FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA – FESP
CURSO DE DIREITO
RAFAEL HOLANDA QUEIROZ
USO DE ALGEMAS: ABORDAGEM JURÍDICA A LUZ DA SÚMULA
VINCULANTE Nº 11
JOÃO PESSOA
2010
RAFAEL HOLANDA QUEIROZ
USO DE ALGEMAS: ABORDAGEM JURÍDICA A LUZ DA SÚMULA
VINCULANTE Nº 11
Monografia
apresentada
à
Banca
Examinadora da Faculdade de Ensino
superior da Paraíba – FESP, como
exigência parcial para obtenção do grau
de Bacharel em Direito.
Orientadora: Prof Helena Isabel Pinto
Medeiros Lucena.
Área: Prática Jurídica Simulada - Penal
JOÃO PESSOA
2010
Q38u Queiroz, Rafael Holanda
Uso de algemas: abordagem jurídica a luz da súmula
vinculante nº 11 / Rafael Holanda Queiroz – João Pessoa, 2010.
54f.
Orientador: Profª . Helena Isabel Pinto Medeiros Lucena
Monografia (Graduação em Direito) Faculdade de Ensino
Superior da Paraíba – FESP.
1. Algemas 2. Dignidade da pessoa Humana 3. Integridade
Física e Moral do Detido e do Policia 4l. Súmula Vinculante nº 11 I.
Título.
BC/FESP
CDU: 347(043)
RAFAEL HOLANDA QUEIROZ
USO DE ALGEMAS: ABORDAGEM JURÍDICA A LUZ DA SÚMULA
VINCULANTE Nº 11
Aprovada em: ______ / ______ / _______.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
Profª. Helena Isabel Pinto Medeiros Lucena.
Orientadora
_____________________________________
Prof.
Membro da Banca Examinadora
_____________________________________
Prof.
Membro da Banca Examinadora
Dedico este trabalho a toda minha família,
pelo incentivo e confiança que sempre
depositaram em mim e à minha noiva,
pelo apoio incondicional em todos os
meus projetos profissionais.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me dado força e determinação no dia-a-dia, para o cumprimento de
mais uma etapa de minha vida no decorrer desses cincos anos acadêmico e por ter
saciado o meu coração de esperança e confiança na busca de futuras conquistas.
Aos meus pais, por sempre terem colocado a educação como fundamento primordial
na minha formação educacional e profissional que carregarei e transmitirei aos meus
descendentes.
A minha mãe, em especial, pelos incansáveis conselhos e palavras de incentivo que
me acompanham por todos esses anos, visando dias melhores em nossas vidas.
Ao meu pai, particularmente, pelo exemplo de homem honesto e íntegro que é,
lições que me foram passado desde criança e hoje postas em prática que levarei por
toda minha vida.
A minha noiva Raquel, pelas palavras diariamente de incentivo e de dedicação, onde
muita das vezes sacrificava de seus afazeres para se dedicar exclusivamente com o
objetivo de se tornar possível um sonho, hoje alcançado.
Ao meu primo-irmão Fábio, que sempre esteve ao meu lado me incentivando e
encorajando para que eu nunca desistisse dos meus ideais e sonhos.
A minha orientadora, advogada e professora Helena Isabel Pinto Medeiros Lucena,
por nos brindar com sua inteligência e empenho na condução desse trabalho.
RESUMO
O presente trabalho visa analisar o tema uso de algemas sob a luz a Súmula
Vinculante nº 11, passando pelos princípios da dignidade humana e o respeito à
integridade física e moral do preso bem como a do policial no desempenhar de sua
função e de terceiros. O uso de algemas será analisa desde a sua etimologia e
história, passando por vários ordenamentos jurídicos que tratam do tema como
tratados internacionais no que tange sobre os direitos humanos, pela nossa
Constituição da República Federativa do Brasil, chegando a Lei de Execução Penal
que estabelece que o uso de algemas seja disciplinado por lei. Abordaremos ainda o
uso de algemas como meio necessário da atividade policial no desempenhar de sua
função e não como instrumento de opressão e humilhação. A Súmula Vinculante nº
11, editada pelo STF, que na falta de regulamentação acerca do tema, busco
através da mesma, regulamentar o seu uso no nosso ordenamento jurídico, abrindo
uma enorme discussão no mundo jurídico, que limitou sobremaneira a atuação do
agente público em lançar mão desse meio para não incorrer no crime de abuso de
autoridade. Por fim, o uso de algemas no Tribunal do júri, que foi modificado pela Lei
11.689/08.
Palavras-chave: Algemas. Dignidade da pessoa Humana. Integridade Física e
Moral do Detido e do Policial. Súmula Vinculante nº 11.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................7
CAPÍTULO I O USO DAS ALGEMAS: EVOLUÇÃO NA HISTÓRIA .........................8
1.1
ETIMOLOGIA .................................................................................................8
1.2
EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO USO DE ALGEMAS NA HISTÓRIA...........8
1.2.1 Decreto de 23 de maio de 1821....................................................................8
1.2.2 A Constituição do Império de 1824 .............................................................9
1.2.3 O Código de Processo Criminal do Império de 1832...............................10
1.2.4 A Reforma do Código de Processo Penal de 1871 ..................................11
1.2.5 O Código de Processo Penal de 1941.......................................................11
1.2.6 O Código de Processo Penal Militar de 1969 ...........................................13
1.2.7 A Lei de Execuções Penais de 1984..........................................................14
1.2.8 Súmula vinculante nº 11 do STF de 2008..................................................15
1.3
TRATADOS INTERNACIONAIS QUE ABORDAM O TEMA.......................16
1.3.1 A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. ..........................16
1.3.2 Regras mínimas para tratamento de prisioneiros da ONU. ....................16
1.3.3 Pacto de San José da Costa Rica de 1969 ...............................................18
CAPÍTULO II A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, INTEGRIDADE FÍSICA DO
CONDUZIDO E DO POLICIAL.....................................................................20
2.1
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DO
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. ....................................................20
2.2
A Exposição Humilhante da Imagem do Preço na Mídia.........................23
2.3
A Presunção de não-Culpabilidade...........................................................26
CAPÍTULO III - O USO DAS ALGEMAS COMO MEIO DE SALVAGUARDAR A
SEGURANÇA PÚBLICA E DO POLICIAL ..................................................27
3.1
O interesse público e a Segurança da sociedade....................................27
3.1.1 O poder-dever de punir do Estado e o emprego da força.......................27
3.1.2 Proporcionalidade, necessidade e adequação da medida......................29
3.2
A SÚMULA VINCULANTE Nº 11 .................................................................31
3.2.1 Análise dos requisitos de sua edição. ......................................................31
3.2.2 Da competência para legislar ....................................................................37
3.2.3 Excepcionalidade ou necessidade............................................................40
3.2.4 Possível anulação dos atos processuais como forma de sanção. ........42
3.3
O USO DAS ALGEMAS NO TRIBUNAL DO JÚRI......................................43
3.3.1 A Lei 11.689/08. Analise e repercussão a luz da Súmula Vinculante nº 11
......................................................................................................................43
CONCLUSÃO ...........................................................................................................46
REFERÊNCIAS.........................................................................................................48
INTRODUÇÃO
Recentemente foi veiculada em grande parte da mídia nacional, uma
operação deflagrada pela Polícia Federal – PF (Operação Satiagraha) que veio
desbaratar uma quadrilha que praticava crimes contra o sistema financeiro,
comandada, segundo a PF, pelo banqueiro Daniel Dantas e outras pessoas que
trabalhavam para ele.
Preocupado com a forma que a mídia divulgou as imagens dos envolvidos
algemados na Operação e reacendendo o debate sobre a regulamentação do Uso
de Algemas, O Supremo Tribunal Federal (STF) pelo fato de não haver uma lei
específica normatizando o seu uso, editou a Súmula Vinculante nº 11, que orienta
sobre a utilização das algemas em nosso ordenamento jurídico pelas autoridades
policiais, sendo uma exceção e não uma regra.
Deparei-me diante da seguinte pergunta: E agora, como irei utilizar as
algemas, como instrumento de trabalho policial?
Para tentar responder a essa e a outras perguntas que poderão surgir,
decidimos pesquisar e me aprofundar no conhecimento jurídico acerca do tema.
Este trabalho monográfico visa a analisar os aspectos jurídicos sobre o Uso
de Algemas como meio coercitivo para proteção dos policiais e da própria
integridade física do indivíduo que cometeu algum tipo de delito.
Desta forma, utilizaremos as leis que relacionam o seu uso de forma
esparsa, que ao longo dos tempos buscam uma solução para disciplinar legalmente.
Faz-se necessário abordar o aspecto dos Direitos fundamentais auferidos aos
cidadãos pela Constituição Federal de 1988 e pelos Tratados internacionais de
Direitos Humanos.
Por fim, discutiremos acerca da súmula vinculante nº 11, de 13 de agosto
2008, em especial, em que busca o Egrégio Tribunal Superior Federal normatizar o
Uso de Algemas, assumindo o papel de legislador na falta de normatização legal.
Ademais, o objetivo deste trabalho é fundamentar uma visão crítica,
apontando o lado do detido, independente de classe social, pois a nossa Carta
Magna prevê que todos são iguais sem qualquer distinção, e o do profissional da
segurança pública que fica à mercê das limitações impostas pela Súmula Vinculante.
CAPÍTULO I O USO DAS ALGEMAS: EVOLUÇÃO NA HISTÓRIA
1.1 ETIMOLOGIA
O uso de mecanismos utilizados como meio de imobilizar o homem na
história da humanidade sempre esteve presente, embora, não se saiba com
exatidão em qual momento da evolução do ser humano esses mecanismos
surgiram. Segundo Fernanda Herbella,1 já se registravam nos povos da
Mesopotâmia, acerca de 4.000 anos, prisioneiros com as mãos atadas.
A expressão algema vem do vocábulo árabe “al-djama'a”, “pulseira”, nome
de um instrumento formado por duas argolas de ferro, ligadas entre si, e providas de
fechadura, que se coloca nos pulsos ou tornozelos das pessoas.2
Antigamente se utilizava uma ferramenta com a mesma finalidade que eram
os grilhões, que significa corrente de metal,3 formadas de anéis encadeados, com a
mesma finalidade das atuais algemas.
Já segundo o dicionário Aurélio, algema, no singular, e cada uma de um par
de argolas metálicas, com fechaduras, e ligadas entre si, usada para prender
alguém pelos pulsos. [mais usado no plural.] 4
1.2
EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO USO DE ALGEMAS NA HISTÓRIA
1.2.1 Decreto de 23 de maio de 1821
Com a edição do Decreto de 23 de maio de 1821, por D. Pedro, como
Príncipe Regente da época, sendo um dos primeiros na história de nosso
ordenamento jurídico a tentar regulamentar o uso de algemas como meio de coibir
1
HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso
de algemas. São Paulo: Lex, 2008.
2
DICIONÁRIO Informal. Disponível em:<www.dicionarioinformal.com.br/buscar.php?palavra=algema>
Acesso em: 22 fev. 2010.
3
DICIONÁRIO Informal. Disponível
em:<www.dicionarioinformal.com.br/buscar.php?palavra=grilh%F5es&x=45&y=18> Acesso em: 22
fev. 2010
4
AURÉLIO, Buarque de Holanda Ferreira. Minidicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. rev. e atual.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
9
os maus tratos ao preso e visando dar providências às garantias para liberdade
individual, assim vejamos:
In Verbis: Ordeno em quarto logar que, em caso nenhum possa alguém ser
lançado em segredo, ou masmorra estreita, escura, ou infecta, pois que a
prisão deve só servir para guardar as pessoas, e nunca para as adoecer e
flagellar; ficando implicitamente abolido para sempre o uso de correntes,
algemas, grilhões, e outros quaesquer ferros inventados para martyrisar
homens ainda não julgados a soffrer qualquer pena afflictiva por sentença
final6 [...] Omissis.5
Como se vê, o uso de algemas não é um tema recente, pois já se tinha essa
preocupação em proteger a figura do preso dos maus tratos praticados pelas
autoridades competentes, impondo como exceção o seu uso e não como regra.
