1 OS DESAFIOS DA RELAÇÃO PESQUISA/ENSINO E DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR PESQUISADOR: DIFERENÇAS E APROXIMAÇÕES ENTRE ENSINO BÁSICO E ENSINO SUPERIOR Maria Letícia Grecchi Pizzi1 Simone Maria Boeira2 RESUMO: O presente trabalho pretende compreender diferenças existentes entre o ensino e pesquisa, sejam elas as suas finalidades, propostas e aplicação, comparando dois campos primordialmente e analisando o que ocorre na educação básica e no ensino superior. As disputas travadas no âmbito das pesquisas acadêmicas e/ou universitárias não dizem respeito apenas ao cumprimento de leis, normas e diretrizes curriculares, elas acontecem também em um campo “micro” onde estão situadas as relações de poder e hierarquia entre os docentes e entre as próprias pesquisas que são classificadas por “ordem de relevância”. Essas classificações foram sendo estabelecidas ao longo do desenvolvimento e ampliação das instituições de ensino. Cabe ressaltar que os autores considerados neste artigo defendem que é importante pensar nas finalidades e nos objetivos das pesquisas e do ensino, e as quais fins eles se prestam. Ou seja, a seriedade com a qual a formação dos cidadãos deve ser tratada para que todos possam ser mais críticos e conscientes da realidade. Além disso, devemos trabalhar para aumentar a inclusão de uma parcela maior da população no sistema de ensino. O modo de investigação baseou-se em pesquisa bibliográfica e documental. PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa. Ensino. Docência. INTRODUÇÃO Esta reflexão trata de mostrar as diferenças que existem na relação pesquisa e ensino para o professor da Educação Básica e também para o professor do ensino superior, para tanto, as principais referências levam em conta a perspectiva de alguns autores das Ciências Sociais que propõem reformulações quanto ao modo que são realizadas as pesquisas, bem como as metodologias utilizadas para a prática docente. Essas abordagens, de maneira geral, levam em conta a necessidade de uma maior interdisciplinaridade, 1 Graduada em Ciências Sociais e Aluna da Especialização em “Ensino de Sociologia”, pela UEL. Contato: [email protected] 2 Graduada em Ciências Sociais e Aluna da Especialização em “Ensino de Sociologia”, pela UEL. Contato: [email protected] 2 valorizando ainda os conteúdos que não podem ser dissociados do contexto social. A Sociologia, nesse sentido, é de suma importância. Bourdieu3 (1994, p. 04-33) defende a ideia de que a Sociologia é uma ciência que nos permite questionar e ponderar sobre os acontecimentos sociais e que estes não devem ser vistos sempre como normais. O sociólogo, em primeiro lugar, deve buscar a autonomia individual que possibilitará que as críticas tenham, na verdade, embasamento científico. Além disso, o sociólogo não deve utilizar a ciência para justificar seus ideais ou vínculos partidários e ideológicos. A ciência deve, ainda, fazer o exercício permanente de se autoquestionar, o que é fundamental para que o pesquisador não se perca dentro das estruturas das quais faz parte. O campo científico é, de fato, um campo de lutas como outro qualquer, mas onde as disposições críticas suscitadas pela concorrência não tem nenhuma chance de serem satisfeitas, a não ser que possam mobilizar os recursos científicos acumulados [...]. (BOURDIEU, 1994, p. 24). Sob este olhar, o educador, ao possuir uma consciência interdisciplinar, deixa de lado as limitações da disciplina na qual atua, do conhecimento que adquiriu, e também do seu próprio modo de pensar. O docente ampliará as dimensões dos conteúdos com os quais trabalha e a compreensão da realidade será mais completa. Assim, com a contextualização dos problemas é possível encontrar respostas com a ajuda dos alunos, para elucidar questões que antes pareciam não ser do alcance da sua disciplina. Na Sociologia, por exemplo, pesquisas de campo são imprescindíveis, até porque, segundo um professor da rede pública de Londrina, o laboratório de Sociologia é a rua. A relevância da pesquisa e do ensino para a melhoria da sociedade é inquestionável, e na esfera educacional não é diferente. É preciso criar estratégias ante os inúmeros problemas como, por exemplo, a não valorização das pesquisas realizadas pelos professores da Educação Básica. 