CO 71: Redescobrindo Ceva e Menelaus em dimensão três
Rui Eduardo Brasileiro Paiva
[email protected]
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará – IFCE
Francisco Regis Vieira Alves
[email protected]
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará – IFCE
RESUMO
Neste trabalho, trazemos dois teoremas clássicos em Geometria Plana e sua aplicação no contexto
de dois problemas específicos. Assinalar-se-á as possibilidades de sua discussão, mediante o
uso/exploração da tecnologia. Dessa maneira, apresentamos ao leitor um cenário de aprendizagem
de um momento de prova e/ou demonstração matemática, com arrimo do software GeoGebra 3D.
Cabe assinalar que os referidos teoremas possuem lugar de discussão garantido em todo compêndio
de História da Matemática - HM. Daí, conseguimos extrair profícuas implicações para uma
abordagem que se alia aos elementos da HM, com o arrimo ainda da tecnologia atual.
Palavras-chave: Teoremas de Ceva e de Menelaus, GeoGebra 3D, História, Ensino.
1. Introdução
Muitos teoremas importantes da geometria plana têm análogos em geometria
espacial, por exemplo, o famoso teorema de Pitágoras. Outros teoremas menos conhecidos,
também possuem análogos (BARBOSA, 2004; ESTRADA, 2000; EVES, 1997). Essa
analogia entre teoremas no plano e no espaço não é apenas elegante, mas bastante útil. Se
um teorema no plano é essencial na resolução de problemas, então podemos inferir que o
seu análogo no espaço pode ser utilizado para formular e resolver problemas semelhantes
em dimensão três. Nessa perspectiva, nossa proposta é generalizar para o caso
tridimensional dois teoremas significantes, o de Ceva e o de Menelaus, os quais estão
intimamente relacionados (CARNEIRO & GIRÃO, 2002; CASTRO, 2003) e, em seguida,
apresentar algumas aplicações no contexto de problemas olímpicos (GOLDBERG, 2002).
Vale ressaltar que no plano, enquanto o teorema de Ceva estabelece condições para
que três cevianas de um triângulo sejam concorrentes, o teorema de Menelaus estabelece
condições para que três pontos, um sobre cada lado de um triângulo, sejam colineares
(CHOU; GAO & ZHANG, 1946). Existe uma relação entre esses dois teoremas, chamada
de dualidade (MORGADO; WAGNER & JORGE, 2002). Em última análise, o princípio
da dualidade diz que qualquer afirmação verdadeira na geometria deve permanecer fiel
quando as palavras ponto e reta são trocadas; assim como dois pontos estão em exatamente
uma reta, duas retas se intersectam em exatamente um ponto, ou ainda, como três pontos
podem ser colineares, três retas podem ser concorrentes. Passaremos, pois, a discussão do
teorema.
2. Exemplos de demonstração com arrimo do GeoGebra 3D
No análogo do teorema de Menelaus para o caso tridimensional, os lados de um
triângulo se tornam arestas de um tetraedro e a reta que intersecta o triângulo torna-se um
plano que intersecta esse tetraedro (veja figura 1).
Teorema 1 (Menelaus – versão espacial). Seja
um tetraedro tal que ∈
Y∈
, ∈
e ∈
. Os pontos , , e são coplanares se, e somente se,
Figura 1. Tetraedro
∙
∙
∙
intersectado pelo plano
,
= 1.(1 )
(elaboração dos autores).
Demonstração. Supondo que , , e
são coplanares, consideramos a reta , passando
pelo ponto
e perpendicular ao plano
, tal que ′ e ′são pontos de
e
representam, respectivamente, as projeções ortogonais de e .
2
Figura 2. Reta perpendicular ao plano
Com isso, sendo
no ponto
a área do quadrilátero
(elaboração dos autores).