Podemos ainda destacar a colaboração de Sérgio Marcos de Moraes
Pitombo, citado por Fernanda Hebella, que assim comenta:
In verbis: Na exposição de Motivos verberam alguns governadores, juízes
criminais e magistrados, os quais (...) violando o sagrado Depósito da
justiça, que se lhes confiou,
Mandam prender por mero arbítrio e antes de culpa formada, pretextando
denúncias em segredo, suspeitas veementes e outros motivos horrorosos à
humanidade, para impunemente conservar em masmorras, vergados
com peso de ferro, homens que se congregram convidados pelos bens,
que lhes oferecera a Instituição das Sociedades Civis, o primeiro dos quais
é, sem dúvida, a segurança individual (...) 6
Assim podemos ressaltar a importância desse Decreto como precursor na
evolução jurídica do nosso ordenamento, com a preocupação de tentar regulamentar
o manuseio de mecanismos com a finalidade de servir com o intuito de
menosprezar, ridicularizar e até mesmo na prática de torturas.
1.2.2 A Constituição do Império de 1824
Com a promulgação da referida constituição imperial, em que não diferente
do Decreto de 23 de maio de1824, se buscou no seu esboço, embora não expresso,
sobre o uso de algemas, coibir os maus tratos aos presos da época.
5
BRASIL. Planalto. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DIM/DNNI2351821.htm>. Acesso em: 22
fev. 2010.
6
HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: Fundamentos jurídicos do
uso de algemas. São Paulo: Lex, 2008, p. 34
10
No seu disposto artigo 179, item XXI que “as cadeias serão seguras, limpas
e bem arejadas, havendo diversas casas para separar dos réus, conforme suas
circunstâncias e natureza de seus crimes”.
7
Com isso demonstra a preocupação
com a integridade física e moral e bem estar no tratamento respeitoso daqueles que
se encontram tolhidos de sua liberdade.
1.2.3 O Código de Processo Criminal do Império de 1832
O Código de Processo Criminal do império de 1832 foi promulgado em 29 de
novembro do referido ano, sendo mais conhecido como Código do Processo
Criminal de Primeira Instância. Esse foi o primeiro Código de processo penal
brasileiro.8 No capítulo VI (Da Ordem de Prisão), precisamente no artigo 180,
conceitua-se:
Art. 180, in verbis: Se o réu não obedece e procura evadir-se, o executor
tem o direito de empregar o grão da força necessária para effectuar a
prisão; se obedece, porém o uso da força é prohibido. 9
Pois bem, nota-se que o legislador, com intuito de buscar coibir o uso da força
desnecessária pelo agente, para evitar os chamados abusos de autoridade, autoriza
que o executor, se necessário, utilize a força adequada na contenção do réu, caso o
mesmo não obedeça às ordens estabelecidas pelo executor, mas em nenhum
momento a palavra algemas apareceu no contexto. Também, não obstante, autoriza
o agente de forma legítima para tal ato, à utilização da força necessária para conter
o réu. Independentemente, caso venha o réu a se ferir ou até mesmo falecer, assim
expõe o referido artigo 182 do Código:
Art. 182, in verbis: Se o réu resistir com armas, o executor fica auctorizado a
usar daquellas, que entender necessárias para a sua defesa, e para repellir
a oppsição; e em tal conjunctura o ferimento, ou morte do réu é justificável,
provando-se que outra maneira corria risco à existência do executor. 10
7
BRASIL. Planalto. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm> Acesso em: 26 fev.
2010.
8
PIERANGELLI, José Henrique. Evolução histórica e fontes legislativas. Bauru; Jalovi.1983. p. 93.
9
BRASIL. Planalto. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm> Acesso em: 26 fev.
2010.
10
BRASIL. Planalto. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm> Acesso em: 26 fev.
2010.
11
É importante ressaltar o grande paralelo entre uso necessário e o não
necessário da força, que o legislador procurou estabelecer diante da necessidade do
emprego da força, pondo como excepcional e não como regra, aja visto que o
agente só deverá utilizar meio restritivo da liberdade caso o réu se recuse a
obedecê-lo.
1.2.4 A Reforma do Código de Processo Penal de 1871
Com o passar do tempo, o Código de Processo Criminal do Império sofreu
várias modificações na sua estrutura, dentre elas a Lei nº 261, de 03 e dezembro de
1841, mas não veio a modificar o que diz respeito ao uso da força.
Em 22 de novembro de 1871, foi editado o Decreto de nº 4824, que veio a
regulamentar a Lei 2033 de setembro de 1871. Dispõe o artigo 28 o referido decreto:
Art. 28: [...] O preso não será conduzido com ferro, algemas ou cordas,
salvo o caso extremo de segurança, que deverá ser justificado pelo
condutor; e quando não o justifique, além das penas em que incorrer, será
multado na quantia de 10$000 a 50$000 pela autoridade a quem for
apresentado o mesmo preso.11
Podemos notar que se repete nesse dispositivo legal a preocupação do
legislador em assegurar a integridade física do preso, utilizando-se da força só no
caso de necessidade e impondo ao condutor uma forma de conduzir o preso
vislumbrando até penalidades pela autoridade que o preso for apresentado.
1.2.5 O Código de Processo Penal de 1941
O Decreto-Lei 3.689 de 3 de Outubro de 1941 instituiu o Código Processual
Penal (CPP), embora não tenha trazido em seu regramento jurídico algo novo com
relação ao uso de algemas, podemos extrair dentre alguns artigos a real intenção do
manuseio adequado de instrumentos de contensão de liberdade.
11
BRASIL. Planalto. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm> Acesso em: 26 fev.
2010.
12
No Artigo 284 do referido Código, descreve que “não será permitido o uso de
força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de fuga do preso”.12 Esse
artigo é dos que vêm sendo utilizados para o uso de algemas, no intuito de se evitar
a fuga ou resistência do preso.
O ilustríssimo professor Eugênio Pacelli de Oliveira nos ensina que “As
prisões, sejam em flagrante, sejam por mandado judicial, serão efetuadas sem o
emprego de força, salvo a indispensável para vencer a eventual resistência ou
eventual tentativa de fuga (art. 284), ainda que a resistência seja produzida por
terceiros, quando, então, será lavrado o respectivo auto (de resistência), na
presença de duas testemunhas (art. 292).13
Já o renomado Julio Fabbrini Mirabete exalta que o excesso da força
utilizada poderá ser considerado como violência desnecessária, configurando-se um
ilícito penal (abuso de autoridade, homicídio, lesão corporal etc.).14
Com relação ao artigo 292 do CPP, podemos encarar como sendo uma
autorização para o uso da força mediante a necessidade de emprego de meios
instrumentais da restrição, como as próprias algemas, salvaguardando a autoridade
competente de possível resistência ou fuga do preso. Assim dispõe o aludido artigo:
Art. 292, in verbis: Se houve, ainda que por parte de terceiros, resistência “a
prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o
executor e as pessoas que auxiliarem poderão usar de meios necessários
para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto
subscrito também por duas testemunhas.15
Entendemos que os artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal
traduzem como exceção, a utilização da força para conter uma possível e eventual
resistência ou fuga do preso, mas não recrimina o seu uso e de mecanismos
necessários para rendição do delinquente.
Com a edição da Lei nº 11.689, de 09 de junho de 2008, que veio a reformar
o procedimento do júri, na intenção de retirar do réu as algemas durante o período
no plenário, desde que não atrapalhe o bom andamento dos trabalhos. O artigo 474
em seu parágrafo 3º descreve que “Não se permitirá o uso de algemas no acusado
12
BRASIL. Decreto-Lei nº. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código Processo Penal. Disponível
em:<http:// www.planalto.gov.br/ccivil 03/Del3689.htm>. Acesso em: 03 mar. 2010.
13
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey editora,
2007. p 419.
14
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p 368.
15
VADE MECUM. Código processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p 643.
13
durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente
necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da
integridade física dos presentes”.16
Com relação à reforma do procedimento no tribunal do júri, iremos explanar
melhor acerca do tema em outro capítulo (Cap. III), deste trabalho.
1.2.6 O Código de Processo Penal Militar de 1969
O Código de Processo Penal Militar (CPPM), que foi implantado no nosso
ordenamento jurídico através do Decreto-Lei 1.002 de 21 de outubro de 1969, traz
em seu artigo 234, e § 1º uma normatização de regulamentação no que dez respeito
ao de uso de algemas.
Artigo 234, in verbis - O emprego de fôrça só é permitido quando
indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga.
Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios
necessários para vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares seus,
inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo
executor e por duas testemunhas.17
O artigo supracitado refere-se ao uso da força, como mencionado
anteriormente em outros dispositivos e traduz o mesmo espírito expressado pelo
Código de Processo Penal, sendo possível o seu uso em certos casos.
No entanto o parágrafo 1º do mesmo artigo dispõe:
§ 1º O emprêgo de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de
fuga ou de agressão da parte do prêso, e de modo algum será permitido,
nos presos a que se refere o art. 242.18
Percebe-se que o parágrafo mencionou a palavra algemas e veio a
completar o sentido do artigo.Ele ainda nos remete ao artigo 242 do CPPM, diz que:
Art. 242, in verbis – Serão recolhidos a quartel ou prisão especial, à
disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão, antes de
condenação irrecorrível:
a) os Ministros de Estados;
b) os Governadores ou Interventores de Estados, ou Territórios, o Prefeito
do Distrito Federal, seus respectivos secretários e Chefes de Polícia;
c) os Membros do Conselho Nacional, dos Conselhos da União e das
assembléias Legislativas dos Estados;
16
VADE MECUM. Código processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p 660.
BRASIL. Decreto-Lei 1.002, de 21 de outubro de 1969. Código de Processo Penal Militar.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del1002.htm>. Acesso em: 04 mar. 2010.
18
Ibdem.
17
14
d) os cidadãos inscritos no livro do Mérito das ordens militares ou civis
reconhecidas em lei;
e) os magistrados;
f) os Oficiais da Forças Armadas, das Policias e dos Corpos de Bombeiros,
Militares, inclusive os de reserva, remunerada ou não, e os reformados;
g) os Oficiais da Marinha Mercante Nacional;
h) os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional;
i) os ministros do Tribunal de Contas;
j) os Ministros de confissão religiosa.19
Portanto, o artigo supracitado menciona que as pessoas, que ocupam os
referidos cargos, serão recolhidas a quartéis e não ficarão sujeitas ao uso de
algemas. O doutrinador da área jurídico-militar, José da Silva Loureiro Neto, diz que
“se ocorrer alguma das hipóteses mencionadas, em que se justifique o seu emprego,
a escolta deverá redobrar a sua cautela”.20
1.2.7 A Lei de Execuções Penais de 1984
A Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984, mais conhecida como a Lei de
Execução Penal, foi editada com a finalidade de efetivar a sentença criminal e
proporcionar a recuperação do condenado.21 Art. 1º “A execução penal tem por
objetivo evitar a disposição de sentença ou decisão criminal e proporcionar
condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
A LEP, em seu Título IX sobre as disposições finais e transitórias,
precisamente no artigo 199, diz que “o emprego de algemas será disciplinado por
decreto federal”.22 Diante do exposto, percebe-se que já transcorrido mais de 25
anos, e ainda não se tem conhecimento de uma lei federal que disciplinasse acerca
do tema.
