JULHO / 2015 PÁGINA 7 A RAZÃO Artigo CARUSO SAMEL, escritor, militante da Filial Butantã, São Paulo (SP) objetivo deste artigo é compreender quais são os componentes dos hábitos, como se formam os hábitos, como funciona o nosso cérebro e quais são os principais aspectos neurológicos que dificultam abandonarmos nossos hábitos maus e trocá-los por bons hábitos com o objetivo de melhorar o nosso viver nas áreas de saúde, relacionamentos, finanças, administração, educação etc. Assim, vamos entender como os hábitos surgem e explicar o seu mecanismo neurológico. Todos nós sabemos que a qualidade de nossos hábitos influencia diretamente as nossas vidas, ao ponto de Gandhi ter proferido que “as nossas crenças se transformam em pensamentos, os nossos pensamentos se transformam em palavras, as nossas palavras se tornam ações, as nossas ações se tornam hábitos, os nossos hábitos se tornam valores e os nossos valores revelam o nosso destino”. Podemos, então, concluir que nossos hábitos preparam o nosso futuro. Daí a necessidade de procurarmos modificar muitos de nossos hábitos para aprimorar nossos valores e estilo de vida. Muitos cursos foram criados, abordando diferentes técnicas, ferramentas de produtividade e métodos com o objetivo de aumentar nosso foco, conseguir maior concentração e evitar interrupções, tudo isso visando à construção de hábitos salutares. O O poder dos hábitos Sem dúvida alguma, nós (nosso espírito, nossa mente) estamos no controle para tomarmos todas as decisões racionais de nosso dia a dia. Mas também ninguém duvida que estamos subjugados por vários hábitos automatizados. Eles influenciam todas as nossas ações e comportamentos no seio familiar, no trabalho e no convívio com outras pessoas na sociedade, alcançando inclusive nossa situação financeira e afetando a conquista de nossa felicidade. É inegável que neste nosso planeta existem muitas ilusões e tentações para nos levar a praticar hábitos negativos. Se não identificarmos e controlarmos esses hábitos, eles poderão atrapalhar muito ou até mesmo destruir nossas vidas. E o que fazer para evitarmos que isso venha acontecer conosco? Temos que usar a nossa força de vontade e o nosso livre-arbítrio sempre focados para criar conscientemente os hábitos positivos que sempre devemos buscar. Antes, porém, temos que aprender a separar o joio do trigo. Uma vez identificados os hábitos bons, devemos focar neles todo o nosso interesse e atenção e tratar de analisá-los cuidadosamente para fazer boas escolhas e evitar tomar atitudes erradas, cujas consequências podem ser desastrosas para as nossas vidas. Quando estamos alertas e fazemos essas mudanças, as nossas atitudes mudam, novas ações se inculcam em nossas mentes e delas nos valemos automaticamente. Como o nosso cérebro fun- ciona para realizar tal façanha? Cientistas do MIT (Massachusetts Institute of Technology) fizeram experimentos monitorando o cérebro de ratos colocados em um labirinto com sensores no cérebro para detectar o funcionamento cerebral, e concluíram que o hábito está correlacionado com o funcionamento do cérebro. Eles tocavam uma campainha no final do corredor do labirinto e abriam a portinha do labirinto. Ao caminhar pelo corredor e ir adiante, se o rato virasse para a esquerda encontraria comida; se virasse para a direita, não encontraria nada. No início do experimento, nas primeiras experiências, a atividade cerebral dos ratinhos era muito intensa e os cientistas observaram que eles cheiravam tudo, fuçavam, arranhavam e olhavam em muitas direções. A observação direta não revelava mais do que isso, mas os registros do monitoramento acusavam intenso e constante processamento neural, que podia ser interpretado como se eles estivessem raciocinando e examinando diferentes possibilidades para, enfim, decidirem o que fazer. Quando eles encontravam a comida, também havia uma elevação da intensidade neural. Após muitas repetições das experiências, os ratinhos acabavam aprendendo aonde ir diretamente e o que fazer para obter a comida. A conclusão é que os