprovam que, para que se efetive a comunitarização da polícia, é necessária a aplicação do exercício de policiamento com profissionais ambientados na circunscrição social onde se desenvolve a parceria. As partes devem se conhecer, pois somente através dos contatos pessoais de seus integrantes é que se obterá êxito no controle da criminalidade, visto que policiar é, sobretudo conhecer, investigar, obter informações, entre outros tantos aplicativos. Neste sentido, verifica-se que a permanência do profissional de polícia junto a uma devida circunscrição geográfica culmina em um maior conhecimento da realidade 47 dos problemas ali presentes, possibilitando nortear de forma mais eficaz e eficiente as possíveis soluções. Ainda que os crimes possam ser consumados, a riqueza de informações que os moradores locais podem transmitir aos policiais daquela localidade se constitui em um diferencial muito elevado. Neste sentido, a credibilidade no serviço policial pode acarretar numa preciosa contribuição às investigações posteriores que ocorrerão acerca dos fatos, tudo isso gerado preliminarmente por intermédio da aproximação da força policial com moradores e a construção de um relacionamento sadio e capaz de mudanças significativas. Dessa forma, conforme ressalta Rodrigues, Miranda e Tatagiba (2008, p. 34), A fixação do efetivo policial ostenta-se como um grande avanço para o policiamento comunitário. À medida que o policial permanece num determinado setor de patrulhamento, é possível que conheça facilmente a sua realidade e os seus problemas; assim como se relacione com as pessoas do local. Deve-se evitar que os policiais comunitários sejam trocados com frequência. A permanência do policial nos setores de serviço também está diretamente guiada pelo compromisso da instituição de não retirar os policiais daquela área e pela manutenção das escalas de serviço, para que uma rotina seja estabelecida. A rotatividade de policiais na área de policiamento trará exatamente o contrário: o desconhecimento da área, das pessoas que nela residem e trabalham no local e, principalmente, dos problemas locais. A responsabilidade territorial significa: Comprometimento do policial militar ou da OPM com uma área geográfica determinada, buscando todos os mecanismos junto à sociedade para a identificação dos problemas e as suas soluções. É a preocupação e o compromisso com os resultados a serem alcançados por parte da Polícia, no campo da Segurança Pública, visando atender satisfatoriamente as carências do grupo social atendido. A prática da mini-chefia ou minigerência e a fixação do efetivo facilitam a compreensão da responsabilidade territorial nas comunidades e nos setores de policiamento ostensivo (RODRIGUES; MIRANDA; TATAGIBA, 2008, p. 34). 48 A responsabilidade territorial se resume, então, em um sentimento de compromisso do profissional de segurança pública que está atuando diretamente no seio das comunidades. Esse sentimento é construído por intermédio do envolvimento com as pessoas e com a área de atuação daquele profissional. Em seu cotidiano, o profissional é demandado exatamente por aquelas pessoas que se encontram na comunidade durante o seu turno de serviço. Com a finalidade de dar respostas à sociedade local, ele é encarregado de estar presente e com a sua conduta voltada para a melhor prestação de serviço aos cidadãos. Em meio aos conflitos sociais, o policial deve ser considerado peça importante neste cenário, devendo possuir habilidade suficiente para conduzir os conflitos na comunidade, visando a melhor solução possível. O policial acaba por ser eleito, de alguma forma, por parte da comunidade local, como mediador de conflitos e profissional responsável por sedimentar uma atmosfera de tranquilidade. Segundo Skolnick e Bayley (2006, p. 33), O policiamento deve ser adaptável. Para realizar esta tarefa, deve-se dar aos comandantes subordinados a liberdade para agir de acordo com suas próprias leituras das condições locais. A descentralização do comando é necessária para ser aproveitada a vantagem que traz o conhecimento particular, obtido e alimentado pelo maior envolvimento da polícia na comunidade. Conforme citação anterior, quando a liberdade para a ação dos policiais é permeada, os policiais se sentem responsáveis pelos problemas que estão presentes na circunscrição em que atuam. Da mesma forma, as comunidades começam também a partilhar da mesma conduta, propiciando uma atmosfera de mútua ajuda, por intermédio de um interesse conjunto: a não incidência de delito como pressuposto de uma atuação policial eficiente e, por outro lado uma localidade tranquila, culminando em maior qualidade de vida aos seus integrantes. À medida que os policiais têm autonomia para a tomada de decisões diante do cenário onde estão atuando, os procedimentos policiais podem estar mais adequados às demandas que são encaminhadas. As mudanças significativas e 49 perenes podem passar por essa vertente, uma vez que os policiais locais, quando são conhecedores dos moradores e de seus problemas, têm uma atuação que passa a incidir direta e favoravelmente aos anseios da comunidade. 2 3 7 Policiamento e patrulhamento Na filosofia de polícia comunitária, os profissionais de segurança pública passam a realizar o policiamento de uma forma diferenciada do que se fazia até então de forma tradicional, sem seletividade e com truculência. Entretanto, necessitam estar presentes em uma determinada área de atuação, de forma permanente e sem rotatividade e, principalmente, comprometidos com aquela comunidade local e com os seus problemas. Em contrapartida, muito longe das pessoas, o policial no patrulhamento motorizado acaba não conhecendo a realidade específica de uma determinada localidade, permanecendo vinculado ao atendimento de ocorrências solicitadas via rádio pela central de chamadas. Neste sentido, seu serviço não alcança o real propósito de ser conhecido e conhecer as pessoas, a fim de construir a credibilidade para a transmissão e recepção de informações. Em conformidade com Skolnick e Bayley (2006, p. 36), O efeito de se aderir a essa estratégia centrada no incidente é que os recursos policiais são, em grande parte, perdidos. Nem as forças policiais resolvem os problemas, nem previnem contra o crime. Suas presenças visíveis, a pé ou motorizadas, têm sobre o crime um efeito questionável, como muitas pesquisas têm demonstrado. Ao se concentrarem em incidentes, as polícias têm perdido o controle sobre os seus trabalhos e a sua eficácia. A maior parte de seus recursos humanos está amarrada a um formato que os torna inviáveis para buscar abordagens mais efetivas para enfrentar os problemas de perturbação da ordem nas comunidades modernas. Ao contrário da estagnação do policial com o foco anteriormente citado, o policiamento realizado a pé, como dito antes, enfatiza uma forma muito adequada de maior aproximação, cujo tempo de permanência junto a uma determinada 50 comunidade se faz muito maior do que em viaturas. Dessa forma, é importante destacar que os profissionais de polícia devem utilizar esse maior tempo de permanência, a fim de conhecerem de fato o seu setor de serviço, aproximando-se e interagindo com as pessoas. Uma vez conhecedores dos moradores, estes passam também conhecer os profissionais e confiá-los informações extremamente úteis de fatos que possam elucidar crimes e até preveni-los. Essa complexa convivência em um mundo cotidiano pode acarretar em consequências positivas para o controle da criminalidade e, por consequência, a mudança da imagem institucional da polícia. Segundo Rodrigues, Miranda e Tatagiba (2008, p. 34), O policiamento comunitário, quando reconhecido por uma população participante do processo, tende a realizar prisões em número ainda maior que o policiamento tradicional, tendo em vista as informações que chegam através dos contatos com as comunidades. Percebemos que, quanto maior o contato entre a polícia e a população, maior será o número de informações produzidas. Podemos concluir que um bom policiamento preventivo de resultados, quando necessário, é capaz de produzir ações repressivas de qualidade, voltadas para o anseio social. As duas modalidades de ações acabam por se completarem, produzindo uma melhor sensação de segurança para o cidadão, e consequentemente, melhorando os indicadores de qualidade de vida na sociedade. Os policiais devem enfatizar o policiamento a pé, devido à sua facilidade em identificar os problemas e atender de maneira personalizada as comunidades. Os patrulhamentos motorizados, a cavalo, em bicicletas ou qualquer outra modalidade podem ser utilizados, desde que não percam as características comunitárias. É necessário o redesenho dos setores de patrulhamento, com fixação dos efetivos policiais, a fim de personalizar o atendimento policial e descentralizar as decisões e a prática do policiamento. Neste sentido, evidencia-se uma mudança substancial na forma como se executa o policiamento e o patrulhamento dentro de uma área de atuação conhecida e favorável. As abordagens policiais se modificam, em atenção à necessidade de uma atuação pautada na legalidade e respeito à integridade física, moral, psicológica e do patrimônio dos cidadãos. Durante a atuação policial, a repressão acaba fazendo parte como medida de contenção dos delitos, uma vez que durante a ocorrência do fato, o policial se vê legalmente obrigado a atuar diante do ordenamento jurídico vigente. No entanto, no 51 enfoque do policiamento comunitário, essa atuação policial se dará de uma forma muito mais qualificada e profissional, utilizando-se dos meios adequados e proporcionais para a adoção de uma resposta adequada à determinada agressão. Essa mudança de procedimento à luz da legalidade também dá à polícia um caráter muito mais técnico e produz na sociedade um sentimento real de uma resposta adequada por parte do Estado, neste caso personificado por intermédio da polícia, aos conflitos em execução. No cenário da repressão costuma-se medir a “produção” policial pelo viés das prisões e apreensões ocorridas durante o turno de serviço. A capacidade de prevenção e da não ocorrência de delitos que transformam o cotidiano das pessoas passa a não ser vista como prioritária em função de sua difícil mensuração. Para Rolim (2006, p. 79), Uma nova ‘engenharia institucional’ é, então, uma exigência incontornável. Policiais que trabalhem fixamente em uma área da cidade e que realizem patrulhas a pé [...] deverão despender muito tempo conversando com os residentes, participando de reuniões comunitárias, acompanhando os problemas vividos pela escola local, estabelecendo e desenvolvendo relações de natureza social com os moradores. Isso não será possível caso estejam vinculados ao sistema de atendimento a emergências. Como regra, será preciso que outros policiais atendam às ocorrências tidas como emergenciais, enquanto a patrulha a pé orienta suas atividades para o atendimento daquele tipo de demanda que normalmente não envolve assuntos de natureza criminal ou que, pelo menos, não diz respeito a crimes graves. Muito embora nos veículos de comunicação perceba-se nitidamente que, quando há uma visível ação policial com prisões ou apreensões, associa-se a uma atuação eficaz e eficiente, há de se considerar que a não ocorrência de delitos, por mais utópico que possa parecer, pode se constituir numa meta primordial que o serviço policial se destina a executar. Neste sentido, durante o seu turno de serviço, o policial realiza o policiamento estando presentes as figuras da prevenção e repressão. Agir preventivamente para que o crime não ocorra torna-se a principal meta que deve estar aliada nos procedimentos diários do policial no trato com a sociedade. Em contrapartida, 52 quando se faz necessário utilizar a figura repressiva, o policial deve agir buscando o amparo legal necessário para legitimar a sua ação. Nesse sentido, a comunidade pode ser uma parceira indispensável para o desfecho de suas ações com maior êxito. 2 3 8 Resolução de problemas Em meio à atmosfera de uma turbulenta convivência urbana com uma quantidade relevante de problemas oriundos da sociedade, os profissionais de segurança pública se vêem num cenário de difíceis respostas às demandas que surgem. A habilidade para a condução de ocorrências, sem que o profissional faça parte como envolvido é um aspecto de fundamental importância para a construção de um perfil que esteja realmente voltado para a sociedade, salvo naqueles casos em que o policial seja vítima de alguma agressão física ou verbal. Segundo Fernandes e Costa (1998, p. 87), O distanciamento do policial das pessoas na circunscrição em que age, despersonifica o trabalho da polícia, tornando anônima a sua atuação no seio da sociedade, gerando o desconhecimento das causas primárias da criminalidade. A fixação de equipes e a sua permanente interação com os diversos atores sociais constitui-se em fator de sucesso do trabalho realizado. Conforme citação acima, de forma exaustiva a prática diária do policiamento comunitário está relacionada à presença do policial no seu setor de serviço, bem como à sua capacidade de atuação. O anonimato de ambos os lados pode construir uma ferramenta muito perigosa no trato diário do policiamento. Aqueles profissionais que não querem trabalhar em conjunto com as comunidades, se escondem para a prática de qual serviço? Esse questionamento pode ensejar com isso uma posição refratária por parte da polícia, que deve assumir as suas responsabilidades enquanto agência de controle social. O policial nesse cenário é um profissional que deve ser considerado como 53 importante peça da complexa máquina da sociedade, enquanto agente de controle social. Para tanto, conforme Skolnick e Bayley (2006, p. 34), Os policiais devem ter capacidade de pensar por si só e de traduzir as ordens gerais em palavras e ações apropriadas. É necessário uma nova espécie de policial, bem como um novo tipo de comando. O policiamento comunitário transforma as responsabilidades em todos os níveis: no nível dos subordinados, aumenta a autogestão; no dos superiores, encorajam-se as iniciativas disciplinadas, ao mesmo tempo em que se desenvolvem planos coerentes que correspondam às condições locais. De outro lado, quando a comunidade encontra-se no anonimato, muitos questionamentos também emergem diante da negativa dessa aproximação, culminando em uma atmosfera de resolução de problemas inócua, além da inexistência da credibilidade entre ambos. Conforme expõe o livro do Curso Nacional de Promotor de Polícia Comunitária – (BRASIL, 2007, p. 53), Verifica-se que aquela que é mais visível no sistema da Segurança Pública, acaba sendo a mais atacada, mesmo com seus componentes sendo as maiores vítimas no combate à criminalidade. Antes a população não conhecia e a única acusada como culpada pela insegurança era a polícia. Pessoas importantes e até muitos representantes de outros órgãos coresponsáveis ficavam no anonimato, apontando as acusações para a polícia. Com a participação da comunidade e do envolvimento de todos os segmentos, as polícias deixaram de ser acusadas e sim respeitadas e apoiadas, sendo os problemas resolvidos ou encaminhados pelos verdadeiros responsáveis, pois quando a comunidade conhece, ela confia, respeita e auxilia a corrigir as falhas. Verifica-se que a Polícia Militar é a mais visível dentro do sistema de segurança pública, uma vez que está diretamente presente e em contato permanente com a sociedade. As cobranças e conflitos decorrentes desse contato se agravam por intermédio da despreocupação, corrupção e violência de alguns profissionais de segurança pública durante parte desses distanciamento das comunidades. Para Pedroso (2005, p. 47), atendimentos, podendo gerar o 54 As corporações policiais enveredam suas ações concretas neste limite tênue, entre o campo político-ideológico e o campo das ações visando a ordem social. Como estabelecer então as estratégias de atuação, já que a estruturação do poder de Estado é datado historicamente a partir de uma composição política? Qual o papel da polícia enquanto órgão responsável pela ordem pública e segurança interna? Emerge no cenário da segurança pública a importância da Polícia Militar como agência de controle social mesmo diante das dificuldades de se estabelecer estratégias de abordagens ao problema em um contexto de formação política estatal. A política de governo neste aspecto não pode estar acima do Estado como viga-mestra e destinação real à sociedade. Em sua ronda durante o policiamento em via pública e nos bairros, o profissional de polícia se depara com toda sorte de problemas que se apresentam em seu cotidiano. Esses problemas nem sempre estão ligados diretamente com o crime, e geralmente são: a iluminação precária, o lixo depositado em desacordo com as normas da municipalidade, a indigência social, dentre outros. De alguma forma, esse profissional acaba dando encaminhamento a esses problemas para os outros órgãos a fim de que sejam adotadas as soluções necessárias. Conforme Skolnick e Bayley (2006, p. 36), Os policiais do patrulhamento também reconhecem que não resolvem os problemas; eles lidam com as consequências dos problemas. Na melhor das hipóteses, eles encaminham as situações para outras pessoas que têm tempo e experiência para encontrar as soluções de longo prazo. Nesta linha de raciocínio, o policial passa a funcionar na figura de “solucionador de problemas”, pela sua proximidade e permanência junto das pessoas e suas demandas. Esse perfil exige cada vez mais que o profissional esteja de acordo e em sintonia com as mudanças comportamentais da sociedade e demandas apresentadas no cotidiano. Rolim (2006, p. 67) destaca que, Quando pensamos no papel desempenhado pelas polícias no mundo moderno, o maior desafio é o de superar um modelo pelo qual os policiais se obrigam a ‘nadar’ todo o tempo, normalmente com resultados muito limitados porque, quando são avisados, isso é sinal de que ‘as crianças já 55 estão afogadas’. As propostas em favor do policiamento comunitário (PC) e do policiamento orientado para a solução de problemas (Posp) partem do pressuposto de que é preciso procurar o que está acontecendo antes daquele ponto da ‘correnteza’. Neste sentido, da mesma forma se verifica que o trabalho do profissional de segurança pública na resolução de problemas deve estar vinculado a uma visão de que o crime é um fenômeno social e de múltiplas faces. Antecipar-se e procurar dar o encaminhamento aos problemas uma vez identificados é uma das melhores formas de desencadear a prevenção propriamente dita. O exemplo trazido por Rolim (2006) narra a estória de que todos os dias havia crianças sendo afogadas em determinado ponto de uma correnteza, e um cidadão que por ali passava todos os dias tinha a missão árdua de salvá-las. Com o passar do tempo, algumas delas morriam e a vida desse cidadão começava a ser colocada em risco. Neste sentido, pode-se extrair a construção do seguinte raciocínio: deve-se procurar o que estava acontecendo antes daquele ponto da correnteza. É necessário que o trabalho policial esteja voltado para a busca das causas dos problemas nas comunidades. A partir das respostas obtidas, pode-se tornar mais fácil a atuação do policial no ajuste de procedimentos mais adequados aos problemas da comunidade, tomando por base a ideia de que existem outros atores fazendo parte do contexto social. 