PODE UMA PLANTA ENSINAR? REFLEXÕES CONTRAEPISTEMOLÓGICAS Maria Betânia Barbosa Albuquerque1 - UEPA Grupo de Trabalho - Cultura, Currículo e Saberes Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo Geralmente quando nos referimos aos processos de ensino e aprendizagem tendemos a pensálos como inerentes aos seres humanos e às práticas de escolarização a que são submetidos ao longo da vida. Neste texto, argumento que, para além das práticas escolares que marcam o campo do currículo, determinados grupos experienciam processos de ensino e aprendizagem mediados por um ente não humano, isto é, por plantas de onde se extrai uma bebida de origem indígena denominada ayahuasca, tida pelos usuários como uma planta mestra por excelência. O texto tem por objetivos analisar os saberes apreendidos na experiência pedagógica ocorrida a partir do consumo da ayahuasca em um grupo religioso, o Santo Daime, bem como refletir sobre as epistemologias que fundam essa experiência. Resulta, do ponto de vista metodológico, de uma pesquisa de campo apoiada em entrevistas narrativas com pessoas que tomam daime (daimistas) do Brasil e do exterior. Teoricamente, apoia-se em autores contemporâneos interessados na construção de outras epistemologias assentadas para além dos divisores clássicos da modernidade tais como ciência-senso comum e natureza-cultura. Dentre eles Boaventura de Sousa Santos. Recorre ainda às reflexões sobre educação da antropóloga Chantal Medaets. Dentre as conclusões, o texto aponta uma diversidade de saberes da ayahuasca, dentre os quais os saberes cognitivos, estéticos, medicinais, filosóficos. Tais saberes ancoram-se em uma pedagogia e epistemologia próprias que diferem do paradigma moderno característico do campo da educação e do currículo centrados no humano e suas instituições, em particular, a escola. Ao compreender a religião como espaço educativo pretende-se chamar atenção para um ângulo ainda pouco enfatizado, o educacional e, com isso, somar esforços na ampliação da noção clássica de educação e de currículo, para além dos domínios exclusivamente escolares que estas expressões encerram. Palavras-chave: plantas professoras, educação, currículo, epistemologia 1 Doutora em Educação pela PUCSP, com Pós-Doutoramento pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Pt. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Líder do Grupo de Pesquisa: História da Educação na Amazônia (GHEDA). E-mail: [email protected] ISSN 2176-1396 7043 Introdução Neste artigo, focaliza-se a prática educativa vivenciada no contexto de uma religião da Amazônia, o Santo Daime, e os saberes que perpassam as relações sociais, intersubjetivas e pedagógicas desse ambiente religioso. A título de apresentação, o Santo Daime é uma religião nascida no Estado do Acre, que faz uso de uma bebida de origem indígena, chamada ayahuasca. Também conhecida como yagé, kahi, caapi, kamarampi, cipó, além de vegetal e daime, a ayahuasca é uma bebida utilizada tanto por grupos indígenas quanto pela população mestiça ou cabocla da Amazônia, bem como entre grupos religiosos situados em diferentes localidades do Brasil e do exterior. No início do século XX, no chamado “período da borracha” - quando muitos nordestinos penetraram a floresta amazônica brasileira em busca do “ouro branco” - o uso da ayahuasca deslocou-se do contexto indígena em direção às populações mestiças dos centros urbanos, surgindo o fenômeno das religiões ayahuasqueiras brasileiras. Dentre estas, o Santo Daime, fundado em 1930 por Raimundo Irineu Serra na periferia da cidade de Rio BrancoAC, cuja caracerística fundamental é o uso ritualístico de uma bebida psicoativa, a ayahuasca, conhecida como daime, nesse contexto religioso.2 Para alguns estudiosos, a ayahuasca é uma planta professora por meio da qual é possível obter diversos conhecimentos. Nessa direção, este texto descreve alguns saberes apreendidos na experiência pedagógica com essa planta entre adeptos da religião do Santo Daime, no sentido de fomentar uma reflexão sobre tais saberes e a epistemologia que os caracterizam. A religião do Santo Daime está sendo interpretada como uma escola com uma proposta pedagógica própria, um conteúdo de ensino, um método, uma visão de conhecimento e formas de disciplinamento. Contudo, este texto se restringe ao conteúdo (saberes) que as pessoas dizem ter apreendido com a ayahuasca/daime.3 O texto tem como objetivo, não apenas dar visibilidade à educação e aos saberes da religião estudada, mas, também, buscar compreender que epistemologia funda esses saberes ao tempo em questiona o não-lugar e o silenciamento desta problemática no contexto da ciência moderna, da pedagogia e do currículo, em particular. A análise dos saberes mediados pela experiência da ayahuasca/daime, basearam-se, metodologicamente, na bibliografia sobre essa religião, nos cadernos de hinos da doutrina 2 O termo psicoativo engloba “o conjunto das plantas e substâncias químicas que agem sobre a mente” (GOULART, LABATE & CARNEIRO, 2005, p. 30). 