RELAÇÕES DE GÊNERO, EDUCAÇÃO E AUTONOMIA: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO COM MULHERES DO SÍTIO LAJES E SÍTIO PEDRA BRANCA EM CORRENTES-PE1 Iolanda Cardoso de Santana2 Emanoel Magno Atanásio de Oliveira3 Resumo: O presente trabalho é embasado em uma breve pesquisa realizada com mulheres da zona rural no município das Correntes, especificamente nas comunidades (ou sítios) Lajes e Pedra Branca. A cidade das Correntes faz parte do agreste meridional de Pernambuco localizada a 257 km de Recife. Desde já, esta abordagem envolve relações de gênero no ambiente familiar e domiciliar de mulheres do espaço rural e que cresceram ou que ainda convivem em um ambiente de agricultura familiar. Neste cenário é marcante a imagem de pequenas e médias casas rodeadas de um roçado contendo milho, fava e palmas ou capim de corte. Nestas condições atuais nos Sítio Lajes e Sítio Pedra Branca, é significativa a diferença entre os graus de escolaridades entre homens e mulheres numa facha etária de 15 a 25 anos. Os homens permanecem mais ligados ao campo que as mulheres; há uma exigência das mulheres por melhor se qualificarem nos estudos que fogem completamente da realidade de há 50/60 anos. São mulheres que vê e buscam a oportunidade através da educação podendo ser mais autônomas, ter liberdade e reconhecimento social/econômico em relação aos homens. Os direitos de cidadania alcançados pelas mulheres nas últimas quatro décadas, vem possibilitando melhor condições às mesmas na balança comparativa do “nível de empoderamento” na esfera pública e privada. Diante de todo um contexto sociocultural, econômico e político a questão da educação vem sendo uma oportunidade chave na vida de muitas destas mulheres. E nos casos das comunidades onde foi realizada a pesquisa, a questão da educação vem sendo mais cobrada para as mulheres. Com tudo isto as mais jovens mulheres, em sua maioria, vêm adquirindo domínio de dirigir finanças do lar, decisões sobre questões financeiras e uma maior liberdade individual; autoestima no conjunto do que os autores denotam maior empoderamento. Palavras-chave: Sítio Lajes, Sítio Pedra Branca, Empoderamento, Relações de Gênero. 1 V Reunião Equatorial de Antropologia – REA –, XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste – ABANNE. Grupo de Trabalho: 18 – Etnografia, Gênero e Práticas Educativas. 2 Programa de Pós-Graduação em Antropologia – PPGA – da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. 3 Programa de Pós-Graduação em Antropologia – PPGA – da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. I. Introdução O presente trabalho é embasado em uma breve pesquisa realizada com mulheres da zona rural no município das Correntes, especificamente nas comunidades (ou sítios) Lajes e Pedra Branca. Nesta abordagem são destacadas as tramas das relações de gênero no ambiente familiar e domiciliar de mulheres do espaço rural e/ou que cresceram ou que ainda convivem em um ambiente de agricultura familiar. A cidade das Correntes faz parte do agreste meridional de Pernambuco, afastado cerca de 258 km da capital, Recife. Segundo o Censo Demográfico realizado no município correntino em 2010, foi registrado uma população de 17. 419 habitantes, cuja distribuição aponta um número de aproximadamente 8.675 (49,8 %) vivem na zona rural4. No Sítio Lajes e no Sítio Pedra Branca tem em média 35 e 20 famílias, respectivamente5. Estas duas comunidades escolhidas para a realização da pesquisa são habitadas por pequenos agricultores e “micro agricultores”, compreendendo as respectivas posses de propriedades que podem variar entre cinquenta hectares e cinco hectares de terra. Neste cenário é marcante a imagem de pequenas casas rodeadas de um roçado contendo milho, fava e palmas ou capim de corte. Outras casas um pouco maiores, devido à posse média de terra do pequeno proprietário, dispensa esta tamanha proximidade das roças das casas, distanciando o roçado, e contendo algumas ovelhas e vacas a pastarem. Em meio estas paisagens existem os elementos concretos da divisão sexual do trabalho ainda persistente na agricultura familiar: mulheres que se encarregam de