Paracoccidioidomicose: Relato de Caso Thessaly Puel de Oliveira1; Sandro Simão Corrêa Filho2; Leonardo Simas Abi Saab3; Gabriela Di Giunta Funchal4; Daniel Holthausen Nunes5 1-Acadêmica 8o período de Medicina Universidade do Vale de Itajaí; 2-Médico Residente do Serviço de Dermatologia da Universidade Federal de Santa Catarina; 3-Médico Dermatologista Preceptor Residência Médica de Dermatologia da Universidade Federal de Santa Catarina; 4-Médica Dermatopatologista Preceptora Residência Médica de Dermatologia da Universidade Federal de Santa Catarina; 5-Médico Dermatologista Chefe do Serviço de Dermatologia da Universidade Federal de Santa Catarina Introdução A paracoccidioidomicose é uma micose sistêmica, causada pelo fungo dimórfico Paracoccidioides brasiliensis (P. brasiliensis), afetando membranas mucosas, linfonodos, pele e órgãos viscerais (trato gastrointestinal, baço e glândulas adrenais). Este fungo é encontrado na América do Sul e América Central, principalmente no Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Peru1. Objetivos Ilustração de doença rara e discussão de aspectos histopatológicos e terapêuticos. Delineamento/Métodos Hipóteses dia gnósticas iniciais foram baseadas na apresentação cutânea: paracoccidioidomicose e leishmaniose. Solicitado: imunodifusão dupla (IDD) com resultado reagente para anticorpo anti-P. brasiliensis (Título1/32) e exame histopatológico que evidenciou mucosa com espessamento epitelial irregular microabscessos (Figura 2) onde foram observadas estruturas leveduriformes com exosporulação múltipla (Figura 3). Prescrito: itraconazol 100mg, 2 comprimidos após almoço e após janta. Paciente retornou 4 semanas após início do tratamento referindo melhora importante da lesão em lábio. Estudo observacional do tipo relato de caso e revisão de literatura. Caso Clínico Paciente masculino, 47 anos, branco, casado, pedreiro com queixa principal “feridas na boca”. Relatava feridas em lábio inferior à esquerda e mucosa oral há 4 meses, com surtos e remissões às vezes completas recorrentes neste período (Figura 1). Referia também tosse há 2 anos e redução de peso nos últimos meses (não sabendo quantificar) associado a anorexia. Tabagista, nega etilismo. Nega comorbidades. Em uso de: amoxicilina (prescrito pelo dentista). Sem histórias familiares dignas de nota. Exame d e r m a t o l ó g i c o : ú l c e ra ra s a d e f u n d o moriforme em lábio inferior à esquerda, irregular, cerca de 4cm; sem outras lesões ativas; dentes em mau estado de conservação. Exames complementares: cultura de escarro negativa para paracocco, positiva para exophila sp, aspergillus fumigatus, cândida dubliniensis; radiografia de tórax com assimetria hilar, imagem bocelada à esquerda e infiltrado reticular difuso, principalmente à esquerda. Figura 1 – Úlcera rasa de fundo moriforme. Figura 2 – espessamento epitelial irregular e microabscessos. Figura 3 – Estruturas leveduriformes com exosporulação múltipla (Coloração de Grocott). Discussão O P. brasiliensis na sua forma de levedura, forma patogênica em infecções de seres humanos, é caracterizado por células leveduriformes ovais de tamanhos variados (4-40 micrômetros), similar a uma roda de leme1. Em relação a sua distribuição etária e sexual, a doença acomete homens e mulheres em uma relação de até 70:1, respectivamente, com média de 13:1, com faixa etária de 30 a 60 anos, possivelmente devido a ligação de moléculas de estrogênio ao fungo. Interessante notar que o ß-estradiol protege contra a doença, mas não contra a infecção. Em indivíduos pré-púberes não se observa uma diferença entre os sexos2. A principal porta de entrada do fungo é a via i n a l a t ó r i a . Ap ó s ch e g a r a o s a l v é o l o s pulmonares, uma resposta Th1 se dá e controla o desenvolvimento e disseminação da infecção na maioria dos indivíduos. Uma