Nesse sentido, desabafa o Doutrinador Paulo Lúcio Nogueira: “Não é hoje
que muitos estudiosos estão reclamando a regulamentação nacional do uso de
algemas, pois é inadmissível o seu uso indiscriminado em casos simples”.23
19
BRASIL. Decreto-Lei 1.002, de 21 de outubro de 1969. Código de Processo Penal Militar.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del1002.htm>. Acesso em: 04 mar. 2010.
20
LOUREIRO NETO, José da Silva. Lições de processo penal militar. p. 77.
21
BRASIL, Lei de execução Penal, nº 7210 de 11-07-1984. in: Vade Mecum. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 1328.
22
BRASIL, Lei de execução Penal, nº 7210 de 11-07-1984. in: Vade Mecum. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 1341.
23
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de execução penal. 3. ed. 1996. São Paulo:
Saraiva, p. 329.
15
O citado doutrinador afirma que certa vez escreveu um artigo sobre o “uso
de algemas” no jornal Correio de Marília: “Tomo conhecimento pelo jornal, que uma
advogada desentendeu-se com um juiz durante a audiência e que se julgando
desacatado, o juiz mandou prendê-la em flagrante, saindo a advogada algemada do
fórum”.24 Nota-se que não só os policiais cometem abusos de poder, mas também
aqueles que emanados da toga, praticam os mais diversos abusos.
Ressaltamos e comungamos com a Já citada Fernanda Herbella, que se faz
necessária a regulamentação do referido artigo, para que a lei federal possa então
ter algum sentido e alguma aplicabilidade na prática.25
1.2.8 Súmula vinculante nº 11 do STF de 2008
No dia 13 de agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou
uma sessão em plenário e editou a súmula vinculante nº 11, no seguinte teor:
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio
de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do
preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena
de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e
de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da
responsabilidade civil do Estado.26
Por não estar regulamentado em nosso ordenamento jurídico, e com poucos
julgados nesse sentido, o STF buscou, de forma colegiada, uniformizar o
entendimento jurisprudencial perante aquela corte e ao mesmo tempo servir de
orientação para os outros tribunais para se evitarem abusos cometidos pele
autoridade policial.
Esse tema (súmula vinculante nº11), será melhor explanado posterior em um
capítulo oportuno.
24
Ibidem., p. 329.
HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: Fundamentos jurídicos do uso
de algemas. São Paulo: Lex, 2008, p. 62
26
BRASIL. Súmula Vinculante nº 11. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=11.NUME.%20E%20S.FLS
V.&basebaseSumulasVinculantes>. Acesso em: 05 mar. 2010.
25
16
1.3
TRATADOS INTERNACIONAIS QUE ABORDAM O TEMA
1.3.1 A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.
A declaração Universal dos direitos do Homem foi adotada e promulgada
pela resolução nº 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de
dezembro de 1948 e traz um sentimento de respeito à dignidade do ser humano em
seus inúmeros artigos.27
No seu esboço, vale ressaltar o aspecto de que “todas as pessoas nascem
livres e iguais em dignidade e direito”.28 Tendo vista concepção de igualdade a todos
independentemente de distinção de qualquer natureza.
No artigo X diz: “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante”.29 Tal preceito, visando banir as atrocidades
sofridas pelos presos e fazer com que os mesmos não fossem mais submetidos a
práticas humilhantes e vexatórias.
No artigo IX diz que “ninguém será arbitrariamente preso, detido ou
exilado”,30 nota-se, em especial, a preocupação em assegurar os direitos à liberdade
e, mais do que tudo, à presunção de não culpabilidade até que se prove o contrário
no devido processo legal.
Por se tratar de tratados internacionais de direitos humanos, o Brasil, sendo
signatário, deverá de forma sistemática amoldar-se como seu regramento jurídico
interno em consonância com tais tratados que for seguidor.
1.3.2 Regras mínimas para Tratamento de Prisioneiros da ONU
Adotadas pelo 1º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime
e Tratamento de Delinquentes, realizado em Genebra, em 1955, e aprovadas pelo
Conselho Econômico e Social da ONU através da sua resolução 663 C I (XXIV), de
31 de julho de 1957, aditadas pela resolução 2076 (LXII) de 13 de maio de 1977. Em
27
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. São Paulo: Saraiva, 2007.p. 169.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. São Paulo: Saraiva, 2007.p.170.
29
ibidem.
30
Ibidem.
28
17
25 de maio de 1984, através da resolução 1984/47, o Conselho Econômico e Social
aprovou treze procedimentos para a aplicação efetiva das Regras Mínimas.31
Essas regras têm por objetivo assim definido em suas observações
preliminares que:
1. O objetivo das presentes regras não é descrever detalhadamente um
sistema penitenciário modelo, mas apenas estabelecer - inspirando-se em
conceitos geralmente admitidos em nossos tempos e nos elementos
essenciais dos sistemas contemporâneos mais adequados - os princípios e
as regras de uma boa organização penitenciária e da prática relativa ao
tratamento de prisioneiros.32
Essas regras foram criadas com a intenção de salvaguardar principalmente
os direitos dos presos e, sobretudo, os princípios da dignidade da pessoa humana,
sendo indispensável para o bom funcionamento do ordenamento jurídico. Nas
prisões, muitas vezes, os presos são submetidos a torturas e maus tratos em
decorrência de práticas delituosas cometidas anteriormente a sua prisão.
Os itens 33 e 34 da respectiva regra nos interessam, pois descreve assim a
forma coercitiva de utilização de instrumentos na contenção do preso.
33. A sujeição a instrumentos tais como algemas, correntes, ferros e coletes
de força nunca deve ser aplicada como punição. Correntes e ferros também
não serão usados como instrumentos de coação. Quaisquer outros
instrumentos de coação não serão usados, exceto nas seguintes
circunstâncias: a. Como precaução contra fuga durante uma transferência,
desde que sejam retirados quando o preso com parecer perante uma
autoridade judicial ou administrativa; b. Por razões médicas e sob a
supervisão do médico; c. Por ordem do diretor, se outros métodos de
controle falharem, a fim de evitar que o preso se moleste a si mesmo, a
outros ou cause estragos materiais; nestas circunstâncias, o diretor
consultará imediatamente o médico e informará à autoridade administrativa
superior.
34. As normas e o modo de utilização dos instrumentos de coação serão
decididos pela administração prisional central.Tais instrumentos não devem
ser impostos senão pelo tempo estritamente necessário.33
Percebamos que a utilização de algemas e outros tipos de instrumentos são
mencionados de forma restritiva, onde, nunca poderão ser aplicados com a
finalidade de punição (humilhação) e sim em casos que venham a incorrer numa
possível fuga ao ser transferido. Mais uma vez podemos ver a fuga como exceção à
regra o uso de algemas.
31
REGRAS Mínimas para tratamento de Prisioneiros da ONU. Disponível
em:<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/fpena/lex52.htm>. Acesso em: 04 mar. 2010.
32
REGRAS Mínimas para tratamento de Prisioneiros da ONU. Disponível
em:<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/fpena/lex52.htm>. Acesso em: 04 mar. 2010.
33
REGRAS Mínimas para tratamento de Prisioneiros da ONU. Disponível
em:<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/fpena/lex52.htm>. Acesso em: 04 mar. 2010.
18
1.3.3 Pacto de San José da Costa Rica de 1969
Não diferente da Declaração dos Direitos Humanos, a Convenção
Americana de Direitos Humano mais conhecido como o Pacto de San José da Costa
Rica, atinou para a preocupação como os direitos e garantias fundamentais
inerentes aos princípios de liberdade, a integridade física, psíquica e moral, a
proibição da escravidão e da servidão.
O Pacto de San José da Costa Rica foi um marco na luta contra a violação
desses direitos. Assim podemos observar inicialmente em seu preâmbulo que
“Reconhecendo que os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele
nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os
atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional,
de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito
interno dos Estados americanos”.34 Nota-se que o intuito essencial do pacto visa o
respeito à dignidade da pessoa humana.
Voltado ao nosso trabalho, é pertinente observar em alguns artigos, que as
algemas não podem ser utilizadas como mecanismo de tortura, castigo, flagelo e sim
como meio necessário na contenção de individuas para que possa assegurar a
ordem pública de todos envolvidos (detido, detentor e terceiros ).
Vejamos o que dispõe o artigo 5º
ARTIGO 5º
1. Toda pessoa tem direito de que se respeite sua integridade física,
psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas
ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da
liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao
ser humano.[...]35
Já o artigo 7º da referida convenção dispõe:
ARTIGO 7
1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.
2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e
nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos
Estados Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.
3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários.
4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da sua
detenção e notificação, sem demora, da acusação ou acusações
formuladas contra ela. 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida,
34
CONVENÇÃO Americana sobre os Direitos Humanos. Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/conv_americana_dir_humanos.htm>. Acesso em: 04
mar. 2010.
35
Ibdem.
19
sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei
a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo
razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o
processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem
o seu comparecimento em juízo[...}36
Assim Daniela Rodrigues Valentim citando Alexandre de Moraes nos revela
que o Pacto de San José da Costa Rica difere da Declaração Universal dos Direitos
do Homem, pois "não traz somente normas de caráter material, prevendo órgãos
competentes para conhecer dos assuntos relacionados com o cumprimento dos
compromissos assumidos pelos Estados-partes. Esses órgãos são a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos
Humanos."37
Por fim exploraremos melhor acerca sobre direitos humanos, dignidade da
pessoa humana e outros temas correlacionados no capítulo seguinte.
36
CONVENÇÃO Americana sobre os Direitos Humanos. Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/conv_americana_dir_humanos.htm>. Acesso em: 04
mar. 2010.
37
VALENTIM, Daniela Rodrigues. Convenção Americanas de Direitos Humanos. Disponível
em:<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado7.htm>. Acesso em: 04
mar. 2010.
CAPÍTULO II A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, INTEGRIDADE
FÍSICA DO CONDUZIDO E DO POLICIAL
2.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
A Constituição Federal da República Federativa brasileira de 1988 preceitua
já no seu preâmbulo que “os representantes do povo brasileiro reunidos em
assembleia nacional constituinte para instituir o Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais, individuais, a liberdade, a segurança
[...]”.38
No seu artigo 1º, vem a confirmar o que expressamente foi invocado no seu
preâmbulo com relação ao Estado Democrático de Direito com fundamentos; a
Soberania; a Cidadania; a Dignidade da Pessoa Humana; os Valores Sociais do
trabalho e da livre iniciativa e Pluralismo político.39
O enfoque deste capítulo o princípio da dignidade da pessoa humana, no
que tange o uso de algemas, que, por muitas vezes, são extremamente atropeladas
de maneira assustadora e autoritária. A dignidade da pessoa humana é, sem
dúvidas, um dos princípios mais importantes no anseio da harmonia da convivência
entre as pessoas e está consagrado em nossa Lei Maior.
O consagrado professor Alexandre de Moraes define a dignidade da pessoa
humana como:
um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta
singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria
vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais
pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico
deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser
feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem
menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto
seres humanos.40
O principio da dignidade da pessoa humana é, sem dúvida, indispensável
para assegurar o mínimo de garantias inerentes às condições intrínsecas do ser
humano, sendo expressamente contextualizada na constituição brasileira e em
38
BRASIL. Constituição Federal do Brasil. in: Vade Mecum. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p 7.
ibidem, p. 7
40
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.16.
39
21
muitos tratados internacionais, nesse sentido expressa Flávia Piovesan a
importância e o reconhecimento da dignidade da pessoa:
Conclui-se que a Declaração universal de 1948, ao induzir a concepção
contemporânea de direitos humanos, acolhe a dignidade humana como
valor a iluminar o universo de direitos. A condição humana é requisito único
e exclusivo, reitere-se, para a titularidade de direitos. Isto porque todo ser
humano tem uma dignidade que lhe é inerente, sendo incondicionada, não
dependendo de nenhum outro critério, senão ser humano. O valor da
dignidade humana se projeta, assim, por todo o sistema internacional de
projeções. Todos os tratados internacionais, ainda que assumam a
roupagem do positivismo jurídico, incorporam o valor da dignidade humana.”