cuidar dos animais menores e lhe dar diretamente com os produtos resultantes do roçado; em contrapartida, homens que cuidam dos animais maiores e do cultivo e preparo da terra. Concomitantemente, estão presentes as trilhas dos transportes escolares, durante os três turnos diários, disponíveis a todos e qualquer que queira (ou possa) se familiarizar com as escolas e universidades na cidade e/ou cidades vizinhas. Nestas circunstancias atuais nos Sítio Lajes e Sítio Pedra Brancas, é significativa a diferença entre os graus de escolaridades entre homens e mulheres numa facha etária de 15 a 35 anos. Os homens permanecem mais ligados ao campo que as mulheres; há uma exigência das mulheres por melhor se qualificarem nos estudos que foge completamente da realidade de há 50/60 anos. São mulheres que vê e buscam a 4 5 IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais. Dados tirados do senso realizado pela Secretaria de Saúde do município das Correntes, 2014. oportunidade através da educação podendo ser mais autônoma, ter liberdade e reconhecimento social/econômico em relação aos homens. Em semelhantes condições surgem questões que me fazerem pensar quais as diferenças e oportunidades que estão à disposição das mulheres jovens até os 35 anos em relação às mulheres a partir de 40 anos? Quais as mudanças de vida, direitos e poder no âmbito privado e público mediante as relações de gêneros na convivência e cotidiano no espaço rural e/ou agricultura familiar? Quais sentidos que a comunidade atribui ao investimento pessoal, e em especial das mulheres, a educação como meio de obter melhores condições de vida e autonomia? Estas são temporariamente as principais questões que serão abordadas no decorrer do presente artigo. II. Divisão sexual do trabalho e empoderamento A ascensão à cidadania e empoderamento das mulheres no campo é algo que surge em meados da década de 1970, com a abertura política e, dentre vários movimento sociais, incluía-se o de mulheres agricultoras. Num longo processo de reconhecimento e empoderamento das mesmas (RENK; BADALOTTI; WINCKLER, 2010). Segundo Mari de Lourdes Schefler (2013), até este mesmo período (1970) as políticas públicas de desenvolvimento reproduziam o perfil patriarcal nos lares, à medida que as mulheres não se enquadravam nas perspectivas produtivas do trabalho e/ou desenvolvimento. Resignava-se ainda o papel da mulher como dona do lar e suas funções reprodutivas, dificultando a igualdade enquanto sujeitos que produzem economicamente; necessitando, nas percepções das políticas públicas de desenvolvimento apenas de “assistencialismo” e não de votos de empreendedorismo (SCHEFLER, 2013). A pesquisadora Marlise Matos (2011) responsabiliza a insuficiente representação política e de decisão das mulheres como fator decisivo e custoso no processo de igualdade, cidadania e justiça nos projetos e/ou políticas públicas no Brasil. Nisto estar prescritos as dificuldades de um procedimento que venha a erradicar semelhantes desigualdades políticas sociais de gênero no que tange uma proposta de “destradicionalização” e “despatriarcalização” do aparelho estatal brasileiro. (MATOS, 2011: 208). A partir da década de 1980 com o advento do neoliberalismo e as crises consecutivas na América Latina, houve forte dedicação e tentativa de maior estabelecer a divisão de recursos. Nesta investida entre as diversificadas propostas e ações das políticas públicas na arena econômica social, as mulheres se enquadravam entre o “público preferencial” (SCHEFLER, 2013: 09). Possibilitava-se assim, uma revisão para além dos fundamentos inicialmente feministas sobre gênero e empoderamento no âmbito social e de ação do Estado para com as mulheres. A noção de empoderamento se reconfigura para além da esfera do poder político e até mesmo econômico somandose as relações de autonomia, autodesenvolvimento e reconhecimento nos diversos níveis das relações sociais (SCHEFLER, 2013). Maria da Conceição L. de Almeida (2011), desenvolve uma pesquisa com mulheres residentes no Recife, compreendendo um recorte temporal entre 1919 e 1931. Nestas condições, a autora desenvolve uma abordagem que