56 3 O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO E DESATIVAÇÃO Este capítulo desbrava a história específica da atuação da PMES na região do Morro do Quadro, tendo como enfoque o contexto inicial, a implantação do projeto com as mudanças decorrentes, os problemas enfrentados, os resultados obtidos, a desativação do SAC e seus efeitos, uma análise quantitativa acerca dos principais delitos na região e uma análise qualitativa sobre as percepções quanto à eficácia do modelo implantado na região. 3.1 ASPECTOS DA REGIÃO DO MORRO DO QUADRO E DO ATENDIMENTO LOCAL DA POLÍCIA MILITAR A região do Morro do Quadro, também composta pelos bairros Morro do Cabral e Santa Tereza, é apresentada como uma localidade de morros, repleta de becos e acessos difíceis, muitos deles apenas feitos a pé. Esses bairros fazem parte da região II - região administrativa do município de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, também conhecida como “Grande Santo Antônio”, atendida pela 2ª Cia do 1º Batalhão de Polícia Militar (BPM) da PMES. Na figura 1, pode-se visualizar a referida região administrativa. Figura 1 – Divisão administrativa do município de Vitória-ES Fonte: Vitória... (2010). O SAC do Morro do Quadro encontrava-se no meio do complexo dos Morros do Quadro e Morro do Cabral na Rua São João. Esta rua é o principal acesso de 57 veículos ao bairro, e uma importante via de acesso que conta com a presença de escolas e área comercial. Segundo a Diagonal Urbana do Projeto Terra/SEDEC/DIT/GEO, da Prefeitura Municipal de Vitória (PMV), O Morro do Quadro fazia parte do bairro Santa Tereza e teve origem através de um loteamento feito em 1964, em Caratoíra, de propriedade do Sr. Manoel Rozindo da Silva e de outro pequeno loteamento feito em 1965, de propriedade do Sr. Constant Furlani, na área do Morro do Quadro. Santa Tereza foi criado pela lei nº 1.192/64 e no mesmo ano, através da Lei n.º 1.267 foi criado Presidente Kennedy. Assim o Bairro do Quadro, criado pela Lei 6.077/03, contempla a aglomeração urbana conhecida como Morro do Quadro, bem como parte do antigo bairro conhecido como Presidente Kennedy. O bairro ficou conhecido como Quadro devido à construção da Praça Dr. Athayde que, através do seu formato, ficou referenciada como 'quadro'. Assim, era comum os moradores dizerem que estavam 'lá no quadro'. A praça, na realidade, tem o formado de um retângulo medindo 36x17m. O Morro do Cabral, essas áreas foram ocupadas na década de 50 e adensadas na década de 60 e 70, devido à pressão por moradia exercida pelo grande contingente populacional que chegou ao município, oriundo do interior do Estado. Originalmente, as terras eram de propriedade de Manoel Rosindo e Manoel Camargo e o nome Cabral é referido à escadaria do Cabral – um antigo morador do Morro. Em conformidade com os dados obtidos na Diagonal Urbana Projeto Terra/SEDEC/DIT/GEO da Prefeitura Municipal de Vitória, foram tabulados abaixo os dados sócio-econômicos das localidades que estão em análise, como se pode visualizar no quadro 1, abaixo: ÁREA (km²) POPULAÇÃO RENDA MÉDIA (salários mínimos) NÍVEL DE ESCOLARIDADE (anos estudados) Morro do Quadro 0,05 1.093 4,85 7,22 Morro do Cabral 0,13 1.688 2,75 5,84 4,54 7,19 BAIRROS Santa Tereza 0,57 3.131 Quadro 1 – Dados sócio-econômicos da região estudada Fonte: Dados... (2010). Neste sentido, observa-se, em linhas gerais, que a população soma 5.812 pessoas com uma renda média de 4,04 salários mínimos e um nível médio de escolaridade de 6,75 anos estudados. 58 Quanto ao exercício de uma análise sobre a densidade demográfica da região, que soma 0,75/km², a região conta com 7.749,33 habitantes por cada quilômetro quadrado, constituindo uma importante informação acerca da concentração populacional relevante numa pequena área predominantemente residencial. Para melhor distribuição do policiamento, a região da Grande Santo Antônio foi dividida em cinco células interativas, onde permaneciam fixados os policiais militares. Dentro do enfoque de atendimento da PMES, os bairros Morro do Quadro, Morro do Cabral e Santa Tereza encontram-se contidos na célula interativa 02. (CAMPOS; LIBARDI, 2001). A melhor visualização possível dessa divisão pode ser demonstrada conforme a figura 2 abaixo: 05 04 CÉLULA 02 BAIRROS 02 03 01 Morros do Quadro, Santa Tereza, Bananal e Cabral Figura 2 – Divisão da região da Grande Santo Antônio em células interativas Fonte: Campos e Libardi (2001). 59 3.2 O CENÁRIO INICIAL A história tem início no dia 31 de janeiro de 1997, na ocasião em que dois policiais militares foram assassinados por traficantes do alto do Morro de Santa Tereza, um bairro sob o “comando” do traficante conhecido como “Juninho”, o que fez acender um estopim e ativar um alerta para a segurança pública na época. A localidade encontrava-se em alarmante situação, em função da constante presença de grupos de traficantes e do fato de que imperava a lei do crime e da desordem, instaurando um caos “silencioso” para a opinião pública, que veio à tona através do episódio narrado (CAMPOS; LIBARDI, 2001). O fato se confirma pelo noticiário da época do jornal “A Tribuna”, de 1 de fevereiro de 1997 (ANEXO 1): O sargento Sebastião Ferreira Bezerra, 40 anos, e o cabo Rui Barbosa, 45, foram até o Morro de Santa Tereza para realizar investigações, quando foram cercados pelos homicidas. A polícia acredita que os militares foram rendidos nas imediações da Rua Dalmácio Sodré e foram obrigados a subir a escadaria que fica no final da rua e que dá acesso ao alto do morro. No topo da escadaria, eles foram levados para o lado esquerdo onde, depois de arrastados por cerca de 10 metros, foram obrigados a ajoelhar no meio do capim e executados com tiros de pistolas calibre 45 e nove milímetros. (MORTES..., 1997, p. 9). Após a execução dos dois policiais militares, a polícia iniciou uma verdadeira caçada aos criminosos que os executaram, promovendo uma série de ocupações nos morros do Quadro, Cabral e Santa Tereza. Várias abordagens se disseminaram a partir do episódio, conforme relato em “A Tribuna”, de 1 de fevereiro de 1997 (ANEXO 1): A morte dos policiais provocou uma operação relâmpago no morro e nos bairros vizinhos. Às 18 horas de ontem, cerca de 60 policiais de diversos batalhões da Polícia Militar da Grande Vitória, da PM-2 e da Tropa de Choque, vasculharam a região em busca dos criminosos. O helicóptero da PM sobrevoou a área por uma hora dando reforço à operação. Armados com metralhadoras, pistolas e escopetas, eles tentaram identificar os responsáveis pela morte do sargento Bezerra e do cabo Rui mas, até as 21 horas de ontem, os assassinos não haviam sido descobertos. Do alto do morro dava para se ver parte da cidade de Vitória. O local fica próximo à antena de televisão e é conhecido como Alto Santa Tereza, que faz divisa com o Morro do Cabral. Apesar de terem dado buscas por todo o local, a área é de difícil acesso. Do alto do morro os bandidos poderiam alcançar os 60 morros da Fonte Grande, do Quadro e o bairro Bela Vista (MORTES..., 1997, p. 9). A dinâmica do crime ocorrido cercou-se de requintes de crueldade, em função da identificação prévia da existência de policiais militares “à paisana”8 no morro. O jornal “A Tribuna”, de 3 de fevereiro de 1997 (ANEXO 1), divulgou o depoimento prestado por um dos envolvidos: No depoimento prestado, às 23 horas de sábado, ao delegado Aloísio Alves da Silva, Tuia contou que os dois PMs foram reconhecidos pelo ex-PM Adriano Rosário, o Tatu, que subiu a escadaria e avisou aos traficantes João Carlos, o Porca Russa, Nego Rose, Léo, Zé e Siri. Sebastião e Rui, do Serviço Reservado da PM (PM-2), tinham ido até o morro levar intimações. O grupo de traficantes foi ao encontro dos dois PMs, que foram desarmados e levados para ao alto do morro, em direção à mata da Fonte Grande. Segundo Tuia, depois de alguns metros, o cabo Rui disse que, se tivesse que morrer, que fosse logo e Nego Rose deu um tiro no tórax dele com uma pistola calibre 40. ‘Diante da cena, o sargento Sebastião tentou reagir e os traficantes abriram fogo contra ele também. Só depois de eliminar o sargento é que terminaram de matar o cabo Rui’, contou Tuia. O peixeiro disse ainda que Nego Rose fugiu de bicicleta para o bairro Santo Antônio, enquanto Siri, que estava com uma pistola 7,65, se escondeu na Vila Rubim e os outros, com revólveres calibre 38, se esconderam no Morro do Cabral (PEIXEIRO..., 1997, p. 4). Posteriormente aos fatos ora divulgados, o “Tuia” apresentou publicamente a figura que seria a principal no contexto da criminalidade daquela região, o seu irmão José Sanches de Oliveira Júnior, conhecido como “Juninho”, como o responsável pelos disparos perpetrados contra os dois policiais militares do serviço reservado, conforme evidencia o jornal “A Tribuna”, de 4 de fevereiro de 1997 (ANEXO 1), O peixeiro Roberto César Sanches de Oliveira, o Tuia, 18 anos, envolvido no assassinato dos policiais militares Sebastião Ferreira Bezerra e Rui Barbosa, afirmou ontem que a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) vai receber uma fita de vídeo com uma confissão que o inocentará da acusação. Segundo ele, seu irmão, José Sanches de Oliveira Júnior, o Juninho, confessa na fita que foi ele (Juninho) o autor dos tiros que mataram os dois PMs, do Serviço Reservado de Informações. (CONFISSÃO..., 1997, p. 9). A tentativa ora narrada evidencia um poder de articulação do tráfico instalado na região, onde não se respeitava a fronteira da legalidade. A apresentação de uma fita de vídeo responsabilizando um só indivíduo, e de forma pública, demonstra 8 À paisana: em trajes civis. 61 claramente uma hierarquia presente na distribuição do poder existente naqueles bairros, mesmo após o depoimento prestado pela pessoa de Tuia. Essa hierarquia ainda se evidencia conforme relato do “Tuia” publicado no Jornal “A Tribuna”, de 4 de fevereiro de 1997 (ANEXO 1), Segundo os policiais civis, na hierarquia da distribuição da droga, o expolicial militar Wilson Monteiro do Rosário, o Tatu, é o homem de confiança de Juninho e principal distribuidor de droga nos morros do Quadro e Santa Tereza. Depois de receber a droga, Tatu a passa para os gerentes, que, por sua vez, a repassam aos ‘vapores’ (pessoas encarregadas da revenda) (CONFISSÃO..., 1997, p. 9). O referido noticiário ainda ressalta que, dias após a morte dos dois policiais militares do serviço reservado da PMES, a gangue comandada por “Juninho” foi denunciada como responsável por mais de vinte mortes na região. A figura de “Juninho” também era apelidada no morro como “Robin Hood”, um indivíduo que “praticava o bem” para a comunidade local. A ausência do Estado como poder público que deveria se fazer perene na região teve algumas demonstrações, conforme relato no jornal “A Tribuna”, de 5 de fevereiro de 1997, Moradores do Morro do Cabral mostravam ontem um misto de medo e tranquilidade. Medo porque se assustam só em ouvir o nome de Juninho; tranquilidade porque em parte se sentiam seguras com a presença da Polícia Militar. Mas algumas afirmaram que, enquanto estava no morro, Juninho era tratado como Robin Hood, o herói que tirava dos ricos para dar aos pobres. ‘Nunca a polícia veio ao morro. Aliás só vinha aqui para perseguir quem estava desempregado. Ninguém dava proteção pra gente, até que esse menino, o Juninho, cresceu e, infelizmente, se enveredou pelo caminho do crime’, contou um homem que se disse pastor de uma igreja evangélica de Cariacica e que tem 33 anos, 23 dos quais morando no Morro do Cabral (GANGUE..., 1997, p. 2). A complexidade geográfica da área, associada à presença dos grupos de traficantes, foi um fator importante que se verificou no episódio. A facilidade da fuga e de meios de dificultar a chegada do conhecimento rápido por parte da PMES também é relevante no cenário apresentado. 62 Foi possível perceber que a inexistência da presença da PMES, anteriormente ao episódio, deixou uma lacuna. Isto admitiu uma forma de poder que trouxe para a comunidade local uma atmosfera de medo e, ao mesmo tempo, cordialidade com o crime instalado. As entrevistas feitas às pessoas residentes na região confirmaram o cenário inicial, pois houve unanimidade em destacar o local como problemático em termos de criminalidade, antes da implantação do DPM do Morro do Quadro. A seguir, são mencionados alguns relevantes trechos dessas entrevistas feitas aos integrantes das comunidades (IC), que estão na faixa etária entre 20 a 49 anos: Antes do evento de 97, que foi a morte dos dois sargentos, o Morro do Quadro era um caos total. Quando eu vim pra cá na década de 70, ainda era um pouco menos. Mas depois de 80 e poucos, a criminalidade subiu ao morro, o bairro ficou praticamente sem condições de vivência, com o tráfico de drogas, roubo, criminalidade, gente armada na rua. Então a população de dentro ficou refém da criminalidade na região. A qualidade de vida... o Morro do Quadro era falado... se você falava que morava no Morro do Quadro... você mora mal, você mora numa região perigosa... Então você tinha até vergonha de falar que morava nesse bairro. Então isso tudo ia fazendo a qualidade de vida ir embora. Para você ter ideia, a padaria não tinha... tinha uma padaria vendendo um pãozinho muito mau, não tinha qualidade nenhuma. O caminhão de gás não subia, o caminhão da Kibon... A gente queria comprar aquele picolé da Kibon, um pouco melhor, e não tinha por que não poder subir, se não cobrava pedágio. Era assaltado, e os caminhões de gás eram interpelados, tinha que descer pra Vila Rubim para comprar alguma coisa. Era um caos total, a criminalidade tomou conta... No mesmo nível que a gente ouve falar do Rio de Janeiro hoje, era o Morro do Quadro (IC 01). Era de risco, né, porque ali os moradores tinham medo de sair à noite nas ruas, devido à grande criminalidade local. As brigas de gangues, e o tráfico eram constantes nas praças, e tem o agravante de ser perto de escolas..., tem escolas ao redor, e os pais tinham medo até a noite de deixar suas crianças à vontade brincando na praça. Aí teve o fato que andou acontecendo lá, que houve briga de gangues lá entre os morros, a chapada, o Cabral, e o Morro do Quadro, e ali era tráfico, briga constante de gangues. Era muito arriscado, porque a qualquer hora do dia havia embate entre eles, tiroteio mesmo, e os moradores ficavam muito assustados, né? Nesse período é que houver o assassinato de dois policiais lá no local, aonde a policia teve que intervir com grande intensidade, aonde esses bandidos foram localizados, alguns componentes dessas gangues foram presos. Se conseguiu mais ou menos manter a ordem ali na nossa região (IC 03). A região era bem violenta, insegurança total, havia muito assalto a carros de gás, as pessoas tinha medo de trazer compras, móveis não subia pra entrega... enfim, as gangues, me lembro que, de madrugada, eles ficavam testando armas nos muros, dando tiro nos muros assim, entendeu? Você acordava com os tiros, você ia olhar não era nada, só simplesmente brincando de dar tiro, até a situação dos policiais serem assassinados lá no morro (IC 06). 