resposta Th2 tem sido associada com susceptibilidade a doença. Outra possibilidade de infecção é através da inoculação do fungo nas membranas mucosas (associado geralmente a trauma em pacientes que mastigam folhas contaminadas) ou através da inoculação direta na pele3,4. A maioria dos pacientes tem uma infecção mista, com envolvimento de diferentes órgãos. Na maioria dos pacientes, a doença é lenta e progressiva. A forma primária mucocutânea acomete cerca de 50% dos casos; a típica lesão é uma úlcera dolorosa, com bordas irregulares, pontilhado hemorrágico e fundo granuloso, chamada de estomatite “moriforme”. Os pacientes podem se queixar de sialorréia, rouquidão, odinofagia e/ou disfagia. A forma cutânea primária se apresenta com pápula e placas verrugosas e ulceração. Já a forma sistêmica pode acometer pulmão (tosse, dispnéia, hemoptise), adrenal (podendo ocorrer doença de Addison em cerca de 3% dos pacientes), articulações, olhos, órgãos genitais e sistema nervoso central5. O diagnóstico se da através da visualização microscópica de elementos fúngicos sugestivos do P. brasiliensis ou cultura. Métodos sorológicos representam uma boa alternativa6. A imunodifusão quantitativa é o teste com maior sensibilidade e especificidade, 97% e 100% respectivamente, e pode ser utilizado para monitorar a resposta à terapia6. O tratamento pode ser realizado com itraconazol ou voriconazol oral, por cerca de 6 a 12 meses. Pacientes com acometimento do sistema nervoso central devem ser tratados com anfotericina B ou sulfametoxazoltrimetoprim venoso. Recidivas são mais comuns com as duas últimas drogas7,8,9,10. Considerações Finais O diagnóstico foi firmado pela correlação clínica, anatomopatológica e laboratorial onde foi possível visualizar os elementos fúngicos sugestivos de P. brasiliensis pelo resultado da IDD que possui alta sensibilidade e especificidade e também poderá ser utilizado para monitorar a resposta à terapia. O tratamento utilizado, recomendado pela literatura, demonstrou melhora já nas primeiras semanas, sendo que o mesmo é indicado por cerca de 6 a 12 meses. Bibliografia 1. Blotta MH, Mamoni RL, Oliveira SJ, et al. Endemic regions of paracoccidioidomycosis in Brazil: a clinical and epidemiologic study of 584 cases in the southeast region. Am J Trop Med Hyg 1999; 61:390. 2. B r u m m e r E , C a s t a n e d a E , R e s t r e p o A . Paracoccidioidomycosis: an update. Clin Microbiol Rev 1993; 6:89. 3. B ellissimo-Rodrigues F, Machado AA, Mar tinez R. Paracoccidioidomycosis epidemiological features of a 1,000cases series from a hyperendemic area on the southeast of Brazil. Am J Trop Med Hyg 2011; 85:546. 4. Bicalho RN, Santo MF, de Aguiar MC, Santos VR. Oral paracoccidioidomycosis: a retrospective study of 62 Brazilian patients. Oral Dis 2001; 7:56. 5. Colombo AL, Faiçal S, Kater CE. Systematic evaluation of the adrenocortical function in patients with paracoccidioidomycosis. Mycopathologia 1994; 127:89. 6. Moreto TC, Marques ME, de Oliveira ML, et al. Accuracy of routine diagnostic tests used in paracoccidioidomycosis patients at a university hospital. Trans R Soc Trop Med Hyg 2011; 105:473. 7. Travassos LR, Taborda CP, Colombo AL. Treatment options for paracoccidioidomycosis and new strategies investigated. Expert Rev Anti Infect Ther 2008; 6:251. 8. Queiroz-Telles F, Goldani LZ, Schlamm HT, et al. An open-label comparative pilot study of oral voriconazole and itraconazole for long-term treatment of paracoccidioidomycosis. Clin Infect Dis 2007; 45:1462. 9. Shikanai-Yasuda MA, Telles Filho Fde Q, Mendes RP, et al. [Guidelines in paracoccidioidomycosis]. Rev Soc Bras Med Trop 2006; 39:297. 10. Lupi O, Belo J, Cunha PR. Rotinas de Diagnóstico e Tratamento da Sociedade Brasileira de Dermatologia. 2. ed. São Paulo, SP. AC Farmacêutica. 2012. 708p. Contato [email protected]