3 Essa obra diz respeito à aula inaugural ministrada por Pierre Bourdieu (1930-2002) no Collège de France, em 23 de abril de 1982. Nesta aula, estão contidas muitas das ideias do autor, que questiona o papel da Sociologia como ciência e também o papel do sociólogo como pesquisador. 3 Dessa forma, o propósito é compreender de que forma a relação mais afinada entre pesquisa e ensino colaboram de fato para a melhoria da educação, seja na universidade, seja no dia-a-dia das escolas do Brasil. Existiria uma diferenciação nas pesquisas realizadas por docentes das universidades e por docentes do ensino básico? A relação entre pesquisa e ensino se daria da mesma maneira em ambos os espaços? As pesquisas realizadas tanto pelos docentes universitários quanto pelos docentes do ensino básico visam à mesma proposta? Como podemos otimizar e tornar úteis as pesquisas e estudos que são realizadas no âmbito escolar? Enfim, a maior interface entre a pesquisa e o ensino na educação é um elemento fundamental. É imprescindível que as pessoas compreendam os problemas referentes à educação e, dessa forma, também participem, de forma mais efetiva, das decisões que afetam a coletividade. Carlos Skliar (2005) debate e traz à tona muitos questionamentos que nós podemos fazer para entendermos melhor o papel da “educação”, e por que depositamos tantas expectativas em torno dela. Afinal, como o autor aponta, a educação não é algo estático, mas algo que muda conforme a nossa realidade vai se transformando ao longo do tempo. A educação deve fazer parte das nossas prioridades, assim terá um papel relevante na formação das pessoas. Skliar prossegue dizendo que apesar da “modernidade” e das “transformações” que ocorrem no mundo, sejam particulares ou coletivas, em diversas áreas: familiar, trabalhistas, religiosas, sexuais, democráticas ou tecnológicas, a título de exemplificação. O que se percebe é que existe “um novo sujeito”, sem esquecer de mencionar que é “um novo sujeito da mesmice” (SKLIAR, 2005, pp. 197- 198). Como nos alerta Skliar, Porque se multiplicam suas identidades a partir de unidades já conhecidas; se repetem exageradamente os nomes sobre nomes já pronunciados; são autorizados, respeitados, aceitos e tolerados apenas uns poucos fragmentos da alma (SKLIAR, 2005, p.198). Muitas vezes, o “novo” é apenas uma nova “roupagem” para o que vem sendo feito ao longo dos tempos. O mesmo pode ser dito em relação à dinâmica entre a pesquisa e o ensino discutido neste artigo. Outrossim, muitas 4 pesquisas são realizadas não pela sua relevância em prol da melhoria educacional, mas porque certas áreas do conhecimento estão recebendo mais verbas e incentivos dos órgãos fomentadores. Como complementa Skliar, não necessariamente está em questão à melhoria educacional dos sujeitos, que muitas vezes são transformados em números, em alguma tabela estatística, assim: “A mudança tem sido, então, a burocratização do outro, sua inclusão curricular, seu dia no calendário, seu folclore, seu exotismo, sua pura biodiversidade” (SKLIAR, 2005, p. 199). Outro ponto importante, que não deve ser esquecido, refere-se à discussão em torno de conceitos como “diferença” e “diversidade”, pois frequentemente são usados de forma indistinta, o que retorna ao ponto acima mencionado, opressores se sobrepondo aos oprimidos. Muitos discursos “politicamente corretos” escondem preconceitos e desrespeito à diversidade cultural e social. Muitas vezes, todo esse discurso em prol da diferença é camuflado pela sigla do “multiculturalismo”. Não existe uma política de inclusão do “outro”. Afinal, é mais fácil, e menos conflituoso que o “outro” seja simplesmente eliminado. Segundo Skliar: O outro volta a ser assim, somente, um outro (politicamente) redutível, subdesenvolvido, domesticado, minoritário, nativo, dependente etc [...] O outro já não é dado senão como uma perturbação da mesmidade, um „rosto‟ que nos sacode eticamente (SKLIAR, 2005, p. 204-206). Assim, o