63 Conforme se pode verificar, ficou evidente nos relatos dos moradores da região que a localidade passava por uma fase de alta criminalidade. Segundo as percepções dos moradores, o medo do ir e vir era uma sensação latente dos entrevistados, em função da presença ostensiva de meliantes que impunham as suas regras violentas. Na ótica dos policiais militares que trabalharam diretamente no DPM da região do Morro do Quadro, também houve unanimidade, ao afirmarem categoricamente que o cenário inicial encontrava-se difícil no que se refere à alta criminalidade que se fazia presente na região. A seguir, cita-se alguns relevantes trechos de entrevistas realizadas com os praças policiais militares (PPM) e oficiais policiais militares (OFPM) que comandavam a companhia da PMES responsável pelo SAC do Morro do Quadro, dentro da região da Grande Santo Antônio: O cenário combinava o medo da criminalidade e da violência por parte da comunidade local, com a total ausência do Estado, no tocante à segurança pública e outras questões sociais (OFPM 01). O contexto social da região do Morro do Quadro a essa época era de verdadeiro abandono por parte do Estado e do Município, no que diz respeito à estrutura urbana, acessibilidade precária, iluminação pública, telefones públicos quebrados, entre outros. Os criminosos circulavam de forma ostensiva, com armas em punho. Conforme reportagens da época, a comunidade refém do medo do ir e vir, os moradores se viam obrigados a descer a cidade para fazerem suas compras, pois o comércio local estava fechando as portas, por conta dos assaltos constantes. O abastecimento de diversos produtos, tais como gás de cozinha, refrigerantes, sorvetes, alimentos e serviços do Estado e do Município, era coagido pelos traficantes da região, sendo que os poucos e corajosos comerciantes do morro tinham que descer até a avenida para receber suas mercadorias nos caminhões, pois caso subissem eram assaltados. No auge do domínio criminoso, foi montado no alto do Morro um estande de tiro ilegal para prática dos infratores daquela região. O local era conhecido como estande da Jaqueira. Tais ações contavam com a opressão e silêncio dos moradores, que eram ‘comprados’ com cestas básicas, remédios e festas patrocinadas pelos criminosos. Por parte da polícia, tenho um exemplo próprio que ocorreu em 1996, quando, ao assumir o comando da 2ª Cia do 1º BPM, responsável pelo policiamento ostensivo nas regiões da Grande São Pedro e Grande Santo Antônio, procuramos de imediato conhecer o território no qual trabalharíamos. Assim, quando começamos a patrulhar e percorrer bairro a bairro e chegamos à parte alta da região, mais precisamente na Rua São João, no Morro do Quadro, o policial que me acompanhava informou assustado, que, nos bairros Alagoano, Morro do Quadro e outros daquela circunscrição (2ª Cia do 1º BPM), só era possível subir com um grande aparato policial. Considerando ter vindo de uma região extremamente problemática, que é o Município de Cariacica, com bairros reconhecidamente de alto índice de violência como Morro da Aparecida, Flexal, Itanhenga, Castelo Branco, entre outros, me parecia improvável que em nossa capital poderia haver bairros nos quais a Polícia Militar não entrava de forma rotineira. Nesta incursão, durante a subida da Rua São João, fomos surpreendidos uma saraivada de tiros que vinham de todos os 64 lados. Tive então a confirmação da gravidade da situação naquela Região, como havia me alertado o Soldado. Posteriormente, retornei ao local com mais cinco viaturas e com apoio do Batalhão de Missões Especiais (OFPM 02). Bom, pelos relatos que eu sabia, aquela área estava completamente abandonada pelo setor, pela segurança pública, pelo Estado, e foi devido a esse fato que ocorreu a morte de dois policiais na época. Foi então nessa época que resolveram abrir esse destacamento no Morro do Quadro, e levando um pouco de segurança para aquela região que estava bastante afetada pelo o tráfico de drogas (PPM 01). Olha, no início da implantação do destacamento da polícia militar no Morro do Quadro, o bairro encontrava-se num total desças. Podemos dizer aonde os marginais controlavam a entrada e saída de pessoas. E naquela época surgiu o fato de que a polícia teve que dar início com ação de um destacamento, após a morte de dois policiais, tendo em vista, o grau de violência que estava imperando na localidade. Após esta instalação do destacamento no Morro do Quadro, a polícia militar ela conseguiu realizar alguns trabalhos lá, aonde pode voltar, ou dar a tranquilidade aos moradores do bairro, mas no entanto, o local era dominado por marginais e traficantes do bairro (PPM 02). [...] o que acontecia, que era um momento. Antes da polícia, a criminalidade, realmente, ela imperava na região, os moradores ficavam amedrontados, não havia uma interação com a polícia e a comunidade, e dessa forma, praticamente o crime permanecia na região ali. [...] os traficantes eles praticamente eles dominavam os tráficos de drogas. Havia alguns que eram conhecidos na região, que tinha o nome de Juninho, um dos acusados pela execução dos militares, os dois militares que foram executados... e que deu origem, né, à implantação do DPM no Morro do Quadro (PPM 03). A criminalidade imperava devido ao grande número de traficantes que existia na região, não subia carro de gás, não existia naquele bairro comércio, porque os traficantes não deixam e com passar do tempo, com a implantação do policiamento, as coisas ali foram mudando. [...] as gangues ali eram formadas com intuito de trazer terror ao bairro, vinha gangues dos bairros vizinhos ali promover baderna, tiroteios, e com a implantação do DPM, do policiamento ali interativo, já foi amenizando a situação (PPM 04). Assim como os próprios moradores na época nos informavam, não é, ficavam a mercê da própria marginalidade lá no local, serviço de utilidade pública, como CESAN, Escelsa, não podia subir o morro, porque a criminalidade não deixava, e esses serviços sob constante repressão lá por parte da criminalidade. [...] Era constante, inclusive, constantemente toque de recolher pelos criminosos lá, e depois de certo horário, os cidadãos não podiam sair de suas residências entre outras, né, que eles sofriam lá por parte da criminalidade (PPM 05). Pois bem, pra que o Estado, a polícia, tomasse essa decisão..., apesar de que era época de conhecimento de todos, que ali naquela comunidade do Morro do Quadro e adjacências, era risco de vida, não para só o cidadão comum, mas para o policiamento, os policiais que ali chegassem desprovidos de cobertura, Foi preciso ocorrer dois assassinatos de um cabo e um sargento, ruim dizer... para que viesse tomar uma decisão de dar segurança àquela comunidade (PPM 06). Sobre o aspecto do atendimento da PMES na localidade, pode-se constatar que a região não era contemplada com um policiamento permanente e fixo. A PMES 65 somente se fazia presente na região em ocasiões esporádicas e em circunstâncias de necessidades. Das entrevistas aos integrantes das comunidades, ficou evidente essa ausência da PMES e também do poder público em geral, conforme alguns trechos seguintes: [...] quando passava, passava para buscar os mortos, né, quando tinha. E vinha o rabecão buscar, e mais nada..., não adiantava ligar, porque quando vinha a rádio patrulha, eles vinham a mil por hora, senão tomava tiro também. A polícia não tinha nenhuma, era função zero, nosso bairro era isolado praticamente de toda Vitória (IC 01). Praticamente atendimento não havia, era muito raro a gente ver uma viatura passando pelo bairro, ou quando solicitava algum atendimento, era pra ta indo buscar algum corpo, ou alguma briga entre as famílias, alguma coisa assim, porque na verdade policiamento ali na nossa região não tinha (IC 03). Só ia lá quando acontecia alguma tragédia, fora isso não tinha paisano. Paisano não..., não tinha aquele costume da viatura estar sempre passando, estar passando um policial a pé, não tinha... (IC 04). Era uma dificuldade passar uma viatura pelo bairro. Isso era demanda que a gente sempre levava, às vezes a gente chegava a levar essa demanda pra própria Prefeitura, porque é um órgão que está mais próximo, né? A gente não ia, por exemplo, à Secretaria de Segurança. É, tem um fato que a gente..., eu me lembro..., isso é bem anterior mesmo à instalação do DPM, quando chegava a ir lá cima. Então, tem um menino o nome dele é Alcemar, como ele disse que era um surdo, aí a gente ia lá, quando a polícia chegava lá, já era pra poder pegar, pra dar porrada e pra prender. E no caso do Alcemar, foi até a polícia que viu, foi e mataram esse menino em frente ali, na rua Pedro Rosindo da Silva. Isso foi em 85, em 88, por aí... Então, assim, só ia no extremo, no limite, aí isso não interessa a gente. A gente pensava na época que você colocasse, se tivesse o atendimento da PM ali, você evitaria isso (IC 05). Os relatos dos oficiais entrevistados, responsáveis pelo comando da companhia, também dão mostras da fragilidade do atendimento que a PMES possuía para a região, conforme se apresenta a seguir: Os atendimentos da PMES resumiam-se às ações repressivas pontuais, diante da constatação de ocorrências policiais ou socorro público das mais diversas naturezas (OFPM 01). O atendimento era esporádico e reativo, não havendo um policiamento permanente nestes Morros, pois a maior parte do efetivo concentrava-se na Rodoviária e na parte baixa da região, com o foco voltado à proteção do patrimônio, em razão da concentração do comércio na área, ficando a comunidade da parte alta em segundo plano. Quase que a totalidade dos atendimentos nesses Morros se dava por meio do Centro de Operações da Polícia Militar (COPOM), sendo que a maioria dos chamados eram ocorrências assistenciais (transporte de ferido/enfermos/parturiente), 66 disparos de arma de fogo em via pública e crimes contra a pessoa (vias de fato, homicídio) (OFPM 02). Como se pode observar, a ausência da PMES conjugada com a sua presença episódica e em alguns momentos violenta, além de contribuir para estabelecer uma área com forte presença criminal, demarca um primeiro ciclo que teve como “divisor de águas” o assassinato dos dois policiais militares na região, em janeiro de 1997. A partir desse episódio, o poder público se posiciona no sentido de mobilizar as forças de segurança pública para a região. 3.3 A TRANSIÇÃO DO “DPM” AO “SAC” - A TRANSFORMAÇÃO DO MECANISMO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE Em meio à crise ora instalada, o Estado se viu na obrigação de adotar uma providência legal em relação ao incidente ocorrido. Como resposta à sociedade, o Governo do Estado e a PMES anunciaram as medidas que seriam adotadas, conforme se evidencia no noticiário da época de “A Tribuna”, de 2 de fevereiro de 1997 (ANEXO 1): As novas medidas para o policiamento ostensivo foram traçadas na manhã de ontem no Quartel do Comando Geral da PM, em Maruípe, numa reunião entre o governador, o comandante da PM e o secretário da justiça e da cidadania, Perly Cipriano. Depois, os três foram ao velório dos PMs assassinados, para darem solidariedade às famílias. ‘Nós vamos aumentar o policiamento e contamos com a ajuda da comunidade para obtermos um bom desempenho’, afirmou o governador. Além disso, um Destacamento da Polícia Militar (DPM) vai ser implantado no morro onde foram mortos o cabo Rui Barbosa, 45 anos, e o sargento Sebastião Ferreira Bezerra, 40. ‘A situação ficou mais preocupante. Já no início da semana vamos procurar um lugar para construirmos o DPM, para podermos fazer um trabalho interativo com os moradores’, informou o comandante da PM, coronel Orlando Pessali (POLÍCIA..., 1997, p. 11). Conforme se verificou acima, o fatídico episódio motivou a implantação do Destacamento Policial Militar (DPM) no Morro do Quadro, através da locação de um imóvel por parte do Estado. Na época, foram empregados vinte policiais militares, conforme mostram as escalas de serviço iniciais, no Apêndice G. 67 O DPM ficava subordinado à 1ª Cia do 1º BPM, que posteriormente recebeu a denominação de 2ª Cia do 1º BPM. Na época, estava sob o comando interino do 1º tenente Andrey Carlos Rodrigues, uma vez que o titular, 1º tenente Jailson Miranda, encontrava-se de férias. Coube ao tenente Andrey operacionalizar inicialmente a alocação do efetivo e o condicionamento dos policiais, em uma localidade cujo desafio de vencer perigosos obstáculos estava latente, como evidenciam as escalas de serviço apresentadas no Apêndice G. Na entrevista do antigo comandante, identificado como OFPM 01, verifica-se a compreensão do desencadeamento das responsabilidades iniciais: As primeiras atividades foram direcionadas à Inteligência Policial, através dos levantamentos de informações necessárias ao emprego do policiamento nas ações repressivas e preventivas na Região. Houve, inclusive, a constatação do envolvimento de um policial militar com traficantes locais. Em seguida, houve uma grande mobilização da Corporação, no sentido de fixar uma base junto à Região, a fim de modificar a imagem da segurança pública na localidade, bem como adotar as medidas necessárias para o restabelecimento da ordem local, com a prisão dos principais cidadãos, protagonistas das ações criminais na Região (OFPM 01). No dia 5 de fevereiro de 1997, o DPM foi instalado, conforme registro do livro de ocorrências no Apêndice G, onde consta a primeira escala de serviço do efetivo policial. Nesta mesma data, o noticiário divulgou o início de seu funcionamento, conforme publicação de “A Tribuna”, de 5 de fevereiro de 1997: A ocupação de Santa Tereza e dos morros do Quadro e Cabral começa hoje. A partir do início da manhã, policiais militares do 1º Batalhão (Vitória) estarão tomando posição no Destacamento de Polícia Militar (DPM) que está sendo instalado na parte alta de Santa Tereza. Na manhã de ontem, uma equipe de policiais do 1º BPM, acompanhada do adjunto do Serviço Reservado de Informações da PM (PM-2), major Fernando Araújo, esteve no imóvel que será utilizado pela corporação na vigência do morro. A casa fica no final da rua São João, na parte alta de Santa Tereza, na divisa com o Morro do Quadro. Durante a tarde de ontem, vários militares estiveram limpando o local e transferindo móveis e materiais de uso administrativo. (NINGUÉM..., 1997, p. 3). A partir de então, as intervenções policiais na localidade se intensificaram. Muitas operações se seguiram e os meliantes foram presos e retirados do bairro. O processo do policiamento interativo começava a se construir através do 68 conhecimento mútuo entre a polícia e moradores locais, como se pode verificar na foto 1. Foto 1 – Operações policiais repressivas Fonte: Campos e Libardi (2001). Em paralelo a esses fatos, a polícia interativa no Estado do Espírito Santo encontrava-se em plena execução, tendo como pioneira a implantação em Guaçuí, pelo então capitão Júlio Cézar Costa, no ano de 1994. Neste sentido, já no comando do OFPM 02, verificou-se uma série de medidas que, empregadas conjuntamente com as comunidades locais, foram decisivas para a promoção de profundas mudanças no bairro, como se pode verificar no teor da entrevista do aludido oficial: Em 1996, a PMES iniciou a capacitação de oficiais nos Cursos de Instrutores de Polícia Interativa, com finalidade de multiplicação e aplicação da filosofia em todo o Estado do Espírito Santo. No mesmo ano, após a minha conclusão no Curso, escolhemos a região da Grande São Pedro para iniciarmos a comunitarização do policiamento em Vitória. É preciso salientar que essa escolha foi baseada, tanto nos altos índices de violência na 69 Grande São Pedro, quanto por esta representar um desafio que nos foi lançado ainda durante o curso, quando, incrédulos e desmotivados, vários oficiais alunos questionavam a eficiência do modelo interativo de policiamento, se este fosse empregado em uma região da complexidade de São Pedro. Contudo, esse projeto inicial veio a sofrer uma mudança, com as trágicas mortes dos dois policiais do cartório do 1º BPM, por traficantes no alto do Morro do Cabral, acelerando e direcionando os esforços do Comando da Polícia Militar para a região da Grande Santo Antônio, vizinha da Grande São Pedro. Nesse primeiro momento foi disponibilizado um grande aparato policial (viaturas, cavalaria, canil, BME, Grupamento Aéreo) para ser base do policiamento repressivo, necessário ao restabelecimento da ordem na região para, em ato contínuo iniciar a comunitarização. O projeto piloto de implantação e implementação da Polícia Interativa na Região da Grande São Pedro criou o Conselho Interativo de Segurança e aumentou consideravelmente o número de policiais com aplicação dos métodos e princípios do policiamento interativo. Essa reestruturação foi possível também em razão da elaboração de uma nova escala de trabalho dos policias da 2ª Cia, já que o modelo anterior, tradicional, empregava o efetivo em escala única de 12/24h e 12/72h, engessando o policiamento em destacamentos e viaturas, praticamente suprimindo o policiamento a pé. Com elaboração de uma nova escala, foi possível a adequação do policiamento às necessidades da comunidade e aos locais de maior ocorrência de violência. Foi constituída também uma Gerência de Tenentes e Sargentos, com responsabilidade territorial e autonomia operacional. Passamos a construir a Polícia Interativa da grande Santo Antônio, que viria a ser o modelo do Programa de Reestruturação dos Órgãos de Segurança Pública do Governo Estadual denominado PROPAS. No processo inicial de restabelecimento da ordem, assumi também a presidência do inquérito policial militar para apurar a morte dos policiais no Morro do Cabral. A conclusão do inquérito, indiciamento e prisão dos homicidas, ganhou uma conotação simbólica naquela conjuntura, uma vez que representou o resgate do sentimento coletivo de justiça daquela comunidade e honra institucional dos policiais de toda a Corporação. Após um considerável período de investigação, cumprimento de mandados e outros esforços para que fossem retirados do seio social os traficantes e homicidas que impunham o medo àquela comunidade, passamos então trabalhar a mudança do modelo mental dos policiais da 2ª Cia, cuja visão guerreira, patrimonialista e sectária não enxergavam a comunidade como parceiros, dificultando uma aproximação mais tranquila com a comunidade humilde dos morros. Passamos então a fazer reuniões doutrinárias, chegando a encaminhar quase