ratinhos acabaram ficando mais eficientes, não precisando mais usar seus sentidos físicos com muito empenho e cometiam cada vez menos erros. Quanto mais se repetia o experimento, menos atividade cerebral era observada, mostrando que haviam adquirido um hábito, que passou a funcionar automaticamente. Temos que usar nossa força de vontade e nosso livre-arbítrio para criar conscientemente hábitos positivos que sempre devemos buscar. Extrapolando para as nossas experiências humanas, é isso que acontece quando adquirimos um novo hábito. A explicação psicológica é que houve evolução do aprendizado, que começa na incompetência, passa pela competência consciente e, finalmente, para a competência inconsciente. Dois exemplos bastante semelhantes ocorrem quando aprendemos a andar de bicicleta e dirigir um carro. No início, tudo parece muito difícil e é, de fato, mas tão logo tenhamos aprendido, andar de bicicleta ou dirigir um carro tornam-se um novo hábito para nós. Podemos, então, concluir que o hábito é a transformação de uma sequência de ações em uma rotina automática. Contudo, precisamos sempre ficar bem alertas para evitar imprevistos ou alterações na sequência de ações que acabariam, por exemplo, nos envolvendo num acidente de trânsito, caso nos descuidássemos e ficássemos o tempo todo na rotina automáti- ca de dirigir. Ou seja, o cérebro precisa saber qual é o momento certo de confiar no piloto automático dos hábitos e o momento certo de fazer um exame consciencioso antes de decidir interferir racionalmente. É bem aceito o modelo que indica ser o hábito formado por três componentes (hábito triangular). O primeiro componente é o gatilho. No exemplo dos ratinhos, o gatilho é o toque da campainha que ativa o cérebro de modo a entender que pode entrar no modo automático e escolher qual hábito é o mais adequado para usar. O segundo componente é a rotina, que é a sequência de atividades (físicas, intelectuais ou emocionais) que caracteriza como o hábito é percebido por um observador. O terceiro componente é a recompensa, que ajuda a melhorar o cérebro e indicar se esse tipo de sequência triangular vale a pena ser usado novamente no futuro. Quanto mais repetimos a sequência triangular mais automática ela fica. É interessante notar que o gatilho e a recompensa ficam ligados um ao outro, a ponto de criarmos antecipação e desejo para a rotina automática. E o que acontece após a formação dos hábitos? Perdemos parte ou a totalidade da nossa capacidade racional sobre a ação ou atitude que ativa o hábito. Por exemplo, quando uma pessoa fuma um cigarro sempre após tomar uma bebida alcoólica, esse hábito fica arraigado na mente da pessoa e a tendência é perpetuá-lo, a menos que a pessoa reaja com muita força de vontade para modificá-lo ou substituí-lo. Isso acontece tanto com os maus hábitos como com os bons hábitos que precisamos instalar em nossas vidas. De acordo com os cientistas, não nos é possível mudar completamente um hábito. Isso foi comprovado nas experiências com os ratinhos. Quando a comida foi eliminada na experiência, o hábito de procurar por ela quase desapareceu, mas tão logo voltou a ser oferecida no mesmo lugar o hábito reacendeu-se. A dica é que, para sairmos de um hábito antigo, temos que criar novas rotinas neurológicas mais poderosas que aquela que queremos substituir. Ou seja, ao tentarmos mudar um hábito antigo, temos que mudar a rotina anterior. A chave para esse “milagre” é criar um novo desejo, desejo este tão incontrolável que nos conduza à rotina desejada para aproveitar a recompensa. No caso de hábitos antigos já existe um desejo, desejo este geralmente de uma rotina indesejada. Ao invés de eliminar tal hábito, Charles Duhigg, autor do livro O poder do hábito, recomenda alcançar a mesma recompensa através de nova rotina. É exatamente isso que os Alcoólicos Anônimos fazem. Quando você entra para o grupo dos Alcóolicos Anônimos existem algumas regrinhas que você precisa cumprir. São as novas rotinas a que todo o grupo tem que aderir, sendo cada um vigilante do outro.