3 A expressão daime remete ao verbo dar: dai-me luz, dai-me saúde, conhecimento… 7044 (hinários) e na realização de entrevistas com usuários da bebida (daimistas) do Brasil e do exterior. Teoricamente, apoia-se em autores contemporâneos interessados na construção de outras epistemologias assentadas para além dos divisores clássicos da modernidade tais como ciência-senso comum ou natureza-cultura. Dentre eles Boaventura de Sousa Santos. Recorre ainda às reflexões sobre educação da antropóloga Chantal Medaets. O Santo Daime como espaço educativo e os saberes circulados É significativo o número de estudos voltados para as religiões localizados, em geral, no âmbito dos cursos de antropologia, das ciências da religião ou de teologia. Contudo, a interpretação das religiões como espaços de circulação de saberes e aprendizagens é ainda bastante limitada. Em parte, este limite se explica em função de uma compreensão sobre a escola como espaço único da produção do saber no seio da ciência pedagógica. O termo currículo, por sua vez, a despeito de suas várias definições, 4 também remete ao âmbito da escolarização formal. Pelo menos assim o entende a Sociologia do Currículo, isto é, “como todas as experiências e conhecimentos proporcionados aos estudantes no cotidiano escolar” (SANTOS; PARAISO, 1996, p. 83). Convém, contudo, refletir a respeito do fato de que muitas experiências e conhecimentos pelos quais se forjam subjetividades ocorrem em uma gama variada de espaços e situações, podendo ainda se dá a partir da mediação de entes não humanos, como é o caso do processo de aprender com uma planta professora (daime). É pertinente, portanto, a pergunta levantada pelo historiador Peter Burke (1992, p. 21): “E o que é educação? Apenas o treinamento transmitido em algumas instituições oficiais como escolas ou universidades?” Saberes Cognitivos A gênese da dimensão educativa do Santo Daime pode ser localizada no hinário fundamental da doutrina, O Cruzeiro, do mestre fundador Irineu Serra (2004), em que ele se apresenta como alguém que recebeu da Virgem Mãe o “lugar de professor”. Entretanto, embora reconhecido como mestre ensinador a fonte dos seus conhecimentos provém do daime, configurando-se, este fato, como elemento singular dessa educação, que é a presença de um professor-vegetal, considerado o “professor dos professores” ou ainda o “mestre de todos ensinos” conforme se pode conferir no hino abaixo: 4 Nesse sentido ver: PEDRA, J. A (1993) ou ainda: SANTOS, L. P. S.; PARAÍSO, M. A. (1996). 7045 O Daime é o Daime Eu estou afirmando É o divino Pai Eterno E a Rainha Soberana O Daime é o Daime O Professor dos Professores É o divino Pai Eterno E seu Filho Redentor O Daime é o Daime O Mestre de todos ensinos É o divino Pai Eterno E todos seres divinos (Trechos do hino nº 84 do hinário O cruzeirinho)5 A educação pelas plantas, expressão criada para nomear esta modalidade de prática educativa mediada pelo daime, difere, nesse sentido, dos processos de aprendizagem instituídos pela escolarização formal da modernidade. Uma diferença fundamental reside no fato de que o conhecimento não é possível de ser obtido a partir dos livros ou da razão instrumental, mas sob o estado de êxtase, estado de expansão da consciência ocasionado pela ingestão da bebida no qual, segundo Ralph Metzner (2002, p. 22), o individuo obtém uma visão terapêutica de suas neuroses, dos seus padrões de comportamentos e da dinâmica emocional dos seus vícios, além de questionar seus próprios conceitos e entendimentos da realidade, tornando-se capaz de transcendêlos nos seus fundamentos. Para este autor, o processo de expansão da consciência se integra à visão de mundo dos xamãs “pois eles afirmam que a beberagem não só lhes dá uma ideia mais profunda de si mesmos, como também uma nova e melhor maneira de viver” (METZNER, 2002, p. 23). É, portanto, no estado de expansão da consciência, chamado miração, que muitas aprendizagens se efetivam. Um exemplo clássico de saberes apreendidos dentro desse estado foi narrado por Mortimer (2000, p. 80) envolvendo a aprendizagem da leitura e da escrita. Segundo o autor, certo dia, Sebastião Mota de Melo estava em um trabalho de daime quando “começou a ver letras e uma voz dando explicações de como ajuntá-las formando sílabas e finalmente as palavras. Com grande surpresa e satisfação aprendeu o mecanismo da leitura em um trabalho de Daime, numa miração” (MORTIMER, 2000, p. 80)6 Na direção dos saberes de natureza cognitiva está a aprendizagem da língua portuguesa que o daime potencializa posto que nos diferentes lugares onde se encontra 5 Cf. MELO, 2000. Sebastião Mota, ex-seringueiro, foi um dos principais discípulos de Irineu Serra sendo responsável pela expansão do Santo Daime da Amazônia para os diversos Estados do Brasil. 