R$ 5,00
ano III • número 19 • março/abril de 2001
BIOTECNOLOGIA/KL3
(Repete Fotolito 2º capa última edição)
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
BIOTECNOLOGIA/KL3
(Repete Fotolito pág. 3 da última edição)
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
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A CLONAGEM DE BOVINOS
ENTREVISTA
NO BRASIL
Entrevista concedida a
Lucas Tadeu Ferreira
E-mail do Dr. Rodolfo Rumpf:
[email protected]
Fotos: Cláudio Bezerra
Os segredos da Vitória
A EMBRAPA surpreende o mundo e anuncia
que obteve o primeiro nascimento de um clone
bovino, da raça simental, na sua fazenda experimental de Brasília, no mês de março de 2001.
Apelidada simpaticamente de Vitória, pelo
seu próprio criador e líder do projeto de pesquisa de clonagem, o médico veterinário Ph.D,
Rodofo Rumpf, que explica que para a obtenção
Rodolfo Rumpf da Vitória foram utilizados óvulos imaturos de
vacas mestiças das raças nelore e simental e que
foram feitas vinte e nove tentativas e só uma deu certo, culminando com o
nascimento da Vitória, que teve a gestação e parto normais.
De acordo com Rodolfo Rumpf, a técnica de clonagem da Vitória foi muito
parecida com a empregada na produção da ovelha Dolly, em 1997, na Escócia.
A diferença básica dos métodos empregados na obtenção dos dois animais é a
origem da célula doadora do núcleo, onde fica o material genético extraído e
transferido. As que deram origem à ovelha Dolly foram obtidas de glândulas
mamárias de uma fêmea de sete anos, enquanto que as células do núcleo que
originaram a Vitória foram extraídas de um embrião de apenas cinco dias e
transferidas para outro embrião da mesma idade e raça.
Vitória nasceu perfeita, o que deixou Rodolfo e sua equipe muito confiantes
quanto à continuidade do projeto de clonagem na Embrapa. Os objetivos
pretendidos pela Embrapa com este projeto de clonagem, no médio e longo
prazos, são principalmente a regeneração de bancos genéticos, a multiplicação
de animais com boas características genéticas, a otimização e maximização do
potencial genético das raças de interesse zootécnico, além de possibilitar o resgate
e a multiplicação de raças silvestres ou comerciais em risco de extinção, incluindo
aí o melhoramento genético de todas elas.
Para falar um pouco mais deste projeto de pesquisa que resultou na Vitória
e do estado da arte da clonagem animal, no Brasil, Rodolfo Rumpf, que é
pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília,
concedeu esta entrevista a Lucas Tadeu Ferreira para esta edição da revista
BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento.
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
BC&D - Qual foi a técnica
empregada na obtenção da
bezerra Vitória?
Rodolfo Rumpf - A técnica
empregada na obtenção da Vitória é conhecida como transferência nuclear. Utilizamos uma
célula doadora de núcleo oriunda de um embrião que, efetivamente, transferiu a herança genética para um ovócito receptor previamente nucleado, de
uma outra vaca. Trabalhamos com o
núcleo de um material genético elite e
o citoplasma que recebeu este núcleo
de um outro animal que não era de
elevado mérito genético. Um ponto
importante temos que esclarecer: neste citoplasma havia também o DNA
mitocondrial o qual pode ser responsável por características fenotípicas,
inclusive de produção. Com a Vitória,
temos um clone, mas não é um clone
verdadeiro, como se diz. Ele tem algumas características de DNA externo
àquele de seu núcleo oriundo da célula do embrião doador.
BC&D - Neste caso, a Vitória é clone
de qual animal e pertence à que
raça?
Rodolfo Rumpf – Vitória é clone de
um embrião que não chegou a nascer,
que era oriundo de um acasalamento
da raça simental. Isto foi muito questionado quando anunciamos o nascimento dela: “se ela não é igual a outro
animal, não é clone”. Na verdade, foi
a própria mídia que divulgou que a
tecnologia de transferência nuclear é
igual à clonagem. Mas, não é exatamente assim. A melhor técnica de que
dispomos hoje para viabilizar a clonagem - cópia de indivíduos idênticos
em larga escala - é de fato a transferência nuclear. Por exemplo: se daquele
embrião que nós utilizamos na transferência nuclear e obtivemos a Vitória
conseguíssemos ainda produzir outros três embriões que, infelizmente,
não prosperaram, tivéssemos obtido
mais de um nascimento, esses indivíduos seriam idênticos - seriam clones. Este é um ponto importante que cabe
esclarecer porque ficou a dúvida na
mídia. De fato, a técnica da transferência nuclear permite obter clones, com
a ressalva das questões relativas à
herança citoplasmática já discutidas.
já conduzia a parte inicial das
pesquisas na área animal juntamente com o Dr. Teodore Romano Vaske. Escrevemos um
programa de pesquisa de reprodução animal, que existe
até hoje, onde prevíamos por
etapas o que iríamos fazer na
área da biotecnologia da reprodução e com a conservação
de recursos genéticos animais.
Vitória e sua “mãe” Sempre trabalhamos para criopreservar sêmen, óvulos, emCabe ainda uma explicação adicional a brião ou células, quer dizer, o banco
esta pergunta: O clone verdadeiro só genético de animais, mas também viseria obtido a partir da separação das sando regenerar este banco genético,
células de um embrião muito jovem - trazer de volta o germoplasma e dispo3 a 4 dias - , as quais ainda possuem a nibilizá-lo nos rebanhos. Todas as noscapacidade de se desenvolverem isola- sas tecnologias foram dirigidas para
damente e cada uma podendo dar este objetivo. Em 1993, fiz um treinaorigem a um novo embrião. Neste mento de pós-doutoramento no Canacaso, o número de possibilidades inici- dá, na Universidade de Montreal, no
ais não passaria de 8 cópias se tudo Centro de Pesquisa em Reprodução
fosse 100% para a espécie bovina. A Animal sob a orientação do Dr. Laoutra alternativa seria a clonagem de wrence Smith, que é um brasileiro
naturalizado canadense e trabalhou
em sua tese de doutorado com o Dr.