considera a existência de autonomia, resistência e negociações destas mulheres em seus ambientes domésticos mesmo que imersa em uma sociedade patriarcal. Sua preocupação teórica e metodológica é focada numa releitura das literaturas feminista radical quanto às precárias condições de poder em que eram encontradas as mulheres. Entretanto, mediante uma realidade ofertada de resistência e certa autonomia, mesmo em uma sociedade patriarcal, Almeida encontra respaldo para também legitimar suas ideias sobre o empoderamento das mulheres no espaço doméstico e familiar em sua pesquisa (ALMEIDA, 2011). Neste contexto, não somente há “agencia feminina” em participação no domínio público, é necessário olhar de dentro do ambiente doméstico. Denotar que no espaço familiar e domiciliar, a mulher exerce poder de mando em terceiros, administra e organiza mediante suas responsabilidades o lar e a família independentemente de suas limitações perante uma realidade patriarcal de dominância. Segundo Almeida, após o casamento a mulher se torna a figura central no funcionamento da casa e cotidiano familiar (ALMEIDA, 2011). Contudo, percebe-se no campo onde a presente pesquisa foi efetivada, caso de mulheres que estando ainda solteiras e acompanhando os pais na velhice, tomam a responsabilidade e administração do lar. Em outros momentos, segundo as mulheres entrevistadas, e outras mulheres as quais não fizeram registro detalhado de seu perfil, no “período de suas mães e avós” o casamento era “um tiro no escuro”: em certos casos era melhor arriscar a se casar com um homem praticamente desconhecido a viver sob a rigorosidade presente na figura do pai. Como vemos adiante na fala de Marinete: No caso de meu pai, era um homem direito e nada faltava em casa. Mas era muito duro com as filhas mulheres. Quando a gente ia para uma festa, era ele ou meu irmão o tempo todo vigiando pra gente não arrumar um namorado. Até as roupas e músicas que a gente ouvia na época era controlada. E não tinha esse negócio de completar dezoito anos de idade e era dona do nariz, nem mesmo hoje isto funciona. Foi mulher tem menos liberdade que o homem, pra se divertir, pra trabalhar ou pra estudar. Então arranjar um marido era das duas uma, ou melhora ou piora; mas de uma coisa é certa, a gente tem pelo menos o canto da gente, e pega num dinheirinho, cria porco, galinha. É melhor que quando a gente está na casa de pai e de mãe. A questão da moralidade pesa muito na fala destas mulheres. Onde mesmo atualmente, as mulheres ou “moças solteiras” tem a preocupação (ou pelo menos seus pais e irmãos tem semelhante preocupação) com possíveis fofocas que venham a surgir a manchar suas respectivas condutas ou perfil moral de “moças de famílias”. Conforme Nalu Faria (2011), a divisão sexual do trabalho no campo é influenciada pela lógica capitalista do trabalho, tendo seus graus e funções no que tange o seu valor de troca no mercado. Concomitantemente as atividades ligadas à roça e a criação de animais são tomados como extensão do trabalho doméstico, uma espécie de “ajuda” e complemento executado pela figura feminina, o que dar consistência a hierarquia estabelecida na convivência na divisão do trabalho no campo (FARIA, 2011: 236-237). Como visto em campo, o trabalho doméstico permanece ainda muito resignado à mulher. As mulheres falam do desafio que é cuidar de filhos, idosos, animais pequenos entre outras atividades caseiras. No cotidiano da casa ainda é muito forte esta “divisão natural e/ou biológica” do trabalho; permanecendo o trabalho caseiro, ou melhor, a função da mulher (como mãe, esposa ou filha) como um tipo de trabalho hierarquicamente “invisível”, o trabalho doméstico (HIRATA; KERGAT, 2007). Algumas que tem um emprego ou qualquer outro meio de renda complementar aos resultados da roça e da criação de animais, conseguem pagar a diaristas ou ajudantes; para assim desafogar-se das tarefas. Nisto, há uma luta pelo direito de “ir e vir” para além da casa, conhecer outros ambientes; ter experiências, construir novos laços de afinidades, mesmo correndo o risco de críticas ou “fofocas” da própria comunidade e família (CORDEIRO, 2006). Carmem