A escolha Profissional e os Mandatos Familiares*
Dados da autora: Ana Beatriz Sulzer
Psicóloga CRP05- 7264, Psicopedagoga,
Terapeuta de Família
Docente do Curso de Formação em
Terapia Relacional Sistêmica do CEFAI
email:: [email protected]
tel cons: 21 2569-2633
Resumo:
Esse trabalho tem como objetivo propor uma
mudança de paradigma na orientação profissional
com a ajuda da visão relacional sistêmica e
possibilitar a compreensão das influencias, em
especial dos mitos e mandatos familiares na
escolha profissional.
Introdução:
No novo paradigma da visão relacional sistêmica, deixamos de ver o mundo de forma linear, de
causa e efeito, para percebermos que não existe uma só causa para qualquer acontecimento.
Segundo Grandesso, “a hipótese sistêmica engloba todos os elementos de uma situação problema e a
forma como eles se ligam. Como não há uma tentativa de ver a hipótese como verdadeira ou falsa, o
que interessa é que ela pode ser útil para conduzir a novas informações que levem o sistema à
mudança. Há sempre vários ângulos, várias possibilidades”. Ao integrar os conhecimentos de
orientação profissional com a teoria sistêmica, percebemos que não podemos ver o indivíduo
segmentado e descontextualizado. O ser humano é um ser totalizado.
“Ao iniciar uma orientação profissional relacional sistêmica, temos a consciência de que ao
atender uma pessoa individualmente, estamos, na verdade, fazendo um recorte em sua família”.
(Sulzer,A.B.2007)
Sendo assim, para o jovem que opta por uma profissão, a escolha profissional torna-se o
reconhecimento e a aceitação do seu mundo familiar (interno, conhecido, limitado) para a exploração
do mundo social (externo, desconhecido, complexo). Para os pais dos adolescentes que escolhem
uma carreira, há a necessidade de aceitar que as relações com os filhos vão mudando; de que os
jovens passam a questionar e confrontar suas idéias, passando a assumir seus próprios projetos
pessoais. Os filhos começam a serem vistos como integrantes da sociedade e não somente como
seus filhos (Müller, 1988).
Andolfi (1988) esclarece que, na terapia de família, “entende-se por valores a soma dos
significados cognitivos e emocionais atribuidos pela familia à realidade em que vive”. Escolher é
identificar seus valores mais importantes. Portanto, é fundamental que a orientação profissional
possibilite a conscientização do conjunto de pressupostos e crenças familiares que contribuem para a
formação de valores em seus membros.
Na minha experiência profissional, tenho observado que vários fatores influenciam a escolha da
profissão. No gráfico 1, abaixo, com a ajuda da visão sistêmica, podemos perceber todas as
influencias que o indivíduo recebe no momento da escolha profissional. As setas mostram a
circularidade das inter-relações.
Os jovens que nos procuram hoje, na maioria das vezes estão vivendo crises nas relações
familiares, além de seus conflitos internos, o que os estimula a tentar pensar de forma sistêmica.
Percebem que o pensamento linear de causa e efeito não esclarece a situação. Porém, não
conseguem entender a inter-relação dos vários fatores. Tenho observado que um dos fatores que
deixa paralisado o individuo, no momento da escolha profissional, é a incoerência, e algumas vezes o
paradoxo, que existe nas expectativas e “mandatos familiares e individuais” (Andolfi 1988).
No decorrer da vida, duas exigências se confrontam: pessoal e familiar. O comportamento
geralmente é o resultado das necessidades familiares sobre as pessoais. Principalmente na infância e
na adolescência, as condições de dependência do individuo à família são desfavoráveis à expressão
plena das aspirações pessoais. No momento da escolha, o individuo assume a responsabilidade por
suas ações e tenta descobrir uma forma de compromisso que satisfaça os pedidos do mandato familiar
e as expectativas individuais, integrando e conciliando os elementos dissonantes.
*, LADVOCAT, Cynthia - Psicologia: Campo de Atuação, Teoria e Prática – Rio de Janeiro: Ed Booklink,
2010 - Cap: A Escolha Profissional e os Mandatos Familiares, p 38.
Processos
individuais internos
Gráfico 1:
Esquema
corporal
Identificações com o
grupo familiar
Expectativas e mandatos da
família
Identidade pessoal
Momento Familiar
(etapas e mudanças
do ciclo de vida
familiar)
Identificações com o
grupo de pares
Identificações sexuais
Cultura
(pressupostos e crenças)
Mercado de trabalho
Instituições de produção
Educação formal e informal
Reparação de objetos
internos danificados
Habilidades específicas
Sociedade global
Para Krom (2000), escolher uma profissão se faz importante tanto para o ciclo de vida individual
quanto para o ciclo evolutivo da família, sendo que, neste momento de escolha, as influências
intergeracionais irão se fazer presentes. “Tal escolha é fortemente determinada e construída por
forças míticas, uma vez que ele (o jovem) vai responder diretamente às expectativas individuais e
familiares” (Krom, 2000, p. 37).
