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Efeitos das ondas de calor na saúde
As ondas de calor dos últimos Verões têm sido motivo de preocupação e de iniciativas de informação, dirigidas aos
profissionais sanitários e ao público, com recomendações para estas épocas de calor extremo.
Regulação da temperatura corporal
O ser humano dispõe de distintos mecanismos para regular a temperatura corporal conhecidos como termorregulação.1,2 Quando a temperatura ambiente aumenta, a via mais eficaz de dissipação do calor é a evaporação do suor
na pele.1,3,4 Outro factor importante de regulação da temperatura, é o débito sanguíneo cutâneo que pode aumentar
consideravelmente durante a exposição ao calor, permitindo ao sangue venoso ser refrescado, favorecendo deste
modo o arrefecimento corporal e limitando a elevação da temperatura interna.1
A secreção normal de suor representa mais de 500 ml/24h e acompanha-se da perda de electrólitos (sódio, cloro,
potássio). Em ambiente seco e quente, as perdas podem alcançar os 5 a 10 litros de água.1,4 Todo o factor que impeça a secreção e evaporação do suor (desidratação, roupas, ausência de movimento) tem uma repercussão negativa
na adaptação do sujeito ao calor. É forçoso beber uma quantidade para além da necessária para matar a sede.1
Quando a humidade é alta o suor não se evapora rapidamente, impedindo o corpo de libertar depressa o calor.3,5-7 Uma
alta humidade ambiente e o exercício vigoroso prolongado aumentam os problemas relacionados com o calor.5
Patologias produzidas pelo calor
Os transtornos provocados pelo calor são resultado do fracasso dos mecanismos fisiológicos que mantêm a temperatura corporal ante uma sobrecarga de calor interna ou ambiental.2 A exposição à alta temperatura ambiente sem
perda de calor eficiente pode levar a cãibras, esgotamento devido ao calor ou ao golpe de calor.5,8 Outros problemas
menores são: edema das extremidades e rash cutâneo.4
O aumento da mortalidade durante as ondas de calor é atribuído em parte a um agravamento súbito das patologias
preexistentes, nomeadamente cardio‑respiratórias; há outros casos devidos à ocorrência do golpe de calor.4
Cãibras por calor – São espasmos musculares dolorosos do abdómen e das extremidades, devidos à perda de sais
e electrólitos.2,4 Podem acontecer com a exposição a fortes calores, sobretudo quando se transpira muito após um
exercício físico intenso.1,5-7 As cãibras podem resultar de uma hidratação inadequada só com água sem substituição
dos electrólitos.4-6 São especialmente perigosas em pessoas com problemas cardíacos ou dietas hipossalinas.7,9
Deve‑se aconselhar o repouso em lugar fresco e calmo, não realizar actividades exigentes durante várias horas,
beber sumos ligeiros de frutos ou uma bebida com minerais (desportiva) e consultar o médico se as cãibras durarem mais de uma hora.1,7,9
Esgotamento devido ao calor – É consequência da alteração do metabolismo hidroelectrolítico provocada por
uma excessiva perda de água e electrólitos devido à transpiração.1,6-10 Acontece após vários dias de calor.1,7,8,10
É especialmente grave nos idosos.9
Manifesta‑se com diferentes sintomas como: desmaio, cansaço, cefaleia, suor, palidez, cãibras, náuseas e vómitos;
a pele pode estar fria, a respiração é rápida e superficial.7,9
Em geral, o tratamento inclui o afastamento do ambiente quente e a reposição da perda de líquidos e electrólitos.6
O paciente deve repousar em lugar fresco, beber água, sumo de fruta ou uma bebida energética diluída com água.1
Convém chamar o médico se os sintomas pioram ou duram mais de uma hora,1,7 se a pessoa tiver problemas cardíacos ou tensão alta.7,9
O esgotamento ligeiro pode ser precipitado por permanecer em pé em ambiente quente, manifesta‑se por temperatura corporal abaixo do normal e síncope.5
Golpe de calor – Resulta de uma insuficiência aguda da termorregulação e constitui uma urgência médica extrema,
de ocorrência súbita e evolução fatal se não for tratada rapidamente.1,5,8,10,11
Há uma forma clássica, não associada a esforço físico, que afecta principalmente o idoso durante os períodos muito quentes.6,12 Pode associar‑se ao exercício, sendo típico o diagnóstico em jovens saudáveis que fazem exercício