, podemos estabelecer
1
′ 3 ∙ ′ =
=
=
1
′
∙
′
3
,
em que
é o volume da pirâmide de vértice e
vértice . De modo análogo obtemos as seguintes razões
=
,
=
,
o volume da pirâmide de
=
.
Assim, multiplicando-se cada uma destas razões, vemos que (1 ) é verdadeiro.
Reciprocamente, supondo que (1 ) é satisfeito, consideramos o plano determinado pelos
pontos , e intersectando
em um ponto . Então,
donde concluímos que
=
∙
∙
, então
e
∙
= 1,
são conjugados harmônicos interiores do
segmento
. Isto implica que coincide com , já que conjugado harmônico interior a
um segmento é único. Portanto, os pontos , , e são coplanares. ■
Uma vez que o teorema de Ceva no plano tem uma relação com o teorema de
Menelaus, espera-se que exista também uma relação entre os análogos espaciais. Neste
caso, em vez de um plano cortando as arestas de um tetraedro em quatro pontos, quatro
planos são construídos a partir dos extremos de cada aresta até um ponto na aresta oposta
(veja figura 3). Em ambos os casos, a equação é a mesma e muito semelhante à versão
plana.
3
um tetraedro tal que ∈
, Y∈
,
e
intersectam-se exatamente em um
Teorema 2 (Ceva – versão espacial). Seja
∈
e
∈
. Os planos
,
,
ponto se, e somente se,
∙
Figura 3. Interseção entre os planos
∙
,
∙
,
= 1.(1 )
no tetraedro
(elaboração dos autores).
Demonstração. Seja o ponto de interseção dos planos
,
,
e
. Desde
que ′ é o ponto de interseção dos segmentos
e
e também ′ é a interseção dos
segmentos
e
, os pontos , ′ e ′ determinam um plano que intersecta o segmento
no ponto .
Figura 4. Plano
′ ′ intersectando o segmento
Aplicando o teorema de Ceva nos triângulos ∆
equações:
(2 ) ∙
∙
no ponto
e∆
= 1e
(elaboração dos autores).
, obtemos as seguintes
∙
∙
= 1(3 )
Multiplicando-se as equações (2 ) e (3 ) o resultado é a equação desejada (1 ).
4
Reciprocamente, consideramos o segmento que liga os pontos de até um ponto
em
tal que
passe pelo ponto ′. Pelo teorema de Ceva (versão plana) temos que a
equação (2 ) é verdadeira. Além disso, por hipótese temos que (1 ) também é verdadeira e
pode ser reescrita como
∙
∙
∙
= 1.(4 )
Então multiplicando-se as equações (2 ) e (4 ) obtemos a equação (3 ), usando o
teorema de Ceva no triângulo ∆
concluímos que
passa pelo ponto ′.
Figura 5.
′ como interseção entre os planos
e
e ′ como interseção entre os planos
e
(elaboração dos autores).
Este resultado leva também à conclusão de que os segmentos
′e
′ estão no
plano
, porque os pontos das extremidades de cada segmento estão neste plano. Além
disso, eles intersectam-se num ponto , já que está no semiplano oposto de ′, tendo
′ como o segmento que separa o plano
em dois semiplanos. Finalmente, como
′
é a interseção entre os planos
e
, ′ é a interseção entre os planos
e
,
segue-se que esses quatro planos se intersectam em . ∎
Apresentamos agora alguns problemas olímpicos onde esses teoremas podem ser
aplicados.
um quadrilátero no espaço de forma que
,
,
e DA sejam
tangentes a uma esfera
nos pontos , , , . Prove que estes pontos são
coplanares.
Solução. De fato, pela figura 6, quando a esfera intersecta o plano
determina um
circulo do qual podemos concluir que
≡
,
≡
e
≡
(por serem
segmentos tangentes ao círculo). Da mesma forma, esfera intersecta o plano
em
outro círculo tal que
≡
,
≡
e
≡
. Ora, como
≡
e
≡
,
1) Seja
5
≡
segue por transitividade que
que
≡ .