41
No que concerne ao uso de algemas, existe uma grande discussão entre
doutrinadores que alegam e comungam do entendimento amplamente defendido
pelo STF, no tocante ao uso de algemas, sendo uma excepcionalidade e não uma
regra, nas prisões executadas pelos policiais na prática de suas atividades, e
aqueles que defendem o uso de tal instrumento, como meio de salvaguardar tanto o
policial, terceiros e até mesmo aquele que está sendo algemado para que se possa
evitar que o mesmo possa em algum momento se automultilar. No entanto, as
algemas não podem ser utilizadas como meio de humilhação, de modo vexatório e
constrangedor ao indivíduo.
Entendemos que o princípio da Dignidade da Pessoa humana é, sem
dúvida, um dos pilares na promoção do combate aos maus tratos sofridos pelas
pessoas que estão sendo tolhidas de sua liberdade no momento de sua prisão, mas
salientamos que o uso de algemas, por si só, não estabelece uma quebra do
princípio hora em questão.
A Delegada da Polícia Federal Arryanne Queiroz em um de seus artigos
afirma que “todos os indivíduos contra os quais houver ordem de prisão temporária
ou preventiva devem ser algemados, justamente como se deu na operação
Satiagraha, da Polícia Federal, independentemente do status social do preso”.42 E
ainda acrescenta dizendo “a sensação de mal-estar diante da ordem de prisão é
absolutamente incontornável, mas esse é o preço que se paga para viver em uma
sociedade onde o Estado combate o crime conforme o devido processo legal, e uma
41
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Princípio da Dignidade Humana. Revista dos advogados,
São Paulo, Ano 23. n. 70. p. 38, jul. 2003.
42
QUEIROZ, Arryanne. Algemas sim. Revista Consultor Jurídico, 18 de ago. 2008. Disponível
em:<http://www.conjur.com.br/static/text/69016>. Acesso em: 09 abr. 2010.
22
prova disso é que a absolvição após
processo
criminal,
por
exemplo,
independentemente do sofrimento que isso cause ao acusado, não enseja danos
morais”.43
Vislumbramos certamente que toda e qualquer pessoa, independente de
classe social deveria ser tratada como ser humano, no sentido literal da palavra pelo
simples fato condicionante de ter nascido ser humano, afastando todo e qualquer
tipo
de
abuso
sofrido
e
sendo
respeitado
no
que
lhe
é
assegurado
constitucionalmente.
Podemos notar a tamanha preocupação acerca da quebra dos direitos
fundamentais dos indivíduos a luz do princípio da dignidade da pessoa humana, mas
não devemos nos esquecer do poder que o Estado exerce (Poder de Polícia), para
garantir a manutenção da ordem pública, devendo promover e zelar pela segurança
e ordem social. Já, assim nos ensina Herotides da Silva Lima:
Se as algemas [...] atentam contra a dignidade do homem pacto, legitimamse contra o preso insubmisso; e a insurreição e a violência do preso
atentam também contra a autoridade e a lei; a si mesmo ele deve imputar
as conseqüências dos seus excessos; já não há a preservar nenhuma
dignidade quando a lei já esta sendo ofendida e desprezada a decisão de
autoridades, incentivando a desordem generalizada.44
Ainda neste sentido, o doutrinador Magalhães Noronha que diz:
Não há de se falar em humilhação ou ofensa à dignidade humana, visto não
se tratar de castigo, mas de medida acauteladora dos interesses sociais e
do próprio detento.45
Diante de tantos questionamentos e discussões, poderíamos, entretanto,
levantar a seguinte questão: Se a utilização das algemas no momento das prisões,
independente do crime cometido fere o princípio da dignidade humana?
O doutrinador Antonio Maurício do Nascimento Silva em de seus artigos diz
que:
Há sim, dignidade no uso de algemas, quando se constata a necessidade
de garantia da integridade física dos agentes, transeuntes e do próprio
preso; quando é utilizada como apetrecho eficiente de contenção e recurso
preventivo e não repressivo para garantir bens jurídicos tão valiosos como.
46
43
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.40.
LIMA, Herotides da Silva. O emprego de algemas. Revista do Departamento de Investigações,
São Paulo, ano 1, p.41. fev. 1949.
45
HERBELLA, Fernanda. Notícias Forenses. Diário de São Paulo, p.135, nov. 1950.
46
SILVA, Antonio Maurício do Nascimento. Há Dignidade no uso de Algemas: Súmula Vinculante 11,
Um Caso de Policia. Disponível em:<http://www.webartigos.com/articles/17156/1/ha-dignidade-nouso-de-algemas-sumula-vinculante-11-um-caso-de-policia/pagina1.html>. Acesso em: 09 ab. 2010.
44
23
Comungamos plenamente do entendimento sábio e oportuno, pois
entendemos que há dignidade humana ao ser algemado, sendo respeitados todos
os direitos, garantidores do bom ordenamento jurídico, dando-lhe um tratamento
humano, que se faz necessário à utilização de tal meio, de forma preventiva, em que
o Estado passará a deter o poder e a responsabilidade sobre o indivíduo custodiado.
2.2
A Exposição Humilhante da Imagem do Preço na Mídia.
A constituição expressou em seu artigo 5º, dois incisos que protegem o
direito à imagem assegurando o devido respeito. Vejamos:
Art. 5º, V “assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além
da indenização por danos materiais, morais ou à imagem”.
[...], X “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem”.47
Podemos notar que ainda voltado para o princípio da dignidade humana, a
constituição, procurou assegurar, como cláusula pétrea, o direito à imagem do
indivíduo, evitando assim, que possa ser alvo de qualquer tipo de humilhação em
público no momento da prisão. O direito à imagem sem dúvida está intrinsecamente
ligado a dignidade da pessoa, não tendo como ser desvirtuada de tal forma da honra
do indivíduo perante a sociedade.
A honra é o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da
pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação. É direito
fundamental da pessoa, resguardar essas qualidades.48
Segundo José Afonso da Silva, “a inviolabilidade da imagem da pessoa
consiste na tutela do aspecto físico, como é perceptível visivelmente: Adriano de
Cupis, acrescenta: “Essa reserva pessoal, no que tange ao aspecto físico – que, de
resto, reflete também personalidade moral do indivíduo -, satisfaz, uma exigência
espiritual de isolamento, uma necessidade eminentemente moral”.49
Não obstante ao crescimento da tecnologia, se faz necessária uma boa
apresentação da imagem com carro chefe de quem almeja uma vida pública, ou, até
47
BRASIL. Constituição Federal do Brasil. in: Vade Mecum. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p.7-8.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p.209
49
ibidem p. 209.
48
24
mesmo, a forma de se expor num círculo social, sendo assim, explorada de forma
ampla e mais célere na mídia.
Hoje:
O direito à imagem assumiu uma posição de destaque no contexto dos
direitos de personalidade, devido ao extraordinário progresso tecnológico
dos meios de comunicação, tanto no desenvolvimento da facilidade de
captação de imagem, quanto ao de sua reprodução. Hoje, é possível a
captação mais fácil à distância e a reprodução para todo mundo em
segundos, o que tem alterado a preocupação na produção ao direito à
imagem, já que esta se torna mais árdua de se realizar 50
Notoriamente, uma das maiores preocupações com a utilização das
algemas, é a veiculação da imagem do preso na exposição junto à mídia, imagem
esta é facilmente difundida nos meios de comunicação, se tornando mais comum
podendo tomar proporções maiores e irreparáveis para o indivíduo que está sendo
exposto. Nos dias atuais, é fácil observar a prática diária dessa exposição (na TV,
jornais, internet...), sobretudo, de pessoas pobres em sua grande maioria negros,
que não convivem em meios sociais de classes mais altas.
A imagem desnecessária e aviltante não viola apenas os direitos à
personalidade, mas sim a própria dignidade da pessoa humana, e é nesse sentido
que preconiza Alexandre de Moraes:
Encontra-se em clara e ostensiva contradição com o fundamento
constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, artigo 1º, III), como o
direito à honra, à intimidade e à vida privada (CF, artigo 5º, X) converter em
instrumento de diversão ou entretenimento assuntos de natureza tão íntima
quando falecimentos, padecimentos ou quaisquer desgraças alheias, que
não demonstrem nenhuma finalidade pública a caráter jornalístico em sua
divulgação. Assim, não existe qualquer dúvida de que a divulgação de fotos,
imagens ou notícias apelativas, injuriosas, desnecessárias para a
informação objetiva e de interesse público (CF, artigo 5º, XIV), que
acarretem injustiçado dano à dignidade humana autoriza a ocorrência de
indenização por danos materiais e morais, além do respectivo direito a
resposta.51
A Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, do Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária, que dispõe sobre “A preservação da vida Privada e
da imagem”, em seu artigo 47 celebra:
50
D’AZEVEDO, Regina Ferretto. Direito à imagem. Disponível
em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2306>. Acesso em: 10 abr. 2010.
51
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.48.
25
Art.47, in verbis: O preso não será constrangido a participar, ativa ou
passivamente, de ato de divulgação de informações aos meios de
comunicação social, especialmente no que tange à sua exposição
compulsória à fotografia ou filmagem. Parágrafo Único – A autoridade
responsável pela custódia do preso providenciará, tanto quanto consinta a
lei, para que informações sobre a vida privada e a intimidade do preso
sejam mantidas em sigilo, especialmente aquelas que não tenham relação
com sua prisão.52
Por outro lado, são de suma importância os serviços prestados pela mídia no
intuito de se divulgar a imagem de procurados e foragidos da justiça. Nota-se que
apesar de toda uma garantia constitucional, não se pode subtrair o interesse da
sociedade em não ter que conviver com pessoas consideradas criminosas, neste
sentido Regina Ferretto expõe:
Entretanto, há limitações impostas que restringem o exercício do direito à
própria imagem. Essas restrições são baseadas na prevalência do interesse
social, e, portanto, o direito coletivo sobrepõe o direito individual. Se o
retratado tiver notoriedade, é livre a utilização de sua imagem para fins
informativos que não tenham objetivos comerciais, e desde que não haja
intromissão em sua vida privada. Com as ressalvas feitas no caso anterior,
é livre também a fixação da imagem realizada com objetivo cultural, porque
a informação cultural prevalece sobre o indivíduo e sua imagem desde que
respeitadas às finalidades da informação ou notícia. Há também os casos
de limitação relacionada à ordem pública, como a reprodução e difusão de
um retrato falado por exigências de polícia. Obviamente, não teria lógica um
criminoso se opor à esta exposição de sua imagem. Há ainda o caso do
indivíduo retratado em cenário público, ou durante acontecimentos sociais,
pois ao permanecer em lugar público, o indivíduo, implicitamente, autorizou
a veiculação de sua imagem, dentro do liame notícia-imagem. Esse
indivíduo só poderá alegar ofensa a seu direito à própria imagem se a
utilização da fixação da imagem for de cunho comercial.53
Por fim, entendemos que se faz necessário um maior controle por parte das
autoridades, no sentido de assegurar ao preso o direito da personalidade, de permitir
ou não sua exposição na mídia, ficando bem claro que sejam também respeitados
os limites das informações garantidas constitucionalmente, desde que não
ultrapasse, sob pena de responder civilmente e penalmente pelo excesso cometido
contra a hora do ofendido.
52
BRASI. Ministério Da Justiça. Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJE9614C8CITEMIDD4BA0295587E40C6A2C6F741CF662E
79PTBRNN.htm.> Acesso em: 10 abr. 2010.
53
D’AZEVEDO, Regina Ferretto. Direito à imagem. Disponível
em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2306>. Acesso em: 10 abr. 2010.