papel da educação é incluir todas as pessoas indistintamente da sua colocação física, social, material e etc. A teoria não pode ser desvinculada da sua prática. Uma pesquisa no âmbito escolar não pode ser apenas palavra vazia, deve colaborar substancialmente para que a prática docente seja a mais proveitosa possível, agregando conhecimento e pensamento crítico aos conteúdos que são instituídos para a coletividade. O “ato” e a “tarefa” de educar são partes de um mesmo processo, apesar da tentativa de dissociá-los. Nesse sentido, Skliar afirma que “A educação (é vista) como um ato que nunca termina e que nunca se ordena” (SKLIAR, 2005, p.210). Não existe 5 motivo plausível para que a educação e a própria pedagogia não tragam elementos que ajudem na inclusão do “outro”. Aliás, deve ser um elemento fundamental para que isso se concretize. Não há motivo que justifique a negação da diversidade. DESAFIOS DO ENSINO E DA PESQUISA São muitos os percalços enfrentados para a realização das pesquisas em nosso país. Um dos problemas que pode ser melhor entendido está presente na perspectiva de Monteiro (2009) quando ela fala da necessidade de se escolher a metodologia mais adequada para que se elucidem os problemas pesquisados, assim a etnografia pode colaborar para o “diálogo” entre os estudos realizados pela antropologia em conjunto com a educação. Monteiro deixa claro, no seu texto, que a educação não pode ser vista apenas como um “fenômeno de reprodução social”, mas que, além disso, pode ser o ponto de partida para as “transformações sociais” (MONTEIRO, 2009, p. 218). Para certos autores, tanto o ensino, quanto a pesquisa são ferramentas indispensáveis para que a nossa sociedade atenue as disparidades sociais e culturais existentes. Existem muitas formas para compreendemos a educação e as suas reais contribuições para a formação de cidadãos que sejam conscientes das desigualdades, mas que não fiquem passivos diante de tal situação. Apesar da miserabilidade e da exclusão social acometer a população mundial desde os primórdios, isso não quer dizer que essa situação não possa ser revertida. Nas pesquisas realizadas pela professora Maria José de Rezende nos RDHs (Relatórios de Desenvolvimento Humano), que são documentos produzidos pelo PNUD/ONU (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), esta aponta a necessidade de que os estudos feitos em várias áreas (saúde, educação, saneamento, entre outros) não sejam apenas apontamentos teóricos, mas que consigam de fato modificar os problemas sociais com sugestões capazes de transformar a situação precária em que vivem a maioria da população. Ela enfatiza: 6 Assim, pode-se verificar que, em razão do caráter propositivo dos RDHs, eles enfatizam em primeiro plano, no que diz respeito ao enfoque habilitador, o aumento das capacidades que leva, num plano mais imediato, ao acesso de uma renda mais adequada ao cumprimento das necessidades básicas. Todavia, é destacada também a possibilidade de que o aumento da escolarização e da alfabetização proporcione melhores acessos à saúde, à informação e à participação política de modo geral. Isso, por sua vez, potencializaria a expansão de atitudes e disponibilidades para um agir mais e mais voltado ao desenvolvimento humano. Deve-se considerar que a atitude como aptidão, como habilidade, está associada à atitude como disponibilidade para um tipo de agir específico (REZENDE, 2012, p.130). Neste contexto, as escolas, apesar das suas limitações, são detentoras de um inestimável acervo cultural, e nela se concentram aspirações e costumes humanos. Estas proporcionam, desde a mesma tenra idade, uma aproximação entre os indivíduos. E, cabe acrescentar que o conhecimento transmitido nas instituições de ensino não surge ao acaso, são feitos estudos, diretrizes curriculares, avaliações periódicas e adaptações devido às constantes mudanças sociais. Na atualidade, nenhum país pode afirmar que conseguiu sanar todos os problemas educacionais, sejam os pedagógicos, sejam os curriculares. São incessantes as proposições de novas medidas educacionais, que pretendem ajudar as