6 7046 instalado como religião, independente da geografia e da língua, os hinos são, em geral, cantados na língua portuguesa.7 É o que explica Lode Blomme, da igreja daimista da Bélgica: A língua portuguesa é muito difícil porque é uma língua latina e tenho uma língua germânica. Essas línguas não têm uma semelhança, mas devo dizer uma coisa muito, muito especial deste sujeito [a língua portuguesa]. No tempo que eu não compreendia uma palavra de português, tinha todos ensinos do Santo Daime, e todas pessoas aqui encontraram o mesmo. É muito especial compreender uma mensagem sem falar a língua e particularmente uma língua totalmente diferente (Entrevista). Tal como o exemplo do aprender a ler, o aprendizado da língua portuguesa configurase como um saber cognitivo mediado pelo daime, que, nesse sentido, opera uma síntese cultural entre diversas e longínquas culturas, configurando-se como um agente intercultural. Tal interculturalidade remonta à própria formação histórica da religião e os conseqüentes desdobramentos decorrentes de sua inserção em contextos urbanos e globalizados. Com raízes xamânicas, o Santo Daime constituiu-se a partir da ressignificação do uso indígena da ayahuasca levada a efeito por Irineu Serra que incorporou ao ritual uma constelação de tradições (indígenas, católicas, espíritas, esotéricas), configurando-se como uma doutrina plural e hibridizada. Saberes Estéticos O Santo Daime é também plural em sua epistemologia, pois o saber religioso é, na realidade, um conjunto de saberes religiosos que provém das plantas, das outras religiões que com ele compõem e da doutrina própria que a igreja cria, configurando uma ecologia religiosa. A ecologia religiosa se expressa, ainda, a partir dos conteudos presentes nos hinos transmitidos oralmente sob a forma estética do canto e cujos saberes são bastante diversificados. Eles louvam a natureza e suas forças; invocam entidades de diversos panteões; reforçam princípios como o amor, verdade, justiça; disciplinam a conduta, contam a história da doutrina, dentre outros significados que expressam a diversidade cultural da religião. Assentada na tradição oral do cantar de hinos, a educação no Santo Daime é fundamentalmente estética, tendo a música como um dos mediadores essenciais. Os hinos são cantados pelos participantes e acompanhados por uma diversidade de instrumentos musicais, com destaque para o maracá. O canto, embora uma tarefa de todos, é, fundamentalmente, uma 7 O Santo Daime encontra-se instalado em diversos países como por exemplo: Portugal, Espanha, Alemanha, Bélgica, Holanda, Itália, Estados Unidos, dentre outros. 7047 atribuição das mulheres, sobretudo das chamadas puxadoras, responsáveis por puxar os hinos nos trabalhos espirituais. O aprendizado do canto ocorre na própria vivência da doutrina, não havendo um momento especial para isso. Trata-se, fundamentalmente, de uma “educação da atenção” (INGOLD, 2010). Josie Arraes brasileira do Rio de Janeiro, puxadora dos hinos da igreja Céu da Santa Maria em Amsterdam, Holanda, dá o seguinte depoimento acerca dessa função: Cada pessoa que puxa, tanto no violão como na voz, bota a sua energia ali. Então tem que tá com muita atenção, porque todo mundo vai seguir, de uma maneira ou de outra, aquela energia. Isso tanto faz na música como na voz. E aí, dependendo da consciência da pessoa, ela vai querer sempre elevar os pensamentos pra ficar mais forte e mais claro pra todo mundo poder ver. Então pra mim está sendo cada vez um estudo mais fino. Porque no começo a gente vai com muita sede ao pote, mas depois a gente começa a estudar e botar o ouvido [...] e botar mais atenção e ir se ajustando mais (Entrevista). Outro aspecto dessa educação estética é o domínio de instrumentos musicais que o daime potencializa. Ao ser indagada sobre como aprendeu a tocar violão nas igrejas, a brasileira Ana Cristina deu o seguinte depoimento: “Não, eu inclusive nunca tive aula, eu aprendi no daime. Eu digo que o daime que me ensinou. Tai uma coisa que eu aprendi com o daime, aprendi a tocar violão. Eu toco de ouvido, eu não entendo de música, mas eu também só sei tocar hinário” (Entrevista). A mesma habilidade de tocar violão foi encontrada em Ana Pomar, daimista portuguesa, residente em Lisboa, frequentadora da igreja Jardim de São Francisco na cidade de Cascaes, Portugal: Eu comecei aprender a tocar violão, sozinha, estava no México, tinha andado viajando com amigos e sempre estávamos cantando. Quando o amigo que tocava foi embora, eu fiquei numa casa onde havia um violão e eu comecei a praticar com os mantras que sempre cantávamos, os mais simples. Durante um mês fui praticando todos os dias, mas sempre num nível muito básico. Em setembro, quando voltei para Portugal, comprei o meu violão, aí comecei a praticar e pouco tempo depois recebi o meu primeiro e o