que 70% do efetivo da Cia e 100% do efetivo do SAC para serem capacitados no curso de multiplicadores de Polícia Interativa oferecidos aos praças da PMES. Foram realizadas ainda com o público interno, nas dependências da Pizzaria Madrigal, dentro da comunidade, reuniões mensais de planejamento e avaliação dos trabalhos. A comunidade local também foi envolvida nas comemorações e festividades da 2ª Cia. Homenagens aos policiais que se destacavam, despedidas aos que concluíam seu tempo de serviço, comemorações natalinas, eventos comemorativos militares, entre outros. Essas ações criaram um clima interno favorável à mudança da realidade, na medida em que contribuiu para alavancar os potenciais humanos, motivar e integrar o corpo funcional, além de aproximar e envolver a comunidade da Polícia. Concomitante às ações de valorização do público interno e aproximação com a comunidade, passamos a nos reunir com lideranças comunitárias da região. A partir da mobilização do público interno e externo, foram revitalizados outros canais de comunicação entre o Estado e a sociedade civil entre os quais as associações de moradores do Morro do Quadro e do Cabral onde, no alto do Morro, fazíamos reuniões surpreendentes. Uma feliz surpresa foi quando, em reunião na capela no alto do morro, um líder comunitário me chamou a atenção durante nossa apresentação de proposta de trabalho e 70 prestação de contas da Polícia Militar. Ele pediu que a Polícia Militar, através da 2ª Cia, fizesse um ofício às empresas de abastecimento (entrega de gás, de sorvetes - Kibon entre outros) para que fossem cientificados que poderiam subir o morro e fazer suas entregas, pois estavam vivenciando uma nova época; tempo de paz baseado em muito diálogo e confiança. Estabelecida esta confiança, foi gerada a grande possibilidade da criação do Conselho Interativo de segurança da região da Grande Santo Antônio, que teve nas lideranças do Morro do Quadro os grandes incentivadores do Conselho, criado em 1998 (OFPM 02). A base fixa de policiamento, o DPM do Morro do Quadro, teve sua nomenclatura posteriormente modificada para Serviço de Atendimento ao Cidadão, ou SAC do Morro do Quadro (Foto 2), em função das profundas mudanças que a polícia interativa estava promovendo na PMES. Foto 2 – A sede do SAC da região do Morro do Quadro Fonte: Campos e Libardi (2001). O PPM 06 foi o primeiro comandante do SAC do Morro do Quadro, manteve permanente contato junto aos seus policiais subordinados (cabos e soldados), a fim de que estes realizassem o patrulhamento ininterrupto na região e conhecessem a sua realidade, os organismos, os moradores e, principalmente, se tornassem conhecidos pela população. Tal fato pode ser confirmado pelo relato contido na entrevista do militar, que foi identificado devido à forte necessidade de focá-lo neste contexto: No início, nós exercemos o poder real de polícia, dentro das normas, da garantia, detendo, fazendo apreensão de drogas. Detivemos pessoas que estavam com mandado de prisão em aberto, fazendo com que eles 71 entendessem que ali estava a presença do Estado, através da polícia militar. Bom, eu tive a minha responsabilidade, a minha dedicação. Quando eu peguei, eu tive quase para separar da minha família, porque eu achei que o meu compromisso era muito sério eu sair de lá, aonde que, não tinha hora pra chegar, não tinha hora de almoço, não tinha hora para voltar, porque os primeiros momentos para conseguir os objetivos que foram traçados tinham que ter a dedicação principalmente do comandante do SAC (PPM 06). O SAC do Morro do Quadro constituiu um ponto de parada para os intermitentes patrulhamentos a pé que eram feitos pelo efetivo policial militar. Serviu para atendimento aos cidadãos que ali compareciam, recebimento de denúncias anônimas por parte da comunidade local e, ao mesmo tempo, para o patrulhamento a pé em vários becos e vielas dos bairros. A forma de atendimento aos cidadãos passou a se tornar foco de atenção para os policiais militares ali presentes, contrariando a visão tradicional de fechamento da instituição ao diálogo com a sociedade. Vale ressaltar alguns relatos acerca da natureza dos serviços e atendimentos dos policiais (sargento, cabos e soldados) que trabalharam diretamente no SAC: De várias naturezas, principalmente no combate ao tráfico de drogas, certo? e no assistencialismo, certo? Na época a polícia fazia muito trabalho de assistência a partos, mulheres grávidas, e de toda natureza, né? (PPM 01). Alguns dos nossos serviços realizados eram justamente de assistente social. Às vezes uma pessoa passava mal, necessitava de um apoio da polícia em deslocar até outro hospital, e após este início de trabalho a população pode ver que a polícia militar tava preocupada com o problema local. [...] havia um comprometimento, sim, no nosso serviço, a partir das informações que foram trazidas até os policiais na época no destacamento, então a polícia militar, ela pode ter acesso ao que havia realmente acontecido no passado, o que estava acontecendo no momento. Ela pode fazer parte daquela situação, tomar parte daquele problema e, no entanto, ela se empenhou pra mudar aquele cenário que era passado. A polícia militar queria mostrar realmente o que ela estava fazendo no local, mostrar que a polícia teve sempre presente, mas por falta de informações ou até mesmo de controle, por parte dos traficantes, não chegava informações até a polícia militar (PPM 02). A gente fazia apreensões, fazia algumas detenções, de dentro de tudo que fugia à normalidade, fazia preventivos na área, até que acabamos tendo certa afinidade com as pessoas da região. [...] no passar do tempo, as pessoas acabavam tendo certa intimidade e a gente se unia de forma que levava informações. As informações chegavam até nós, e a gente dava uma resposta, de acordo com aquelas informações, as denúncias, que, com isso, a população trazia pra ela mesma aquela segurança almejada (PPM 03). Inicialmente, foram feitas ali várias apreensões de droga, pessoas foram presas, foi feito ali... o policiamento era feito no alto do morro, onde as 72 pessoas eram abordadas, e foi aí depois... A comunidade foi passando a ter certa é, no início é, confiabilidade no policiamento, devido eles presenciarem ali a ação do policiamento, e passaram a ter a confiabilidade no policiamento. [...] a gente procurava saber junto à comunidade qual seria ali, como deveria fazer, pedindo ali apoio da comunidade, para que eles passassem para o policiamento a maneira ideal para ser feito ali o policiamento. Era ali feito um intercâmbio, vamos dizer assim, entre a comunidade, e ali era passado para o policiamento. A comunidade passava para o policiamento as carências ali do policiamento, onde realmente precisava ter mais efetivações no policiamento (PPM 04). No começo muitas prisões, depois foram também policiamentos pra dar continuidade ao serviço, maioria foram prisões no começo e policiamento, mesmo no local que é difícil acesso, e com isso aí a gente percebeu que a comunidade ficou satisfeita, satisfeita com a nossa presença já que eles não conheciam. E passou até a ajudar nosso serviço, algumas informações que foram chegadas, e ajudou o nosso serviço. [...] eu acho que deu certo por conta disso, quando uma equipe de policiais iniciava o serviço, quando ela saía, a outra equipe que assumia dava continuidade àquele serviço. E com isso houve um comprometimento dos policiais, estavam empenhados no mesmo o objetivo, que era proporcionar a tranquilidade daquela comunidade (PPM 05). Como se pode observar, tanto as comunidades locais quanto os policiais foram modificando atitudes, na medida em que seguia a convivência entre ambas as partes. A demarcação do segundo ciclo de policiamento se delineia neste sentido, durante toda a fase em que os policiais estiveram trabalhando, diretamente na localidade. Inclui-se adiante os problemas enfrentados e os resultados que puderam ser obtidos. 3.4 PROBLEMAS ENCONTRADOS DURANTE A IMPLANTAÇÃO Na implantação do SAC na região do Morro do Quadro, após a leitura das entrevistas dos integrantes das comunidades, alguns relatos levantam a questão da difícil situação da região, também no que se refere à desconfiança dos policiais militares presentes, conforme expõem alguns trechos abaixo, dos integrantes da comunidade: [...] a implantação foi até uma ordem do governador, né? Quando teve o óbito dos dois sargentos, o Governador, então na época Vitor Buaiz, mandou instalar, porque, se não mandasse, não teriam feito não. Na época dos dois policiais, a região foi ocupada com mais de 200 homens, polícia federal, polícia civil tal. Aí implantaram o DPM, por ordem do Governador. Assim, as dificuldades principais foram a falta total de confiança. De quem eram esses policiais? Não sei quem é... zero. Então, como é que nós vamos confiar nuns policiais que passavam a mil por hora, que foi ordem do 73 Governador instalar? Então a confiança era zero, assim, a principal dificuldade foi a confiança... confiar em quem? A gente não sabia em quem confiar (IC 01). [...] não, aí depois do SAC que os policiais começaram a andar pelo bairro a se comunicar com as pessoas, a estar mais presente ali na vida da comunidade. Aí sim, a gente começou a ter mais confiança neles. E a gente começava a apontar os problemas, não precisava nem perguntar. Já tinha aquela confiança... começando a conversar com eles a questão dos nossos problemas no bairro. Eles passaram a ir mais ao centro comunitário..., no centro comunitário, não, porque a gente não tinha. Mas nas nossas reuniões de bairro... começaram a ir mais, começaram a participar mais da vida do bairro (IC 02). Foi o medo, né? Na hora, aquilo, na verdade, a implantação foi novidade para a comunidade. Até então não tinha essa aproximação com os policiais, com o policiamento. Então havia certo receio dos moradores, das lideranças locais de estar se envolvendo, de estar dispondo, né?... de isso acarretar algum embate, de serem prejudicados pelos traficantes locais,... alguma coisa assim, a ser ameaçados por estar se envolvendo, por estar participando. Então houve certa rejeição, só com um tempo, né, passando a mostrar boa vontade, de terem convidado a participar das reuniões e mostrar realmente o objetivo, que era de estar ajudando a região local. E que ela tá amenizando os conflitos em relação às gangues e ao tráfico, que as lideranças passaram a ter uma confiança melhor (IC 03). A manutenção, no DPM, porque foi alugado um espaço, um prédio, né, de um comerciante do bairro... E aí por um tempo estava vivendo tranquilamente, depois tinha problema que o morador vinha reclamar... o dono, né, o proprietário, o aluguel tava atrasado. Até gás pra fazer café para os policiais, porque no início era uma quantidade maior. Se eu não me engano era uns 10 a 20 policiais. E no final foi minimizando, no final eram dois policiais. E aí dois policiais pra subir o Cabral, por exemplo, porque ele não atendia só o Morro do Quadro. Era uma região que tem muitas famílias. O último número que eu me lembro que naquela região que o DPM atendia. Hoje, ela tá em torno de 50 mil pessoas. [...] Não, porque a gente não conhecia. Depois você foi criando uma relação com as pessoas. Às vezes, até briga de marido e mulher, a gente ia lá e conversava com os..., eu esqueci o nome dele, mas era um Sargento, Sargento Adir. Ele atendia, chamava. Quando tinha um menino que queria ir pra um canto errado, a gente dava um toque. Ele chamava o menino e conversava. E em alguns casos, o menino ficava meio que... opa, tô fazendo coisa errada, não posso fazer isso, já me chamaram atenção... e às vezes não entrava... Então, essa relação que é interessante, ela foi muito legal pra comunidade (IC 05). Os problemas sentidos pelos policiais militares que trabalharam diretamente na região do Morro do Quadro, são mostrados através de alguns trechos das entrevistas: Primeiramente, a mudança entre nós mesmos, devido à formação que nos tivemos militarizado, certo? E mudar essa concepção que a gente tinha, foi meio difícil, inclusive até desgastante, certo? Mas com muita conversa, a gente conseguiu adotar essa polícia interativa. E também não tinha a credibilidade das pessoas, a confiança, principalmente a confiança, porque a população... ela não se sentia segura em dar informações à policia, certo? Porque muitas vezes a polícia chegava no local, atendia à ocorrência e saía 74 do local, não permanecia. Talvez essa seja a principal dificuldade que nós encontramos no setor, nesse local. [...] Nem a polícia confiava na comunidade e nem a comunidade, em contrapartida também, não confiava na polícia, né? (PPM 01). A dificuldade na época que foi encontrada é justamente a falta de confiança que os moradores não tinham mais por parte dos policiais, porque muitas vezes acontecia um crime no local e a polícia, às vezes, por algum motivo ou outro, talvez, não dava uma resposta de imediato ao fato ocorrido. Com isto, eles continuavam controlando a criminalidade no morro, e surgiu ali a insatisfação, ou até mesmo, a falta de credibilidade de moradores no serviço da polícia militar. [...] Alguns problemas foram detectados. Mas após esta instalação, pode observar, tinha outros problemas também no bairro, como a falta de luminosidade, o difícil acesso pra chegar ao alto do morro, Alto Cabral, Bananal, Morro do Quadro, e outros fatores também, que dificultavam a ação da polícia no local (PPM 02). No começo, foi até aceitação na própria comunidade, com ela e a policia... que havia certo distanciamento. A comunidade praticamente não conhecia, não sabia o que era chegar perto de polícia, simplesmente. Até um bom dia era difícil, então não havia esse elo. E com certo tempo, passamos a realmente conseguir o apoio a essa comunidade. E entre outros, a instalação do DPM, trouxe a comunidade também, à condição de ter os serviços particulares, né?... poder ter outros serviços, entrega de pizza, que passou o pessoal a ter mais confiança, e prosseguir no morro com mais tranquilidade (PPM 03). Inicialmente, existia o problema da falta de confiança entre a comunidade e o policiamento. A comunidade tinha o receio de passar certas informações para o policiamento, devido ao medo que imperava... dos traficantes... impunha na comunidade (PPM 04). A credibilidade por parte da comunidade, já que eles, na verdade, eles não conheciam a polícia, né? Como eles mesmos informavam, a polícia só ia lá para atender ocorrência de homicídio, ou até mesmo outras repressões. No caso, cumprimento de mandado..., e eles não conheciam na verdade (PPM 05). Primeiramente, era uma comunidade que não tinha uma associação pra representá-la, uma associação representativa pra cobrar os seus interesses, não só de segurança, mas, de água, esgoto, telefone, entrega de gás, perante a Prefeitura e etc. Aí uma comunidade em que os seus representantes são os seus traficantes, o comandante de droga, não tem nenhuma segurança, não tem nenhuma possibilidade de pedir nada a ninguém, a não ser aquele que manda naquela comunidade, que é o traficante. O que acontece? Eles dão mais valor ao traficante e seu colegiado, que estão ali no dia a dia com eles, pois eles não têm segurança. Vai lá naquele momento em que, apenas para recolher um cadáver, apenas para atender um BO, e ir embora... Ir ficar a mercê dos traficantes? Eles não tomam nenhuma atitude contra..., O que acontece? A polícia militar chegando, ela sente uma dificuldade em se aproximar do cidadão, e os cidadãos de se aproximar dos policiais, por medo, por intimidação daqueles que ali já estão há mais tempo. Então essa é uma dificuldade, que é desde o cidadão mais antigo da comunidade... até aquela criança que ali estuda, que ali mora. Nos primeiros dias, subia-se com uma metralhadora, uma escopeta... fardados em baixo de sol de trinta e cinco graus. Para a gente conseguir um copo de água na porta do cidadão, era difícil, porque eles tinham medo de que, daqui a pouco, o chefe dos bandidos, dos traficantes, iria perguntar pra aquelas pessoas se estavam passando informação para a polícia. Seria o x9, seria o dedo duro... Então evitava se expor, pensando 75 que, no outro dia, a polícia não estaria presente naquela localidade, então tivemos muita dificuldade nesse sentido (PPM 06). Seguindo a linha de raciocínio, agora na ótica dos oficiais que se encontravam na gestão do SAC da região do Morro do Quadro, pode-se observar alguns itens de relevância, conforme os seus relatos abaixo: Os recursos disponíveis no 1º BPM não eram suficientes para uma ação planejada, com a duração necessária para o restabelecimento da ordem local. Não havia uma sede para servir de base para as atividades policiais no bairro ou proximidades. Era necessário, antes de qualquer coisa, fixar uma sede local, a fim de valorizar as ações policiais e os contatos com a comunidade. Por outro lado, o Comando da PMES buscou todas as alternativas possíveis para a adoção de medidas que pudessem dar uma resposta digna à demanda. Efetivos e outros recursos disponíveis foram transferidos para o 1º BPM, a fim de serem utilizados, exclusivamente, no policiamento do Morro do Quadro. Por outro lado, não havia registro de uma relação duradoura entre a PM e as comunidades locais. Até porque as intervenções policiais eram cotidianamente episódicas, como de costume da época (OFPM 01). Como já disse a transformação do modelo mental dos policiais foi um grande desafio a ser superado, bem como a desconfiança da comunidade que estava acostumada com o descaso e a violência, inclusive policial. A geografia do morro, muito acidentado, com vielas e becos de difícil acesso, também dificultava o policiamento, pois somente se conseguia alcançar o alto do morro através das íngremes escadarias a pé. Verificavam-se também muitos barracos abandonados que serviam de esconderijos de fugitivos, de armas, drogas (OFPM 02). Em síntese, verifica-se que os principais problemas sentidos à época, na implantação do SAC na região, podem ser resumidos conforme segue abaixo: Falta de confiança das comunidades no corpo de policiais militares alocados inicialmente no SAC da região; Medo de retaliações da criminalidade local contra os moradores; Localidade acidentada para o patrulhamento; Descrédito da comunidade na polícia em função de sua histórica ausência na localidade; Falta de confiança dos policiais militares nas pessoas que residiam na localidade; Dificuldades iniciais de recursos, como a necessidade de uma sede para o SAC e contingente policial necessário para os serviços; Problemas de manutenção do SAC, tais como despesas do aluguel e custeio de material de consumo, como, por exemplo, o gás de cozinha e 76 café; Resistências internas dos profissionais para a mudança de mentalidade da repressão para a prevenção; Ausência de uma associação de moradores que pudesse representar os anseios das comunidades locais; Problemas estruturais no bairro como: baixa luminosidade e difícil acesso para chegar ao alto do morro. 