Ian Wilmult - quem produziu a ovelha
“A técnica empregada na
Dolly, na Escócia. Neste ano, ao retorobtenção da Vitória é conhenar para Brasília, iniciamos a aquisição
cida como transferência
de equipamentos, construção de laboratórios, formação de recursos humanuclear. Trabalhamos com o
nos, e tínhamos também que melhorar
núcleo de um material
os índices técnicos da fecundação in
genético elite e o citoplasma
vitro num patamar técnico-científico
que justificasse a clonagem. Efetivaque recebeu este núcleo de
mente, em 1999/2000 é que, de fato, a
um outro animal que não era
clonagem ganhou espaço no nosso
laboratório, porque as outras tecnolode elevado mérito genético”
gias já haviam atingido a maturação
científica necessária para dar suporte a
uma vaca adulta em que tanto a célula ela. Gastamos, nos últimos três anos,
doadora do núcleo como o ovócito perto de 300 mil reais em custeio,
receptor fossem obtidos dela mesma. porque já tínhamos a infra-estrutura.
No novo indivíduo tanto o DNA mito- Quem financiou as pesquisas foi a
condrial como o nuclear possuem a Embrapa, além da Fundação de Apoio
mesma origem. O macho sempre vai à Pesquisa – FAP-DF que aprovou um
depender de um citoplasma de alguma projeto de produção de embriões e
fêmea e por isso não seria verdadeiro. clones in vitro e nos ajudou a impulsionar este trabalho. Como ‘parceiros’,
BC&D - Em que ano foram iniciados tivemos basicamente a minha formaos primeiros trabalhos desta pes- ção no Canadá e, depois, não tivemos
quisa na Embrapa Recursos Genéti- muita interação com o pessoal de lá.
cos e Biotecnologia, quem finan- No Brasil, contribuímos para estruturar
ciou, quanto custou, e quais foram o laboratório de transferência nuclear
os seus principais parceiros?
da USP já que eu co-orientava um
estudante de mestrado do professor
Rodolfo Rumpf - Em 1989, quando Visintin; as parcerias efetivamente vão
cheguei à Embrapa Recursos Genéti- se constituir daqui pra frente. Espero. A
cos e Biotecnologia, o Dr. Assis Rober- equipe específica envolvida com os
to De Bem, que faleceu precocemente, experimentos de transferência nuclear
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
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foi constituída por mim, dois
estudantes de mestrado e o
técnico Regivaldo Vieira de
Sousa, da Embrapa. Uma
andorinha só não faz verão;
é necessário o apoio das
outras biotécnicas para viabilizar com eficiência a clonagem, e aí a equipe é bem
maior.
BC&D - Qual a principal
diferença da técnica empregada na obtenção da
bezerra Vitória e da ovelha Dolly?
Rodolfo Rumpf – Basicamente, a técnica de transferência nuclear é a mesma. Existem peculiaridades com relação ao momento da nucleação do
citoplasma, mas a grande diferença é
que a Dolly vai ter este mérito pelo
resto da história, já que foi concebida
de uma célula de um indivíduo adulto,
extraída da glândula mamária, ou seja,
de uma célula somática diferenciada.
Essa sinalização de Dolly nos abriu
muitos outros caminhos e a nossa Vitória seria um passo anterior à Dolly,
porque trabalhamos com uma célula
embrionária que antecede a sua diferenciação. Vitória foi obtida de uma
célula que, do ponto de vista da reprogramação nuclear, provavelmente é
muito mais ‘reprogramável’ do que
uma célula somática.
BC&D - Quantas tentativas de clonagem foram realizadas para obtenção da Vitória?
Rodolfo Rumpf - Foi na terceira gestação que obtivemos êxito. As outras
perdemos por excesso de zelo. Neste
experimento estávamos olhando muito mais para o citoplasma receptor do
que para o núcleo. Utilizamos um
embrião de cinco dias e meio congelado, que coletamos pela técnica de
transferência de embriões clássica; ele
foi descongelado e suas células separadas. No citoplasma estávamos avaliando outros aspectos relativos a qualidade. Por que o citoplasma é importante?
Ele contém todas mensagens que permitem a reprogramação do núcleo.
Alguns anos atrás atribuíamos todo
este mérito ao núcleo. Hoje sabemos
que se não for um bom citoplasma e se
ele não estiver devidamente sintonizado com o núcleo não vamos ter suces6
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
so. Este é o segredo. Produzimos neste
experimento da Vitória mais de vinte
embriões; quinze foram inovulados,
ou seja, transferidos para mães de
aluguel distintas e destes quinze resultou apenas a Vitória. A Vitória teve
origem num embrião, o qual após o
descongelamento conseguimos isolar
vinte e nove células viáveis que resultaram em quatro embriões no estágio
de blastocisto, que é o estágio esperado de um embrião de sete dias. Estes
quatro embriões foram transferidos para
diferentes receptoras e nasceu apenas
a Vitória.
“Com a Vitória, temos um
clone, mas não é um clone
verdadeiro, como se diz. Ele
tem algumas características
de DNA externo àquele de
seu núcleo oriundo da
célula do embrião doador”
BC&D – É correto afirmar que a
Dollly já nasceu “velha” – com idade do doador das células adultas -, e
que a Vitória nasceu totalmente jovem, com a idade do embrião doador do núcleo?
Rodolfo Rumpf – Sim, isto é um fato.
Mas é um conceito que está hoje um
pouco ultrapassado, porque esta questão da idade está relacionada à atividade de uma enzima, a telomerase, que
produz os telômeros, localizados nas
extremidades dos cromossomos e que
ajudam na hora da divisão celular, para
que não ocorram translocações, erros
na divisão celular. À medida que a
idade avança, a ação da telomerase vai diminuindo e o indivíduo vai ficando mais exposto a
doenças de fundo genético. Depois desta constatação, de que
a Dolly teria a idade biológica
da doadora do núcleo, se provou em outros ensaios que é
possível interferir na atividade
da telomerase, e inclusive aumentar a expectativa de vida do
futuro clone. Acredito que a
questão da idade do clone de
indivíduos adultos, logo, logo
será resolvida, se é que já não
foi. A Vitória teria biologicamente a
idade de uma concepção normal.