segundo hino. Foi logo depois de começar a ir aos trabalhos de daime no Jardim de são Francisco. Mas eu ainda sei tocar muito pouco; ainda só sei tocar os hinos que recebi. Nos trabalhos é mais fácil, fico escutando o som, é como se nem fosse eu a tocar (Entrevista). Além das habilidades de tocar, Ana informou que também desenha e pinta: “e nestes mesmos meses em que recebi muitos hinos, também fiz muitos desenhos, imagens que vejo nos trabalhos, memórias ancestrais...” (Entrevista). Segundo Ana, foi o daime que lhe ensinou, “de ouvido”, a tocar. A vibração emanada pelo canto e a música agenciam múltiplos saberes, dentre os quais os saberes de cura. 7048 Saberes de cura O tema da cura é clássico no universo daimista e também foi ressaltado nas entrevistas. Lode Blomme informou que conheceu o daime num café na cidade de Bruges, na Bélgica, por meio de um velho amigo que lhe falou sobre o daime como uma bebida sagrada de índios “que faz uma ligação entre o eu interior e o eu superior” (entrevista). Segundo Lode, saber do daime lhe deixou muito interessado e fizeram, então, uma concentração pequena com três pessoas e um pouco de daime. Após essa experiência, informou que queria fazer mais um ritual e ia num trabalho de cura em Amsterdam onde estava já uma grande igreja. Neste trabalho eu tive uma verdadeira cura e uma grande miração e compreendi que queria continuar neste caminho espiritual (Entrevista). Por vezes, o sentido da cura aparece bem amplo, como se a própria vida e as relações humanas tivessem passado por um processo de cura. Noutros casos, evidencia-se uma compreensão cognitiva acerca do significado das enfermidades e suas causas, como é o caso do depoimento do espanhol Juan Carlos de la Cal ao afirmar que “com o daime tambien entendi que muitas enfermidades e doenças ten sua origem fora de nós, mais alem de nosso corpo físico y que, por esta razão, podem ser curadas trabalhando en este plano” (Entrevista). Jorge Oliveira, português, da igreja daimista Jardim de São Francisco, também faz uma relação entre o daime e a compreensão do significado das doenças e suas curas. Para ele, As principais curas que se dão é pelo entendimento que recebemos pois toda a doença tem uma causa espiritual. Mudando o nosso entendimento, a nossa percepção, nossos padrões, hábitos, etc, as coisas mudam. Então a causa da doença pode ser eliminada, mais tarde ou mais cedo, conforme o trabalho de cada um (Entrevista). O Santo Daime comporta em sua estrutura ritual trabalhos especificamente voltados para a busca da cura das doenças as quais, segundo a tradição xamânica, não estão dissociadas das dimensões físicas, mentais e espirituais. Um caso bastante conhecido entre os adeptos da religião foi a cura de Sebastião Mota de Melo de um problema grave no fígado, a partir do momento que tomou o daime das mãos do Mestre Irineu Serra. Após tomar o daime Sebastião caiu e ficou estirado no chão e, “como num sonho, viu tudo acontecer”: 7049 Agora se encontrava num salão rodeado de homens vestidos de branco. Estava num hospital e aquele lugar era como uma sala de cirurgia muito bem aparelhada. Como um espectador viu colocar seu corpo sobre uma mesa […]. A equipe cirurgica aproximou-se e começou a trabalhar. O chefe recebeu o bisturi que manejado com extrema destreza abriu sua barriga ao meio. O fígado foi tirado inteiro e estava na mão do médico. Depois de examinado foram extraídas três larvas do tamanho de uma polegada. O próprio doutor lhe apresentou esta coisa estranha com o seguinte comentário: ‘aqui está o que ia lhe matar brevemente. Desta você escapou’ (MORTIMER, 2000, p. 57). Desse modo, o tema da cura ou das possibilidades terapêuticas da ayahuasca/daime é bastante conhecido e circulam depoimentos de pessoas que se dizem curadas de problemas graves com essa bebida, muitas das quais aderiram à religião passando mesmo a dirigir igrejas e a servir o daime para outras pessoas.8 Os significados da cura são, portanto, amplos e envolvem reflexões filosóficas sobre a vida que caracterizei como saberes existenciais. Saberes existenciais Em seu texto: Enteógenos e inteligência existencial: a utilização de professores planta como ferramentas da cognição,9 Tupper (2002) lança mão da ideia de que a ayahuasca, possibilita um tipo de inteligência que permite aos indivíduos chegarem a um conhecimento mais rico do cosmo e do mundo, sendo, portanto, ferramentas para facilitar a cognição, para estimular a fundação ou o estabelecimento de tipos de conhecimentos. Para Tupper (2002, p. 3): A inteligência existencial, tal como Gardner a caracteriza, envolve ou implica que se tenha uma grande capacidade para apreciar e gostar de assistir a enigmas cósmicos, que definem a condição humana, uma consciência ou conhecimento excepcional dos mistérios da metafísica, ontológicos e epistemológicos que têm sido a eterna preocupação dos povos e das culturas. Na esteira desse raciocínio, algumas entrevistas trazem esse conteúdo que reporta a uma inteligência existencial mediada pelo daime. Trata-se de um tipo de inteligência subalternizada pelos requisitos cognitivos da modernidade ocidental e se pauta num certo potencial do ser humano em envolver-se em assuntos transcendentais, interesses em questões cósmicas, o sentido da vida ou da morte, o sofrimento, o destino do planeta, o amor por todos os seres, entre outros temas. Nessa direção, observa-se o depoimento do daimista espanhol Juan Carlos de la Cal: 8 Sobre a possibilidade terapêutica do uso ritual da ayahuasca no tratamento ao abuso de substâncias psicoativas vide o texto de Labate et al. (2009). 