. Analogamente, como
Figura 6. Quadrilátero espacial
e a esfera
≡
e
≡
, segue
(elaboração dos autores).
Assim, podemos escrever
∙
∙
∙
= 1,
o que mostra, pelo teorema 1 (Menelaus no espaço), que os pontos
, , ,
são
coplanares.
2) Seja
um tetraedro e sejam , , os pontos médios das arestas
,
e
respectivamente. Seja um plano paralelo à face
que intercepta as arestas
, ,
nos pontos
, ,
respectivamente. Prove que
,
,
concorrem em um ponto .
Figura 7. Tetraedro
(elaboração dos autores).
Solução. Usando o fato de ser um paralelo à face
, temos que os triângulos
são semelhantes, logo podemos estabelecer a igualdade
e
6
=
,
ou, equivalentemente,
∙
Além disso, como
e
respectivamente, podemos escrever
= 1.
são pontos médios dos segmentos
e
,
∙
= 1.
Note que das duas últimas equações obtemos a expressão
∙
∙
∙
= 1.
Com um raciocínio análogo para os triângulos semelhantes
expressão
∙
∙
enquanto que para os triângulos semelhantes
∙
∙
Ante ao exposto, podemos concluir que



e
e
e
e
∙
= 1,
e
, teremos
∙
= 1.
são planos cuja interseção é o segmento
são planos cuja interseção é o segmento
são planos cuja interseção é o segmento
Isto é suficiente para que os segmentos
,
, chegamos à
,
;
;
.
concorram no ponto .
7
Figura 8. Indicação dos comandos empregados na construção geométrica 3D (elaboração dos
autores).
Para concluir esta seção, exibimos a tela inicial do software em que imprimos
algumas das construções requeridas no teorema 1. Assinalamos, todavia, que a sintaxe
exigida do software requer algum empenho didático do professor. Registramos que a
própria abordagem se mostra modificada/alterada quando exploramos a tecnologia no
contexto do ensino e de uma abordagem histórica (ALVES & BORGES NETO, 2011).
3. Considerações sobre a abordagem histórica com a exploração da tecnologia
Nas seções anteriores assinalamos momentos e/ou trechos da demonstração dos
enunciados propostos em que a tecnologia ou, mais precisamente o software de Geometria
Dinâmica GeoGebra foi explorado, com o intuito de proporcionar ao aluno ou o
solucionador de problemas, um percepção geométrica das propriedades matemáticas
ensejadas em 3D. Reparemos que, no ensino atual, mormente o ensino acadêmico, temos a
possibilidade de estimular uma instigante investigação histórica (ROQUE, 2012), com
amparo em artefatos tecnológicos. Ora, em vários trechos das demonstrações passadas,
agregamos o valor visual de figuras geométricas no sentido de extrair e estimular a
acuidade perceptual dos aprendizes.
8
Ademais, como assinalamos nas figuras 8 e 9, com o domínio de uma sintaxe
razoavelmente simples, o professor que atua na academia, pode suavizar os rituais
indefectíveis, que transformam o ensino de Matemática na transmissão de modelos
logicizados e de discurso cifrado. Não obstante, a tecnologia proporciona a estruturação de
cenários de aprendizagem que em muito se assemelham aos dos matemáticos no passado,
posto que, a mobilização de um raciocínio tácito e intuitivo era seguido, quando possível,
de uma formalização adequada, seguindo o modelo standard da Geometria.
Figura 9. Visualização proporcionada pelo GeoGebra 3D na exploração visual da construção relativa ao
teorema (elaboração dos autores).
4. Considerações Finais
Neste trabalho trazemos a generalização do teorema Ceva e o de Menelaus e, alguns
argumentos dos mesmos, originalemente discutidos em 2D, com recurso na tecnologia
atual, foram ressignificados e apresentados com o arrimo de representações dinamicas
proprocionadas pelo software GeoGebra 3D. Por esta via de abordagem, que não
desconsidera elementos de ordem histórica, estruturamos um cenário de investigação
histórica (FAUVEL & MAANEN, 2002; MENDES, 2009) para o aprendiz que envolve o
uma espécie de “redescoberta” dos referidos teoremas em sala de aula e no laboratório.