26
2.3
A Presunção de não-Culpabilidade
Outro princípio que não devemos deixar sem uma análise é o princípio da
presunção da inocência, que está diretamente em conflito com a utilização das
algemas. O artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal brasileira dispõe que:
“ninguém será considerado culpada até o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória”54, ou seja, a inocência é presumida de forma que caberá a quem
esteja acusando o ônus de provar. Assim preceitua o mestre e doutor Pedro Lenza:
“nada mais natural que a inversão do ônus da prova, ou seja, a inocência é
presumida, cabendo ao MP ou à parte acusadora (na hipótese de ação penal
privada) provar a culpa. Caso não o faça, a ação penal deverá ser julgada
improcedente”.55
Porém há casos que é permitida a prisão a fim de estabelecer um bom
andamento da persecução criminal, que não acarretará nenhum prejuízo ao principio
hora abordado. A consagração do principio da inocência, porém, não afasta a
constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo,
pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade
jurídico-constitucional da prisão cautelar, que não obstante a presunção júris tantum
de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis.
Dessa forma, permanecem válidas as prisões temporárias, em flagrante, preventiva,
por pronuncia e por sentenças condenatórias sem trânsitos em julgado.56
Entretanto, a utilização de algemas não foi questionada no que se reveria a
medida restritiva da liberdade nos casos das prisões especiais.
54
BRASIL. Constituição Federal do Brasil. in: Vade Mecum. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p 10
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado.13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p 711
56
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.103.
55
CAPÍTULO III - O USO DAS ALGEMAS COMO MEIO DE
SALVAGUARDAR A SEGURANÇA PÚBLICA E DO
POLICIAL
3.1
O interesse público e a Segurança da sociedade
3.1.1 O poder-dever de punir do Estado e o emprego da força
O poder-dever de punir é de exclusividade do Estado, pois é a única
entidade dotada de poder soberano. A Constituição da República federativa do
Brasil de 1988, no seu artigo 1º, I, exterioriza esse sentimento da soberania, onde o
Estado não se submeterá à interferência de nenhum outro Estado, tendo total poder
sobre a nação.
Segundo Fernando Capez, o Estado é o titular exclusivo do direito de punir,
mesmo no caso de ação penal exclusivamente privada, o estado somente delega ao
ofendido a legitimidade para dar início ao processo, isto é, confere-lhe o jus
persequendi in juricio, conservando consigo a exclusividade do jus puniendi57
“Neste sentido ainda, nos explica que esse direito de punir (ou poder-dever
de punir) titularizado pelo estado é genérico e impessoal porque não se dirige
especialmente contra esta ou aquela pessoa, mas destina-se à coletividade como
um todo”.58
Portanto, percebe-se que é obrigação do Estado zelar pela paz social e
harmonia, haja visto que assumiu para si o poder-dever de punir, mesmo adentrando
na esfera da liberdade individual
No artigo 144º da CF, “a segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos”.59 Nota-se
que a segurança da população em geral é um dever do estado, mas é também um
direito de todos no combate às violações do ordenamento jurídico, e exercendo-se
esse direito através do processo.
57
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.01.
Ibidem.
59
BRASIL. Constituição Federal do Brasil. in: Vade Mecum. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p 48.
58
28
Por se tratar de um dever, o Estado esta incumbido da manutenção da ordem
pública, mesmo que para ser assegurado, esse mecanismo se utilize de meios
necessários. Uso da força pelos agentes estatais é sem dúvida de fundamental
importância, para que no desempenho de suas funções, se estabeleça a paz social,
e assegurando-se a integridade física, mesmo sendo necessária a restrição do
direito à liberdade individual que lhe é garantido constitucionalmente.
O emérito mestre em direito, Professor Fernando Capez nos presenteia com o
presente ensinamento:
Quando a Constituição da República preceitua ser dever do Estado a
segurança pública, a este devem ser assegurados os meios que garantam
tal mister, estando, portanto, os órgãos policiais legitimados a empregar os
instrumentos necessários para tanto, como a arma de fogo e o uso de
algemas, por exemplo.O emprego de algemas, portanto, representa
importante instrumento na atuação prática policial, uma vez que possui
tríplice função: proteger a autoridade contra a reação do preso; garantir a
ordem pública ao obstaculizar a fuga do preso; e até mesmo tutelar a
integridade física do próprio preso, a qual poderia ser colocada em risco
com a sua posterior captura pelos policiais em caso de fuga.60
Assim comungamos com o pensamento de que é necessário que o estado
tome para se a função e o poder da manutenção da ordem pública, uma vez que em
determinados casos sejam indispensável, que recorra à estes mecanismos. Por
exemplo, poderíamos citar caso de um detido não ter a faculdade de cumprir o que
determina o agente de público e sim o dever de cumprir tal ordem, pois o Estado é
detentor do poder, caso o detido resista à ordem, será de forma coercitivo conduzido
e se a situação por ventura venha agrava-se poder até mesmo ser algemado, desde
que tenha concorrido nos casos de receio de fuga, ou ter resistido à prisão com
emprego de violência contra o condutor ou terceiros.
Contudo, não podemos deixar de ressaltar que além do poder-dever de punir
do Estado, o mesmo deverá agir observando os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade na medida em que os agentes públicos não extrapolem o limite
legal, sob pena de incorrer no crime de abuso de autoridade (que será debatido
posteriormente), aja visto que o agente público é a materialização do Estado.
De forma sábia e oportuna é o brilhante pensamento da Delegada da polícia
civil do Estado de São Paulo Fernanda Herbella:
60
CAPEZ, Fernando. A questão da legitimidade do uso de algemas, disponível
em:<http://www.adpf.org.br/modules/news/article.php?storyid=41872>. Acesso em: 11 maio 2010.
29
No fundo, trata-se de um conflito de direitos: de um lado, o algemado tem
sua dignidade e seu direito de imagem; de outro, a sociedade, os policiais,
as autoridades e terceiros, todos também têm o direito à segurança. O
contexto é bem sabido: não se está tratando, em tese de uma sociedade
ideal, mas da comunidade concreta em que vivemos, com seus
desequilíbrios e mazelas.61
Vale salientar, ainda que, o detido que no momento de sua prisão se
manifestar de forma violenta contra o agente público designado para desempenhar
determinada função, ou até mesmo ameaçando, poderá incorrer na prática do crime
de resistência (art. 329 do CP “Opor-se à execução de ato legal, mediante violência
ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja
prestando auxílio”: Pena - detenção, de dois meses a dois anos. § 1º - Se o ato, em
razão da resistência, não se executa: Pena - reclusão, de um a três anos. § 2º - As
penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.)62.
Ainda poderá incidir no crime de desobediência caso não atenda as ordens da
autoridade ali presente (art. 330 do CP Art. 330 – “Desobedecer a ordem legal de
funcionário público”: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.)63.
Por fim, se após sua efetiva prisão o detido evadir-se ou tentar evadir-se do
local utilizando de violência contra o agente cometerá o crime de evasão mediante
violência contra a pessoa (art. 352 do CP Art. 352 – “Evadir-se ou tentar evadir-se o
preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de
violência contra a pessoa”: Pena - detenção, de três meses a um ano, além da pena
correspondente à violência.)64.
3.1.2 Proporcionalidade, necessidade e adequação da medida.
O Código de processo penal brasileiro em seu artigo 284 prevê:
Art. 284. “Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no
caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.65
Nota-se, entretanto, que o referido artigo autoriza de forma restrita o uso da
força em casos de resistência ou de tentativa de fuga do preso, mesmo não
61
HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: Fundamentos jurídicos do
uso de algemas. São Paulo: Lex, 2008. p. 13.
62
BRASIL. Código penal. in: Vade Mecum. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p 581.
63
Ibidem. p. 581
64
Ibidem. p.583..
65
BRASIL. Código processo penal . in: Vade Mecum. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p 642.
30
mencionando a palavra algema, pode o agente de segurança se apropriar deste
mecanismo para a contenção do indivíduo, uma vez que está diretamente
relacionado com o uso da força.
Trata-se de um meio necessário e eficaz para que possa imobilizar os
movimentos do indivíduo, assim eliminando de uma vez por todas, toda e qualquer
situação de risco, assegurando a integridade física do conduzido, do condutor e até
mesmo de terceiros que por ventura poderão ser atingidos.
No que tange o princípio da proporcionalidade, é primordial o bom senso no
momento da utilização das algemas, já que se exige um maior cuidado nesse
manuseio, atentando a necessidade e as ponderações nas medidas coercitivas
mesmo que seja indispensável o uso da força.
O agente público, no desempenhar de sua função, deverá proceder com
moderação e cautela no que tange o uso de algemas, pois poderá incorrer no crime
de abuso de autoridade previsto pela Lei 4.898/65. O artigo 3º da referida lei dispõe:
Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
a) à liberdade de locomoção;
b) à inviolabilidade do domicílio;
c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
f) à liberdade de associação;
g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;
h) ao direito de reunião;
i) à incolumidade física do indivíduo;
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
(Incluído pela Lei nº 6.657,de 05/06/79)66
Ainda no que se refere ao abuso de autoridade o artigo 4º, alínea a e b
dispõem;
Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as
formalidades legais ou com abuso de poder;
b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a
constrangimento não autorizado em lei;(...)67
Contudo, vale salientar que a utilização das algemas está constantemente
em conflito com os direitos individuais, em que a lei permite o seu uso dentro de um
determinado limite legal, permitindo assim que o agente público, a depender do caso
66
BRASIL. Planalto. Lei nº 4.898/65 (Abuso de autoridade) Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L4898.htm>. Acesso em: 14 maio 2010.
67
ibidem
31
concreto e de forma discricionária, recorra a meios necessários para a contenção do
indivíduo detido para que não venha empreender em fuga, nem tão pouco empregue
a violência contra os policiais ou até mesmo contra terceiros.
Ainda sobre o princípio da proporcionalidade, o emérito doutrinador Paulo
Bonavides citando Forsthoff nos revela:
A facilidade do emprego do princípio da proporcionalidade no direito
administrativo, nomeadamente no espaço mais reduzido onde se desenrola
a atividade policial, a qual com toda nitidez nos oferece para
estabelecimento da relação meio-fim, de uma parte, o poder de polícia com
os meios de que ele busca prevenir, (...).68
O princípio da proporcionalidade está subdividido em subprincípios, que já
têm o reconhecimento da doutrina. São os subprincípios da adequação, o da
necessidade o da proporcionalidade em sentido estrito. Em específico iremos nos
ater aos dois primeiros subprincípios.
O subprincípio da adequação, também denominado da idoneidade ou
pertinência, significa que qualquer medida restritiva de direito deve ser adequada à
consecução da finalidade objetivada. Implica dizer que o meio escolhido há de ser
apto a atingir o objetivo pretendido. Se, através do recurso àquele meio, não for
possível alcançar a finalidade desejada, impede concluir que o meio é inadequado
ou impertinente.69
O pressuposto da necessidade ou exigibilidade é o de que a medida
restritiva seja indispensável para a manutenção do próprio ou outro direito e ainda
que não possa ser substituída por outra providência também eficaz, porém menos
gravosa. Em outras palavras, cabe examinar se não é possível adotar outra medida
menos gravosa para atingir o mesmo objetivo ou alcançar resultado melhor.70
3.2
A SÚMULA VINCULANTE Nº 11
3.2.1 Análise dos requisitos de sua edição.
O instituto da Súmula Vinculante, criado pela Emenda Constitucional 45 /04,
tem o intuito de pacificar a discussão de questões examinadas nas instâncias
68
BONAVIDES, Paulo. Curso de direto constitucional. 17. ed. São Paulo; Melheiros Editores, 2005.
p.428.
69
PAULO, Vicente. Aulas de direito Constitucional. 5. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2005. p. 120.