9 Tradução livre. 7050 Creo en mim uma consciência e una consciência espiritual que não sabia que tinha. Me permitio o acesso a mundos que ni imaginaba y me aporto uma proteção que se mantém quando estou ligado no astral positivo. Também me aporto un grado de atenção y de alerta que antes não tinha. Me ha ensinado a reconhecer a presencia do ser superior en tudo cuando me rodeia assim como o entendimiento de que ao nosso redor existe un mundo espiritual, cheio de seres de luz y de sombra, que influye en tudo o que facemos no mundo material (Entrevista). O reconhecimento da existência de um mundo espiritual e o despertar da consciência para esta existência também foi a tônica do depoimento de Paula Branco, portuguesa, membro da igreja Jardim de São Francisco em Cascaes, Portugal. Segundo Paula, o encontro com o daime lhe possibilitou a resolução de dilemas espirituais que vivenciava como, por exemplo, o de saber se Deus existe ou não e se devia, ou não, se batizar. Uma experiência de aprendizagem que obtive com o daime foi aprender a conhecer Deus. Antes do daime, Deus me parecia irreal, uma ilusão criada pelas pessoas em função das necessidades da vida. Depois disso uma das coisas que eu senti foi um chamamento, uma vontade também de conhecer melhor a religião católica (se bem que não me identifiquei com ela). Tentei batizar-me, pois foi um chamamento que eu tive em Fátima, mas não compreendi, nem aceitei algumas das coisas que falavam sobre Jesus (por isso não me quis batizar na igreja católica). Lembro-me de ouvir palavras como Deus castiga, ter de me confessar, como se Deus castigasse quem quer que fosse. Mas Deus é bom e só quer o nosso bem, pensava eu. Então, depois de voltar ao Santo Daime e pedir a Deus que me transformasse numa pessoa melhor, senti o meu batismo durante esse trabalho e aí eu entendi que o meu lugar era no Santo Daime (Entrevista). Por sua vez, Lode Blomme, da Bélgica, entende que as aprendizagens do daime “vão sempre na direção da harmonia e do amor”, além de possibilitar a resolução de questões profundas da alma humana. Para ele, O Santo Daime indica o que nós devemos fazer para encontrar a harmonia interior. A harmonia interior estimula também a harmonia do corpo e posso curar muitas coisas desta maneira. As aprendizagens são muito variadas, mas podem ajudar a compreender situações, por exemplo, de tristeza profunda, de luto, ou coisas traumáticas também (Entrevista). As conexões entre o daime e o amor aparecem em quase todas as entrevistas. Para Ana Pomar, “o daime ensina a ter um contato mais profundo com a energia do amor”, mas, em sua opinião, o mais importante são as consequências que este sentimento trouxe à sua vida cotidiana. Segundo ela: 7051 Com o daime dá pra ver como vão mudando as minhas relações. E isso é o mais bonito. Porque uma coisa é eu fazer o meu trabalho espiritual e isso é muito especial e muito importante. Mas o que realmente importa é o que acontece na minha vida no dia a dia, que é o fruto do meu trabalho espiritual. O que eu posso dar às pessoas aqui na terra? As pessoas que me rodeiam, que vêem do trabalho que eu faço com as plantas? Por exemplo, com meu pai a relação mudou completamente. Ele era muito frio, nunca me dava um abraço. Eu também nunca abraçava, nunca dava um beijo. E agora, todos os dias chego em casa e dou-lhe um abraço; agora eu não deixo ele ir embora sem lhe dar um abraço. Pra mim esses são os tesouros da vida, expandir o amor (Entrevista). Desse modo, a maioria dos daimistas entrevistados, independente de sexo, idade, ou localização geográfica, reitera um conjunto de aprendizagens que o daime teria induzido. São aprendizagens relativas ao amor, caridade, harmonia, cura, como também de natureza cognitiva: ler, escrever, aprender uma língua. Tendo evidenciado alguns saberes, permanece ainda a pergunta sobre sua epistemologia e lugar no seio da ciência moderna e da pedagogia. Do outro lado da linha epistemológica: os saberes da experiência cotidiana Pensar uma prática educativa vivenciada em um contexto religioso implica considerar que se trata de uma forma de aprendizagem cujos saberes ancoram-se na experiência, no