Hernández (2010), num trabalho intitulado “Reconhecimento e autonomia: o impacto do Pronaf-Mulher para as mulheres agricultoras” enfatiza a realidade do êxodo rural no estado do Rio Grande do Sul (HERNÁNDEZ, 2010). A partir de respaldo teórico no assunto, a autora pontua fatores que intensificam a “masculinização do meio rural brasileiro” que vem sendo motivado pela migração de mulheres para cidades em busca de oportunidades de trabalho e educação. Numa tentativa de fugir das condições hierárquicas e menores autonomias relacionadas à divisão do trabalho na esfera familiar/rural (HERNÁNDEZ, 2010). É interessante notificar a fala da entrevistada Paula: Lembro quando cinco reais valia muitíssimo mais do que vale hoje, era o que eu ganhava um tempo dando aula de reforço para uma das filhas da vizinha aprender a ler. Eu com este dinheiro que eu ganhava por mês, comprava coisas como detergente e papel higiênico, coisas que meu pai geralmente não podia colocar na feira, que o seu dinheiro não permitia. E o que me deixava mais feliz é quando ele dizia para os vizinhos e amigos que eu ajudava nas despesas da casa. Do mesmo jeito, mais tarde foi quando eu comecei a vender produtos da revista Avon (PAULA, 47 anos). No que remete as atividades destas mulheres no processo de agricultura familiar, além das tarefas da casa; são comuns suas respectivas participações na colheita e plantio da lavoura, cultivo de hortas, criação de aves, porcos e ovelhas. As mulheres destas comunidades que hoje estão trabalhando na cidade (professoras, empregadas domésticas, por exemplo), mais que ainda moram com os pais; ou que independente disto, cresceram neste meio, relatam como participam ativamente mediante este modelo de divisão sexual do trabalho. Raras são as exceções de mulheres que lidam com o gado bovino ou preparação da terra para plantio. Segundo Silva e Portela, nesta divisão sexual de atividades, as mulheres terminam por ficar com as atividades reprodutivas; enquanto os homens ficam com as atividades produtivas (SILVA; PORTELA, 2010). E com isto, o domínio e autoridade da renda e da propriedade ficam nas mãos do homem, tido como chefe de família. Retirando o direito de rendimento do trabalho da mulher, “(...) com isso, afetar diretamente a sua possibilidade de autonomia, seja porque permite ao homem uma liberdade que só existe às custas da privação feminina” (SILVA; PORTELA, 2010: 140). A participação e inserção cada vez maior das mulheres em programas sociais e políticas públicas, como o Bolsa Família, Associações/Sindicatos de agricultores e aposentadorias proporcionou melhores condições de autonomia das mulheres. Tentamos identificar como estes fatores externos, incluindo o melhor acesso à escolaridade contribuem para uma maior autonomia e/ou empoderamento das mulheres, em especial nas duas comunidades escolhidas para a pesquisa. Segundo Rosineide Cordeiro, o termo “empoderamento” ganha vida a partir dos movimentos feministas, sendo entre as décadas de 1970 e 1980 que passa a ser tratado como um conceito em linguagem teórica (CORDEIRO, 2006). Assim como Maria Almeida, Cordeiro tenta se utilizar do conceito de empoderamento distante de “um processo linear”; estabelecendo-se uma relação que se dar a níveis locais e em conjunturas históricas. Como também abrangendo relações de poder e gênero para além do espaço público, incluindo igualmente a esfera privada. Parafraseando a autora temos: Na atualidade, as lutas das trabalhadoras rurais vão além do acesso formal a direitos sociais, políticos e civis e incluem aspectos como a autoestima, os aprendizados pessoais e políticos, a capacidade de realização e a aposta na ação coletiva como estratégia de reinvenção da vida e das relações sociais. (CORDEIRO, 2006: 152). Um interessante cenário de direitos, participação e autonomia em dimensões pública é a Associação de Agricultores do Sítio Lajes, com uma quantidade de 96 associados e onde há um número de 40 mulheres associadas. Várias destas mulheres são associadas junto aos maridos. Entretanto, o fato de os projetos e/ou benfeitorias dirigidos à instituição serem organizados por meio da