BC&D - Numa próxima etapa das
pesquisas da Embrapa, o senhor
pretende empregar técnicas semelhantes às da ovelha Dolly para
obtenção de novos clones?
Rodolfo Rumpf – Sim, sem dúvida.
Estamos iniciando agora pesquisas com
células somáticas, fibroblastos da pele.
Tiramos um pedacinho da orelha do
animal e este pedaço de pele é capaz
de produzir muitas células pelo cultivo
em laboratório e se tornar uma fonte
doadora de núcleos quase inesgotável.
Esta técnica nos interessa mais pelo seu
potencial em termos de regeneração
de raças em vias de extinção, tanto
domésticos como silvestres. Será possível no futuro regenerar animais silvestres atropelados, encontrados mortos nas rodovias. Vamos pegar um
pedaço de pele de um indivíduo, mandar para um laboratório, fazer um
banco de células e guardar para no
futuro regenerar animais. O que tem
que ficar bem claro é que partes desta
tecnologia já foram patenteadas em
outros países e que o uso é restrito para
trabalhos científicos. A partir do momento em que formos trabalhar em
escala comercial vamos nos inserir no
contexto legal que protege a propriedade intelectual.
BC&D - Além do avanço científico,
que vantagens comparativas a clonagem pode oferecer em relação à
reprodução convencional?
Rodolfo Rumpf - Temos que deixar
bem claro que a clonagem ainda não
está suficientemente madura para ser
utilizada na multiplicação de animais
de interesse zootécnico. Temos uma
‘picada’ aberta. Falta ainda abrir a estrada, pavimentá-la etc., e chegar a uma
relação custo/ benefício compatível com
a atividade. Existe um estudo dos melhoristas franceses que mostra que, por
simulação, a partir do momento em que
se usa estas modernas biotécnicas de
multiplicação animal, aí incluída a fecundação in vitro, a punção folicular, a
sexagem do sêmen, a própria clonagem, o congelamento etc., enfim, todas
estas tecnologias devidamente articuladas, é possível conseguir em um ano o
avanço genético para determinada característica que, normalmente, pelos
métodos convencionais, demoraria doze
anos.
BC&D - A clonagem pode contribuir
com a produção de animais transgênicos?
Rodolfo Rumpf - Temos relacionado
três grandes áreas de utilização da clonagem: a regeneração de recursos genéticos, a questão da produção animal, o
apoio que ela dará aos programas de
melhoramento genético animal, e o suporte cientifico para a própria embriologia e para a produção de animais transgênicos. Por que isso? De um pedaço de
pele, por exemplo, conseguimos fazer
talvez milhões de células. Transformamos estas células in vitro, fazemos uma
transfecção, colocamos junto a um gene
marcador, e depois de alguns dias identificamos as células que efetivamente
foram transformadas geneticamente, e
usamos estas células no sistema de
reconstrução nuclear. Com isso, conseguimos melhorar em muito a eficiência
na produção dos transgênicos. Portanto, tem tudo a ver a técnica da clonagem
com os transgênicos, e esse é o próximo
passo que vamos dar.
BC&D - Quais vantagens e benefícios
podem ser incorporados aos animais transgênicos clonados?
Rodolfo Rumpf –O que pensamos em
fazer em termos de transgênicos? No
início, estamos preocupados em desenvolver um modelo porque temos de um
lado um projeto de conservação e caracterização de recursos genéticos, e um
segundo que faz prospecção de genes;
além de um terceiro projeto que desenvolve ferramentas biotecnológicas, que
é o nosso. Os esforços devem andar
juntos e o dia em que for encontrado
genes de interesse, a tecnologia de
obtenção de animais transgênicos deverá já estar dominada. Assim poderemos transferir genes associados a resistência a endo e ectoparasitas, por exemplo, de animais comerciais. Com isso
estaríamos diminuindo o custo de pro-
“Na verdade, foi a própria mídia
que divulgou que a tecnologia de
transferência nuclear é igual à
clonagem. Mas, não é exatamente
assim. A melhor técnica de que
dispomos hoje para viabilizar a
clonagem - cópia de indivíduos
idênticos em larga escala - é de
fato a transferência nuclear”
dução, melhorando a qualidade da carne ou do leite, beneficiando tanto o
produtor como, e, principalmente, o
consumidor. Este é apenas um exemplo
que ainda não sabemos se efetivamente
será possível, mas existe muitas outras
possibilidades de uso de animais transgênicos. A produção de biomoléculas, a
melhoria na eficiência de produção, a
qualidade de produtos e a produção de
modelos animais para estudos de doenças ou até mesmo para a doação de
“Por que o citoplasma é importante? Ele contém todas mensagens
que permitem a reprogramação do
núcleo. Alguns anos atrás atribuíamos todo este mérito ao núcleo.
Hoje sabemos que se não for um
bom citoplasma e se ele não
estiver devidamente sintonizado
com o núcleo não vamos ter
sucesso. Este é o segredo”
órgãos (os xenotransplantes), entre
outras possibilidades de uso. Em última
análise, agregar valor ao produto final.
O que é bom para o consumidor deve
ser bom para o produtor também.
BC&D – Qual é objetivamente a finalidade principal do seu trabalho?
Rodolfo Rumpf – É desenvolver ferramentas biotecnológicas que viabilizem
o banco genético e que permitam regenerar qualquer animal de interesse zootécnico e/ou em risco de extinção. Regenerar significa tirar a célula, o ovócito,
o sêmen, o embrião que está lá no
botijão congelado, fazer indivíduos a
partir deste material, e trazer este material genético de volta para o rebanho.
Esta é a motivação inicial de todo o
trabalho. Estamos hoje no modelo bovino. Deveremos começar a trabalhar
com ovino, caprino, enfim, o importante é que cada espécie tem suas individualidades fisiológicas e que a inserção da
tecnologia no modelo específico só terá
sucesso se for efetuado segundo a base
fisiológica. É claro que estas tecnologias
possuem uma enorme demanda do setor produtivo e, dentro do possível,
procuramos atendê-lo.
BC&D - Na sua opinião, como a comunidade científica reagiu ao anúncio do clone Vitória?