3.5 RESULTADOS OBTIDOS PARA A REGIÃO E A PMES A implantação do SAC na região do Morro do Quadro, juntamente com a filosofia de policiamento interativo, promoveu uma série de resultados, tanto para a PMES quanto para a comunidade local. Para maior esclarecimento, vale destacar de forma preliminar uma divisão dos resultados para cada lado presente no cenário de atuação. Neste sentido, busca-se estabelecer a exposição de percepções de cada uma das partes observadas – comunidades e polícia. 3 5 1 Resultados para as comunidades Como resultados obtidos para as comunidades, destacam-se os relatos de todas as entrevistas aos integrantes das comunidades – ICs 01, 02, 03, 04, 05 e 06: Os resultados foram maravilhosos. O bairro transformou da água para o vinho, eu me elegi a presidente da comunidade, e depois até do conselho de segurança, onde eu fui presidente até um tempo demais. E a qualidade, o morro, os becos, as escadarias..., a Prefeitura começou a reativar as obras, porque estavam paradas. Começamos a iluminar, pois não tinha iluminação. Adquirimos a confiança dos moradores, porque onde o bairro se torna perigoso, 99% do bairro é gente boa, gente humilde que gosta de trabalhar. E meia dúzia de vagabundos que transforma o bairro, que oprime o bairro, bota uma pistola na cintura, ai já viu, né? Um homem de bem não tem uma arma, né? Mas aí a qualidade mudou, o bairro cresceu, desenvolveu. Nos conseguimos reforma de creche, nos conseguimos uma creche nova, tá até hoje, que é a Elza Lemos Andreata, que foi por causa disso. Se não, não teria até hoje. Escadaria, corrimão, abastecimento de água não tinha. A CESAN não subia, porque tinha medo de ir lá regularizar. 77 Conseguimos o Projeto Terra, da Prefeitura, urbanizamos, resolvemos problema de encostas. Tudo porque os órgãos públicos estavam ausentes. Com a tranquilidade do bairro, os próprios trabalhadores, os próprios moradores pedir, começar a se interagir com a comunidade. O bairro se transformou da água para o vinho. Não vou dizer perfeito, que não existe perfeição. Tinha problema? Tinha! Problema de Drogas? Lógico que tinha! Mas a gente tinha um trabalho de confiança, tinha tranquilidade, e o bairro cresceu, se desenvolveu, virou uma maravilha. [...] Com a polícia, a gente deixou de ser apenas um elemento, a gente se tornou um cidadão com a polícia. Eu acho bacana isso, porque geralmente um policial militar fala ‘elemento’, tudo é elemento, fora a policia, o resto é elemento. Nós viramos cidadãos, eu virei seu amigo, amigo do pessoal dos saldados, dos sargentos. Então eu não sou só um elemento, a comunidade não só um elemento. Porque, não é porque é policia tem que ficar só com cara feia, achar que vai assaltar alguém só porque é uma morena ou um negro. E em cima da comunidade, a qualidade de vida do bairro se transformou em termos de segurança e tranquilidade. Porque o que adianta você chegar no seu bairro, na sua própria comunidade lá, tem que ir correndo pra dentro de casa? Você não pode ir num bar, não pode ir na pracinha... Com isso, a qualidade de vida vai para o espaço. Então isso modificou, e você dinamizou, a gente fazia festa junina, fazia tudo, e melhorou cem por cento com a polícia, e com a comunidade na vida da gente (IC 01). Bom, eu acho que um dos pontos que começaram a desaparecer daqui do Morro foram as bocas de fumo, né que os policiais eles subiam o Morro eles iam à causa do problema, eles iam à boca de fumo, as mortes começaram a desaparecer, os roubos na comunidade começaram, a desaparecer, então foi muito bom a implantação do SAC aqui em cima. [...] As pessoas que, por exemplo, não vinham ao bairro, começaram a vir. Por exemplo, eu trabalho numa escola, né? Aí, muitas professoras falavam assim, eu não venho aqui para essa escola porque era muita violência. Agora não, agora com a implantação do SAC, começaram a aparecer boas professoras, e o trânsito nosso, das pessoas de boas índoles, foi melhor (IC 02). [...] após um tempo ou após há algum tempo já participando de algumas reuniões, e passando a ter mais essa confiança, houve usuários nas praças que a gente já não via. O tráfico a gente já não percebia mais, com tanta intensidade, e benefícios em relação até a Prefeitura, que pode estar subindo no Morro e fazendo as benfeitorias, que era as necessidades dos moradores locais, principalmente dos morros, né? Em relação à reforma de escadas, à iluminação dos becos, orelhão, que até então os moradores tinham muita dificuldade de estar se comunicando, de estar ligando para um hospital, uma ambulância, uma coisa de emergência. Na época não tinha orelhão, e após esse sentimento de segurança, com a implantação do SAC, pode-se ter o orelhão lá em cima, no local, beneficiou muito os moradores (IC 03). [...] eles não estavam mais tão abusados, porque na verdade o tráfico tava nas portas das nossas casas. E com o policiamento mais próximo ali, inibiu eles. Na verdade, eles tiveram que subir para o morro, entendeu, porque eles já estavam ficando nas portas das nossas casas. [...] A Prefeitura às vezes não subia lá em cima no morro para varrer as escadarias. Temiam, né, tinham medo, pediam autorização aos bandidos, quem tivesse chefiando lá em cima, o mandante, o dono do Morro na época, que era assim que se falava... Aí a Prefeitura começou a subir, começou a ter melhorias, as escadarias, iluminação pública. Se quebrava um orelhão lá em cima, ai Jesus, a polícia lá em cima... Pra Telemar na época ir lá em cima era muito difícil. Quantas vezes eu, como líder, fazia ofício pra pedir pra acertar o orelhão lá próximo à igrejinha do Morro do Cabral, e não era atendida... Tinha que estar insistindo, implorando, porque eles tinham 78 medo... porque todo mundo que subia uniformizado, os bandidos achavam que era polícia, então tinha medo. E com a estadia do DPM ali em cima, tudo isso mudou. A realidade mudou com certeza, com certeza. Você via as pessoas mais tranquilas. Qualquer coisa, corria, ia lá ao DPM... ah, vou é falar com seu policia... Até as brigas de vizinhos diminuíram (IC 04). Eu acho que a gente conseguiu, apesar de ser muito subjetivo. Conseguimos assim uma relação melhor das instituições que estavam ali. Por exemplo, a associação, o CAJUN, a Igreja, com o próprio DPM, as pessoas se relacionavam melhor. Inclusive com um dos policiais, tinha uma relação de confiança, mesmo... Você saber que podia contar com alguém, caso você alguma coisa acontecesse (IC 05). Mais segurança para os comerciantes, começou a voltar àquelas pessoas... Fornecedores que não subiam o morro mais, tipo o carro de gás não subia, a Sadia não sobe até hoje, continua não subindo... Mas assim, os sorvetes, essas coisas, essas pessoas tinham medo de subir o morro. Voltou a subir, as pessoas começaram a ter mais confiança em abrir um comércio, uma coisa (IC 06). Após citar os relatos, com a finalidade de melhor visualização, são registrados os resultados obtidos: Melhoria da qualidade de vida para a comunidade local; Melhorias estruturais de serviços públicos, como iluminação, saneamento básico, colocação de corrimões nas escadarias, instalação de orelhões, dentre outros; Aumento da credibilidade e confiança das comunidades junto aos policiais locais; Melhor relacionamento entre os policiais locais, junto às instituições presentes nas comunidades; Inibição do cometimento de crimes por parte dos meliantes; Forte sensação de tranquilidade e segurança por parte da comunidade; Redução gradual das bocas de fumo; Melhoria do trânsito de serviços particulares para os moradores, como os carros de gás. 3 5 2 Resultados para a PMES Como resultados obtidos para a PMES, menciona-se a seguir os relatos obtidos pelas entrevistas aos integrantes da Polícia Militar – PPMs 01, 02, 03, 04, 05, 06 e 79 07; e OFPMs 01 e 02 – que trabalharam diretamente no SAC da região do Morro do Quadro: Foi bom, o resultado... Com o passar do tempo, foi bom. A população passou a confiar mais na polÍcia, várias informações chegavam ao nosso conhecimento. Conseguimos deter vários elementos que praticavam atos, tráfico de drogas, principalmente, vários mandatos de prisão, elementos que não moravam na comunidade mais permaneciam ali até então. [...] Antes da implantação desse DPM, desse destacamento no morro, a Prefeitura, principalmente, ela não conseguia realizar serviços, como escadarias, corrimões, e devido à implantação, vários serviços foram implantados no morro, para benfeitorias, várias coisas. A Escelsa conseguia subir no morro, instalação de luz, água, mais precisamente a Prefeitura, fez vários trabalhos pra aquela comunidade, que era carente. E como a gente sabe, nos morros também existem várias pessoas de bem, a maioria de bens, mais são poucos delinquentes que vivem no morro. E por portarem armas, as pessoas de bem têm medo, e não denunciam, se calam diante disso (PPM 01). Os maiores resultados, podemos dizer, é justamente a credibilidade da polícia militar em relação aos moradores... Eles puderam ver que a policia militar estava ali justamente pra segurança e não mais aquela mentalidade, que a polícia militar no local era justamente só pra prender pessoas de bem, ou até mesmo bater, como no passado houve alguns fatos nesse sentido. Resultado foi a confiança, quando chegava uma denúncia, a polícia no caso subia o morro e prendia, dava resultado positivo. Com isso, voltou novamente a tranquilidade, ao morro, aonde foi feito um excelente trabalho naquela época. [...] Um dos resultados que podemos dizer é justamente um concurso que houve entre as polícias militares, no modelo de policia interativa, em que houve ali vários estados concorrendo no modelo de policia interativa. E a policia militar no estado, através de um trabalho desenvolvido no Morro do Quadro, ela foi indicada como polícia militar modelo, podemos até dizer, padrão, aonde recebeu prêmios, uma viatura ganhada através deste trabalho. Com a chegada da polícia militar ao bairro, carteiros tiveram acesso ao morro, pessoas trabalhavam na área de Escelsa, iluminação, CESAN... Eles puderam até mesmo ajudar às pessoas que tinham dificuldade até mesmo para adquirir a energia, a água. Eles puderam subir com o apoio da polícia, e trouxe benefício. Foram colocados corrimãos, iluminação nas escadarias, onde melhorou para o serviço da polícia militar e pra toda comunidade local da parte alta do morro (PPM 02). [...] as pessoas foram tendo mais credibilidade com a polícia, sabendo que teria resposta. Então elas efetuavam denúncias, sabendo que tinha uma polícia ali, que estava pronta para estar auxiliando o cidadão. Dentre outros, a Prefeitura praticamente teve a condição de subir aos morros, realizando alguns serviços de CESAN, de Escelsa. Houve lá a implantação de orelhões, por parte da Telest. Foi feito melhorias numa praça no bairro, ampliou-se o comércio, houve realmente benefícios pra comunidade local (PPM 03). No início, depois que o policiamento foi implantado, antes a pessoas não ficavam na rua, as pessoas não ficavam nas calçadas conversando, as famílias não desciam das suas casas, não ficava em frente a sua casa conversando, se interagindo com os vizinhos, devido o medo. Mas com a implantação do policiamento, pode-se perceber, que havia já... As pessoas conversavam, as pessoas andavam na rua, as pessoas tinham tranquilidade de andar na rua. Comércio foi ganhando força no bairro, o correio, que antes não poderia subir para entregar as cartas, já passou a subir, até no 80 alto do morro pra entregar as correspondências. Carro de gás, que não poderia subir, depois com implantação do policiamento, passou a subir o morro para entregar o gás. Padaria, não tinha padaria no bairro. Com a implantação do policiamento, foi implantada várias padarias, as pessoas já abriu comércio, até comércio de grande porte ali em cima já tinha, já foram implantada naquele bairro (PPM 04). [...] com aquele policiamento ali houve a credibilidade com a comunidade, e com isso foi desempenhando vários serviços, serviço de utilidade pública, que não podia subir o morro, e saneamento. Passaram a servir de saneamento básico, passou a ser desenvolvido. As escadarias foram ampliadas e reformaram. Antes não poderia ser feito por conta da criminalidade mesmo. E várias ruas foram calçadas, e com isso foi ajudando até nossa locomoção naquele local, e a presença da comunidade e várias outras melhorias (PPM 05). Os resultados foram excepcionais, devido a estatísticas anteriores, todas as semanas existiam naquela comunidade a média de dois a três crimes, diretamente homicídios e outros também, tentativas de homicídio, brigas familiares com lesões corporais. A partir do momento que foi alcançando os nossos objetivos, passamos de manter homicídio nenhum, durante mais de anos. Não to falando isso com certeza, porque eu já estou afastado mais ou menos dez anos... Não me foge a memória, essa média mesmo, mas, mais de ano sem ter um homicídio... E ali nós implantamos, não só evitamos esses homicídios, mas tivemos muita tranquilidade de praticar o policiamento social, ajudando em parto, ajudando em socorrer vítimas a mais de cem metros escadaria a cima. Esses foram os objetivos que nós alcançamos com a implantação do SAC. [...] A comunidade em si passou a receber seus visitantes, parentes, sem ter que pagar praticamente pedágio Repetindo, a comunidade em si, antes que ia receber uma visita de um parente, seja quem for, essa visita chegaria em sua casa escoltado por aqueles que mandavam no morro. E teve também a maior facilidade em se locomover, sem dar satisfação àquelas pessoas que não teriam o direito de cobrar. Tiveram também uma melhora nos serviços social de entrega de gás, entrega de material de construção, entregas... enfim, esses serviços essenciais que a comunidade necessita normalmente. Tiveram também, aonde não tinha escadaria, passara a ter, porque a Prefeitura já tinha garantia de segurança pra fazer a devidas escadarias. Aonde necessitava de corrimão, a Prefeitura lá também colocou os corrimões pra que um cidadão, um senhor de idade, uma senhora, uma grávida, pudesse descer ou subir uma escadaria com mais segurança, tudo isso ai foram coisas que a comunidade em si teve, adquiriu com o SAC lá implantado. Fora disso também foi os dois postes que lá foram reativados, naquela rua de baixo do DPM e da rua principal. Melhorou pra dentistas, pra consultas, entregas de remédios, vacinação, tudo isso melhorou pra comunidade (PPM 06). A relação de confiança firmada entre a Polícia e a Comunidade, decorrente da fixação do efetivo policial na região, de modo que as comunidades locais passaram a contar com um policiamento próprio de referência, conhecedor das dificuldades sociais diversas de seus moradores. Isso possibilitou uma aproximação recíproca, permanente e organizada, que culminou com a diminuição dos indicadores criminais e consequentemente com a melhoria da prestação de outros serviços disponibilizados pelo Estado e pelo Município. O somatório de tudo contribuiu para a melhoria da imagem da Corporação na sociedade, através do aprimoramento das atividades policiais na constante melhoria da Qualidade de Vida no grupo social local, respeitando a dignidade humana e promovendo os Direitos Humanos e as garantias constitucionais (OFPM 01). 