fiscalização de beneficiamento por cada um associado ligado a seu domicilio; veta o duplo beneficio as duas ou mais pessoas de uma mesma casa (no caso, exemplificado, o casal), na melhor distribuição dos casos de benefícios por famílias e/ou domicílio. Logo, há muitos casos de em uma família se “escolher” apenas um membro para “representar” e se beneficiar a si e a família com os projetos que podem variar de subsídios para construção de açudes, construção de cisternas e distribuição de sementes. É crescente o número de mulheres (esposas ou filhas do casal) que assumem este papel nestes órgãos. Muitas mulheres, entre elas jovens solteiras que moram na casa dos pais, afirmam que assumem a posição de associadas pelo fato de os pais ou maridos “não se importarem muito com as coisas burocráticas” ou que não são tão práticas quanto as suas atividades da roça. Logo, as mulheres “vão tomando de conta” de certos elementos administrativos/financeiros no lar. Nestes ambientes há também a participação e programas periódicos de minicursos de corte e costura, e artesanato, por exemplo, onde se desenvolve um ambiente de interação e afinidades para estas mulheres. Agricultoras que saem de casa e dos afazeres para um ambiente socialmente oportuno e de conhecimentos e oportunidades novas. Em toda e qualquer circunstancia que elevem a qualidade de autonomia e cidadania destas mulheres, perpassa-se todo um contexto de empoderamento que abre as portas do lar, num espécie de corredor entre a casa e a rua e à comunidade. Perpassando neste corredor afinidades, autonomia, autoestima, e liberdade. Somado toda a questão histórica e social do quadro de movimentos e cidadania das mulheres, dentre estes direitos o acesso à escola, foi o que proporcionou melhor válvula de empoderamento destas mulheres na capacidade/reconhecimento do poder de gerir em espaços públicos e privados. III. Escolaridade das mulheres nos sítios Lajes e Pedra Branca Nas próprias fichas de visitas realizadas pelos agentes de saúde das comunidades Lajes e Pedra Branca, dispõe-se de dados sobre o nível de escolaridade onde segundos estes funcionários 6, nos casos das pessoas a partir de 40 anos o nível de analfabetismo ou escolaridade7 entre homens e mulheres são praticamente iguais. Quanto que uma relação em meio às pessoas entre 15 a 35 anos o nível escolar das mulheres é significantemente maior que o dos homens. Nos garotos é comum ser cobrado uma postura de masculinidade e virilidade própria do trabalho braçal no campo, sendo um trabalho que lhe toma muito tempo e energias para que consiga grande sucesso nos estudos. No caso das meninas sendo o “trabalho de casa” “mais leve” recai sobre as moças se dedicarem mais aos estudos que os rapazes. Os rapazes que trabalham no campo por empreitadas ou diárias dispõem de tempo para irem à escola durante o horário noturno. E muitos são os que fazem cursos supletivos, matriculando-se em turmas de EJA (Educação para Jovens e Adultos) para assim facilitar suas investidas e finalização do ensino básico. Com o ensino médio 6 Informações obtidas pelas conversas com os agentes de saúdes dos sítios Lajes e Pedra Branca; respectivamente, Manoel Cândido e Genivalda Tomás. 7 Este nível de escolaridade na prática não ultrapassa o Fundamental I (1ª a 4ª séries do que há pouco tempo se classificava como “Primário”). completo vários desses jovens rapazes ocorrem de ora irem trabalhar como motoristas no setor público ou a outros empregadores; ora trabalham como garçom em restaurante no Recife através de um conhecido empregador que tem residência no Sítio Lajes. Mesmo assim, a maioria destes jovens que vão trabalhar em Recife volta quando fazem uma pequena economia, compram algumas vacas e/ou pequeno terreno na comunidade mesmo, e se casam. Já as jovens mulheres, quando não são agricultoras, em sua maioria se tornam profissionais como: professoras com formação em Normal Médio8, técnicas em enfermagem, cabelereiras; e, em raras exceções (como exemplificado na tabela abaixo) há profissionais de nível superior. E mais raros são também os casos de homens de nível superior. Na presente trabalho foi, sobretudo, feita