70
Ibidem., p. 120
32
inferiores do Judiciário. Após sua aprovação - por no mínimo oito ministros e
publicação no Diário de Justiça Eletrônico (DJe), a Súmula Vinculante permite que
agentes públicos - tanto do poder Judiciário quanto do Executivo, passem a adotar a
jurisprudência fixada pelo STF.71
Por meio desta emenda houve a inclusão do artigo 103-A a constituição
federal brasileira que dispõe:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a
partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em
relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como
proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de
normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre
órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete
grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre
questão idêntica.72
Inicialmente, observando e analisando o artigo supracitado, podemos
elencar algumas condições previstas para que seja editada uma súmula vinculante.
Onde diz “reiteradas decisões sobre a matéria (grifo nosso)”, podemos notar que
antes da propositura da súmula, é necessário que já existam outros julgados acerca
da matéria constitucional ora apreciada. Assim Pedro Lenza leciona que “devem
existir reiteradas sobre a matéria constitucional em relação a normas acerca das
quais haja, entre órgãos judiciários ou entre estes e a administração pública,
controvérsia atual que acarrete insegurança jurídica e relevante multiplicação e
processos sobre idêntica questão”.73
No que se refere ao tema deste trabalho monográfico (uso de algemas), o
Supremo Tribunal Superior – STF, quando julgava o HC nº 89.429/RO74
71
BRASIL. Súmula Vinculante nº. 11 regulamenta o uso das algemas. Disponível
em:<http://www.jusbrasil.com.br/noticias/94831/sumula-vinculante-n-11-regulamenta-o-uso-dasalgemas>. Acesso em: 15 maio 2010.
72
BRASIL. Constituição Federal. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em:15 maio
2010.
73
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado.13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p 584.
74
BRASIL. STF. HC 89.429/RO.. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listar
Jurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcordaos>. Acesso em: 18 maio 2010.
33
STF. HC 89.429/RO. Rel. Min. Cármem Lúcia. DJ 02/02/2007. EMENTA:
HABEAS CORPUS. PENAL. USO DE ALGEMAS NO MOMENTO DA
PRISÃO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA EM FACE DA CONDUTA
PASSIVA
DO
PACIENTE.
CONSTRANGIMENTO
ILEGAL.
PRECEDENTES. 1. O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de
natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de
impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde
que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a
ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra
terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como
balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade. Precedentes. 2. Habeas corpus concedido.
E o HC nº 91952/SP75, se posicionou favorável a edição de uma súmula
vinculante para uniformizar o entendimento jurisprudencial acerca do uso de
algemas durante a sessão do Tribunal do júri.
STF. HC 91.952/SP. Rel. Min. Marco Aurélio. DJ 19/12/2008. ALGEMAS UTILIZAÇÃO. O uso de algemas surge excepcional somente restando justificado
ante a periculosidade do agente ou risco concreto de fuga. JULGAMENTO ACUSADO ALGEMADO - TRIBUNAL DO JÚRI. Implica prejuízo à defesa a
manutenção do réu algemado na sessão de julgamento do Tribunal do Júri,
resultando o fato na insubsistência do veredicto condenatório
No HC 89.429 (1ª Turma - Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 28.08.06), um
Conselheiro do Tribunal de Contas de Rondônia que estava preso buscava não ser
algemado por ocasião de sua condução da carceragem da Polícia Federal em
Brasília ao Gabinete de uma Ministra do STJ, onde seria ouvido, bem como em
outros atos judiciais, e também não ser exposto a exibição para as câmeras de
imprensa. Isso porque, por ocasião da prisão, o paciente teria sido algemado em sua
residência e submetido a achincalhe mediante exposição à imprensa de todo o país.
A liminar requerida foi concedida, para garantir ao paciente o direito de não ser
algemado por ocasião de sua oitiva no STJ. No mérito, reconheceu-se seu direito de
não ser algemado por ocasião de outros transportes que viessem a ser feitos, a não
ser em caso de reação violenta. Dois "habeas corpus" com fundamentos idênticos
foram impetrados pelos co-réus, um Procurador de Justiça (HC 89.419) e um
Desembargador (HC 89.416), encontrando desfecho semelhante.76
75
BRASIL. STF. HC 91.952/SP. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listar
Jurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcordaos>. Acesso em: 18 maio 2010.
76
FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Uso de algemas: a Súmula Vinculante nº 11, do STF. Disponível
em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11625>. Acesso em: 18 maio 2010.
34
No HC 91.952 (Plenário – Rel. Min. Marco Aurélio - j. 07.08.08 – votação
unânime), anulou-se um julgamento efetuado pelo Júri popular da cidade de Laranjal
Paulista em 2005, porque o réu, um pedreiro acusado de homicídio, ficou algemado
durante a sessão de julgamento. O principal fundamento para a decisão foi a
potencial influência da visão do réu algemado sobre os jurados, que, leigos que são,
poderia fazer um pré-julgamento e entender que o réu era culpado. Afirmou-se
ainda, na ocasião, não existirem dados concretos que pudessem indicar que, pelo
perfil do acusado, houvesse risco aos presentes, caso ele permanecesse em
plenário sem algemas, razão pela qual se considerou aviltada sua dignidade
humana.77
Assim sendo, editou a súmula vinculante nº 11 que dispõe:
Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de
fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso
ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de
responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de
nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da
responsabilidade civil do Estado"78.
Por tanto, com a sua edição, o uso de algemas passou a ser uma exceção
no momento de efetuar as prisões e não mais uma regra, de forma a restringir a
autoridade que só será permitido a sua excepcionalidade justificada por escrito sob
pena de ser responsabilizado tanto civilmente como penalmente por ato que se
entenda abusivo.
Neste sentido alguns juristas já comungavam do mesmo entendimento
seguido pelo STF, caso do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo
Ricardo Cardozo de Mello Tucunduva;
[...] o emprego de algemas não é regra, é exceção, e só pode ser admitido
como forma de garantir a segurança social, a aplicação da Lei Penal e a
integridade física dos que circundam a pessoa legalmente presa, ou a dela
própria.79
77
FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Uso de algemas: a Súmula Vinculante nº 11, do STF . Disponível
em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11625>. Acesso em: 18 maio 2010.
78
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula vinculante nº 11. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=11.NUME.%20E%20S.FLS
V.&base=baseSumulasVinculantes>. Acesso em: 18 maio 2010.
79
TUCUNDUVA, Ricardo Cardozo de Mello. Prática desonrosa – uso de algemas é incompatível com
a dignidade humana, Revista Consultor Jurídico. Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2008ago-08/uso_algemas_incompativel_dignidade_humana>. Acesso em: 18 maio 2010.
35
Ainda
sobre
alguns
julgados,
é
importante
analisarmos
que
em
pouquíssimas decisões o STF se posicionou sobre o tema, onde, só existiam quatro
antigas decisões no egrégio Tribunal que eram completamente diversas. No RHC
56.44680, dispõe em seu entendimento, que o uso de algemas não caracteriza como
constrangimento ilegal por parte do acusado durante a instrução criminal, sendo
assim, justificado o seu uso para o andamento dos trabalhos perante a corte.
2ª Turma. HC 71.195/SP. Ementa: Habeas Corpus. Concurso material de
crimes. Protesto por novo júri. Pena inferior a vinte anos. Utilização de
algemas no julgamento. Medida justificada. I - No concurso material de
crimes considera-se, para efeito de protesto por novo júri, cada uma das
penas e não sua soma. II - O uso de algemas durante o julgamento não
constitui constrangimento ilegal se essencial à ordem dos trabalhos e à
segurança dos presentes. Habeas corpus indeferido. Relator: Francisco
Rezek. Brasília, DF, j. 25 out. 1994.
Já no HC 63.943/PE81, não faz nenhuma menção ao uso abusivo de
algemas por parti do capitão da Policia militar e sim apenas refere-se ao fato do
policial esta com as algemas e arma de fogo da corporação quando estava à
paisana.
1ª Turma. HC 89.429/RO. Ementa: Habeas Corpus. Penal. Uso de algemas
no momento da prisão. Ausência de justificativa em face da conduta passiva
do paciente.
Constrangimento ilegal. Precedentes. 1. O uso legítimo de algemas não é
arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com
as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do
preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto
venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios
policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem
como balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e
da razoabilidade. Precedentes. 2. Habeas corpus concedido. Relatora:
Cármen Lúcia. Brasília, DF, j. 22 ago. 2006.
Ainda há outro dois julgados, o RE 111.786/RJ82 e o HC 71.195/SP83. No
primeiro julgado, o pedido não foi nem sequer reconhecido pelo Egrégio Tribunal, e
80
BRASIL.
Supremo
Tribunal
Federal.
2ª
Turma.
HC
71.195/SP.
Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcord
aos>. Acesso em: 19 maio 2010.
81
BRASIL.
Supremo
Tribunal
Federal.
1ª
Turma.
HC
89.429/RO.
Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcord
aos>.Acesso em: 19 mai. 2010.
82
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. RE 111.786/RJ. Ementa: Responsabilidade civil por
dano moral. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcord
aos>. Acesso em: 19 maio 2010.
83
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. HC 71.195/SP. Ementa: Habeas Corpus. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcord
aos. Acesso em: 19 maio 2010.
36
no segundo julgado, houve o entendimento de que não constitui constrangimento
ilegal a utilização no Tribunal do júri de algemas, pois é de suma importância tal
medida para a ordem dos trabalhos e a segurança das testemunhas até mesmo do
juiz-presidente e promotores.
1ª Turma. RE 111.786/RJ. Ementa: Responsabilidade civil por dano moral.
Recurso, pela alínea d, que não cumpre as exigências do art. 322 do RISTF
e da Súmula 291. Recurso Extraordinário não conhecido. Relator: Oscar
Correa. Brasília, DF, j. 28 nov. 1986.
2ª Turma. HC 71.195/SP. Ementa: Habeas Corpus. Concurso material de
crimes. Protesto por novo júri. Pena inferior a vinte anos. Utilização de
algemas no julgamento. Medida justificada. I - No concurso material de
crimes considera-se, para efeito de protesto por novo júri, cada uma das
penas e não sua soma. II - O uso de algemas durante o julgamento não
constitui constrangimento ilegal se essencial à ordem dos trabalhos e à
segurança dos presentes. Habeas corpus indeferido. Relator: Francisco
Rezek. Brasília, DF, j. 25 out. 1994
Podemos observar que em pouquíssimos julgados se fez menção ao uso de
algemas. Nos julgados mais recentes, caso do HC 89.49/RO84 e HC 91.952/SP85,
foram os balizadores para que o STF entendesse que havia a necessidade de
regulamentação sobre o uso de algemas de forma abusiva.
1ª Turma. HC 89.429/RO. Ementa: Habeas Corpus. Penal. Uso de algemas
no momento da prisão. Ausência de justificativa em face da conduta passiva
do paciente.
Constrangimento ilegal. Precedentes. 1. O uso legítimo de algemas não é
arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com
as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do
preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto
venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios
policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida
tem como balizamento jurídico necessário os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes. 2. Habeas corpus
concedido. Relatora: Cármen Lúcia. Brasília, DF, j. 22 ago. 2006.
Rel. Min. Marco Aurélio. DJ 19/12/2008. ALGEMAS - UTILIZAÇÃO. O uso
de algemas surge excepcional somente restando justificado ante a
periculosidade do agente ou risco concreto de fuga. JULGAMENTO ACUSADO ALGEMADO - TRIBUNAL DO JÚRI. Implica prejuízo à defesa a
manutenção do réu algemado na sessão de julgamento do Tribunal do Júri,
resultando o fato na insubsistência do veredicto condenatório.
84
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. HC 89.429/RO. Ementa: Habeas Corpus. Penal.
Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcord
aos>. Acesso em: 19 maio 2010.
85
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF. HC 91.952/SP. Rel. Min. Marco Aurélio. DJ 19/12/2008.
