Entrevista concedida pelo Deputado Mendes Bota à jornalista Helena Rua, da revista Executive Digest Lisboa, 23 de Setembro de 2014 1. Defende, há vários anos, no Conselho da Europa, a necessidade de legislar e regulamentar a actividade do Lóbi, em nome da transparência na causa pública. O que é que o motivou a abraçar esta causa? MB- Sou contra o Portugalinho das “cunhas”. E dos chamados “facilitadores”, que conseguem manobrar pela “porta do cavalo” do poder, para obterem ganhos de causa, sem critério nem outro mérito que uma agenda de contactos muito fornecida, potenciada pelo cartão partidário que está em alta no momento. Gosto da disputa de ideias e de interesses em campo aberto. Com cada parte interessada a jogar os seus melhores argumentos. Sou pelas consultas públicas, e considero que o contraditório enriquece a apreciação do decisor. A concorrência estimula a competência. Há que ter regras neste sector da comunicação institucional. Os cidadãos têm o direito de saber quem influencia quem, por conta de quem, para atingir o quê, e quanto ganha por isso. A transparência também passa por aqui. E isso faz-se regulamentando a actividade. Registando os profissionais que a praticam. 2. Os três partidos do “arco do poder” estão de acordo que é necessário fazer algo para tornar o Lóbi uma actividade regulada. No entanto, nada avançou relativamente a esta matéria. Porquê? MB – Não sei se estão todos de acordo. Entusiasmo não se vislumbra. Mas penso que falta alguém dar o pontapé de saída, e algo acontecerá com certeza. Esta é uma tendência mundial que começa a alargar-se, não faz sentido Portugal ficar de fora. As instituições europeias dão o exemplo. 3. A actuação de alguns ex-governantes, alguns formalmente acusados por prevaricação de titular de cargo político, como o caso recente de Maria de Lurdes Rodrigues, poderia ser evitada se a actividade lobista fosse regulada em Portugal? MB – Não me parece que o caso de Maria de Lurdes Rodrigues seja um bom exemplo de práticas ilícitas de lóbi. Sou contra a saída directa dos governantes para empresas do mesmo sector que tutelaram, excepto se daí eram provenientes. O período de nojo nesta matéria, deveria ser ampliado de 3 anos para 5 anos. 4. As grandes empresas são favorecidas face às PME pelo facto de terem um contacto mais directo com o poder político? De que forma é que as PME podem contrariar estes “privilégios”? MB – Qualquer regulamentação que venha a ser adoptada em matéria de lóbi deve dar igualdade de oportunidades às PMEs, como às grandes empresas e grupos económicos, no acesso aos detentores de cargos políticos. 5. O Lóbi terá como intuito beneficiar a sociedade civil com base em decisões fundamentadas em detrimento de favores pessoais que muitas das vezes envolvem compensações monetárias. O que tem contribuído para a confusão entre Lóbi e tráfico de influências que permanece no nosso País? MB – Uma das razões tem a ver com o facto de, muitas vezes, o lobista se encontrar dentro da própria classe política, e isto é uma consequência de se permitir em Portugal a acumulação de funções privadas com a função parlamentar, por exemplo. E isso chama-se tráfico de influências. É alguém participar na feitura de leis que irão ao encontro dos interesses de uma empresa ou grupo económico de quem o legislador é consultor, ou avençado. Os exemplos desta convivência malsã abundam. Não é só em Portugal. Estou cada vez mais convicto de que a exclusividade no exercício de funções políticas é uma das poucas formas de recuperar a confiança na classe política por parte da população. 6. A actividade do Lóbi deveria ser auto-regulada ou deveria haver a intervenção de um regulador? Porquê? MB – Numa primeira fase, e até prova em contrário, penso que deveria existir um regulador independente. A auto-regulação tem tendência a fixar-se mais nos códigos de conduta e nos registo, do que na monitorização e no reforço do controle da legalidade e da igualdade no acesso ao poder decisório. 7. Portugal perde junto de Bruxelas por esta não ser uma actividade regulada no nosso País? MB – Junto de Bruxelas não direi, porque nada impede uma agência de comunicação, uma empresa, uma associação ou um lobista profissional português de se registar no Parlamento Europeu ou na Comissão Europeia, para ali exercer a sua actividade junto destas instituições europeias. Aliás isso já acontece com um certo número de entidades portuguesas acreditadas e autorizadas a trabalhar segundo as regras ali em vigor. Nem o facto de Portugal ser omisso na matéria é impeditivo de tal acontecer. Curiosamente, Portugal não regulou internamente a questão do Lóbi, mas é um consumidor de serviços de Lóbi no exterior ao serviço do próprio Estado. Ou como é que se pensa que a EXPO98 ou o Euro 2004 vieram cá parar?