Rodolfo Rumpf - Pelo que temos recebido de manifestação, a comunidade
científica se mostrou muito satisfeita
com a Vitória. É importante frisar que,
hoje, conseguimos a Vitória e que vamos conseguir mais ainda no Brasil. Já
existem aqui quatro ou cinco laboratórios trabalhando com transferência nuclear, e isso é muito bom porque imagino que vamos ter um grande progresso,
desta técnica específica, em um futuro
próximo. E, como eu disse, temos muito
a fazer ainda; o que fizemos foi apenas
abrir uma ‘picada’ na selva. Tem toda
uma maturação da tecnologia ainda
pela frente. Se tivermos várias equipes,
com várias cabeças e em ecossistemas
distintos, trabalhando com objetivos semelhantes, então vamos ter, seguramente, um grande progresso científico
nessa área. Gostaria de mencionar que
hoje temos equipe de pesquisadores na
Unesp de Jaboticabal, na Faculdade de
Medicina Veterinária da USP/SP, na Faculdade de Veterinária, da URGS, na
Faculdade de Veterinária da Norte-Fluminense e também no estado do Pará.
Todos, se ainda não estão trabalhando,
estão montando seus laboratórios, e,
seguramente, logo vamos ouvir falar
dos feitos de todos eles.
BC&D - Podemos afirmar que, a partir da Vitória, o Brasil encontra-se
hoje ao lado dos países do primeiro
mundo no domínio da tecnologia da
clonagem animal?
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
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Rodolfo Rumpf - É difícil fazer esta
afirmação. A grande diferença é a agilidade que se tem lá fora nos países
desenvolvidos em relação ao que temos aqui, no Brasil. Agilidade desde a
importação de um determinado reagente, à rapidez com que a ciência
básica responde a demandas específicas. No Brasil temos que abrir espaço
e fomentar cada vez mais a ciência
básica; é ela que nos dá o suporte
necessário às pesquisas aplicadas.
Quando se busca o desenvolvimento
tecnológico tem-se que parar muitas
vezes, e voltar, fazer parcerias, buscar
respostas que não se tem disponíveis
naquele momento. Isto acontece em
qualquer lugar do mundo, mas eu diria
que lá fora eles têm mais agilidade
exatamente porque investem mais em
pesquisa básica.
BC&D - Do ponto de vista biológico
e veterinário, quais as características deletérias potenciais que podem se expressar na Vitória a longo
prazo?
Rodolfo Rumpf - Isto nós não sabemos. Estamos atualmente extremamente satisfeitos porque os nove meses de
gravidez foram de aflição, e as duas
últimas semanas, antes do nascimento,
foram altamente estressantes para nós;
porque tínhamos um plantão de 24
horas, não queríamos interferir de jeito
algum, aguardamos mesmo o limite
para o parto ocorrer naturalmente, e,
para nossa surpresa, tudo ocorreu dentro da maior normalidade possível. Há
que se dizer também que a mãe de
aluguel é uma mãe de primeira. Ela não
só pariu como fez todos os procedimentos necessários, como massagear,
limpar a bezerra, também amamentou
no período desejável e, por fim, eliminou a sua placenta. Nós acompanhamos à distância e registramos todas as
informações possíveis. Contudo, até o
momento, estamos muito contentes e
felizes. Nada nos garante que daqui a
alguns dias ela não tenha um problema
imunológico qualquer e que venha a
falecer como já aconteceu com outros
clones nascidos no mundo. Vitória se
tornou um pequeno laboratório de
estudos e vai ser um indicador eterno
para nós como a Dolly está sendo para
o mundo.
BC&D - É possível a clonagem hu8
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
mana usando as mesmas técnicas?
Rodolfo Rumpf - Este é um terreno
complicado e eu não me considero em
condições de comentar muito sobre
isto. Antes de comentar o assunto é
importante voltarmos para a questão
“Estamos iniciando agora
pesquisas com células somáticas,
fibroblastos da pele. Tiramos um
pedacinho da orelha do animal
e este pedaço de pele é capaz de
produzir muitas células pelo
cultivo em laboratório e se
tornar uma fonte doadora de
núcleos quase inesgotável”
conceitual da clonagem e da transferência nuclear. A clonagem humana
não tem nada que possa justificá-la, já
a transferência nuclear poderia encontrar indicação pontual na clínica reprodutiva, ou ainda nas pesquisas de doenças hereditárias, por exemplo. Se
existir uma indicação clínica pontual,
não vejo razão no futuro para que ela
“A grande diferença é a
agilidade que se tem lá fora
nos países desenvolvidos em
relação ao que temos aqui, no
Brasil. Agilidade desde a
importação de um determinado
reagente, à rapidez com que a
ciência básica responde a
demandas específicas”
não venha a ser utilizada, mas muito
antes de discutirmos isso, temos que
ouvir o que a sociedade deseja. Somos
favoráveis à criação de instrumentos
legais e éticos que permitam o desenvolvimento da ciência e monitorem o
“bom uso” das tecnologias.
BC&D – Quais os limites da legislação brasileira à clonagem humana?
Rodolfo Rumpf - De fato, a legislação
brasileira deve ser revista neste aspecto
e eu gostaria que tivéssemos uma legislação muito clara, que criasse mecanismos de regulamentação do uso da
transferência nuclear e que não proibisse tudo simplesmente. Neste sentido, já
existem os conselhos de ética, mas
também deveria existir, a exemplo da
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, um fórum em âmbito nacional, com todos os segmentos da
sociedade lá representados e que pudesse opinar sobre questões éticas e
científicas. Este fórum deveria exigir o
cadastramento de todos os pesquisadores que trabalham com transferência
nuclear, com bom curriculum acadêmico, condições de trabalho adequadas,
descrição detalhada do que estão fazendo e para que estão fazendo, se não
existe outro modelo científico que possa trazer as mesmas informações e se
existe coerência entre a metodologia e
os objetivos, entre outras informações
importantes. Todos os projetos passariam obrigatoriamente por um crivo científico e ao mesmo tempo ficariam sujeitos a uma análise dos outros segmentos
da sociedade que, em última instância,
é que têm que nos dizer o que é que
temos que fazer.
BC&D - Na sua opinião, a sociedade
brasileira, de um modo geral, está
preparada para receber os clones
animais?