a captura de dados de uma forma mais individual como exemplificado na tabela a seguir: Tabela 1: principais aspectos das entrevistadas; IDADE NOME ESTADO ESCOLARIDADE PROFISSÃO Ensino Agricultora CIVIL 60 Marinete Casada Fundamental I 56 Maria Helena Casada Ensino Agricultora Fundamental I 52 Ana Casada Ensino Agricultora Fundamental I 47 Paula Casada Ensino Agricultora Fundamental I 46 Roseane Viúva Ensino Médio Professora 41 Quitéria Casada Ensino Médio Agricultora 35 Silvia Casada Ensino Médio Técnica em Enfermagem 8 31 Janaina Solteira Ensino Superior Professora 30 Evaneide Casada Ensino Médio Agricultora 29 Lívia Solteira Ensino Superior Zootecnista 28 Wanessa Solteira Mestrado Agrônoma Curso pós-médio em pedagogia. 26 Vera Lúcia Casada Ensino Médio Técnica em Enfermagem 23 Sara Solteira Ensino Superior Professora 21 Tatiane Solteira Ensino Médio Empregada incompleto Doméstica Ensino Empregada Fundamental II Doméstica 20 Marciana Casada Se fossemos mostrar na tabela dados de mulheres a partir de 70 a 75 anos, teríamos um predominante número de mulheres analfabetas. Contudo, o recorte é realizado com mulheres entre 20 e 60 anos de idade, que são agricultores ou que são de berço ou convivem no ambiente rural das duas referidas comunidades (Lajes e Pedra Branca). Com esta tabela se tem uma ingênua intenção de ilustrar num tom pseudográfico que há uma relação inversamente proporcionalmente entre a idade e o nível de escolaridade. À medida que a idade é menor, maior pode ser o condição de escolaridade; havendo exceções, e nestes casos pode haver uma relação especifica do grau escolar com o nível de instrução profissional. Geralmente o casamento também é relativamente mais tardio na vida das mulheres quanto maior for o grau escolar. As quinze mulheres registradas9 na tabela foram entrevistadas de forma mais controlada quanto o registro fiel de suas falas; levando em consideração que muitas outras mulheres foram ouvidas em conversas casuais ou não planejadas em eventuais momentos. As informantes foram “escolhidas” na intenção de mostrar o quadro mais geral ou variável possível da realidade destes locais, Sítio Lajes e Sítio Pedra Branca. As jovens que não chegam a concluir o Ensino fundamental II são identificadas e registradas em sindicatos do trabalho rural como agricultoras. Entretanto, podem realizar informalmente atividades como: empregadas domésticas, cuidadoras de idosos e babas, sem carteira de trabalho assinada. Vários podem ser os motivos que levam estas jovens mulheres a terem um baixo nível de escolaridade: falta de incentivo familiar, ou interesse pessoal. Julgando-se que as condições atuais de acesso à escola, como transporte escolar percorrendo todo e qualquer percurso nas zonas rurais, além das 9 Por não haver um consenso homogêneo entre todas as informantes quanto à identificação legítimas de seus nomes, foram utilizados nomes fictícios em meios os dados e registros de falas retirados em entrevistas com aquelas. universidades públicas cada vez mais havendo a diversificação em cursos - e os próprios programas sociais voltados direto ou indiretamente para a educação – como o Bolsa Família –, tornam a vida escolar uma aspiração possível. Ademais, tal “sonho” não é algo unanime na mentalidade de todas as pessoas nessas comunidades. Nestas condições, o dever de estudar para “ter melhores condições de vida” é mais resignados às mulheres que tem que abraçar como na certa a única alternativa confiável. Como também a mulher que tem mais que um “bico10” (algo pouco rentável e apenas designado como “ajuda” nas finanças do lar), que tem uma profissão e/ou habilidades resultantes de uma formação escolar se faz “superior” diante das demais que não desfrutarem de mesmas condições. Vejamos por exemplo à fala do senhor Pedro Atanásio, agricultor aposentado e que tem duas filhas, uma delas esta concluindo a o Ensino Médio e a mais velha concluindo a faculdade: De uma coisa é certa, a moça que não quiser ou não puder estudar hoje em dia só vai ser dona de casa ou “piniqueira”: trabalhar em casa de família como empregada e ganhar uma mixaria. É por isso que eu e a mulher