ALGEMAS - UTILIZAÇÃO. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcord
aos>. Acesso em: 19 maio 2010.
37
No primeiro julgado, tratava-se sobre a matéria, onde o conselheiro vicepresidente do Tribunal de contas do Estado de Rondônia ingressou com o referido
recurso no intuito de lhe assegurar por ocasião, que no momento de sua condução
do departamento da Policia Federal para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), não
fosse utilizado as algemas alegando o mesmo que tinha o direito de não se expor
sua imagem. No segundo julgado, este sendo o fator gerador da súmula vinculante
nº 11, o Superior Tribunal Federal (STF), em discordância com o parecer do
Superior Tribunal de Justiça e o Ministério Público Federal, anulou o julgamento ora
proferido pelo Tribunal do júri da cidade de Laranjal Paulista (SP), pelo fato de réu
ter permanecido durante da a instrução no Tribunal algemado, dando assim uma
conotação de periculosidade perante o colegiado de jurados.
Por fim indagamos se diante de pouquíssimos julgados, ora mencionados,
atendeu ao requisito de “reiteradas decisões”, previsto do artigo 103-A da
constituição Federal.
3.2.2 Da competência para legislar
Ao analisarmos Súmula Vinculante nº 11, desde sua edição nos deparamos
com as seguintes perguntas: Será competente o STF para editar uma súmula que
venha a regulamenta uma matéria de competência do legislativo? O STF não estaria
extrapolando a sua real competência?
Segundo Arryanne Queiroz, Delegada da Polícia Federal outrora já citada,
afirma que a súmula extrapolou os limites da decisão tomada no HC 91.952, pois
não houve reiteradas decisões sobre matéria constitucional envolvendo uso de
algemas, mas, somente, um julgamento isolado de um HC cujo objeto foi uma
nulidade no âmbito de tribunal do júri. Nesse ponto, a falta de correlação entre o
objeto do HC e o objeto da súmula é patente. Não bastasse, não houve ponderação
pelo STF sobre validade, interpretação e eficácia de norma determinada,
simplesmente porque a Lei 11.689/08, que talvez justificasse a edição, sequer havia
entrado em vigor por ocasião do julgamento do HC86.
86
QUEIROZ, Arryanne. Algemas sim. Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto 2008. Disponível
em: <http://www.conjur.com.br/static/text/69016> Acesso em: 20 maio 2010.
38
Ainda sobre o tema a Delegada expõe que o STF regulamentou a matéria,
fazendo as vezes de Poder Legislativo — numa usurpação de competência sem
precedentes que põe em risco o princípio dos freios e contrapesos —, é que a nova
súmula impõe condições para o uso de algemas que nem mesmo a legislação
ordinária faz. Apenas os artigos 474, §3º, do CPP e o 234, §1º, do CPPM versavam,
antes da Lei 11.689/08, sobre algemas. Mas nenhum deles exige explicação por
escrito para uso da algema. Ou seja, o STF inovou por via contestável87.
Revemos o artigo 103-A, §1º da Constituição Federal que dispõe:
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de
normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre
órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete
grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre
questão idêntica88. (grifo nosso).
Nota-se que o referido dispositivo supracitado faz menção à “norma
determinadas”, ou seja, versa sobre matéria já regulamentada no ordenamento
jurídico pátrio pelo legislador, o que no caso em concreto não ocorre pelo fato de
que o uso de Algemas até a presente data não foi regulamentada pelo legislador.
A Lei de execução Penal em seu artigo 199 definiu que:
Art. 199. O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal.89
Portanto, até a presente data não foi editado este decreto federal que venha
a normatizar o emprego de algemas no nosso ordenamento jurídico.
Podemos constatar inúmeros projetos de Lei que visam regulamentar o uso
de algemas por policiais no desenvolver de suas funções. Diante de uma pesquisa,
constatamos que a discussão já vem se arrastando por muito tempo. O Projeto de
Lei do Senado –PLS – nº 110/7890 de autoria do senador Vasconcelos Torres, que
restringia o uso de algemas na condução de presos, mais o mesmo foi arquivado ao
final da legislatura em 1980. Outro projeto dessa vez de autoria do Senador
87
QUEIROZ, Arryanne. Algemas sim. Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto 2008. Disponível
em: <http://www.conjur.com.br/static/text/69016> Acesso em: 20 maio 2010.
88
BRASIL. Constituição Federal. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 maio
2010.
89
BRASIL. Lei de execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L7210.htm>.
Acesso em: 20 maio 2010.
90
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado. Autor: Senador Vasconcelos Torres.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/Detalhes.asp?p_cod_mate=27565>.
Acesso em: 24 maio 2010.
39
Demostenes Torres (PFL-GO), o PLS nº 185/0491, segundo o autor, leva em conta
os requisitos de indispensabilidade do uso das algemas e o respeito aos princípios
constitucionais da presunção da inocência e da dignidade da pessoa humana.
O Projeto de Lei nº 3.938/0892, do Deputado Laerte Bessa (PMDB-DF),
estabelece normas para prisão e faculta ao policial a decisão sobre o uso de
algemas. A proposta altera o Código de Processo Penal (Decreto-lei nº
3.698/41)93os artigos 283 e 284 do Código Processo Penal – CPP, caso seja
aprovado passará a vigorar com a seguinte redação:
Art. 283. A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora,
respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio e
preservadas a integridade física e a dignidade do preso. (NR) Parágrafo
único. A autoridade responsável pela prisão deverá evitar a exposição do
preso, preservando-o da execração pública.” (NR)
Art. 284. ............................................
§ 1º. A autoridade responsável pela prisão poderá decidir pela não utilização
de algemas ou meio similar de contenção de pessoas, quando não houver
risco de fuga do preso ou a sua integridade física, a dos seus condutores,
ou a de terceiros.” (NR).
§ 2º. Será dispensado o uso de algemas ou meio similar de contenção de
pessoas durante a condução do preso que tenha se apresentado
espontaneamente à autoridade judiciária ou policial, desde que não haja
evidente risco de fuga ou a sua integridade física, a dos seus condutores,
ou a de terceiros. (NR)
§ 3º. É vedado o uso de algemas ou meio similar de contenção de pessoas
durante a permanência do preso no interior de cela. (NR)
Visto exposto, podemos analisar e perceber que de forma clara e objetiva, o
autor da proposta de alteração no CPP para regulamentar o uso de algemas em
nosso ordenamento, não fez grandes mudanças e sim só a alteração em dois artigos
atingindo o objetivo proposto. A nosso ver, comungamos da idéia de atribuir este
poder discricionário ao agente público no desempenhar de sua função, pois alem de
lhe ser pertinente o poder de policia, mais do que ninguém saberá no caso em
concreto a real potencialidade ofensiva do detido.
91
BRASIL, Senado Federal. Projeto de Lei do Senado. Autor Senador Demóstenes Torres.
Disponível em: http://www.senado.gov.br/agencia/verNoticia.aspx?codNoticia=40179. Acesso em: 24
maio 2010.
92
BRASIL. PL 3938/2008. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=408369>. Acesso em: 24 maio 2010.
93
BRASIL, Decreto-lei nº 3698/1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/DecretoLei/Del3689.htm>. Acesso em: 24 out. 2010.
40
Podemos ainda destacar que a proposta também visa proteger o réu e lhe
dando
o
direito
de
não
ser
algemado
aqueles
que
se
apresentarem
espontaneamente à autoridade judiciária ou policial.
3.2.3 Excepcionalidade ou necessidade
Com a edição da súmula vinculante nº 11, pelo Superior tribunal Federal –
STF, o que era regra no uso de algemas passou a ser excepcionalidade. O uso de
algemas deverá daqui por diante, observar o dispositivo supracitado no que se
refere “quando houver fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física
própria ou alheia”94 com também “justificada a excepcionalidade por escrito, sob
pena
de
responsabilidade
disciplinar,
civil
e
penal
do
agente
ou
da
95
autoridade”. Nota-se que a referida súmula, busca enquadrar o manuseio das
algemas em extrema necessidade. Caso o detido não demonstre algum tipo de
periculosidade aparente, não tente fugir e nem ingressar com violência contra o
agente público, não se faz necessário a utilização das algemas. Em contra partida
se for necessário o seu uso, a autoridade policial deverá justificar de forma expressa
por escrito os motivos que levaram a ter que algemar o detido sob pena de
responsabilidade tanto na esfera administrativa, civil e penal sem ter que falar em
responsabilidade civil do Estado.
O Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal, Rodrigo de
Abreu Fudoli, nos explica acerca do fundado receio de fuga ou de perigo, não
comportará maiores complicações, pois se trata de uma aferição de modo objetivo
que:
o "fundado" receio de fuga ou de perigo à integridade física de qualquer
pessoa é aspecto nebuloso e de apreciação subjetiva. Será que o STF
aceitará que a pessoa presa ou que deva ser presa seja algemada com
base exclusivamente na natureza do crime (nesse contexto, assaltantes,
latrocidas e homicidas poderiam ser sempre algemados, ainda que bem
comportados durante o processo, ao passo que estelionatários não), ou
será exigido, para a colocação de algemas no preso (ainda que por crime
violento) uma conduta concreta demonstrando "periculosidade" (exemplo: o
94
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=11.NUME.%20E%20S.FLS
V.&base=baseSumulasVinculantes>. Acesso em: 24 maio 2010.
95
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. SumulasVinculantes. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=11.NUME.%20E%20S.FLS
V.&base=base>. Acesso em: 24 maio 2010.
41
réu que olha de forma ameaçadora para a vítima em audiência)? E mais:
tendo em vista o inato desejo de liberdade do ser humano, será que não
haveria fundado receio de fuga em toda execução de uma prisão (em
flagrante ou não), e mesmo em toda situação na qual o preso vislumbre a
possibilidade de fuga (por exemplo, em uma audiência judicial à qual
comparece escoltado)?”96
As algemas é sem dúvida um mecanismo policial necessário, de utilização
na contenção da força contra o detido, que de uma forma ou de outra entra em
conflito com o principio da liberdade consagrado pela nossa constituição. Desde a
edição da súmula vinculante nº 11, nós nos deparamos com a seguinte situação:
não seria o policial ou agente executor da medida coercitiva, o melhor a mensurar o
risco de potencialidade ofensiva do detido? Assim sendo, adotamos uma visão
reflexiva acerca do tema e seguimos o entendimento de Arryanne Queiroz:
[...] a verdadeira quebra de direito fundamental se dá com a restrição da
liberdade. A algema não configura uso abusivo de força, mas, sim, um
mecanismo legítimo para a prevenção do uso da força policial, o que pode
colocar em risco desnecessário a integridade de terceiros e do preso. Nem
todos os direitos fundamentais do preso são preservados, ao menos
temporariamente, a começar pela sua liberdade de locomoção. Os direitos
incompatíveis com a prisão são restringidos, como, por exemplo, o exercício
do sufrágio97.
Ainda dispõe que:
Na comunidade da Polícia Federal, e certamente nas dos policiais militares
e civis, sobram relatos sobre mortes e lesões graves por ataque de presos
conduzidos sem algemas. Preso é preso, deve ser algemado e com as
mãos para trás, salvo exceções justificadas, ao contrário do que defende o
projeto e o Supremo Tribunal Federal, com a edição da Súmula Vinculante
11”.98
O Ministério Público do Rio Grande do Norte, por sua vez, por meio de suas
Promotorias de Justiça de Investigações Criminais e de Controle Externo da
Atividade Policial, encaminhou à Suprema Corte Constitucional pedido de habeas
corpus preventivo em favor de todos os policiais civis, militares e agentes
96
FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Uso de algemas: a Súmula Vinculante nº 11, do STF. Disponível
em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11625>. Acesso em: 28 maio 2010.