Rodolfo Rumpf – Até agora, temos
tido um retorno muito bom das pessoas
para as quais temos proferido palestras
sobre a clonagem e as modernas biotécnicas de reprodução animal, em todo o
país. A própria mídia tem assimilado de
forma muito satisfatória esta questão.
Basta ler a cobertura que os jornais, as
revistas e a televisão deram ao anúncio
da Vitória. É claro que sempre vai haver
os mais diversos questionamentos dos
segmentos representativos da sociedade, e é importante e bom que seja
assim. Temos que aproximar, cada vez
mais, os cientistas da sociedade e a
sociedade dos cientistas. E a Vitória, de
alguma forma, está contribuindo para
esta aproximação. Em última análise
trabalhamos para melhorar a qualidade
de vida dos nossos cidadãos e quando
explicamos de que forma isso irá acontecer, as coisas são muito bem assimiladas.
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(Repete Fotolito pág. 9 da última edição)
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
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ISSN 1414-4522
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
O Brasil entra na era do domínio tecnológico da clonagem
animal. Com o simpático nome de Vitória, nasceu neste mês de
março de 2001, na fazenda da Embrapa, em Brasília, o primeiro
bezerro clonado a partir da técnica de transferência nuclear,
pesquisa de ponta que é dominada por poucas nações desenvolvidas no mundo.
A Vitória é fruto de pesquisa liderada pelo cientista da
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Rodolfo Rumpf,
médico veterinário formado pela Universidade Federal de
Pelotas com doutoramento na Áustria e pós-doutoramento no
Canadá, que vem sendo realizada desde 1984.
O processo de clonagem da bezerra Vitória foi muito parecido com o da ovelha Dolly produzida em 1997, na Escócia. Com
este feito, o Brasil passa a ser o quinto país do mundo que
conseguiu, até hoje, clonar um animal. Antes, somente o Reino
Unido, os Estados Unidos, a Austrália e o Japão conseguiram.
A ovelha Dolly foi gerada a partir de uma célula extraída da
glândula mamária de uma ovelha doadora adulta, de sete anos,
que introduzida num embrião foi capaz de gerar um outro
indivíduo geneticamente idêntico.
No caso da Vitória, os cientistas da Embrapa extraíram as
células do núcleo de um embrião de cinco dias e as transferiram para o núcleo de um outro embrião da mesma idade e
raça.
Aparentemente o processo é simples. Requer contudo muitos
estudos, investimentos e, principalmente, recursos humanos que
sejam capazes de dominar esta técnica.
Felizmente, o nosso Brasil tem cientistas tão bem formados e
preparados como os dos países do primeiro mundo, a despeito
de enfrentar todas as adversidades e falta de investimentos em
ciência e tecnologia.
Que a Vitória sirva de alerta e desperte as autoridades da
área econômica para que o País invista mais recursos nas
pesquisas científicas neste novo milênio.
Dr. Henrique da Silva Castro
Conselho Científico
Dr.
Dr.
Dr.
Dr.
Dr.
Dr.
Dr.
Dr.
Dr.
Dr.
Aluízio Borém - Genética e Melhoramento Vegetal
Henrique da Silva Castro - Saúde;
Ivan Rud de Moraes - Saúde - Toxicologia;
João de Deus Medeiros - Embriologia Vegetal;
Maçao Tadano - Agricultura;
Naftale Katz - Saúde;
Pedro Juberg - Ciências;
Sérgio Costa Oliveira - Imunologia e Vacinas;
Vasco Ariston de Carvalho Azevedo - Genética de Microorganismos;
William Gerson Matias - Toxicologia Ambiental.
Conselho Brasileiro de Fitossanidade - Cobrafi
Dr. Luís Carlos Bhering Nasser - Fitopatologia
Fundação Dalmo Catauli Giacometti
Dr. Eugen Silvano Gander - Engenharia Genética;
Dr. José Manuel Cabral de Sousa Dias - Controle Biológico;
Dra. Marisa de Goes - Recursos Genéticos
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN
Dr. José Roberto Rogero
Colaboraram nesta edição:
Adriana Ferreira Uchoa; Andréia Rachel Ramos Cruz;
Antônia Elenir Amâncio de Oliveira;
Bárbara Barreto Andrade Dias;
Cassiana Rocha Azevedo;
Cristiane Paulain Cavalcanti; Eliana Abdelhay;
Francisco José Lima Aragão;
Francisco Ricardo Ferreira;
Giovanni Rodrigues Vianna; Janete Vetorazzi;
Jean Matos; Jerusa de Souza Andrade;
João Batista Teixeira; José Renato Santos Cabral;
José Xavier-Filho; Josias Corrêa Faria;
Kátia Valevski Sales Fernandes;
L. Pedro Barrueto Cid; Lilian Maria Mazzuco;
Lílian Pantoja de Oliveira;
Luciana Belarmindo da Silva; Luciano Hammes;
Luís Carlos de Souza Ferreira;
Marco Antônio Lopes Cruz;
Margareth das Mercês Cerqueira Albino;
Maria da Graça Nascimento; Maura da Cunha;
Melissa Ang Simões; Mônica Pereira;
Nei Pereira Júnior; Olga Lima Tavares Machado;
Paulo Naud; Pedro Ramos da Costa neto;
Roberto Maeda; Sônia Maria da Silva Carvalho;
Spartaco Astolfi Filho; Thiago Motta Venâncio;
Valdirene Moreira Gomes; Viviane de Oliveira Santos.
Entrevista
Rodolpho Rumpf
pág. 04
Pesquisa
Promotores complexos
Transgênico resistente a geminivirus
Biotransformação de óleos e gorduras
Insulina de plantas
Processo fermentativo para produção de bebida
pág. 12
pág. 22
pág. 28
pág. 36
pág. 50
Cultura de tecidos
A propagação in vitro de plantas. O que é isso?
Biotecnologia aplicada à produção de mudas
pág. 16
pág. 42
Saúde
Adjuvantes de mucosas
pág. 32
BioNotícias
pág. 48
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
11
PESQUISA
Promotores
Complexos
Transgênese animal na dissecção in vivo de promotores complexos
Eliana Abdelhay
Dra. - Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. UFRJ.