intenso com temperaturas ou humidade ambiental superiores às normais.2,3,6,12
Os sinais variam e podem incluir alguns dos seguintes: cefaleia, tonturas, confusão, temperatura corporal muito
elevada, pele vermelha, quente e seca, pulso rápido,1,2,5,7,9 perda de consciência, diminuição da sudação.2,5,9
Deve‑se procurar ajuda médica imediata,1,6,7 levar a pessoa para a sombra ou lugar fresco,5,9,12 e usar os métodos possíveis para baixar rapidamente a temperatura, por exemplo, submersão numa banheira de água fria ou sob um duche
frio, molhar a pessoa com uma mangueira ou esponja, aplicação de compressas de água fria, se a humidade for baixa
envolvê-la em lençóis molhados7,9 e encontrar algum meio de arejar o doente (agitar o ar vigorosamente ou com ajuda de ventilador).7,9,12 Também é referida a aplicação de sacos de gelo, dentro dum pano húmido, no pescoço, nuca,
axilas e virilhas.4 Se ocorrerem calafrios o arrefecimento deve ser mais lento porque estes aumentam a temperatura.5
A temperatura corporal muito elevada pode afectar o cérebro e outros órgãos vitais.7 Diminuir o tempo em que o
corpo permanece acima da temperatura crítica tem uma influência crucial no prognóstico e no resultado.12 Ocorrências como isquemia do miocárdio, choque, arritmia, insuficiência renal, síndroma de dificuldade respiratória do
adulto, insuficiência hepática ou comprometimento neurológico, levam a mortalidade a 10% dos doentes. Com um
tratamento rápido as complicações são raras.6
População em risco
As ondas de calor provocam desconforto a toda a gente, mas são mais vulneráveis e necessitam de maior atenção: crianças nos primeiros anos de vida, idosos, alguns doentes crónicos (com doenças cardíacas, respiratórias
ou diabetes), doentes mentais, pessoas acamadas e obesas.2,3,7,9,10 Nestes casos os mecanismos de regulação da
temperatura poderão ter a sua eficácia comprometida, diminuindo a capacidade de adaptação ao calor.2,8,10
Os idosos são particularmente vulneráveis pelo risco acrescido de desidratação ligado à diminuição da sensação
de sede e das capacidades de termorregulação por transpiração e ao menor controlo do equilíbrio hidroelectrolítico.1,8,10,11 A frequente presença de várias patologias e tratamentos associados e, em alguns casos, a perda de autonomia incapacita‑os de adaptar o seu comportamento ao calor.1,11
ficha técnica n.º 65
centro de informação do medicamento
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As pessoas dependentes (crianças, lactentes, deficientes, idosos) estão em maior risco de desidratação e requerem
a atenção dos familiares ou dos prestadores de cuidados.1,8-10
As pessoas com doenças mentais apresentam risco acrescido pela própria patologia e pela menor toma de consciência do perigo que representa o calor. Por outro lado, os tratamentos com psicotrópicos são susceptíveis de perturbar os mecanismos de termorregulação.1
Em doentes crónicos, o calor pode agravar a patologia já instalada ou contribuir para o seu desencadeamento. As
doenças cardiovasculares, a insuficiência renal e as patologias endócrinas (como a diabetes) podem agravar‑se em
caso de desidratação.1 A arteriosclerose e a diabetes podem diminuir a resposta vascular vasodilatadora. A doença
cardiovascular pode limitar a capacidade para aumentar adequadamente o débito cardíaco.11
Estão igualmente em risco as pessoas com condições de vida ou trabalho que as torne mais vulneráveis (isolamento
social, prática intensa de desporto, trabalho físico ou em ambiente muito aquecido). 1
O tratamento com alguns medicamentos poderia agravar os efeitos provocados pelo calor. Ver Boletim do CIM neste mesmo número.
Papel do farmacêutico
O farmacêutico pode aconselhar medidas que evitem o desenvolvimento de patologias provocadas pelo calor nos
grupos de risco.2,13
Quando se anuncia uma onda de calor, ter presente os conselhos gerais de prevenção e recomendar a consulta médica
às pessoas com patologias crónicas ou com tratamentos de risco.1,13 Informar os doentes crónicos de que o calor pode
desestabilizar a doença e que devem ficar vigilantes, por exemplo, multiplicando o controlo glicémico nos diabéticos.