cotidiano. O saber cotidiano, para Martinic (1994, p. 74), está vinculado à ação e à prática dos sujeitos, sendo um saber imediato que lhes permite resolver problemas práticos produzindo-se e atualizando-se por meio da experiência. Entretanto, tais saberes também podem transcender o âmbito da empiria e da instrumentalidade, convertendo-se em um corpo estruturado logicamente. Por isso, são capazes de estabelecer parâmetros de organização lógica que dão sentido às interações sociais, permitindo a compreensão da realidade e a continuidade da vida social. A esse saber como elaboração Martinic (1994) chama de sabedoria popular, traduzindo-se como conhecimentos que apresentam um grau de sistematização, cujos princípios e regras assentam-se em metódicos sistemas de problematização. Essa sabedoria tem sua legitimidade constituída segundo uma racionalidade específica às classes e grupos populares, cujas proposições lógicas, em geral, são elaboradas e difundidas à margem do saber oficial e do cientificismo que caracteriza o saber escolar privilegiado pela pedagogia. A história da pedagogia, conforme Arroyo (1987), traz essa marca do escolacentrismo que não compreende a formação do ser humano em sua totalidade, formação esta ocorrida não apenas na escola, mas no real e na escola como parte desse real. Esse discurso pedagógico buscou sua sustentação epistemológica no modelo de racionalidade que informa a ciência moderna, constituído a partir da revolução científica do século XVI, tendo se desenvolvido 7052 nos séculos seguintes. Para Santos (2002), durante os séculos XVIII e XIX esse modelo estendeu-se às ciências sociais, configurando-se como global, caracterizado pela defesa ostensiva contra o senso comum e os estudos humanísticos. Enquanto um modelo global, a racionalidade científica é, também, totalitária, “na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que não se pautarem pelos seus princípios epistemológicos e regras metodológicas” (SANTOS, 2002, p. 61). Na perspectiva do paradigma moderno, qualquer aprendizado obtido a partir dos sonhos, êxtase místico, intuição subjetiva ou da experiência mediúnica, elementos característicos da educação daimista, estaria circunscrito ao âmbito da não-realidade. Em vista disso, tais experiências de aprendizagens têm sido tratadas de um modo “abissal” pelo pensamento moderno ocidental (SANTOS, 2007). Disto resulta que os saberes da experiência, por se encontrarem “do outro lado da linha” epistemológica (SANTOS, 2007), tendem a ser desconsiderados como formas relevantes de ser e estar no mundo. A sociologia das ausências proposta por Santos (2007) tem contribuído para denunciar a persistência de uma matriz epistêmica colonizadora que silencia outras matrizes do pensar. Ao mesmo tempo, as críticas pós-coloniais dirigidas à racionalidade moderna, permitem abrir caminhos para a emergência de outras epistemologias. Na esteira dessas críticas, a educação tem ampliado seu horizonte epistemológico de modo a considerar a mutiplicidade de processos formativos vivenciados no cotidiano social como, por exemplo, as práticas ocorridas na religião do Santo Daime em que o professor é o próprio daime. Enredados em outra lógica, os saberes apreendidos no cotidiano social não estão submetidos à processos de escolarização formal. Do mesmo modo, a forma de sua transmissão não implica, necessariamente, a presença de um professor ou um gesto intencional de ensino. Trata-se muitas vezes de um aprender solitário, ou um aprender com ninguém. A esse respeito, a antropóloga Chantal Medaets, em artigo onde analisa as práticas de transmissão e aprendizagens de saberes entre crianças da região do baixo Tapajós, na Amazônia, revela que em seu trabalho de campo chamou-lhe atenção esse tipo de aprendizagem em que não se aprende de ninguém. Nas suas palavras: Uma criança fazendo um brinquedo de palha por exemplo, pergunto: ‘e com quem vc aprendeu?’ ‘Com ninguém’… Ou um mestre na construção de canoas, cujo tio também tinha a mesma profissão, afirma nunca ter ‘aprendido de ninguém’ ‘Ele [o tio] não ensinou não… […] foi assim, veio da minha cabeça mesmo. Um dia eu resolvi começar a fazer e fiz (MEDAETS, 2011, p. 6). 