fizemos de tudo pra dar estudo pras duas meninas que tivemos, pra quando forem dona do nariz e quiser casar terem o dinheiro delas sem está precisando pedir a ninguém (Pedro, 62 anos). Trabalhar de “piniqueira” denota esta expressão do destino de jovens que vão trabalhar nas intimidades dos lares de famílias. São as clássicas empregadas domésticas sem carteira assinada; e que muitas vezes parte do pagamento do que trabalham são presentes como roupas ou objetos de uso pessoal, e o dinheiro mesmo, é uma quantia pequena e variável por mês ou semanas. Ainda sobre a mentalidade desenvolvida em cima da educação da mulher ligada ao valor de liberdade e autenticidade como uma característica diferenciada da realidade dos jovens rapazes temos a fala do esposo de uma das mulheres entrevistadas durante a realização da pesquisa, Evaneide, o senhor Evaldo de 42 anos: Mulher pra conseguir as coisas tem que estudar, o homem se vira, arriscar no empreendimento [...] trabalha no que vier pela frente, a mulher se quiser conseguir alguma coisa de verdade tem que estudar mesmo. 10 Atividades que vão além da esfera doméstica, como por exemplo, artesanato, ou quando se é “empregada em casas de família” sem carteira de trabalho assinada. A fala de Evaldo demonstra como os próprios homens vêm compartilhando da ideia da necessidade diversa da busca e interesse das mulheres em estudar cada vez mais tanto por uma questão pessoal como social e econômica. Fala-se também de uma “obrigação” maior da mulher em estudar mais, diante das atuais circunstancias na vida e acesso a educação no campo numa referencia às dificuldades de outrora. Se para as mulheres acima de 70 anos estudar era algo inalcançável, entre outros motivos por uma imposição do pai no controle do namoro destas jovens de outrora; as mulheres que tem a partir de 45 e 50 anos tiverem motivos semelhantes para não frequentarem a escola a partir do Fundamental II. Vejamos as palavras da senhora Ana: Quando a escola chegou em todos os sítios de nossa região, a gente só estudava até a 4ª Série. Pois quem quisesse estudar admissão, que hoje o pessoal chama de 5ª Série e até a 8ª Série tinha que ou ser filho de rico, ou o pai ser muito “moderno” pra deixar não só os filhos; mas também as filhas irem estudar na cidade. Só que tinha um problema que fazia com que os pais não deixassem suas filhas estudarem na cidade: naquela época o transporte dos estudantes era um caminhão aonde todo mundo ia em pé se segurando um no outro. Rapazes e moças nesta condição, era de causar o ciúme nos pais. E nesta situação meu pai nunca deixou eu e minhas irmãs ir estudar na cidade (Ana, 52 anos). Se em outro momento, ser analfabeta era uma consequência dos pais terem receio de suas filhas aprenderem a escrever cartas aos namorados; neste período em que viveram estas mulheres de 45 a 60 anos, não era moralmente indicado para as “moças da roça” estudar na cidade. Persistia ainda com vigor a responsabilidade e controle do pai no namoro, na ideia de que as mulheres têm que ser “tratadas como alguém sem a capacidade plena, pesando sobre elas a constante vigilância” (RENK; BADALOTTI; WINCKLER, 2010). Havia na mentalidade de forma mais persistente a ideia de que as “moças” da zona rural eram mais bem “educadas moralmente” quanto a questões de sexualidade, namoro e casamento mediante condutas e comportamentos traçados pela vigilância dos pais, sobretudo da figura masculina. Atualmente as mulheres, entre seus 20 e 30 anos que tem escolaridade de nível superior, uma pequena minoria como vimos, relatam como suas vidas mudaram após conseguiram se profissionalizar e conquistar autonomia. Fala de Wanessa: Obviamente não é muito fácil quanto parece chegar a concluir um curso universitário e chegar à pós-graduação sendo filha de pequenos agricultores e num universo ainda muito masculinizado. Porém, hoje sou muito respeitada e admirada na comunidade. Em casa eu sou na prática a “chefe de família”: meu pai confia todas as questões de finanças e negócios deles em minhas mãos, por eu ser segundo ele, uma “pessoa letrada” (Wanessa, 28). Em pesquisa realizada com mulheres no Recife, Parry Scott