[email protected]
Mônica Pereira
Dra. - Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. UFRJ.
[email protected]
Fotos cedidas pelas autoras
s últimos anos viram uma revolução na biologia
molecular derivada do alto grau de automação na análise dos genomas
e seus produtos. No entanto, a liberação do primeiro
rascunho das seqüências
presentes no genoma humano relembrou a todos que
o gigantesco passo é somente o início de uma longa
expectativa até que possamos entender corretamente a função dos diferentes genes e como eles são regulados nas diferentes células e processos.
O camundongo tem sido o organismo modelo para a análise de função de genes individuais devido à
alta homologia entre os dois genomas. Várias técnicas que incluem
geração de alelos nulos (nocaute),
mutagênese química e introdução de
genes “in vivo” têm sido utilizadas.
Essas técnicas, apesar de muito potentes, são ainda utilizadas de forma
artesanal. O mesmo acontece no que
diz respeito ao estudo da regulação
dos genes. Organismos eucarióticos
possuem genes bastante complexos,
cuja regulação ocorre em diversos
níveis. Genes responsáveis por codificar proteínas mantenedoras (housekeeping) mostram regiões reguladoras (promotores) pequenas (± 500
pb), enquanto genes envolvidos com
processos dinâmicos como o desenvolvimento podem ter regiões reguladoras que ultrapassem em várias
12
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
Figura 1
dezenas o tamanho de sua região
codificante. Um bom exemplo é o
gene “engrailed”, cuja unidade gênica (região codificante + região reguladora) possui 100.000 pb para produzir um RNA mensageiro de 3000
pb. A pergunta que vem imediatamente após esse conhecimento é:
Por que tantas bases de DNA são
necessárias para regular o gene? A
resposta só pode ser dada se entendermos a complexidade do gene. No
homem, duas proteínas engrailed são
produzidas a partir dos genes En1 e
En2. Essas proteínas têm papel fundamental na delimitação do sistema
nervoso, onde En2 define o metaencéfalo e En1, a medula espinhal. No
entanto, elas também são essenciais
durante vários outros processos, como
formação de membros (En1 determina região ventral dos membros), e
determinação da região ventral do
tubo neural, que dará origem aos
motoneurônios, entre outros.
Portanto, diversos elementos regulatórios distintos são
necessários para ativar ou
inibir a expressão do gene
em células diferentes ao longo do desenvolvimento embrionário. Além disso, sendo
o gene tão essencial na vida
do organismo, existem sistemas em duplicata, ou seja,
elementos regulatórios estão
representados em duplicata
no promotor.
Poucos são os genes eucarióticos
que já têm toda sua região reguladora
(promotor) mapeada. Isso porque
essa análise exige estudos “in vitro” e
‘in vivo” para que não restem dúvidas
sobre qual elemento (seqüência) regula qual atividade.
O Gene Msx-1 e seu nocaute:
um modelo animal para
malformações craniofaciais
Em nosso laboratório, nos últimos
anos, temos analisado a regulação do
gene Msx-1 de camundongo utilizando todas as tecnologias até hoje disponíveis. O gene Msx-1 tem todas as
características de um gene de promotor complexo.Ele tem uma expressão
dinâmica espaço-temporal, durante a
embriogênese. Inicialmente sua expressão ocorre nas células ectodérmicas e mesodérmicas da fenda primitiva durante a gastrulação do embrião (6,5 dpc). Essa expressão, posteriormente, torna-se restrita ao ectoderma e ao mesoderma lateral e ao
neuroepitélio, que vai formar a parte
dorsal do tubo neural,
incluída a região que dará
origem às células da crista neural (7,5 a 8,5 dpc),
e, nos colcinetes cardíacos, nas células que darão origem à válvula átrioventricular. Nos estágios
subseqüentes, sua expressão ocorre nos brotos dos membros na região de proliferação celular, nos gânglios intercostais, na região dorsal dos somitos
e do tubo neural, nos gânglios trigeminais, no ectoderma e mesênquima
da maxila e mandíbula, plexus coróide e, finalmente, nas papilas dos
bulbos capilares (Figura 1).
Tem sido sugerido um papel fundamental para o gene Msx-1 durante
o desenvolvimento, tanto por sua
conservação filogenética, como pelos defeitos encontrados no camundongo nulo para esse gene. O camundongo mutado (homozigoto
nulo) não consegue formar os dentes
e exibe diversas anormalidades craniofaciais que incluem ausência do
processo alveolar da mandíbula e
maxila, palato secundário fendido,
nos ossos frontal, parietal e nasal.
Esse fenótipo é bastante relacionado
ao que ocorre em humanos que
possuem uma mutação dominante
no gene levando a uma craniosinostose. Interessantemente, a perda total
do produto do gene parece não afetar outros sítios de expressão do
gene, com exceção da região crâniofacial, o que tem sido relacionado ao
potencial que o gene parálogo Msx2 tem para substituir a função de Msx1 nesses sítios.
Recentemente, a produção de um
camundongo nulo para os dois genes
mostrou um fenótipo muito mais grave, no qual falta toda a parte superior
do crânio, associada aos defeitos já
demonstrados no mutante Msx-1.
Apesar disso nenhum defeito de
membros ou outro órgão foi identificado nesses animais.(Figura 2)
A importância dos genes da família Msx para o desenvolvimento, assim como seu padrão complexo de
expressão, indica que sua regulação
deve envolver um número grande de
seqüências e fatores protéicos que a
elas se ligam para realizar um contro-
Figura 2
le de célula específico da expressão
do gene.
O promotor do gene Msx-1
Os esforços para desvendar essas
seqüências e seus fatores ligantes
iniciaram pela clonagem e seqüenciamento de uma região de 5kb a
montante da região codificante (ATGiniciador). A análise dessa seqüência
e sua comparação com seqüências
homólogas em outros organismos,
como o homem, permitiu identificar
regiões conservadas de reconhecimento de fatores de transcrição. Essas regiões foram classificadas como
região promotora basal, que corresponde a 130 bp localizados logo
acima do sítio inicial da transcrição, e
de quatro caixas contendo putativos
sítios ativadores e inibidores capazes
de regular o gene Msx-1 (Figura 3).