7053 A autora chama a atenção para esse tipo de educação não escolar em que “só de olhar já sabe fazer” e em que se destacam no processo de aprender uma postura de observação, silêncio ou escuta (MEDAETS, 2011, p. 6): Durante dois processos de construção de barcos, que pude acompanhar, o trabalho era feito por um mestre (ou aprendiz de mestre) e um ajudante, a maior parte do tempo ambos em silêncio. O ajudante fazia suas tarefas sem perguntas e em alguns momentos parava e observava o mestre. O mestre em geral ficava concentrado no seu trabalho (talhar as peças, por exemplo) e de vez em quando olhava de longe o ajudante. Algumas poucas vezes o vi corrigi-lo. Na obra Saberes em festa: gestos de ensinar e aprender na cultura popular, Jadir Pessoa (2005), ao analisar os modos de aprender característicos das Folias de Reis, indaga de um intérprete: “como é que se aprende a ser folião de reis”? A resposta que se ouve é a seguinte: Uai, eu desde menino estava com sete anos e eu já fui na garupa do meu pai, né. Com quinze anos eu já saí cantando moda, na catira, né. E aí já agarrei a ajudar meu cunhado, cantando a música, ajudando a cantar a música. Assim, fui aprendendo os versos com ele. Depois ele saiu, largou. Mudou lá pra baixo de Ceres. E continuei no lugar dele. Eu continuei a música, cantando. O meu sobrinho também começou como eu, por influência (PESSOA, 2005, p. 84). Tem-se, então, a partir desse depoimento, uma modalidade de aprendizagem que se dá “por influência”, marcada pela observação atenta e pelo carisma que exerciam os mestres da folia sobre os demais. Para o autor, o principal “combustível” do aprendizado da folia era o “encantamento” que ela exercia sobre as crianças e os jovens: No distrito de Lages, a passagem da folia era um dos acontecimentos mais esperados do ano. Aquele conjunto de vozes, a execução dos instrumentos, a aura de mistérios dos versos ‘sentidos’ e das histórias da crença causavam verdadeira fascinação em muitas crianças que, às vezes, saíam em companhia da folia mesmo sem a permissão dos pais. E aí, obviamente, a ‘safra’ de novos foliões era só uma questão de tempo (PESSOA, 2005, p. 84). Aprender de ninguém, aprender olhando ou por influência são, assim, formas outras de aprendizagem que contrariam uma pedagogia da pergunta e da explicação que marca os processos escolares de educação. Nessas outras modalidades de aprendizagem há lugar certo para a escuta e observação atenta: “do lado dos aprendizes, observa-se muito e bem. E pergunta-se pouco. Do lado dos ‘mestres’ preocupa-se menos em explicar e mais em fazer. E fazer bem feito” (MEDAETS, 2011, p. 8). Interpretando esse fato, a autora afirma que talvez seja por isso que as falas dos sujeitos entrevistados remeta a um aprender sozinho, 7054 porque na verdade se é observando que se aprende, observar depende mais de uma postura ativa do ‘aprendente’ e menos de uma ação didática do ‘ensinante’. Portanto, quase na contramão dessa didática ocidental (e escolar!) na medida em que adultos, no baixo-tapajós, impedem ou dificultam a experimentação da criança, condicionando sua participação à participação efetiva e competente, eles podem estar sim estimulando a aprendizagem, mas não a aprendizagem que se faz ‘tentando até conseguir’ ou ‘errando e aprendendo’ mas sim, observando inteligentemente (MEDAETS, 2011, p. 8). Nesse ‘paradigma’ de educação que se dá mediado pela observação, silêncio e atenção Chantal Medaets ressalta uma maneira peculiar de se dizer “que se sabe ou que se consegue fazer alguma coisa” considerada significativa. Trata-se da expressão: “Tu garante?” Para a autora, “garantir saber fazer bem feito alguma coisa é aqui uma condição para fazê-la”. Daí que, em sua etnografia, foi comum observar “uma criança que não domina bem alguma atividade, ser afastada dela: Deixa disso que tu num garante menino” (MEDAETS, 2011, p. 7). A autora dá um exemplo de uma experiência ocorrida com ela própria em que vigorou na prática da aprendizagem o modelo: tu garante ? Um dia, sabendo de uma festa que se aproximava e querendo que eu me aventurasse mais na dança, algumas jovens me convidaram para vir ensaiar as danças com elas. Passamos 4 hs ouvindo as músicas mais tocadas nas festas, e quase todo o tempo… paradas! Até quase o fim da nossa noite de ‘treino’, apenas um casal tinha dançado. Eles eram considerados os melhores dançarinos e para que nós aprendêssemos, era preciso observá-los. Ninguém ficava tentando imitá-los ao mesmo tempo, seguindo seus passos entre outros casais como eu poderia imaginar, mas apenas ‘vendo eles dançar’. Ficamos a maior parte do tempo inclusive deitados numa cama. E apenas no final da noite, a dançarina ‘mestre’ provocou outras a virem dançar. E não todas… ‘Vem Glenda!!!’ Disse ela ‘que eu sei que tu te garante…’ Só duas meninas foram dançar. Ninguém insistiu para que eu viesse (MEDAETS, 2011, p. 7). Da experiência etnográfica sobre a infância no baixo tapajós a autora destaca que, nessa região da Amazônia, “os saberes não são ditos, informados, mas sim vividos, mesmo que através da observação” (MEDAETS, 2011, p. 10). A experiência se dá, primeiramente, como “observador ativo” e, posteriormente, “como praticante cada vez mais experimentado”. A estratégia central da aprendizagem é, assim, a observação, mas esta, diferentemente do que costumamos pensar sobre o ato de observar, “não é uma atitude passiva por parte das crianças nelas envolvidas”. Antes, consiste numa “estratégia ativa de apropriação de saberes”. Daí que, “ao invés de estimular os aprendizes através de