O termo mito familiar foi primeiramente utilizado por A. J. Ferreira (Miermont, 1994) para definir
certas atitudes que se originam em alguns pensamentos do grupo familiar, garantindo uma coesão
interna e uma proteção externa. “O mito familiar é, pois, um organizador que cumpre uma função
homeostática* que será tanto mais solicitada pelo grupo considerado quanto maior for o sofrimento, a
dificuldade, a crise, a ameaça de transformar-se, de deslocar-se, ou inclusive de desaparecer”
(Miermont, 1994, p. 389). Os mitos familiares se constituem em complexos modelos não conscientes,
norteadores de conduta para os membros de uma família, transmitidos entre as gerações. Os mitos
familiares podem ser repassados nas famílias através de seus rituais, compromissos de lealdade,
padrões de comunicação, entre outros. Segundo Cerveny “O mito familiar designa, ainda, as posições
de cada um dentro do grupo e fornece modelos de conduta, conferindo significado e valor à
existência”.
Assim que as pessoas nascem, ocupam determinado lugar em sua família e recebem
expectativas que acionam o cumprimento dos mandatos familiares. Dessa forma, o que foi legado a
um indivíduo influencia de maneira poderosa toda sua vida.
É fundamental, portanto, que numa orientação profissional o indivíduo decifre os mitos e
conseqüentes mandatos existentes em sua família, para poder modificá-los ou adaptá-los a sua
individualidade e fazer uma escolha consciente e acertada de sua profissão.
Orientação Profissional Relacional Sistêmica:
Para exemplificar estas questões, gostaria de relatar um caso ilustrativo. No primeiro contato ao
telefone, Ricardo disse que desejava fazer uma orientação profissional, por indicação de seu
psiquiatra. Após romper com sua namorada, entrou em depressão e estava fazendo uma reavaliação
de sua vida. Trabalhava com produção de eventos e ganhava bem. Entretanto, há algum tempo tem
sentido um vazio, uma sensação de insatisfação com seu trabalho.
*Homeostática: é o adjetivo correspondente ao termo homeostasia, que designa o “processo de regulação pelo qual um organismo
mantém constante o seu equilíbrio”. O conceito de homeostasia inclui todos os fenômenos adaptativos, processos de auto-regulação, que
são necessários para responder às modificações do organismo na sua interação com o meio.
Explicou que quando se tornou adolescente, percebeu sua facilidade em se relacionar e organizar
eventos. Dessa forma, os estudos ficavam de lado até que os largou ao terminar o ensino médio.
Atualmente com 28 anos, questiona esta resolução. Como teve sucesso na atividade, achou que não
precisaria de mais estudos.
Na sessão em que fizemos o genoprofissiograma (figura 2), foi possível entender o padrão de
funcionamento da família e seus mandatos.
Figura 2:
Genoprofissiograma: Genograma temático das profissões
Fazendeiro e
empresário
bem sucedido.
Ricardo
Ricardo
Médic
Do
lar
Artista Plástica
bem sucedida.
o
Célio
Largou a
faculdade de
Administração
para “tocar” os
negócios do pai.
Vendedor .
Gosta de trabalhar
e é referencia no
seu trabalho.
Fac. Economia,
bancário,
empresário
Célio
Célio
Desenhista
Industrial
Gosta de
musica e
arte.
Carolina
Célia
Médica
Faculdade de
marketing.
Trabalha com
divulgação
de produtos.
Ricardo
28
Produtor de
eventos bem
sucedido
Ao fazermos uma escolha profissional, precisamos ter consciência de todas as influências que
tivemos até o momento da decisão. Com o recurso do genograma profissional, ou genoprofissiograma
(Soares 1997), podemos visualizar estas influências. O genograma ou genetograma é um mapa, com a
árvore genealógica da família, que dá uma imagem gráfica da estrutura familiar em várias gerações.
Além disso, esquematiza as etapas do ciclo de vida da família, bem como evidencia os padrões
familiares e os movimentos emocionais a ele associados.
O genoprofissiograma foi criado por Soares (1997), que adaptou o genetograma de Carter e
McGoldrick (1995), incluindo as profissões que os membros exercem e as que gostariam de exercer, os
interesses e atividades de lazer, além de características pessoais, idade, casamentos e separações.