pessoas a se adaptarem às mudanças sociais, ou ás exigências do mundo do trabalho. Esses diálogos iniciais são perpassados por muitas dúvidas e desafios, criando outros problemas e insights referentes à educação. E, como é de conhecimento geral, tais mudanças na área da educação, não favorecem a toda população. Mas, o que vemos é que as leis e diretrizes são “técnica e juridicamente” bem elaboradas, e trazem no seu interior passagens como, por exemplo: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]” (BRASIL, 2000, p.05, artigo 5º). Só que entre o que está escrito, e a nossa realidade, existe uma profusão de problemas regidos por relações de poder históricas e em benefício de minorias elitistas que advogam em causas próprias, assim os “ideais democráticos” não são levados em conta. 7 A família também é fundamental e participa ativamente na formação dos indivíduos para que estes ampliem ao máximo as suas capacidades. A sociedade exige, cada vez mais de todos nós, mais rapidez nas nossas decisões, mais capacitação e especialização para exercer a profissão escolhida, entre outros. Sabe-se que a formação acadêmica não tem sido suficiente para capacitar os estudantes para adentrar ao mercado de trabalho, mas também não forma “globalmente” professores para dar aulas a todos os alunos, e, principalmente, os alunos com necessidades especiais: locomoção, cognitivas etc. A professora Célia Regina Vitaliano no texto: A formação inicial de professores para inclusão de alunos com necessidades especiais (VITALIANO, 2010, p. 52-95) faz estudos nesse sentido, apontando como as políticas ditas “inclusivas”, na verdade, não cumprem o que se propõem. Nos últimos anos temos visto, em termos numéricos, a ampliação da abrangência do atendimento escolar à maioria da população, especialmente no ensino fundamental, no entanto, esse aumento substancial de alunos não veio acompanhado da possibilidade de lhes oferecer, efetivamente, uma educação de qualidade. [...] (VITALIANO, 2010, p. 19). Na visão da autora, os professores não recebem a capacitação necessária para tratar todos os alunos com a atenção de que carecem. O problema começa na formação dos professores nas Universidades que não possuem disciplinas que ensinem sobre essa questão. Assim, o problema se reflete nas escolas que devido às mudanças nas diretrizes curriculares, são denominadas “escolas inclusivas”. Mas, Vitaliano (2010, p.23-24) nos indaga: “O que vem a ser inclusão?” Ela aponta que são muitas as “concepções” para a mesma “denominação”, e explica que: O termo inclusão, além de gerar interpretações diversas, às vezes, é compreendido de uma forma restrita, apenas em relação à inserção dos alunos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns. No entanto, ele não surge exclusivamente para abrir as portas das referidas classes para a população, e sim para todos os alunos. (VITALIANO, 2010, p. 24) Grifos nossos. 8 Para Vitaliano (2010), são muitas as mudanças que precisam ocorrer para que a nossa sociedade seja inclusiva de maneira abrangente. Nesse sentido, a postura do professor tem um peso significativo, e deve fazer parte da sua formação. Os saberes acumulados, conhecimentos teóricos, conceituais e metodológicos devem ser adaptados para os alunos e as suas dificuldades de aprendizagem. Para a autora (2010), esse seria um indício de que o professor está realmente comprometido com o ensino. As “habilidades práticas, o saber fazer” também devem ser cultivados. Afinal, a mudança de atitude dos docentes é fundamental, sendo que o seu local de trabalho não colabora em muitos aspectos com a autonomia pedagógica para que os professores lidem com as particularidades dos alunos, pois: a escola organizou-se historicamente para ser indiferente às diferenças, com práticas homogêneas, fato que contrasta com a proposta de educação inclusiva que prevê o atendimento e respeito às diferenças, que implica mudanças, especialmente nos procedimentos relacionados ao currículo escolar e ao sistema de avaliação (VITALIANO, 2010, p. 25). O docente deve, ainda, transformar as suas “atitudes” frente ao processo de inclusão