perguntas/explicações ou do convite à participação tolerante ao erro, é o olhar aqui que é educado a ‘ver mais’ ou ‘melhor’ e os ‘pequenos’, à perguntar menos (MEDAETS, 2011, p. 11-12). A educação pelas plantas se assemelha a esse tipo de prática pedagógica pautada no silêncio, na observação atenta, no envolvimento do corpo no cantar e tocar dos hinos. Tal educação inscreve-se em outros 7055 critérios de inteligibilidade do real que tanto a ciência pedagógica, quanto o currículo, em particular, parecem longe de compreender. Considerações Finais Procurei evidenciar, neste texto, a religião do Santo Daime como um espaço educativo onde circulam um conjunto de saberes com destaque para os saberes cognitivos, estéticos, de cura e existenciais. A singularidade dos processos de aprendizagem mediados pela ayahuasca/daime reside no fato de que eles não são transmitidos pelos humanos, como tradicionalmente podemos pensar as formas ocidentais de educação, mas pela mediação das plantas ou pelas substâncias de que são portadoras. Esses saberes são, contudo, compartilhados pelos humanos uma vez que o daime não ensina a si mesmo originando uma ecologia entre plantas e humanos. Esta ecologia de saberes (SANTOS, 2007) também se expressa entre os grupos usuários, por mais distantes que estejam entre si social, geográfica e culturalmente. Um fator a contribuir nesse processo é o aprendizado da língua portuguesa motivado pela prática religiosa, e que termina por se manifestar como um exercício de interculturalidade uma vez que possibilita uma síntese cultural significativa entre pessoas e culturas distantes. Ao considerar as práticas educativas vivenciadas no Santo Daime, partilha-se a idéia de que entre as diversas formas de aprender, a experiência da ayahuasca/daime pode ser interpretada como uma experiência educativa na medida em que possibilita aos sujeitos a circulação e apreensão de um gama de saberes que fazem sentido em suas vidas, contribuindo para formação de suas identidades. É que determinados grupos humanos quando querem aprender alguma coisa, não consultam, necessariamente, ou exclusivamente, a escola, os livros, a televisão, a internet ou os professores em sua forma humana. Em vez disso, consultam cipós, raízes ou folhas, consumidos para fins cognitivos, ou de curas, servindo, ainda, como fontes de conhecimentos para vida prática ou futura. A ayahuasca é, assim, uma beberagem feita de plantas da Amazônia que engendra uma experiência de conhecimento.Tal fato configura-se como uma contra-epistemologia posto que vai de encontro à epistemologia ocidental acostumada a pensar os processos de produção do conhecimento centrados apenas na escola e na experiência entre humanos e raramente entre plantas e humanos. Ao compreender a religião como espaço educativo pretende-se chamar atenção para um ângulo ainda pouco enfatizado, o educacional e, com isso, somar esforços na ampliação da noção clássica de educação e de currículo, para além dos domínios exclusivamente 7056 escolares que estas expressões encerram. Nessa lógica, o currículo oficial é entendido como “os conteúdos planejados para serem trabalhados na sala de aula” e o currículo real como “todos os tipos de aprendizagens que os estudantes realizam como conseqüência de estarem [sendo] escolarizados” (SANTOS; PARAISO, 1996, p. 84). De todo modo, prevalece a ênfase na escola e no professor/humano, marca essencial da ontologia clássica que ao dicotomizar cultura e natureza, entende a educação como processo exclusivamente humano. A pedagogia da ayahuasca, todavia, enseja uma modalidade de educação que se diferencia das formas tradicionais de pensar os processos de aprendizagem, marcadamente centrados na escola como o lugar da educação, nos livros como monumentos do saber e no professor como autoridade máxima de sua transmissão. Durante a experiência da ayahuasca, os livros ou os conhecimentos científicos acumulados, pouco ou nada servem, daí que o hino daimista adverte: “não adianta querer chegar aqui formado [pois], pode as lições deste livro você não ter estudado”.10 E este grande livro, em que se inscreve essa experiência, certamente não está escrito em caracteres matemáticos. REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel. A escola e o movimento social: relativizando a escola. Revista da Associação Nacional da Educação (ANDE), São Paulo, n. 12, ano 6, p. 15-20, 1987. BURKE, Peter . Abertura: A nova história, seu passado e seu futuro. In: BURKE, Peter (Org). A Escrita da História: novas perspectivas. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992. pp. 7-37. GOULART, Sandra Lúcia; LABATE, Beatriz Caiuby; CARNEIRO, Henrique. Introdução. In: LABATE, Beatriz Caiuby; GOULART, Sandra Lúcia (orgs). O uso ritual das plantas de poder. Campinas: Mercado de Letras, 2005. pp. 29-55. INGOLD, Timothy. 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