9
Ademais, com o uso da tecnologia, temos a possibilidade de “fugir” do ritual
estruturante e formal, que apresentamos nos teoremas 1, 2 e nos exemplos de aplicação.
Outrossim, assinalamos ao longo do escrito certas perspectivas que se enquadram numa
proposta de abordagem da Matemática que alia o componente histórico-epistemológico
com o componente tecnológico atual (ALVES, 2013a; 2013b).
Por fim, a visualização e as possibilidades de exploração dinâmica das construções
que exibimos nas figuras 8 e 9, exemplificam que, com algum esforço, por parte do expert
em Matemática, conseguimos vias diferenciadas para a veiculação de um saber específico,
como o atinente ao aprendizado de teoremas e problemas olímpicos, e de seu entendimento
na terceira dimensão.
5. Referências
ALVES, Francisco. R. V. & BORGES NETO, Hermínio. A existência da sequência de
fibonacci no campo dos inteiros: uma atividade de investigação apoiada nos pressupostos
da sequência fedathi. Boletim Gepem, nº 59, pp. 135-140, 2011. Disponível em: <
http://www.ufrrj.br/SEER/index.php?journal=gepem&page=article&op=view&path%5B%
5D=647&path%5B%5D=581>
ALVES, Francisco. R. V. A noção de integral generalizada: sua exploração apoiada na
tecnologia no contexto histórico. Anais do VII HTEM. São Carlos: UFSCAR. 2013a.
Disponível em: http://htem2013.dm.ufscar.br/
ALVES, Francisco. R. V. Discussão de artigos envolvendo propriedades de sequência de
Fibonacci apoiada na tecnologia. Anais do VII HTEM. São Carlos: UFSCAR. 2013b.
Disponível em: http://htem2013.dm.ufscar.br/
ANDREESCU, T.; ZUMING, F.; LEE JR., G. Mathematical Olympiads 1999-2000:
Problems and Solutions From Around the World; MAA, 2003.
BARBOSA, Joao. L. M. Geometria Euclidiana Plana. Rio de Janeiro: SBM, 2004.
CHOU, S. C.; GAO, X. S.; ZHANG, J. Z. Machine proofs in geometry: automated
production of readable proofs for geometry theorems I, 1946.
CARNEIRO, E.; GIRÃO, F. Centro de massa e aplicações à geometria, Revista Eureka,
21, 2002.
CASTRO, L. Introdução à Geometria Projetiva, Revista Eureka, 8, 2003.
10
EVES, H. Introdução à História da Matemática. 2ed. Editora da UNICAMP. Campinas,
1997.
ESTRADA et al. História da Matemática. Lisboa: Universidade Aberta, 2000.
FAUVEL, John; MAANEM, Jan Van. History in Mathematics Education. New York:
Klumer Academic Publishers. 2002
GOLDBERG, N. Spatial Analogues of Ceva's Theorem and its Applications. 2002.
http://www.rose-hulman.edu/mathjournal/archives/2002/vol3-n2/goldberg/goldberg.doc.
Acessado em 02/11/2013.
KRANTZ, Steven. An episodic History of Mathematics. London: Springer. 2006. 483f.
MENDES, Iran Abreu. Matemática e investigação em sala de aula: tecendo redes
cognitivas na aprendizagem. 2. ed. São Paulo: Livraria da Física, 2009
MORGADO, A. C.; WAGNER, E.; JORGE, M. Geometria II. Rio de Janeiro: F. C. Araújo
da Silva, 2002.
ROQUE, T. História da Matemática: uma visão crítica, desfazendo lendas e mitos. Rio de
janeiro. Jorge Zahar, 2012
11
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