Quando Ricardo visualizou toda sua família no genoprofissiograma, percebeu que o fato do seu
nome ser o mesmo do seu pai e de seu avô paterno não era coincidência. Com o recurso da história do
nome próprio, entendemos como os mandatos são passados de uma geração a outra. “Por meio do
nome, a família pode criar uma expectativa para esse filho, pode sugerir uma missão ao filho”
(Filomeno, k 2005, p 74). Em sua família existe um padrão de passagem dos mandatos através dos
nomes familiares. Seus irmãos receberam o nome do avô materno (Célio e Célia) e a irmã escolheu a
mesma profissão deste avô. Tanto o avô quanto a avó materna tinham sido bem sucedidos em suas
profissões. Pudemos perceber também padrão de funcionamento semelhante na família do pai. Ricardo
recebeu o nome do pai e do avô. A semelhança entre os três ficou clara. Todos tinham facilidade em
vendas e no relacionamento interpessoal. Ricardo, entretanto, tinha o mandato de se formar numa
faculdade e conseguir o que nem seu avô nem seu pai conseguiram. Por outro lado, o mito da
conquista e do sucesso (Krom 1994), iniciado pelo avô paterno e pela avó materna, motivou Ricardo a
se lançar em sua habilidade de organizar eventos. Esse mito “determina maneiras de conquistar bens,
posições e outras situações... no mito do sucesso não vale conquistar coisas materiais ou pessoas,
mas sobressair-se, ser admirado ou imitado.” (Filomeno, K 2005, p 60). No momento, a angústia da
separação da namorada provocou uma paralisação em sua vida, por desencadear outras ansiedades e
insatisfações que estava vivendo em seu trabalho. Ricardo esclareceu que antes estava muito
envolvido com os eventos, mas sempre quis fazer uma faculdade, pois seu objetivo de vida era ter
segurança econômica, ser importante em sua profissão, e ser feliz com uma família bem estruturada.
Ricardo pôde entender melhor suas escolhas através da orientação profissional e se perdoar por ter
interrompido os estudos. Compreendeu as influências que o conduziram a isto e percebeu que não
estava tão distanciado de sua família como imaginava, estimulando sua vontade de iniciar a faculdade
de administração. Explicou que a Faculdade de Produção Cultural não iria lhe acrescentar muito, mas a
formação em administração daria mais ferramentas para atuar em outro nível em sua área profissional.
Conclusão:
A escolha profissional se entrelaça com todas as áreas da vida do sujeito, seja familiar, social,
pessoal ou emocional. A proposta da orientação profissional relacional sistêmica é que o indivíduo seja
visto como um todo em seu contexto, transformando a orientação profissional em uma psicoterapia com
o foco em aprender a escolher. Para isto, é necessário se aprofundar no conhecimento de sua família,
de como foi construída a rede de influências que interagem com sua personalidade, seus interesses,
suas habilidades específicas, suas necessidades, e que no decorrer de seu desenvolvimento criaram o
seu objetivo de vida.
Na medida em que a visão sistêmica vê o ser humano como um ser integrado, é interessante que
o terapeuta sistêmico explore em qualquer terapia, seja individual ou familiar, o entendimento do
processo de escolha e satisfação ou insatisfação profissional dos clientes. Esta curiosidade possibilitará
o entendimento de vários aspectos da personalidade que estão na intercessão entre sua família e o
meio social e cultural, além de trazer maior compreensão sobre seu modo de atuar no mundo.
Referencias Bibliográficas:
 ANDOLFI, Maurizio; ÂNGELO, Cláudio Tempo e Mito em Psicoterapia Familiar. Porto
Alegre: Artes Medicas 1988
 CARTER, B; MCGOLDRICK, M. As Mudanças no Ciclo de Vida Familiar. Porto alegre:
Artes Médicas,1995.
 CERVENY, C.M.O. A Família como Modelo. São Paulo: Livro Pleno, 2001.
 FILOMENO, Karina Mitos Familiares e escolha profissional: uma visão sistêmica. São
Paulo: Ed. Vetor, 2005
 GRANDESSO, M.H. Sobre a Reconstrução do Significado: uma analise epistemológica e
hermenêutica da pratica clinica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
 KROM,M Família e Mitos, Prevenção e Terapia: resgatando histórias. São Paulo:
Summus, 2000.
 MIERMONT,J. Dicionário de terapias familiares. Porto Alegre: Artes Médicas 1994.
 SOARES, D.H.L. Abordagem Genealógica a partir do Genoprofissiograma e do teste dos três
personagens In: LEVENFUS,R. A Psicodinâmica da Escolha Profissional. Porto Alegre:
Artes Médicas,1997
 SULZER, A.B. Orientação Profissional Relacional Sistêmica. Idéias Sistêmicas – caderno do
CEFAI. v 4, p 38-47.ano IV: ago 2007
Leituras complementares:
 ANDOLFI, Maurizio A terapia familiar: um enfoque interacional. Campinas: Workshopsy,
1996
 BOHOSLAVSKY, Rodolfo - “Orientação Vocacional uma abordagem clínica” Editora
Martins Fontes, 1977.
 BOWEN,M. Family Therapy in Clinical Practice. New York: Aronson, 1978.
 BREUNLIN, D. C.; SCHWARTZ, R. C.; MAC KUNE-KARRER, B. - “Metaconceitos Transcendendo os modelos de terapia familiar ”- Editora Artmed, 2000.
 MINUCHIN, S. – “Famílias, funcionamento e tratamento” Editora Artes Médicas, 1990.
 PELLETIER, Denis; BUJOLD, Charles; NOISEUX, Gilles – “Desenvolvimento Vocacional e
Crescimento Pessoal: enfoque operatório”.- Ed. Vozes, 1979.
 PICHON-RIVIÈRE, Enrique – “Teoria do Vínculo” – Ed. Martins Fontes, 1988.
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