dos alunos revendo as suas crenças, preconceitos e valores. A questão do “mérito” precisa ser revista, pois as dificuldades dos alunos não são levadas em conta. A escola, segundo Vitaliano, deveria mudar o seu foco, e ter como norte o ritmo de aprendizagem dos alunos. O currículo escolar, para isso, deveria ser adaptável a esses diferentes ritmos. A autora (2010) é favorável à “inclusão total” que é uma visão mais radical da questão que reforça a ideia de que nenhum aluno independentemente da sua limitação deveria estar fora da sala de aula. Outro ponto a se pensar: “a educação por si mesma já não é boa, imagina então para os alunos especiais?”. São várias sugestões para que os alunos especiais sejam melhor atendidos, e nesse quesito o professor é o responsável por incluir e possibilitar que os alunos especiais desenvolvam-se e participem da vida em sociedade (VITALIANO, 2010, p. 55). Sugestões de trabalhos que podem ser feitos nas escolas: intérprete de libras para os surdos, aulas no contra-turno, etc. 9 Vitaliano (2010) reforça que o sentimento inclusivo gera uma mobilização maior, e isso pode começar pela “postura do professor” que deve ser “flexível e aberta à mudança”, ser sensível às necessidades educacionais especiais apresentadas pelos alunos. Atento para as condições escolares, se elas não se tornaram “barreiras” à participação e aprendizagem do aluno. Todo professor deveria ser um pesquisador constante de novos conhecimentos e de novas formas de aprender a ensinar, além de ser “reflexivo e crítico” em relação à sua prática pedagógica. Assim, como reflete uma professora da educação básica de Londrina, entrevistada por Vitaliano (2010), quando coloca que existe uma falta de capacitação na formação dos professores nas universidades, e estas não estão preocupadas em formar docentes que saibam trabalhar com as particularidades e as diferenças de cada aluno, sendo alunos com necessidades especiais ou não. Nesses termos, existe a necessidade de uma explicação de como a relação pesquisa e ensino é abstrusa, na fala de Vygotsky: (para) [...] compreender a fala de outrem não basta entender as suas palavras – temos que compreender o seu pensamento. Mas nem mesmo isso é suficiente – também é preciso que conheçamos a sua motivação (VYGOTSKY, 1987, p. 130). A expectativa que se tem em relação ao conhecimento reside justamente em conseguir que os alunos compreendam o conteúdo que se está trabalhando, e, é nesse sentido em que se busca aprimorar o processo de ensino e aprendizagem. É preciso criar ligações entre o conteúdo e como ele foi sendo desenvolvido ao longo do tempo. É neste sentido também que um professor, do ensino médio de Sociologia do núcleo de Londrina, entrevistado pela turma da especialização em 22/04/13, na sala 134 do CCH, diz utilizar, com os alunos, ou sejam, uma proposta de pesquisa sempre voltada para os temas das aulas. 10 MELHORIA EDUCACIONAL: A PESQUISA COLABORATIVA As políticas educacionais poderiam ser mais flexíveis, menos burocráticas e metódicas, dando mais ênfase à individualidade dos sujeitos. A pergunta que se faz é: Como fazer isso na nossa sociedade em que tudo é produzido em série, inclusive a formação dos nossos alunos? Os professores, na atualidade, têm que buscar “brechas” no sistema educacional para que a formação e a visão dos alunos sejam ampliadas em todos os sentidos culturais, sociais, econômicos etc. É necessário estimular os alunos para que consigam usar a “imaginação sociológica” como defende Wright Mills: A imaginação sociológica capacita seu possuidor a compreender o cenário histórico mais amplo, em termos de seu significado para a vida íntima e para a carreira exterior de numerosos indivíduos. Permite-lhe levar em conta como os indivíduos, na agitação da sua experiência diária, adquirem frequentemente uma consciência falsa de suas posições sociais [...] (MILLS apud SILVA, 2005, p. 04). Assim, se faz necessário a união de pesquisa e ensino, como algo que torna as práticas acadêmicas mais palpáveis, condizentes com a realidade e atrativas para os alunos. O que ocorre, como nos diz Kenneth Zeichner (1998) é uma separação entre o mundo do professor-pesquisador e o do professor acadêmico. O que resulta em pesquisas, muitas vezes, consideradas irrelevantes, ou em pesquisas não realizadas, por também não terem sua relevância acordada. Para Zeichner (1998), existe até a diferenciação entre as pesquisas feitas nas universidades, e as produzidas por docentes das escolas. Os acadêmicos nas universidades tendem a não considerar as pesquisas realizadas pelos professores das escolas como produção de conhecimento. Zeichner citando Ladwig diz que mesmo quando as pesquisas são feitas colaborativamente os docentes das universidades acabam explorando os professores, pois “as condições de trabalho” dos educadores favorecem que sejam explorados, e reforçam a separação existente. Os acadêmicos acabam por usufruir mais das respostas obtidas com as pesquisas, assim continuam a 11 deter um capital cultural maior. Por este motivo é que o autor recomenda uma modificação nas “estruturas” do labor dos docentes porque assim haverá um envolvimento mais efetivo das duas partes. Um exemplo do que pode ajudar nesse processo seria “o estabelecimento de uma escala de auxílio financeiro ao professor que subsidie seu envolvimento em pesquisas e/ou em publicações” (LADWIG apud ZEICHENER, 2007, p.3-4). Para o autor citado acima, deve-se ultrapassar a linha divisória entre os professores e os pesquisadores acadêmicos. Ele propõe a pesquisa colaborativa como um caminho que permitiria o fim dessa divisão. Os esforços para usar os produtos da pesquisa de professores dentro da academia não deverão ser interpretados como uma glorificação acrítica do conhecimento dos professores pois, tanto quanto na academia, pode haver bons ou maus trabalhos de professores. A glorificação acrítica seria um desrespeito à genuína contribuição que estes podem proporcionar para a melhoria tanto das práticas dos professores quanto do bem estar social (ZEICHNER, 1998, p.215). Podemos assim perceber a importância da pesquisa para o ensino, e a importância da união entre universidade e escola, entre professor-pesquisador e professor-acadêmico. Com essa união, a pesquisa e o ensino ganham mérito para mudança. CONSIDERAÇÕES FINAIS A educação crítica, ainda é vista como “perigosa” por certos setores da nossa sociedade, que não vêem no “outro” um semelhante. A problemática em torno dos desafios relativos ao ensino e a pesquisa é enorme. A educação precisa ser melhor assistida por nossos governantes com, por exemplo, a liberação de recursos e reformas de base que garantam a inclusão de todos os cidadãos no sistema educacional sem distinções. Não basta que os índices que medem o analfabetismo diminuam, apenas para atingir padrões definidos internacionalmente como “adequados”, afinal existem muitos “alfabetizados” que não são plenamente funcionais, que não sabem, por exemplo, preencher um simples formulário de alguma 12 repartição pública para ser atendido em alguma reivindicação que fortaleça a sua cidadania. As pesquisas e o ensino realizados com acuidade podem contribuir com propostas eficazes para solucionar problemas, muitas vezes considerados banais, presentes na rotina escolar. Uma das maneiras de contribuir para um processo de transformação na sociedade, seria através de uma pesquisa-ação. Esse tipo de pesquisa se caracterizaria como uma “pesquisa sistemática feita por profissionais sobre as suas próprias práticas” (ZEICHNER; DINIZPEREIRA, 2005, p.65). Posto isto, podemos ressaltar a importância da formação docente para se alcançar essas mudanças. Para a melhoria da formação profissional, não devemos acreditar apenas no conhecimento produzido nas universidades. A análise de sua própria prática é um caminho muito rico de considerações e percepções. Dessa forma, A pesquisa dos professores parece também desenvolver neles motivação e entusiasmo em relação ao ensino, além de revalidar a importância de seu trabalho. Há ainda evidências da relação entre a pesquisa-ação e melhorias no aprendizado, comportamento e atitude dos estudantes. Os professores envolvidos na pesquisa de suas próprias práticas parecem