97
QUEIROZ, Arryanne. Algemas sim. Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto 2008. Disponível
em: <http://www.conjur.com.br/static/text/69016>. Acesso em: 24 maio 2010.
98
FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Uso de algemas: a Súmula Vinculante nº 11, do STF. Disponível
em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11625>. Acesso em: 28 maio 2010.
42
penitenciários daquele Estado, contra o "constrangimento ilegal decorrente de ato
inconstitucional e desprovido de razoabilidade do STF”99.
3.2.4 Possível anulação dos atos processuais como forma de sanção.
Dando continuidade a analise jurídica no que tange o uso de algemas e em
especial a súmula vinculante nº 11, editada pelo STF, ainda poderíamos destacar a
possibilidade da anulação dos atos processuais como forma de sanção caso seja
praticado erroneamente ou abusiva a utilização de algemas. Assim dispõe a súmula;
Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de
fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso
ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de
responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de
nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo
da responsabilidade civil do Estado (grifo nosso)100
Sobre o tema, o Delegado da Policia Civil do Estado Espírito Santo Antonio
Marcio Neves Campos, faz sérias criticas ao egrégio tribunal, onde o STF vislumbra
a anulação de dos atos praticados pelo indevido uso de algemas, e o mais grave, a
anulação do processo, assim nos revela:
A pior parte o STF deixou para a parte final do enunciado da Súmula
vinculante n.º 11. Ele determinou que haverá nulidade da prisão ou do ato
processual caso a ela seja desrespeitada. Todos policiais sabem (e o
contribuinte precisa saber) do investimento feito pelo estado, do tempo e do
trabalho que demanda uma investigação criminal até culminar na expedição
e no cumprimento de um mandado de prisão. Declarar nula uma prisão,
relaxar e colocar um indivíduo em liberdade após toda movimentação da
máquina estatal somente pelo uso "desnecessário" ou "constrangedor" das
algemas (que via de regra se dá apenas no trajeto entre o local da prisão e
a delegacia), pode trazer conseqüências inimagináveis para o processo,
além de desacreditar a justiça e a polícia brasileiras. Isso sim é ferir os
princípios da razoabilidade (tão utilizado pelo STF em seus julgamentos) e
do prejuízo (um dos mais importantes princípios da teoria geral das
nulidades), o qual estipula que "nenhum ato será declarado nulo, se da
nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa" (art. 563,
CPP).101
99
HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: Fundamentos jurídicos do
uso de algemas. São Paulo: Lex, 2008, p. 97.
100
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula vinculante nº 11. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=11.NUME.%20E%20S.FLS
V.&base=baseSumulasVinculantes>. Acesso em: 27 maio 2010.
101
CAMPOS, Antonio Márcio Neves. A inconstitucionalidade da Súmula Vinculante nº 11 do Supremo
Tribunal Federal e a sua repercussão no seio policial. Disponível
em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12348>. Acesso em: 27 maio 2010.
43
3.3 O USO DAS ALGEMAS NO TRIBUNAL DO JÚRI
3.3.1 A Lei 11.689/08. Analise e repercussão a luz da Súmula Vinculante nº 11
Com a edição de Lei 11.689/08102 de 09 de junho de 2008, que só entrou em
vigor no dia 09 de Agosto do mesmo ano, estabeleceu novas regras nos
procedimentos processuais pertinentes a competência do Tribunal do júri.
Antes de entrar em vigor, a Lei 11.689/08, o STJ decidiu que não constituir
constrangimento ilegal o uso de algemas, se necessárias para a ordem dos
trabalhos e a segurança dos presentes (STJ, 2ª T., rel Min. Francisco Rezek, DJU, 4
de abril., 1995, p 22442)103. Por não constar nenhuma referência no CPP com
relação ao uso de algemas no Tribunal do Júri, ficava ao mero crivo do juizpresidente a determinação de conceder a retirada ou não das algemas utilizadas
pelo réu.
O Próprio STF, no HC 71.195/SP104, reconhece que não configura
constrangimento ilegal o sua de algemas, sob a justificativa do bom andamento e
segurança no decorrer dos trabalhos no plenário do júri.
2ª Turma. HC 71.195/SP. Ementa: Habeas Corpus. Concurso material de
crimes. Protesto por novo júri. Pena inferior a vinte anos. Utilização de
algemas no julgamento. Medida justificada. I - No concurso material de
crimes considera-se, para efeito de protesto por novo júri, cada uma das
penas e não sua soma. II - O uso de algemas durante o julgamento não
constitui constrangimento ilegal se essencial à ordem dos trabalhos e à
segurança dos presentes. Habeas corpus indeferido. Relator: Francisco
Rezek. Brasília, DF, j. 25 out. 1994.
Sob a luz da Lei 11.689/08, no que tange o uso de algemas, podemos observar
a inovação trazida no artigo 474, § 3º do Código de Processo Penal, vejamos:
Art. 474, § 3o Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o
período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente
necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à
garantia da integridade física dos presentes105.
102
BRASIL. Lei 11.689/08. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2008/Lei/L11689.htm>. Acesso em: 28 maio 2010.
103
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 253.
104
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. HC 71.195/SP. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcord
aos>. Acesso em: 19 maio 2010.
105
BRASIL. Lei 11.689/08. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2008/Lei/L11689.htm>. Acesso em: 28 maio 2010.
44
Podemos perceber que tal modificação foi adotada visando preservar a
imagem do réu perante a corte de sentença e respeitando o princípio da dignidade
da pessoa humana, mas que ficará a cargo do juiz-presidente a determinação de
usá-la ou não. Acreditam que a imagem do réu algemado acarreta enorme prejuízo,
pois demonstrará de forma pejorativa, transparecendo ser uma pessoa de altíssimo
nível de periculosidade.
O doutrinador Guilherme de Souza Nucci, disciplina que é incumbência do
Estado garantir a segurança dos presentes em plenário, não sendo aceitável supor
que o uso das algemas seja imprescindível. Então, como não há disciplina expressa
na lei sobre o uso de algemas no júri, cabe ao juiz presidente decidir sobre a
utilização ou não das algemas, "embora fosse recomendável, ao menos durante o
interrogatório – momento crucial para o réu diante dos jurados – que elas não
estivessem presentes.106
O juiz-presidente, como mencionado, tem o poder de polícia na sessão do
Tribunal do Júri, conforme atribuição conferida pelo artigo 479, I107 do Código de
Processo Penal, pelo qual deverá “regulamentar a polícia das sessões (...)” ficando
tão-somente ao seu poder discricionário a retira das algemas.
Podemos aqui citar alguns casos de agressões sofridos no âmbito dos
Tribunais do Júri. Um dos casos mais conhecidos se deu nos Estados Unidos, o
assassinato do juiz Rowland Barnes, 64, e sua estenógrafa, Julie Brandau, na corte
do Condado de Fulton, Atlanta, EUA, no mês de março do ano de 2005, enquanto
atuavam no julgamento de Brian Nichols, 34, acusado de estupro, que, sem
algemas, conseguiu retirar a arma da policial da escolta e alvejá-los, serve muito
bem para ilustrar o quão necessária é a adequação dos princípios da razoabilidade,
proporcionalidade e segurança (vida e integridade física) dos policiais.108
Já no Brasil, na cidade de Belford Roxo no Estado do Rio de Janeiro, Após
ouvir a leitura da sentença condenando-o a 46 anos de prisão, por homicídio, uma
tentativa de homicídio e um estupro, o réu Fabiano dos Santos Braga voou para
cima de um segurança do Tribunal do Júri da Comarca de Belford Roxo, na tentativa
106
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 2. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 732.
107
BRASIL. Lei 11.689/08. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2008/Lei/L11689.htm>. Acesso em: 28 maio 2010.
108
SILVA, Anne Graziele Santos da. Uso de algemas: razoabilidade, proporcionalidade e segurança
da equipe policial. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/DOUTRINA/texto.asp?id=10273>. Acesso
em: 28 maio 2010.
45
de desarmá-lo e atacar a juíza, em 28 de maio. Já na 1ª Vara Criminal de Campos,
no último dia 9, durante o interrogatório, outro réu correu em direção ao magistrado
para acertá-lo com o microfone. Além da semelhança na maneira de agir, os dois
tinham em comum o fato de não usarem algemas.109
Dessa
forma,
se
faz
necessário
uma
analise
minucioso da
real
potencialidade criminosa em concreto do réu, pois a súmula vinculante nº 11, buscou
diminuir os abusos cometidos, dando a possibilidade de se tornar nulos todos os
atos processuais, o que seria em tese, muito mais prejudicial como um todo, pois no
anseio de se buscar o devido processo legal, movimentou toda uma estrutura do
Estado.
109
RÉUS sem algemas tumultuam os tribunais. Disponível
em:<http://www.anpr.org.br/portal/index.php?option=com_newsclipping&Itemid=142&task=view&idNot
icia=19909&dia=22&mes=6&ano=2009>. Acesso em: 28 maio 2010.
CONCLUSÃO
Conforme foi explanado no decorre desse estudo, podemos observar que o
uso de algemas vêm sendo utilizados desde os povos mais antigos com a finalidade
de limitar os movimentos do detido, mesmo que seu uso não obedecia quaisquer
critério de manuseio, onde que muita das vezes era empregada de forma desumana
e humilhante, causando uma séria de traumas físicos e psíquicos.
No decurso da história, tal começou a sofrer resistência por parte da ordem
jurídica interna e internacional. No Brasil, desde a época do império, como exposto,
buscou-se coibir a utilização das algemas como forma de tortura e opressão a
aqueles que eram submetidos ao poder Estatal.
As algemas, atualmente no Estado Democrático de Direito, só será utilizadas
como meio necessário de contenção da força física ou fundado receio de fuga por
parte do detido, a fim de garantir a segurança dos envolvidos no desempenhar da
função policial. No Brasil, por meio do artigo 199 da Lei de Execução Penal, discute
acerca do tema, que o uso de algemas será regulado por um decreto federal, que
até a presente data não foi editada.
Observamos também o grande choque entre o uso de algemas e alguns
princípios com: da dignidade da pessoa humana; da liberdade, da imagem. É de
suma importância tais princípios no combate aos abusos cometidos por agentes
públicos, desvirtuando assim a real finalidade de sua função.
No que tange a Súmula Vinculante nº 11, ao invés de estabelecer uma
ordem jurídica, causou uma enorme discussão no âmbito jurídico sobre o uso de
algemas e também junto aos órgãos de segurança, pois limita o poder discricionário
do agente público no manuseio de tal instrumento, deixando assim em situação
submissa e podendo ser responsabilizado por conduta diversa.
Conclui-se, que o uso de algemas deve ser um ato discricionário do agente
público, haja vista, que o Estado tem o poder-punitivo que lhe é concedido para
assegurar a paz e a ordem social, diferentemente de praticas abusivas a nocivas no
intuito de denegrir a imagem e a dignidade da pessoa humana. Assim, defendemos
o uso de algemas, havendo a necessidade, os policiais não só podem, como devem,
recorrer a esse mecanismo para salvaguardar a sua integridade física como também
47
do detido e de terceiros, pois só o policial no momento da prisão tem a real visão da
periculosidade do detido.
Por fim, entendemos perfeitamente a busca do STF por regulamentar o
tema, mas não atende a sua real finalidade, que é diminuir os abusos cometido por
policiais e sim aumentou a possibilidade de discriminação entre as classes sociais.
REFERÊNCIAS
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e atual. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direto constitucional. 17. ed. São Paulo; Melheiros
Editores, 2005.
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São Paulo: Saraiva, 2008.
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São Paulo: Saraiva, 2008.
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Torres. Disponível
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BRASIL. Constituição Federal do Brasil. in: Vade Mecum. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
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49
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Militar. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del1002.htm>.
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Acesso em: 26 fev. 2010.
50
BRASIL. Planalto. Lei nº 4.898/65 (Abuso de autoridade) Disponível
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