Para verificar a funcionalidade dessas regiões foram efetuados ensaios
de transfecção em células F12, e Cos
utilizando-se construções de fragmen-
tos do promotor ligados
ao gene da luciferase e
co-transfecção com RSVβ gal. Os resultados demonstraram que a eliminação dos sítios das caixas 3 e 4, assim como os
da caixa 2, diminuem
sensivelmente o nível de
expressão do gene repórter, enquanto a perda da região
promotora basal elimina completamente a expressão do gene. Apesar
de indicativos, esses resultados não
eram capazes de correlacionar uma
região específica reguladora com uma
das expressões do gene, o que só
passou a ser possível com a análise
“In vivo”através da transgênese.
Identificação de um elemento
regulatório capaz de ligar o
gene nas células da crista
neural cefálica
Num primeiro experimento, animais transgênicos que continham os
5 kb de seqüência a montante da
região codificante dirigindo a expressão do gene repórter Lac Z mostraram
que essa região é suficiente para
regular a expressão completa do gene.
Em experimentos sucessivos, foram
geradas linhagens transgênicas, cuja
seqüência do promotor utilizada era
representada por deleções na região
5’. Portanto, foram obtidos animais
transgênicos, nos quais o gene repórter LacZ tinha sua expressão dirigida
por 4kb, 3kb, 2kb e 500 pb.
Figura 3
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
13
A comparação entre o
padrão de expressão de
lac Z nos animais transgênicos que contêm 5 Kb ou
4Kb de seqüência reguladora mostrou que, apesar
das expressões serem relativamente mais baixas
nos transgênicos contendo 4kb de região regulatória, estas eram mantidas em todos os
locais de expressão do gene Msx-1,
exceto pela expressão na crista neural
cefálica, que estava ausente em todos
os animais analisados (Figura 4).
Esse resultado sugere
que a expressão do gene
Msx-1 na crista neural cefálica depende de elementos regulatórios presentes
na seqüência de 1kb deletada. A análise dessa seqüência sugere a presença
de um consenso para ligação de proteínas contendo
domínios “bicoid”. Entre
essas, a melhor candidata
a regular a expressão de
Msx-1 na cabeça é a proteína codificada pelo gene
Otx-2. Este gene é expresso durante a gastrulação
do embrião de camundongo na região anterior e,
posteriormente mostra um
padrão de expressão na
cabeça muito semelhante
ao do gene Msx-1.
Para testar essa hipótese, foram realizados experimentos de modificação
de mobilidade eletroforética (EMSA) (Figura 5 )
utilizando-se fragmentos
do promotor contendo
esse sítio e testando-os para
ligação de proteínas de
extrato nucleares de células da cabeça ou do tronco
de embriões em vários estágios de desenvolvimento. A especificidade da ligação foi garantida por experimentos de competição
e pela utilização de mutações introduzidas na seqüência em questão (Figura 6 ).
A identificação de uma
14
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
Figura 4 - Perda do padrão
de expressão de Lac Z cefálico no animal transgênico
contendo 4kb de região promotora do gene MSX-1
Figura 5
Figura 6
região responsável por ligar
a expressão do gene num
sítio tão importante como a
crista neural cefálica, que dará
origem a várias estruturas crânio-faciais, como ossos, gânglios e mesênquima, é um
passo importante para possíveis manipulações da atividade gênica na embriogênese.
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ANÚNCIO UNISCIENCE
(Fotolito enviado anexo)
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
15
A propagação in vitro de plantas.
CULTURA DE TECIDOS
O que é isso?
Cultura de tecidos vegetais - uma ferramenta fundamental no estudo da biologia moderna de plantas.
L. Pedro Barrueto Cid
Biólogo M.Sc. – Ph.D
Embrapa/Cenargen - Área de Biologia Celular
Autor do livro "O método científico, o cientista e a
sociedade", pela editora da Universidade do Amazonas.
[email protected]
Fotos do autor
Definição
Antecedentes históricos
A propagação in vitro de plantas,
Figs.1 e 2, chamada também micropropagação, é uma técnica para propagar
plantas dentro de tubos de ensaios ou
similares de vidro (por isso, o termo in
vitro), sob adequadas condições de
assepsia, nutrição e fatores ambientais
como luz, temperatura, 02 e CO2.
É uma parte importante de biotecnologia, conjuntamente com outras
duas áreas: DNA recombinante e fermentação. A cultura in vitro, apresenta
diferentes modalidades conforme os
objetivos de sua aplicação, como por
exemplo, cultura de protoplastos; anteras; calos (Fig. 3); células em suspensão (Fig. 4); sementes (Figs. 5 e 6),etc.
A teoria da totipotencialidade formulada por Matthias Schleiden & Theodor Schwann, em 1838, pode ser dita
que constitui um dos primeiros fundamentos da cultura in vitro, embora
seus formuladores nem tenham imaginado uma metodologia como essa.
A teoria afirma que a célula é autônoma, portanto, que contém o potencial necessário para originar um organismo completo; nesse caso, uma planta
completa. É claro que essa capacidade
deve manifestar-se sob especiais condições de estímulo. Em decorrência
desta teoria, células com diferentes
fenótipos dentro da planta têm idéntico genótipo. Haberlandt, um fisiólogo
vegetal austro-húngaro, por volta de
1902, imbuído dessa teoria, foi o primeiro a manipular um sistema de cultura in vitro de plantas, procurando estabelecer e consolidar um sistema de
micropropagação. Infelizmente, por limitações técnicas da época, seus esforços falharam. Contudo, alguns anos
mais tarde a partir dos trabalhos de
Robbin (1922) e White (1934) em ponta
de raízes; cultura de embriões, por La
Rue (1936); cultura de calos, por Gautheret Nobécourt (1939); enriquecimento de meios nutritivos com leite de
coco, por van Overbeek, 1941; uso de
plantas de tabaco como modelo experimental para estudo de morfogênese,
por Skoog, desde 1944, e uso de meristemas apicais na obtenção de plantas
livres de vírus, por Morel & Martin,
1952, abriram-se as estradas que a cultura de tecido de plantas percorreria
triunfalmente ao longo de todo o século
XX, com mais e mais descobertas e
aplicações.