Em situação de calor extremo permanecer atento à dispensa de medicamentos a pessoas de risco: os anti‑inflamatórios não esteróides são particularmente nefrotóxicos em caso de desidratação; em caso de febre, o paracetamol
deve‑se evitar pois é ineficaz no golpe de calor e pode agravar uma afecção hepática que possa estar presente.1
Alertar as pessoas em risco sobre perigo da automedicação sem aconselhamento.1
Conselhos práticos
A morte e morbilidade relacionadas com o calor podem ser evitadas; no entanto todos os anos há casos a lamentar.7 Para prevenir os efeitos prejudiciais do calor excessivo: 2
Limitar o aumento da temperatura no domicílio: fechar cortinas, estores ou persianas das janelas ao sol, ventilar
a casa de manhã, ao fim da tarde e à noite para permitir a circulação de ar fresco em todas as salas.1,9 O uso de
ventoinhas pode ser uma forma de baixar um pouco a temperatura.9
Evitar a exposição ao calor especialmente nas horas do meio‑dia, permanecendo em espaços acondicionados ou
ventilados.1-3,7,9,13 Se a casa não tem ar condicionado, passar algum tempo em sítios públicos com ar condicionado
como um cinema ou centro comercial.1,7,9 Se for necessária a deslocação a edifícios sem ar condicionado, ou com
aglomerados de pessoas, procurar ir logo de manhã para fugir ao calor.7,9
Não permanecer em viaturas estacionadas ao sol, em especial em horas de maior calor ou se pertencer aos grupos
mais vulneráveis.9 Bebés e pessoas idosas não devem ir à praia nos dias de maior calor.9
Se for necessária a exposição ao sol, usar chapéu, roupa ligeira (de fibras naturais como algodão) ampla e de preferência de cor clara,1,2,7,9,13 óculos e protector solar.7,9,13
Sempre que possível procurar locais à sombra, arejados, para descansar um certo período de tempo.2,9 Diminuir a
actividade física.2,3,9 especialmente em ambiente quente e húmido.3
Refrescar‑se regularmente: tomar duches ou banhos frescos,1,7,9 vaporizar a cara com aerossol de água; humidificar a boca (enxaguar, pulverizar água);1 reduzir a roupa da cama.9
Aumentar a ingestão de líquidos sem estar à espera de ter sede para manter uma hidratação adequada;1,2,7,9,13 com
frequência a sede é inferior às necessidades hídricas do indivíduo.9 Beber no mínimo 1,5 a 2 litros por dia, excepto
no caso de contra‑indicação médica.1 Neste caso os doentes devem aconselhar‑se com o seu médico.7,9
Quando realizar exercício físico, beber sem necessidade de ter sede, antes, durante e após o exercício.2,3
Deve‑se repor os sais minerais; isto pode ser feito com sumos de fruta que os contêm no seu estado natural ou,
caso não seja possível, com produtos que os contenham, como as chamadas bebidas dos desportistas. Se houver
indicação de dieta hipossalina ou em insuficiência renal, é aconselhável consultar o médico antes de tomar estes
produtos.7,9 É útil ingerir soluções de hidratação oral.2,3,13
Não consumir bebidas alcoólicas porque alteram a capacidade de luta contra o calor e favorecem a desidratação.1,2,9,13
Evitar as bebidas com alto conteúdo de cafeína ou muito açucaradas pois são diuréticas e causam maior perda de
líquidos.1,2,7,13 Cuidado com as bebidas muito frias que podem provocar cãibras no estômago.2,7
Evitar comidas copiosas,2,7,9,13 a comida pesada ou muito condimentada.9 Consumir fruta (melão, ameixas) e vegetais ricos em água (tomate),1 mas com cuidado, na limpeza e manipulação higiénica.2,9,13
Não duvidar em telefonar à família, vizinhos ou profissionais de saúde.1 As pessoas que vivem sozinhas, especialmente
as idosas, devem pedir a alguém que as contacte duas vezes por dia durante a onda de calor, para saber se estão bem.7
Aurora Simón
Bibliografia
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5. Beers M., Berkow R. (eds) The Manual Merck 17th ed, Whitehouse Station, Merck Research Lab, 1999.
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8. Mise au point sur le bon usage des médicaments en cas de vague de chaleur. 29/04/2004 AFSSAPS < http://agmed.sante.gouv.
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9. Onda de calor < www.arsc.online.pt> (consulta 04.04.05).
10. Madurga M. Panorama Actual Med 275: 573‑7.
11. Ballester J.M., Harchelroad F.P. Geriatrics 1999; 54(7):20‑24.
12. Heled Y. et al. Military Medicine 2004; 169(3):184‑6.
13. Medidas preventivas ante una posible ola de calor. < www.portalfarma.com > (consulta 05.04.2005).
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