ainda adotar modelos de ensino mais centrados nos alunos e se convencem da importância de ouvir, observar e procurar entender os alunos (ZEICHNER; DINIZ-PEREIRA, 2005, p.68). A mudança na escola não pode ignorar aqueles que se encontram dentro dela, é necessária assim uma união entre professores do ensino básico e professores das universidades para uma melhoria na educação e no ensino. A pesquisa-ação, desse modo, se torna uma ferramenta importante, uma forma de se alcançar a transformação social. Assim, podemos considerar também a colaboração valiosa de uma pesquisa etnográfica realizada em sala de aula. Uma etnografia nos permite compreender, segundo Eliana de Barros Monteiro, as realidades sociais, as representações sociais e todo o conteúdo imaginário daquele ambiente escolar. Desse modo, esse tipo de pesquisa, gera um entendimento daquela realidade (MONTEIRO, 2009). 13 Segundo Tânia Dauster (1989), essa etnografia, que necessita de um olhar relativizador, questionaria os conhecimentos, códigos dominantes e as atitudes etnocêntricas. Ou seja, essa pesquisa levaria à desconstrução de estereótipos, o que dessa forma, abriria a possibilidade de uma aproximação e até integração entre o mundo escolar e a vida dos alunos. Entender o significado e o uso do trabalho da criança de forma contextualizada (sic) (conforme uma das características do enfoque antropológico, cujo pressuposto é a aprendizagem do código e da particularidade do “outro”) levaria à percepção da dimensão educativa do trabalho, sensibilizando a escola, quem sabe para arranjos alternativos de suas práticas (DAUSTER, 1989, p.11). Posto isto, Bernard Charlot (2005) aponta que a sociedade é o lugar de produção de sentido, compreendida através de uma referência a um sujeito. Todo ser humano é inseparavelmente social e singular. Assim, é fundamental entender as particularidades dos indivíduos. Todo ser humano é indissociavelmente social e singular e não há nenhum sentido em se perguntar qual a parte do social e a parte do singular. Eu sou 100% social (senão, não seria um ser humano) e 100% singular (porque não há dois seres humanos semelhantes) e o total ainda é 100% e não 200%. (CHARLOT, 2005, p.51). Os alunos possuem maneiras diferentes de compreender como são diferentes e contraditórias as coisas que ele vive e percebe no seu dia-a-dia. E, não é pelo fato de outro aluno entender de modo diferente certa questão que a sua opinião é menos importante ou errada, “a educação é um processo de humanização, socialização e subjetivação” (CHARLOT, 2010, p.151). Enfim, as pesquisas realizadas pelo Ensino Básico e o Ensino Superior realmente se diferem. As necessidades do Ensino Básico PODEM divergir das necessidades do Ensino Superior. As necessidades do Ensino Básico, dos professores nas escolas, não são preocupações sanadas nas universidades. Como vimos com a Regina Vitaliano (2010), enquanto há uma preocupação crescente nas escolas na maneira de se trabalhar com a inclusão, não há na universidade, durante a graduação, a formação de um profissional adequado. 14 Percebemos assim, que muitas vezes as demandas das escolas não são sanadas pelas universidades. Dessa forma, concordamos com Zeichner (1998) quando este propõe uma pesquisa-ação e uma irradiação das pesquisas produzidas para os setores interessados, mas mais do que isso, destacamos a importância de uma pesquisa colaborativa, unindo esses dois âmbitos do saber. Uma proposta que diminuiria as diferenças do Ensino Básico e Superior, além de aproximar a pesquisa e o ensino, e aproximar também a escola e a universidade. Uma maneira de atingir a transformação social. REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. Lições da aula: aula inaugural proferida no Collège de France. São Paulo, Ática, 1994, p. 03-63. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 2000. ______. Relação com o Saber, Formação dos Professores e Globalização, (questões para a educação hoje). Porto Alegre: Artmed, 2005. CHARLOT, Bernard. Desafios da educação na contemporaneidade: reflexões de um pesquisador. 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