81 Sem sombras de dúvidas, a paz que reinou naquele período de intensa convivência harmoniosa e de cooperação mútua entre a Polícia, comunidade e Município na construção de uma cultura de trabalho pautada na parceria e interação (OFPM 02). Algumas medidas adotadas à época foram o incentivo da PM local, para que a comunidade se organizasse em nível de associação comunitária. A implantação do disque denúncia, com o telefone do próprio SAC para o recebimento de denúncias por parte da população, amplamente divulgado, a criação das urnas interativas, a fim de canalizar o recebimento de denúncias escritas sobre os fatos delituosos (CAMPOS; LIBARDI, 2001). Até a Prefeitura Municipal de Vitória esteve mais presente por intermédio da construção de corrimões nas encostas do morro, além de intervenções sociais e educacionais bastante significativas para a localidade. No ano de 2001, a empresa Motorola do Brasil promoveu no âmbito nacional um concurso de polícia comunitária, com a abertura de encaminhamentos dos projetos das Unidades da Federação e, nessa época, o projeto “Morro do Quadro” alcançou a primeira colocação em nível nacional, conforme se evidencia abaixo: Experiências exitosas estão sendo disseminadas a partir do exemplo capixaba, que recentemente obteve a primeira colocação entre os Estados brasileiros no concurso nacional de polícia comunitária, patrocinado pela Motorola do Brasil. A cidade de Vitória, através do jovial e competente trabalho dos policiais e da comunidade do Morro do Quadro, é hoje, reconhecida pelo Ministério da Justiça como a melhor referência de interação entre a polícia e a sociedade civil organizada no Brasil (COSTA, 2003, p. 149). Essa premiação coroou o trabalho de dois significativos lados: a Polícia Militar e as comunidades locais. Neste sentido, ficou nítido que essa aproximação poderia gerar importante ferramenta no processo de controle social, que era devidamente construído através do respeito mútuo de ambos os atores. Diante de todas as entrevistas aos policiais militares e aos outros resultados obtidos até no cenário nacional, para melhor visualizar os resultados obtidos para a PMES, destaca-se abaixo a síntese das percepções dos entrevistados e dos demais dados investigados acerca dos resultados institucionais: 82 Aumento da confiança e credibilidade da sociedade em policiais presentes na comunidade; Aumento de prisões e apreensões de drogas; Disponibilização de canais de comunicação com a comunidade através do disque denúncia; Aumento na sensação de segurança dos moradores ao descerem do morro e transitarem livremente pelo bairro; A PMES se transformou em uma referência de atendimento para a população; Garantia de melhorias estruturais para o bairro; Contemplação de primeira colocação no concurso nacional de polícia comunitária, patrocinado pela empresa Motorolla do Brasil, no ano de 2001. 3.6 A DESATIVAÇÃO DO SAC NA REGIÃO DO MORRO DO QUADRO E SEUS EFEITOS Segundo dados obtidos junto à administração da atual 2ª Cia do 1º BPM, o SAC do Morro do Quadro foi desativado no dia 16 de maio de 2007, em função da problemática em torno da carência de efetivo na localidade, e, até os dias atuais, o local não é contemplado com nenhuma base fixa de policiamento ostensivo. Conforme se pode evidenciar no Anexo 4, o imóvel foi formalmente entregue a seu proprietário por intermédio de um recibo lavrado exatamente no dia 16 de maio de 2007. Pode-se observar um sério contraste entre o início da ativação do SAC na região e a última atuação policial no SAC. As escalas apontam para um quantitativo de vinte policiais militares em fevereiro e março de 1997, revezando-se num regime de trabalho de vinte e quatro horas em todos os dias da semana (ANEXO 3). Em contrapartida, no ano de 2007, mais precisamente no dia 15 de maio de 2007, a realidade do efetivo policial no SAC chegou a dois policiais militares. Estes trabalhavam de segunda a sexta-feira, das dez da manhã às cinco da tarde, muito aquém da capacidade inicial configurada (ANEXO 3). Era latente o risco de vida de uma quantidade pequena de profissionais empregados no local, em face da gênese 83 da intervenção da força pública na região: exatamente o assassinato de dois policiais militares. Essa parte inicial acaba por desenhar as circunstâncias principais acerca da desativação do SAC na região. Diante da necessidade de compreensão dos efeitos que surgiram após a desativação do SAC, ressalta-se abaixo os trechos das entrevistas dos integrantes das comunidades: Infelizmente, eu estava conversando com o comando, alguns oficiais aí. Nossos problemas hoje em dia, não são nem os vagabundos não, tava falando, é a polícia! Nós estamos sem comando na região de Santo Antônio, nossos comandos aqui não existem e isso naturalmente acarreta para os comandados deles. Eu tomo conta de equipe, eu sou coordenador da dengue da equipe de Vitória. Eu tomo conta de 300 agentes da dengue em Vitória. Se eu fosse omisso, fosse para uma sala ficasse no ar condicionado o dia inteiro, meus meninos lá em campo não iriam combater a dengue... Ah... meu chefe ta lá... uma coisa natural da vida, se você não recebe a pressão natural, sem caxiagem, pelos menos fazer o feijão com arroz... não estou dizendo pra ninguém ser herói não, matar ninguém, sem matança, fazendo besteira não... Mas pelos o mínimo da função tem que ser cumprida e não está sendo cumprida, nós estamos infelizmente entregues. Vão ver a nova estrutura que está vindo aí, o que vai acontecer... mas infelizmente caiu muito a qualidade (IC 01). Bom, a gente teve uma época que tinha só dois policiais no SAC. Naquela época eu acho ainda que a gente tinha o controle da violência aqui no bairro. Agora eu acho que piorou muito, muito, muito, muito, muito mesmo. A nossa região da precisando assim, de imediato, de novo do SAC, ou não sei, o que pode ser implantado aqui pra que esses policiais sejam permanentes aqui no bairro, porque o negócio não tá bonito, não (IC 02). Houve um grande retrocesso, porque aí infelizmente não houve uma visão das políticas públicas, principalmente da segurança, de estar nos atendendo, a pedido das lideranças que mentisse aquilo lá... porque ali estava gerando segurança. Tava gerando benefício realmente para toda região local. Mas depois disso, realmente o tráfico retornou, as violências voltaram, os usuários das praças voltaram, porque eles se sentiram à vontade pra isso. Sendo que o DPM desativado, eles novamente tomaram conta da área, né? E isso prejudicou bastante a nossa região. [...] A princípio, antes da implantação do SAC, hoje a gente até que vê algumas viaturas passando. Elas costumam dar uma parada na praça, mas não há mais aquela aproximação, ficou uma coisa mais distante. Se você quiser fazer alguma reclamação, ou solicitar algum serviço, você vai ter que ligar pro 190 e aguardar não sei quanto tempo para ser atendido. Sendo que, na época dos SAC, ou seja, você já tinha conhecimento dos policiais que trabalhavam na região... era mais fácil. Hoje a gente fica na dependência do 190 e a boa vontade da viatura poder estar passando atender os moradores (IC 03). 84 Olha, quando desativaram o DPM, sumiu os policiais, voltou o que era. Esporadicamente passava uma viatura, não tava tendo mais aqueles policiais que subiam o morro. Aqueles policiais que ficavam ali no DPM, eles subiam o morro normalmente, em cinco, seis policiais, sempre via passando. Não acabaram com o tráfico, mas inibia. E isso tudo acabou. Hoje quem tá mandando no morro, na nossa rua, na nossa vida, ali, são os bandidos (IC 04). [...] voltou a ser como era antes, muito raramente passa uma viatura. Continuam indo quando tem que fazer, parece. Eu não sei o Capitão, mas a impressão que eu tenho é que a policia sabe de tudo o que está acontecendo, sabe de onde tem o tráfico, sabe quem tá envolvido e tal, mas só faz a ação. Ela é repressiva, aí já vai para prender, para bater, igual prenderam um menino lá em cima. Ele pode ter se envolvido com o tráfico? Agora esfregar a cara do menino na parede no meio de todo mundo, para o menino sair sangrando, para mim não é atitude que vai fazer readaptar ninguém. Por mais errado que ele esteja, ele é uma pessoa, que tem os motivos, que estão errados? Estão! Agora, a polícia não tem o direito de fazer isso, acho que o Estado tem que..., a gente tem que discutir e retomar a questão das unidades nos bairros, mesmo que não consiga colocar lá, que eu acho errado... porque o Estado tem que garantir isso. Tem que colocar policiais qualificados e não colocar naquele universo de população que tem... colocar 3 ou 4 policiais... porque se subir 3 ou 4 policiais no Cabral, e do jeito que tá hoje, desce 3 ou 4 corpos, tá? Então, assim, é estar organizando, e eu acho, tenho certeza, que a segurança tem verba para isso... que a gente vive ouvindo na imprensa aí, na mídia, recursos destinados à segurança, essas capacitações, que eu acho extremamente importante. Hoje tem a Guarda Municipal, que apesar de questionar, mas que a SENASP manda muito recurso para a formação deles. Então, assim... acho que a população tem que ter esse retorno e não está tendo. Na pior das hipóteses, só o fato de ter instalado no bairro uma unidade, o espaço físico, ter policial transitando ali, já inibe a ação dos bandidos, já inibe a instalação do tráfico (IC 05). Olha, pra te falar a verdade, eu não tenho sentido nada, eu não vejo polícia aqui, entendeu? Não tem polícia aqui em cima. Às vezes... até tem um dia que houve uma confusão na rua aí, de puxando o cabelo, briga de uma pessoa com a outra, a gente chamou a polícia, mas não apareceu, apareceu tipo uma hora depois, entendeu? Aí já tinha acabado a confusão (IC 06). Diante das percepções dos integrantes das comunidades entrevistados, pode-se apontar, os efeitos da desativação do SAC para a sociedade local, conforme segue abaixo: Retorno do cenário criminal que antecedeu a instalação do SAC na região; Instalação do tráfico de drogas, disseminação de usuários de drogas e outras situações criminais; Atendimento precário da PMES na região, com o patrulhamento esporádico e atendimento de ocorrências policiais; Solicitações da comunidade somente com atendimento junto ao Centro Integrado de Operações de Defesa Social (CIODES), via telefone 190; 85 Perda do intenso contato da polícia com a sociedade local; Modalidade maior da repressão policial aos incidentes criminais; Presença de violência policial. Mesmo que os efeitos da desativação do SAC possam ser mais bem captados por parte das pessoas que residem na localidade, foi também investigada a ótica dos policiais que ali trabalharam, acerca da mesma sociedade, sem a presença do SAC na região. Neste sentido, também foram ouvidos os policiais militares (oficiais e praças) que trabalharam na localidade, a fim de melhor canalizar as suas percepções acerca da lacuna ora deixada na região: Uma comunidade sem referência em Segurança Pública e com o sentimento de pleno abandono por parte do Estado. Justamente onde o próprio Estado (e Governo) firmou tantos compromissos e promessas, e de onde tantos frutos e homenagens foram colhidos. Tanto marketing positivo registrado, tanto para Governos, quanto para as Instituições. Nem mesmo a inscrição perenizada na história da segurança pública no Brasil, através de prêmios e livros, foi suficiente para respeitar os avanços do policiamento interativo na Região (OFPM 01). Aquele SAC é um local estratégico, uma vez que é passagem obrigatória a todos que adentram o Morro do Quadro e do Cabral. Possui também uma representação simbólica da presença da Polícia e, consequentemente do Estado na Região, já que a história de sua estruturação foi marcada por um intenso trabalho, e muito sofrimento daquela comunidade. A consagração do Prêmio Nacional de Polícia Comunitária deveria ser lembrada por meio da preservação do SAC do Morro do Quadro, enquanto exemplo a ser lembrado e seguido, pois representava um ponto irradiador de segurança e interação entre os bairros que compõe a célula interativa de segurança do Morro do Quadro. Até hoje moradores nos ligam falando da falta que faz o destacamento da Polícia no bairro e reclamam também da falta de diálogo e de aproximação da Polícia, hoje. De acordo com moradores, o policiamento é feito de forma esporádica e não há mais a fixação do policial. Hoje já não se conhece o policial do bairro, não se sabe mais o nome dos policiais, como nos tempos da interação permanente. Isto prejudicou muito a relação comunidade e polícia (OFPM 02). Bom, com a desativação do SAC, certo? foi voltando o que era antes, certo? Agora o tráfico é intenso. Temos informações que várias pessoas andam armadas, portam armas e não se intimidam, certo? Inclusive as nossas viaturas ,quando passam na rua, já foi recebida a bala, a tiro. E agora a gente sabe que tá uma bagunça, né? Tá uma bagunça de novo, e que pra retomar o lugar de novo, vai ser difícil, certo? Vai ter que ter alguém de pulso forte, pra retomar o local, certo? Não é que a polícia não tenha feito um trabalho nesse tempo... só que como era feito, não tem condições o problema de efetivo, certo? E a gente também não sabe porque até então, porque que, se foi parte de governo, se foi parte do comando, certo, que resolveram fechar o destacamento, certo? Sendo que o destacamento não 86 só lá nessa região do Morro do Quadro, como em todo os bairros, certo, é o ponto de referência. E quem tá dentro do bairro, os policiais que trabalham dentro do bairro, eles conhecem certo, sabem quem são as pessoas de bem e quem são as pessoas de mal. O que acontece? Quando fecha um destacamento, os marginais tomam conta, eles tomam conta da situação, e depois fica difícil da polícia resolver a situação (PPM 01). Na época, existia o SAC da polícia militar no bairro. As pessoas podiam até mesmo dormir de janelas e portas abertas, porque a criminalidade que existia na época, já não havia mais. A maioria das pessoas que tiravam a tranquilidade já havia sido presa. Os traficantes, outros haviam sido mortos entre brigas rivais. E com a retirada do SAC do local, hoje voltou novamente a intranquilidade, voltou novamente o tiroteio, brigas de gangues rivais. E podemos dizer até nas últimas reportagens, vários homicídios que vêm ocorrendo nos dois bairros. A parte alta, com a parte baixa..., Então podemos dizer quais, todos os meses, aí, noticiário envolvendo o Morro do Quadro, justamente a saída, a retirada, da polícia militar no Morro do Quadro, com a desativação do DPM (PPM 02). Isso, praticamente houve um distanciamento entre a comunidade e a polícia. Praticamente, a comunidade sentiu muito, devido à ausência da policia, e com isso voltou à criminalidade no local. Os traficantes começaram a voltar àquela rotina anterior a instalação do DPM. A comunidade voltou a ficar novamente insegura (PPM 03). Infelizmente, aquelas coisas aconteceram de maneira até... não teve, vamos botar assim, não teve continuidade, entendeu? Hoje, o morro, o bairro Morro do Quadro, a violência está começando a imperar, a violência ali já tá grande. Fica um dia lá com os comerciantes, já tão fechando o comércio até cedo demais, já com medo da violência, com medo dos assaltos. E antes quando tinha o policiamento, não existia isso, o comércio ficava ali até dez, dez e meia da noite, e os comerciantes tinham plena confiança no policiamento que se encontrava no bairro (PPM 04). É um pesar muito grande, porque, quando nós fomos pra lá, nós assumimos o compromisso com a comunidade, de policiar, de proporcionar sensação de tranquilidade pra aquela comunidade. Até mesmo eles chegavam pra gente e falavam... é... depois vocês vão sair... A gente falava que não, porque até mesmo eu acreditava que a gente não ia sair, ia acabar o SAC. Mas apesar da gente perceber que houve essa quebra do comprometimento, de nós não darmos segurança para eles, mas não houve a quebra da confiança... já que uns dias atrás um indivíduo, cidadão lá do Morro do Quadro, ele passou todas as informações pra mim, que estavam acontecendo, tráfico de drogas intenso. Inclusive, indivíduos andando com arma em punho. E a gente fica até triste, né com a situação, porque nós fizemos um trabalho no local e depois não teve continuidade... não teve continuidade... Aí, com isso, a gente vê que, apesar da quebra de compromisso de darmos segurança para a comunidade, mas não teve a quebra da confiança, já que essas pessoas que me passavam informação na época. Apesar de antes que fechou o DPM, essas mesmas pessoas me encontram na rua, e passam informação, mas passa por que? Porque houve aquela confiança... Passa pra mim, mas de repente, para outros policiais não passariam. Então, essa confiança aí foi também primordial pra dar certo, além do empenho dos policiais da época, o comprometimento de todos, inclusive da comunidade (PPM 05). Bom, quando tinha o SAC lá, de vez em quando eu passava por lá, de carro principalmente. Seria cortando caminho pra sair em Santo Antônio. Após o desativamento do SAC lá, já não tenho mais segurança pra fazer isso não. E assim como eu, eu acho que muitos outros cidadãos também, que ali 87 passava, deixou de passar. E acredito plenamente com o que aconteceu em noventa e sete, com o Rui e o Bezerra, pode vim a acontecer... e que as autoridades podem ter que tomar a mesma providência que tomou em mil novecentos e noventa e sete (PPM 06). Em linhas gerais, verificou-se que, por parte dos oficiais e praças que ali trabalharam, existe uma aceitação unânime quanto ao funcionamento do SAC, como uma ferramenta adequada para o atendimento na região. Mesmo após anos de desativação, alguns policiais ainda recebem informações dos crimes que estão ocorrendo na região através da confiança neles depositada por parte de alguns moradores locais. A lacuna deixada abre espaço para questionamentos contundentes acerca do processo de descontinuidade de ações públicas. Estas têm início, obtêm aceitação por parte do público e dos próprios policiais, e depois de algum tempo se desfazem, ocasionando um mal estar imenso entre os moradores, e gerando problemas que só aquela comunidade conhece. Dessa forma, verificou-se o desfecho do último ciclo de policiamento na região, com um cenário de incertezas e de retrocesso diante das narrativas obtidas e das conseqüências que se instalaram na região após a desativação do SAC na região do Morro do Quadro. 3.7 UMA ANÁLISE QUANTITATIVA Depois de todas as análises qualitativas, emerge também a necessidade de apresentar uma análise quantitativa acerca dos principais delitos ocorridos na região estudada, no período de 1996 a 2007. Os dados numéricos constituem os somatórios de todas as ocorrências policiais que foram registradas nos bairros Morro do Quadro, Morro do Cabral e Santa Tereza, nos anos citados. Este somatório de ocorrências é descrito no Anexo 2, em um quadro que aponta a evolução do crime na região, englobando os principais delitos. 