retrata e analisa a realidade destas mulheres acima dos 35 anos diante a trajetória escolar e alfabetização. Destaca que as mulheres que mais são alcançadas pelo analfabetismo são de procedência rural, e que uns dos motivos principais estavam o pouco investimento público nas escolas nestas áreas a ao estilo e sentido de vida focada no trabalho árduo do campo (SCOTT, 2011). Nas relações distintamente de gênero imersa neste cenário rural, é discutido a questão das responsabilidades do pai em zelar pelas filhas, sendo necessário, de acordo com tal mentalidade, evitar o máximo possível o acesso daquelas a escola. Pois, a possibilidade destas jovens aprenderem a ler e escrever estariam relacionados à possibilidade de escreverem cartas a pretendentes/namorados (SCOTT, 2011). Todavia, como é visto, tal quadro é destorcido em favor de melhores condições de autonomia e poder das mulheres no próprio ambiente rural à medida que usufruem o beneficio da educação, por melhor nível de escolaridade em suas formações. E com isto surgem relativas modificações nas relações privadas e publicas, modificando aos poucos suas posições restritas à esfera domestica no contexto da divisão sexual do trabalho, por exemplo. De forma consensual, para os movimentos sociais rurais a autonomia das mulheres torna-se possível inicialmente a partir da autonomia econômica das mesmas (SCHEFLER, 2013). No campo estudado, vimos que este mesmo fator somado ao aumento do grau de escolaridade das mulheres nas comunidades onde se realizou a pesquisa11, nos proporciona uma realidade próxima das discursões mais atuais na definição do empoderamento de mulheres. 11 Levando-se em consideração as políticas públicas nacional de favorecimento às mulheres e a população rural como um todo. IV. Considerações finais A necessidade de o casal no ambiente familiar trabalhar ambos para sustentar as finanças do lar nas atuais condições socioeconômicas, chega também como realidade às famílias de agricultores. E vem sendo acompanhada da tentativa das mulheres em serem igualmente representantes e terem poderes semelhantes a dos esposos no lar. Os resultados são mais que concretos, são vivenciados no seio familiar, com os pais, com o marido e assim por diante. As mulheres que são empregadas domésticas na maioria das vezes são também donas de casas, tendo a obrigação de todo os afazeres do lar, e sendo seu “salário” pouco dinheiro, é tido como uma “ajuda”. Trabalha fora de casa, para receber um dinheiro para “ajudar” nas despesas do lar; quanto que a mulher que é uma profissional relativamente bem remunerada diante das condições de seu esposo ou outros membros da casa, é uma mulher que contribui na renda de forma reconhecida e que também toma decisões e tem certa autonomia na espera privada. Os direitos de cidadania alcançados pelas mulheres nas últimas quatro décadas, vem possibilitando melhor condições às mesmas na balança comparativa do “nível de empoderamento” na espera pública e privada. Diante de todo um contexto sociocultural, econômico e político, a questão da educação vem sendo uma oportunidade chave na vida de muitas destas mulheres. E nos casos das comunidades onde foi realizada a pesquisa, a questão da educação vem sendo mais cobrada para as mulheres. Com tudo isto, as mais jovens mulheres, em sua maioria, vêm adquirindo domínio de dirigir finanças do lar, decisões sobre questões financeiras, liberdade; autoestima no conjunto do que os autores denotam maior empoderamento. Referências ALMEIDA, Maria da Conceição Lafayette de. Mulheres do início do século XX: Agência, resistência e empoderamento. In: Famílias brasileiras: Poderes, desigualdades e solidariedades. Recife: Ed. Universitária da UPFE, 2011. CORDEIRO, Rosilene M. Empoderamento e mudança das relações de gênero: as lutas das trabalhadoras rurais no Sertão Central de Pernambuco. In.: Agricultura Familiar e Gênero: práticas, movimentos e políticas públicas. (Org.) CORDEIRO, Rosilene; SCOTT, Parry. Recife: Ed. Universitária da UPFE, 2006. FARIA, Nalu. Desafios para a Construção da Autonomia Econômica para as Mulheres. 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