88 No presente tópico, cada espécie de delito é apresentada isoladamente, por meio de um gráfico, que foi elaborado com base nos dados contidos no Anexo 2, a fim de que se possa efetuar as ponderações. Dessa forma, analisa-se, a seguir, as seguintes ocorrências: crimes contra a pessoa; homicídios consumados; homicídios tentados; crimes contra o patrimônio; furtos e roubos; crimes de drogas ilícitas. Os casos de crimes contra a pessoa podem ser observados no gráfico 1: 45 33 29 23 14 Evolução 13 2007 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 19 21 19 25 2006 22 25 2008 28 2009 26 1997 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 1996 Qtd Crimes contra a pessoa Período Gráfico 1 – Evolução das ocorrências de crimes contra a pessoa Fonte: Centro Integrado de Operações de Defesa Social (2010). O gráfico dos crimes contra a pessoa corresponde a um somatório geral de todos os delitos aplicados contra a pessoa, tais como: lesões corporais, ameaças, homicídios consumados e tentados, dentre outros. Em números de ocorrências de crimes contra a pessoa, verificou-se uma ausência de tendências dignas de nota, com uma variabilidade muito acentuada entre aumentos e reduções. As ocorrências de homicídios consumados para o período analisado podem ser visualizadas a seguir, no gráfico 2: 89 Homicídios consumados 7 6 6 5 4 Evolução 2 2 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1 3 1 1 0 2 2003 2 2 1 5 3 3 2002 Qtd 5 5 5 Período Gráfico 2 – Evolução das ocorrências de homicídios consumados Fonte: Centro Integrado de Operações de Defesa Social (2010). A análise dos números de ocorrências de homicídios consumados não seguiu um padrão lógico dentro da evolução criminal, desde a formação do SAC na região, de forma que permitisse constatar alguma melhoria numérica em termos de redução criminal. Verifica-se uma tendência de crescimento, a partir do ano de 2003, de uma para seis ocorrências, mantendo-se estável em cinco ocorrências, nos anos de 2008 e 2009. A evolução das ocorrências de homicídios tentados pode ser apresentada conforme o gráfico 3, abaixo: Homicídios tentados 7 6 6 6 5 4 Qtd 5 4 3 4 3 2 2 2 2 2 2 1 3 3 1 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 0 Período Gráfico 3 – Evolução das ocorrências de homicídios tentados Fonte: Centro Integrado de Operações de Defesa Social (2010). Evolução 90 Os números de ocorrências de homicídios tentados apresentam-se com uma pequena tendência de redução no período compreendido entre 1996 a 1998, vindo aumentar acentuadamente em 1999, e depois outra queda, deste ano até 2002. A partir do ano de 2002, houve uma variabilidade acentuada em sua evolução, entre aumentos e reduções. Em linhas gerais, não há uma possibilidade de estabelecimento de nexo junto ao tema em análise. O enfoque seguinte apresenta a evolução das ocorrências dos crimes contra o patrimônio, conforme o gráfico 4: Crimes contra o patrimônio 35 29 30 24 25 20 17 14 15 12 12 10 14 2009 15 21 19 19 2008 Qtd 19 20 Evolução 13 5 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 0 Período Gráfico 4 – Evolução das ocorrências de crimes contra o patrimônio Fonte: Centro Integrado de Operações de Defesa Social (2010). Esses crimes constituem um somatório de todos aqueles relacionados ao patrimônio, tais como os furtos, roubos a pessoas, escolas, estabelecimentos comerciais, danos, dentre outros. Os números de ocorrências de crimes contra o patrimônio apresentaram-se com uma ausência de tendências dignas de nota. Dessa forma, não se evidencia uma variabilidade muito acentuada de aumentos e reduções, e não há possibilidade de relacionamento com a intervenção em estudo. Ainda dentro da linha afeta ao patrimônio, foi retirado em análise o somatório dos delitos relacionados aos furtos e roubos cometidos contra pessoas em via pública, 91 estabelecimentos comerciais, residências, dentre outros, de forma que se pudesse conter delitos de preocupação voltada contra o patrimônio e praticadas contra pessoas vítimas desse contexto. A evolução das ocorrências está apresentada no gráfico 5, abaixo: Furtos e roubos 25 22 19 12 12 13 12 13 10 9 12 10 9 2008 15 2007 Qtd 20 Evolução 11 10 9 5 2009 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 0 Pe ríodo Gráfico 5 – Evolução das ocorrências de crimes de furtos e roubos Fonte: Centro Integrado de Operações de Defesa Social (2010). No gráfico anterior, verificou-se que há quedas e aumentos de ocorrências em cada ano apresentado. Verifica-se um considerável aumento entre os anos de 2000 e 2001. Em linhas gerais, também não se pode evidenciar alguma significativa redução que esteja relacionada à atuação policial presente na localidade estudada. No que se refere à questão das drogas dentro da região, foi levantado o somatório de todas as ocorrências gerais relacionadas aos crimes de drogas ilícitas, tais como o tráfico e o uso de drogas presentes na região. Essas ocorrências são resultantes das apreensões e prisões, efetuadas pela PMES, dos indivíduos, que, de alguma forma, encontravam-se relacionados com a prática desse delito. A evolução das ocorrências dos crimes de drogas ilícitas pode ser analisada pelo gráfico 6, a seguir: 92 Crimes de drogas ilícitas 80 72 70 60 Evolução 40 12 5 2009 2008 2007 1999 1998 1997 1996 19 8 9 0 20 3 2006 7 2004 4 2003 11 2002 7 2001 10 2000 20 27 25 30 2005 Qtd 50 Período Gráfico 6 – Evolução das ocorrências de crimes de drogas ilícitas Fonte: Centro Integrado de Operações de Defesa Social (2010). A evolução dos crimes relacionados a drogas ilícitas pode oferecer informações interessantes a serem carreadas ao contexto deste trabalho. Verifica-se que, do ano de 1996 a 2003, os números mostram um quantitativo pequeno de intervenções policiais que resultaram em prisões e apreensões. Em contrapartida, a partir de 2003, verifica-se que houve um salto de três ocorrências para setenta e duas em 2009, evidenciando um acréscimo considerável da atuação policial sob o enfoque da repressão, e delineando uma preocupante cifra presente na região analisada. Associando aos números relacionados às ocorrências de homicídios consumados, a partir do ano de 2003, esses delitos também passaram a crescer dentro da comunidade, junto com os crimes relacionados a drogas ilícitas. Sobre a análise quantitativa dos principais indicadores criminais na região, pode-se constatar que não houve uma relação clara entre a ativação e o funcionamento do SAC da região estudada, com possíveis reduções criminais. A verificação geral dos números permitiu constatar uma variabilidade muito acentuada entre reduções e aumentos de incidências dentro da evolução criminal no período analisado. Verificou-se ainda que os crimes relacionados a drogas ilícitas mostram uma intervenção policial de cunho mais repressivo na localidade e em ritmo crescente, ao 93 mesmo tempo em que também cresceram os homicídios na região. 3.8 UMA ANÁLISE QUALITATIVA Muito embora o quantitativo não demonstrasse claramente um relacionamento entre os dados obtidos por intermédio da gerência estatística e de análise criminal do Centro Integrado de Defesa Social da Secretaria de Estado da Segurança Pública (CIODES), emerge a necessidade de carrear a percepção dos principais atores que estiveram diretamente envolvidos com o trabalho implantado à época. Neste sentido, dois grupos são delineados, para que esteja em sintonia a formação de um conjunto de percepções relacionadas à eficácia e à importância da implantação do SAC na região do Morro do Quadro: os integrantes das comunidades que lá residem há mais de vinte anos e que puderam participar ativamente do processo e, por outro lado, os policiais que participaram diretamente no policiamento e oficiais que estiveram no comando da localidade. No primeiro grupo estão os trechos dos relatos dos integrantes das comunidades (IC), de suas respectivas entrevistas, versando sobre a eficácia do modelo de policiamento: Porque foi um conjunto de coisas que aconteceram... não sei... O grupo de pessoas que estavam na comunidade, que acertou o grupo de oficiais de comando que estavam, que acertou... é um conjunto... não é uma coisa fácil. Você chega aqui hoje... Eu vou implantar o SAC no Morro do Quadro e vai voltar o que era? Não sei, pode ser que sim, pode ser que não... Tem que ver quem vai ser o grupo que tá lá na hora, quem que vai ser, isso não é uma coisa fácil, não. É muito difícil, mas temos que ser otimistas que dê certo (IC 01). [...] Eu acho que, como antigamente, quando os policiais tinham permanência aqui, que vinham, que ficavam, a gente tinha confiança neles. O nosso bairro era menos violento. Porque eles atuavam em tudo do bairro. Então, quer dizer, a gente tinha menos lixo na rua, menos violência... então quer dizer, além deles atuarem na violência, eles atuavam em outras coisas que o bairro tinha, que ajudava a melhorar esse bairro. A gente luta muito pela permanência do SAC, né, eu vejo assim... Pelo que eu converso com as outras pessoas do bairro, que se voltasse o antigo DPM, ajudaria melhorar muito a vida dos nossos filhos. Não é porque meu filho não esteja envolvido nessa questão das drogas, que eu não tenha que lutar pra que os outros filhos das outras pessoas não esteja nessa mesma posição dos meus. Então, quer dizer, que eles voltem para cá, que a gente possa estar 94 retornando. Que a gente possa tá fazendo um trabalho na escola, tá fazendo um trabalho no bairro, pra que fique menos violento (IC 02). Acredito, a implantação é muito importante porque vamos retomar novamente a credibilidade na polícia, de estar implantando novamente a polícia interativa, que vai fazer todo um trabalho de campanhas, prevenção de segurança com criança, até mesmo nas escolas locais, quanto aos usuários, né? É o maior problema que a gente tem hoje, que são as crianças menores. São adolescentes que estão se rendendo a isso... Então isso aí a gente podia estar desenvolvendo com a implantação novamente. Até mesmo, desenvolvendo um projeto junto com os policiais, as lideranças, pra tá vendo alguma coisa que possa tá tirando essas crianças de serem usuários, até mesmo, futuramente, um traficante (IC 03). Tem que voltar, precisa voltar, tem que ter um DPM ali em cima. Ele pode até não ser a resolução, resolver todos os problemas, mas que é importante, é importante demais... O DPM ali em cima inibia a criminalidade. Inibia os traficantes, entendeu? É muito importante. Eu peço a Deus todos os dias que isso volta pra ali... o DPM voltar a ser reativado ali. E até cheguei falar com um amigo meu que é líder comunitário no Morro do Quadro, se ele não conseguia ali no CAJUN umas salas pros policiais descansarem, ter um lugar para eles descansar, pra ver se eles ficam mais por ali. Coitados, eles não têm nem aonde ficar, se não tiver um DPM, pra ir no banheiro... Porque a população tem medo. Não são todos que têm coragem... eu, por exemplo dou água pros policiais, mas nem todo mundo tem coragem de parar um policial na sua parte e dar uma jarra de água pra ele, então é muito importante que o DPM volte (IC 04). Não só no Morro do Quadro, mas como nos outros bairros violentos de Vitória, ou do Estado. Exatamente por isso, Capitão, eu penso que você tem que fazer uma ação... é preventiva. Não é você deixar primeiro instalar o caos e depois sair atirando, batendo, esfregando a cara no muro, você tem que fazer uma ação preventiva. E outra coisa, se você for fazer um estudo nesses bairros violentos, você vai ver que nesses bairros não tem espaço pra lazer, não tem espaço cultural, não tem nada. Deixa muito a desejar nesse sentido, então vai fazer o que? Não tem acesso a lazer, não tem acesso à cultura, trabalho, né, porque não tem como garantir uma qualificação profissional. O tráfico tá oferecendo muito... qualquer menino que entra no tráfico aí, pra ser aviãozinho, ele tá ganhando 1500 reais por semana. Eu ralo aqui um mês inteiro pra ganhar 700, então assim, é muito fácil, é um dinheiro fácil. O que falta são ações integradas de governo, e não tem que ser, nem é projeto de governo, não. Tem que ser projeto de estado, tem que ter essas ações do estado que garantam a integração tanto da educação, cultura, lazer, ação social. Não tem jeito... se não fizer isso, nós vamos continuar vendo os adolescentes morrerem, porque daqui a pouco nem a previdência vai dar conta de aposentar todo mundo... porque não vai ter quem pague a previdência. Os jovens estão morrendo, só estão ficando os velhos. Eu penso, se fizer essa ação integrada, principalmente instalando essas unidades no bairro, e buscar fazer essa parceria com os movimentos que são instituídos no bairro, associação de moradores, a Igreja, o CAJUN... A gente já tentou fazer isso, só que uma coisa é uma pessoa tentar, e outra tentar. Outra coisa se você juntar, unificar o poder público com pessoas que tenham vontade de ver as coisas acontecerem. A gente já conseguiu isso uma vez, quando tava lá o DPM. Quantas vezes a gente fez vaquinha pra comprar gás pros policiais terem café... quantas vezes nós compramos açúcar, pó de café, pra ajudar... Acho que falta isso. Fazendo isso, acho que a gente..., tá certo que não tem muita expectativa que a gente consiga recuperar os que já estão. Mas evitar os que estão crescendo hoje entrar nessa vida, que nossos bairros não sejam tão violentos do jeito que estão (IC 05). 95 Com certeza! Porque eu acho que só assim a gente vai ter um pouquinho mais de paz e que vai conseguir aproximação da comunidade com a polícia (IC 06). Verifica-se, nos trechos dos integrantes das comunidades, que todos opinaram favoravelmente pela eficácia do SAC implantado na região como ferramenta de atuação da PMES, mesmo que todos os problemas da criminalidade local não venham a ser resolvidos. A questão da eficácia ficou bastante evidente, conforme os entrevistados, sobretudo no que tange à referência no atendimento às comunidades da base instalada no local. O enfoque da prevenção, antes que se instale o caos, também foi uma observação apontada e, neste sentido, o serviço ora instalado pareceu fazer uma interface junto àquela comunidade. Uma outra interessante visão por parte de um dos entrevistados foi a associação de que os policiais necessitavam de um ponto de apoio para descanso e banheiro. Este aspecto figuraria como uma forma digna de ambiente de serviço, elevando a instalação do SAC à condição da garantia de uma estrutura adequada de permanência para os policiais. Os serviços dos policiais lotados no SAC não se limitavam tão somente a questões criminais, como se pode evidenciar em uma das entrevistas. A presença policial acaba intervindo no próprio funcionamento do bairro, como por exemplo, na melhoria no depósito adequado de lixo nas ruas, como pressuposto de intervenção certa da polícia em possíveis conflitos. Uma outra interessante associação de um entrevistado foi a necessidade de conhecer o grupo de policiais que estão presentes na localidade para que a interação possa realmente ocorrer. Essa observação nos mostra que o comportamento dos policiais, tanto individualmente quanto em grupo, pode realmente fazer a diferença para aquela comunidade. A sensação de segurança instalada com a presença da base fixa local foi clara na demonstração das entrevistas. A lacuna deixada pela desativação do SAC e suas 96 consequências, sobretudo com o retorno do esporádico contato da PMES com os cidadãos e a instalação de um cenário criminal na região, foram relevantes fatos a relatar. No que se refere aos oficiais e policiais militares que trabalharam diretamente na região e pertencentes ao SAC, pode-se extrair os trechos abaixo: É uma grande ferramenta de interação e de gestão das relações comunitárias entre a polícia e os demais segmentos sociais locais. Em outras palavras, é a certeza de que a PM não vai abandonar a comunidade ao final de cada ocorrência atendida. É a presença real da polícia que auxilia na construção da responsabilidade territorial e possibilita uma aproximação recíproca entre a PM e os demais cidadãos, buscando uma relação permanente e organizada entre todos os envolvidos. Para a comunidade, é a porta do Estado mais próxima e visível nos momentos de dor, medo ou qualquer outro tipo de necessidade. Para a PM, é a modalidade em que policiar é, diuturnamente, servir, proteger e cuidar (OFPM 01). A constituição do SAC do Morro do Quadro foi feita devido a uma comoção social vivida com morte estúpida de dois companheiros da Polícia Militar, que desencadeou o processo de comunitarização na região. Mesmo que não tenha sido escolhido de forma técnica, atendeu às expectativas da comunidade e da Polícia. Portanto, não podemos acreditar que a estrutura fixa possa interagir com a comunidade. O policiamento descentralizado e a pé deve ser sempre priorizado para aumentar a ostensividade, visibilidade e, principalmente, a possibilidade de estarem permanentemente interagindo e diagnosticando demandas da comunidade, no sentido de promoverem ambientes mais seguros, e assim alcançar uma melhor qualidade vida dos seus moradores e a paz social que um dia eles viveram. Isto é possível e depende da vontade de construir uma gestão participativa. Nesse sentido, o papel da Polícia na mobilização social é fundamental (OFPM 02). [...] Sim, com certeza certo, não só... Já foi verificado, e está sendo verificado até em outro estado, como no Rio de Janeiro, agora, com a polícia pacificadora... Que a polícia interativa dá resultado, que este é o cominho a seguir... No Rio com outro nome, mas aqui com a polícia interativa, mas o método, o conceito é o mesmo (PPM 01). [...] com a chegada, na época, do SAC no Morro do Quadro, resgatou a confiança da polícia militar... Quando era acionado por parte dos moradores, então podemos dizer que ali foi um momento de tranquilidade, momento aonde as pessoas procuravam a polícia militar para ajudar no trabalho. Moradores chegavam até o destacamento, conversavam, batiam papo, falavam da situação que estava ocorrendo. Hoje, com a retirada, não tem mais esse diálogo entre a polícia e os moradores, onde voltou tudo do passado. Então, naquela época teve grandes resultados com a instalação durante todo o período, e hoje voltou tudo novamente... a insatisfação..., até mesmo a falta de confiança quando acionada a viatura. Não vai naquele local por falta de efetivo. Então, com isso, vem perdendo a credibilidade da polícia militar no alto do morro, ali, por parte dos moradores. Já não tem mais a mesma interatividade no local (PPM 02). Sim, virou um ponto de referência. Como já foi dito, a população, praticamente, ela tinha um convívio com os policiais, confiança em si. E a 97 gente retornava, conhecia cada um, cidadãos do morro, de modo que cada pessoa que subia o morro, que não fosse dali, os próprios moradores informavam aos policiais... havia uma pessoa estranha... e com isso, eles conseguiam, através da gente, obter a condição de segurança (PPM 03). [...] porque era como se fosse um ponto de referência da comunidade, tudo que a comunidade queria. O telefone do Morro do Quadro era o primeiro objetivo dela. Primeiro pensamento da comunidade é ligar pra DPM do Morro do Quadro... era para atender pessoas necessitadas, pessoas doentes, era para fazer algumas denúncias, era para pedir apoio em relação até pessoas andantes, pessoas que não eram do bairro... A comunidade ligava pro DPM, informava aí as características da pessoa, e atendia a comunidade. Então, era um ponto de referência ali da comunidade, todos... Os taxistas, quando eles subiam o morro, primeiro lugar que ele passava pra pedir informação era no DPM do Morro do Quadro. Via o policiamento na rua, parava e pedia ali uma orientação, perguntava se o bairro tava tranquilo, esse foi o diferencial (PPM 04). Com certeza, foi muito eficaz. Inclusive diminuiu o índice de criminalidade, proporcionou sensação de segurança para a comunidade, como eles mesmos informaram. E foi só melhorias..., só melhoria (PPM 05). Enquanto o SAC tava funcionando devidamente com a boa estrutura, com uma linha telefônica, com equipamento, armamento, efetivo, com a minha presença, a gente atendia a média de... não vou conseguir dar números de pessoas, mas atendíamos o Morro do Quadro totalmente, um pedaço da Vila Rubim, no Morro da Santa Clara, aonde tem uma escola, Morro do Cabral, Bananal, Santa Tereza, Caratoíra, Alagoano, e até mesmo Bela Vista que fica bem distante. Então, com a presença do SAC, que é o DPM, a gente fazia uma segurança, dava segurança e fazia segurança pra toda essa comunidade. E toda essa comunidade era que... antes, não tinha a presença de polícia... ela passou a confiar na polícia, dando informação, conversando, fazendo reuniões na sua comunidade, indicando o que era mais necessário naquele momento, aonde era necessário, onde estava o problema, o problema da segurança... e, como se diz... após conseguirmos ter a confiança que toda essa comunidade..., essa comunidade depositar confiança na polícia, acreditando que ela ia ter segurança, ali presente na hora que ligasse, na hora que solicitasse, foi fechado o SAC. Deixamos todas essas comunidades abandonadas... aquela comunidade que acreditou no nosso trabalho... (PPM 06). Diante de todas as entrevistas dos oficiais e praças, verificou-se que o SAC da região estudada constituiu-se numa ferramenta eficaz, tornou-se uma referência, e permaneceu presente na sociedade e nos policiais. A fixação do efetivo policial deveu-se, preliminarmente, à existência de uma estrutura que pudesse abarcar o corpo de policiais disponibilizados para o policiamento na localidade e o atendimento aos cidadãos. A confiança e a credibilidade foram manifestadas em muitas falas, tanto por parte dos policiais quanto dos integrantes das comunidades. Os serviços policiais não se resumiam apenas no enfoque da repressão de delitos. Mas muitos acionamentos 98 eram de natureza assistencial, e isso também pode ter acarretado na comunidade local uma atmosfera de aceitação e ajuda a quem a protegia, no caso a polícia. 99 4 CONCLUSÃO Levando em conta todos os dados trazidos para o presente trabalho, nota-se que várias conclusões podem ser apresentadas, em conformidade com o objetivo geral e objetivos específicos, mencionados na parte introdutória. O primeiro ciclo de policiamento interativo trouxe uma reflexão acerca do cenário anterior à ativação do SAC na região do Morro do Quadro. As matérias de noticiários, conjugadas com as entrevistas, permitiram evidenciar um cenário de criminalidade, que já não era novidade para a sociedade local. A Polícia Militar, nessa ocasião, se fazia presente de forma esporádica, limitando-se tão somente ao atendimento de ocorrências policiais, recolhimento de vítimas de homicídios, e além disso havia truculência por parte de policiais. No dia trinta e um de janeiro de 1997, o assassinato dos dois policiais militares na região define um “divisor de águas”, que assinala o final do primeiro ciclo e o início do segundo ciclo em análise: a intervenção do poder público de uma forma real, e marcada por uma resposta imediata ao incidente ocorrido. Em cinco de fevereiro do mesmo ano, aconteceu a abertura do SAC na região do Morro do Quadro, com o emprego de um considerável corpo de policiais militares, a fim de que a região passasse a ter um policiamento ostensivo, em caráter permanente. No início da implantação do policiamento na localidade, foram observados vários problemas, tanto do lado da PMES, quanto por parte da sociedade local. Todos os problemas foram listados, e ficou claro em todas as entrevistas que o principal deles foi o descrédito entre ambos os lados. Verificou-se, por intermédio das entrevistas obtidas, que havia mútua desconfiança inicial e a desinformação por parte da polícia, que não recebia as denúncias dos moradores, pois estes tinham desconfiança e medo de retaliações por parte de criminosos. Com o passar do tempo, essa realidade foi mudando, à medida que o 100 corpo de policiais foi se aproximando da comunidade local e mostrando o objetivo da presença policial na comunidade. O atendimento dos policiais passou a ser realizado, não sob o enfoque apenas da repressão, mas, principalmente, sob o enfoque da prevenção, socorrendo pessoas, assistindo à comunidade, através de encaminhamentos e direcionamentos diversos e protegendo a sociedade local em sua atuação específica para coibir a criminalidade. As denúncias de crimes se fizeram mais presentes no cotidiano dos policiais que estavam lotados no SAC. Esses policiais se viam responsáveis pelo atendimento das demandas que eram encaminhadas pela sociedade. Todos passaram a ter responsabilidade territorial, uma vez que, com o efetivo ora fixado no local, o sentimento do dever se delineava, com o passar dos anos. Os serviços públicos e privados, disponíveis para a sociedade organizada, também voltaram a fazer parte do cotidiano na região, uma vez que se pode extrair duas realidades distintas. No cenário anterior, a prefeitura Municipal de Vitória não podia intervir na localidade e alguns serviços particulares eram impedidos de frequentar normalmente os bairros. Após a implantação do modelo de policiamento, verificou-se por unanimidade que esse quadro mudou, fazendo com que a comunidade tivesse mais qualidade de vida. Outros bons resultados foram observados, tais como a obtenção, para ambos os lados, da 1ª colocação num concurso nacional de polícia comunitária patrocinado pela empresa Motorola do Brasil, estando o modelo de policiamento em evidência em âmbito nacional. Em paralelo a esse cenário de mudanças, e com bons resultados, tornou-se evidente um grave contraste entre duas situações: o início e o final do emprego do policiamento na região. Enquanto, em 1997, foram empregados vinte policiais militares no SAC, no ano de 2007, esse efetivo caiu para apenas dois. Assim, ao longo de dez anos corridos, portanto, ocorreu uma queda de 90%, sendo o SAC desativado aos dezesseis dias do mês de maio de 2007. A partir de então, teve 101 início o terceiro ciclo de análise, considerando efeitos posteriores à desativação do SAC. A lacuna deixada pelo Estado proporcionou uma série de efeitos para a comunidade local, dentre os quais o retorno de uma realidade criminal que anteriormente não se via de forma latente, como no período que seguiu após a desativação do SAC, cuja análise foi vista no subitem 3.6. O contato cotidiano, o atendimento às demandas locais, de uma forma mais próxima, e o intermitente patrulhamento a pé nos becos do morro tiveram um fim. O que se viu foi apenas a esporádica presença policial no atendimento de ocorrências, distante, portanto, da gênese dos reais problemas daquela comunidade. Mesmo distantes da região, alguns policiais até hoje recebem denúncias e informações de como está à comunidade. Vale destacar uma importante fala de um dos policiais entrevistados no decurso desse trabalho: [...] aí, com isso, a gente vê que, apesar da quebra de compromisso, de darmos segurança para a comunidade, mas não teve a quebra da confiança... já que essas pessoas que me passavam informação na época... Apesar de antes, que fechou o DPM, essas mesmas pessoas me encontram na rua e passam informação. Mas passa por que? Porque houve aquela confiança. Passa pra mim, mas de repente para outros policiais não passariam [...] (PPM 05). A quebra da atividade institucional na localidade não foi suficiente para interromper o processo de confiança, uma vez que esta se fez e não se desfaz com a desativação do SAC na região. Porém, há de se considerar que o término da rotina de atuação dos policiais desencadeou um retrocesso no atendimento policial para a região, bem como a ausência de contatos e informações, que tanto são necessárias ao serviço policial. Com a preocupação de que fosse extraída uma análise quantitativa acerca das ocorrências policiais de maior gravidade, e também a respeito de sua evolução dentro da comunidade local, pode-se verificar que os dados de uma forma geral possuíram uma oscilação muito grande de ano para ano. 102 Diante desse quadro ficou evidente que a presença policial na região não acabou com a criminalidade local em termos quantitativos. No entanto, em termos qualitativos, houve aceitação unânime dos entrevistados quanto à forma de atendimento voltado para aquela comunidade. Ainda sob o enfoque quantitativo, verificou-se uma curiosa evolução criminal, que é comprovada pelos números de ocorrências relativas aos crimes de tóxicos, que abarcam o tráfico e uso de drogas ilícitas. Do ano de 2003 a 2009, verificou-se um considerável aumento de apenas três para setenta e duas ocorrências policiais dessa natureza. Tal fato pode servir para esclarecer a razão do aumento considerável da repressão policial no quesito do tráfico e uso de drogas ilícitas na localidade. Após o ano de 2007, período que o SAC foi desativado, esses números foram aumentando intensamente, podendo-se delinear um aspecto de uma polícia muito mais repressiva do que preventiva nessa região. Com a preocupação de investigar a eficácia do SAC da região do Morro do Quadro ouvindo ambos os lados, essa lógica passa para uma avaliação dos aspectos qualitativos quanto às percepções tanto dos profissionais que se encontravam na condição de prestadores de serviço quanto dos integrantes das comunidades que recebiam os serviços prestados. Do lado das comunidades, os integrantes entrevistados foram unânimes ao reconhecerem que o SAC foi uma ferramenta de aproximação entre a PMES e a sociedade. Essas pessoas concordaram que a implantação do SAC gerou uma sensação de segurança muito superior, em relação aos cenários anterior e ao posterior a sua desativação. A construção da credibilidade e da confiança nos policiais está ligada ao fato dos mesmos pertencerem à comunidade, estando presentes à mesma, de modo fixo e ininterrupto. A polícia interferia em muitas questões da localidade, e a ordem decorrente dessas interferências acabava por fazer os bairros funcionarem, no que se refere à prestação de serviços públicos e privados. 103 Uma outra importante questão levantada por muitos integrantes das comunidades entrevistados relaciona-se ao uso de drogas. Algumas pessoas apontam que a polícia também esteve muito presente neste sentido, tanto na atuação repressiva quanto nas orientações. Diante desse contexto, com a sua ausência, emergiu a preocupação para os moradores locais a respeito de qual deveria ser a saída. Acerca das percepções dos policiais entrevistados, e na ótica dos oficiais, primeiramente o SAC constituiu-se numa importante referência de atendimento àquela população. Este serviço não se limitava ao simples atendimento de ocorrências policiais, e sim de manter a Polícia Militar de forma contínua na comunidade participando do seu funcionamento. Quanto aos praças entrevistados de uma forma geral, também avaliaram que o SAC constituiu-se numa importante referência para a comunidade. A extensão do atendimento ia mais além, chegando a locais distantes do SAC e dos bairros analisados, tais como: parte alta da Vila Rubim; Morro de Santa Clara; Morro de Bela Vista; Morro de Caratoíra; e Alagoano. A percepção do atendimento aos moradores se fez também conjugada à necessidade dos policiais terem um ponto de parada para descanso das muitas patrulhas a pé, que se desenvolviam nos becos dos morros. Isto se expressa nas entrevistas feitas às pessoas da comunidade, que mencionaram a real necessidade de uma estrutura fixa prévia, que mantivesse esses policiais diuturnamente presentes na região. Após a aferição dos ângulos quantitativo e qualitativo acerca da eficácia do modelo de policiamento adotado na região, restou comprovado que, quantitativamente analisando, não há uma conexão direta acerca de reduções criminais dentro da região estudada no período de vigência do SAC. No entanto, sob o prisma qualitativo, verifica-se que ocorreram mudanças profundas quanto ao funcionamento da comunidade estudada. A aceitação, entre ambos os lados, do modelo de policiamento adotado na região ficou muito evidente nas entrevistas obtidas, tanto sob o aspecto dos resultados, 104 quanto em relação à superação de problemas e, principalmente, na avaliação dos efeitos que se instauraram após a desativação do SAC na região. Diante de todos os aspectos ora mencionados, dos dados obtidos por intermédio de entrevistas, pesquisas bibliográficas, noticiários, documentações arquivadas junto à administração da 2ª Cia do 1º BPM, dentre outros, emergem algumas sugestões, que passamos a expor ao Comando Geral da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo: A reativação do SAC na região do Morro do Quadro, dentro dos mesmos moldes adotados originalmente; Estudo de ativação em outras localidades, inicialmente, na região metropolitana da Grande Vitória, utilizando-se, para tanto, indicadores sócioeconômicos e índice de desenvolvimento humano; Elaboração de calendário de ativação de SAC anualmente, como forma contínua e progressiva de fixação permanente de efetivo da PMES, associado à logística necessária para a alocação de estruturas, materiais, mobiliários e equipamentos necessários para o funcionamento; Controle de transferências de efetivo policial militar do SAC, como forma de manter perene a capacidade de respostas da PMES, à medida que as demandas ocorrem; Manutenção de oficiais comandantes de companhias, por períodos mais elevados, a fim de manterem os laços de estreitamento necessários junto às organizações comunitárias de bairros; Atuação difusa dos serviços que o SAC desenvolve em parceria, junto aos demais órgãos do poder público, como forma de complementação das atividades de polícia, a fim de incidir de forma mais contundente para a redução de indicadores criminais. Enfim, podemos passar anos omissos e indiferentes aos problemas alheios, calçados em uma frágil certeza de que a criminalidade nunca irá nos atingir e nem a nossos familiares. No entanto, essa premissa muda de figura quando tais fatos ocorrem colocando-nos na posição de vítimas. 105 As ações muito dependem de que sejam iniciadas e, principalmente, que sejam mantidas. As tragédias que trazem inicialmente respostas prontas e imediatas do poder público, após algum tempo, tornam-se esquecidas rapidamente. Assim ocorreu com a região do Morro do Quadro, após a dor de outrora que se cercou, e após as mudanças exitosas que se ali processaram. Sendo assim, finalizamos o presente trabalho com a frase abaixo mencionada, como forma de incentivarmos o poder público, sugerindo a implantação dessas importantes medidas, que se fazem necessárias para o bem estar das comunidades e a propagação de uma real qualidade de vida, sem que sejam feitas distinções quanto a áreas periféricas ou ricas de nossas cidades, obviamente divididas. “Para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada”. Edmund Bruke 106 REFERÊNCIAS BANDO de Juninho acusado de assassinar mais de 20. A Tribuna, Espírito Santo, 5 fev. 1997, Capa, p. 1. BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. ______. Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília/DF, 16 jul. 1990. 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