Importância
Fig.1: Plântula de café cv Rubi, crescida in vitro e obtida a partir
16
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
de gema axilar de uma outra plântula similar a ela. Assim por
diante, outros clones podem ser obtidos
A cultura in vitro de plantas, é uma
técnica que não apenas apresenta importância prática na área florestal e
agrícola, mas, também na científica
básica.
Dentro do campo da biologia de
plantas talvez seja uma das técnicas
mais polivalentes. Assim, através da
cultura de protoplastos, podem-se hibridizar variedades diferentes, vencendo barreiras genéticas. Através da cultura de anteras, podem-se obter plantas
haplóides, que logo depois podem-se
diploidizar e transformar-se em homozigotos, isto é, indivíduos que produ-
zem um só tipo de gameta para um
determinado locus. Com a cultura de
células em meio líquido, podem-se obter
mutantes, isto é, genótipos que ganharam ou perderam alguma característica
específica. Com a cultura de embriões e
meristemas, podem-se fazer trabalhos
de criopreservação para conservar materiais em bancos de germoplasmas, com
economia de espaço e dinheiro, especialmente em espécies de reprodução
assexuada como batata, mandioca, abacaxi etc. Com a cultura de meristemas
apicais, pode-se pensar em obter plantas
livres de vírus, e com a cultura de gemas
axilares (Fig.7), propagar milhares de
plantas, com genótipos superiores, por
exemplo resistentes a nematóides, Fusarium etc. (Fig.8). Na mesma linha de
raciocínio, a embriogênese somática
(Fig.9), pode fornecer grandes quantidades de plântulas que podem servir de
base para plantios no campo, tanto na
área florestal quanto na agronômica e na
hortigranjeira. Por outro lado, a cultura
de tecidos dá suporte técnico a trabalhos
de transformação na área da genética e
na obtenção de plantas transgênicas,
hoje, assunto da moda e muito controvertido. No campo da aplicação básica, a
cultura de tecidos dá suporte técnico
também à bioquímica, à fisiologia vegetal, à fitopatologia e à citogenética. Na
bioquímica, para estudo e dilucidação
de rotas metabólicas. Na fisiologia, para
estudos de crescimento e desenvolvimento, efeito de metais pesados etc., na
fitopatologia, para estudos de toxinas; e na
citogenética, para estudos de cromossomos
ou aberrações cromossômicas (quebras cromossômicas).
Apesar de toda essa
diversidade de técnicas, a cultura de tecido
é uma só, e o denominador comum de todas
elas é: a assepsia, o
explante, o meio nutritivo e os fatores ambientais: luz, temperatura, C02 e 02.
Assepsia
Será entendida como um conjunto de
procedimentos para tornar um explante
livre de microrganismos (bactérias, fun-
Fig.2: Plântula de
banana obtida “in vitro”
e transferida para terra
em casa de vegetação
gos filamentosos, leveduras etc).
A respeito de como evitar microrganismos que possam contaminar o
explante, é inevitável o uso de antissépticos, sejam estes bacteriostáticos
ou germinicidas. Esses antissépticos
podem ser antibióticos ou de outra
natureza, como álcoois (álcool etílico);
halogênios (hipoclorito de sódio); sais
de metais pesados (bicloreto de mercúrio), fungicidas orgânicos etc. Em
relação à vidraria e aos meios de cultura, estes devem ser esterilizados para
que se destruam todos os microrganismos, por calor seco (forno, ar quente)
ou úmido (autoclave). Pinças bisturis e
Fig.3: Calo friável oriundo de
raízes de plântulas de eucalipto
in vitro (Eucalyptus grandis x
E.urophylla)
demais utencilios metálicos para a manipulação do tecido podem ser esterilizados por flambagem direta, como
por exemplo: lamparina com álcool ou
bico de Bunsen na câmara de fluxo
laminar, ambiente este axênico (livre
de germes) portanto, adequado para o
trabalho in vitro.
Explante
Dentro da terminologia da cultura
de tecidos, em geral, explante é qualquer segmento de tecido oriundo de
uma planta para iniciar uma cultura in
vitro, geralmente com as vistas a estabeler um protocolo de
plantas de genótipo superior. Assim, o explante
pode ser um ápice radicular ou caulinar, uma gema
axilar (Fig.7), um segmento de folha jovem (Fig.
10), uma antera, um ovário, um embrião zigótico,
etc. Esses explantes poderão devir plantas diretamente, ou passar por uma
etapa intermediária de
calo, antes de a planta ser
obtida. Um calo é uma
massa de células não diferenciadas do ponto de vista organogênico (brotos,
raízes, frutos etc), que está
em contínua proliferação
celular, podendo ser compactos, friáveis, esbranquiçados ou amarelados Fig. 3, etc.
Podemos realizar indução de plântulas a partir de um calo, com hormôBiotecnologia Ciência & Desenvolvimento
17
Fig.4: Aspecto microscópico
de um conglomerado de
células em suspensão, obtidas
a partir de calos friáveis de
raízes de plântulas de
eucalipto in vitro
nios vegetais ou reguladores do crescimento (estes últimos de ação hormonal, mas de origem sintética). Assim, numa reviravolta espetacular
(morfogênese) o calo começa a induzir brotos, mas a base molecular do
fenômeno na célula, ainda não é
especificamente conhecida, por isso
também a dificuldade de extrapolar
protocolos de micropropagação de
uma espécie para outra, ou de uma
variedade para outra. Contudo, muitas vezes, a incapacidade de induzir
brotos pode estar relacionada com a
poliploidia ou com aberrações cro-
mossômicas. Por
outro lado, discute-se muito se a
obtenção de plantas via calo é um
bom sistema para
clonar plantas
com fins comerciais. Embora a preocupação seja pertinente, há também nessa preocupação muita
carga especulativa. Dentro da biologia, clone é um
termo de origem
botânica e representa a idéia de
plantas que se originam de uma mesma matriz e, supostamente, possuem o
mesmo genótipo. Em cultura de tecidos, isso não necessariamente pode
ser verdade, por isso, então, essa dificuldade de aceitar sem suspeitas plantas via calo. Quando essa variabilidade
morfogenética acontece a denominamos variação somaclonal, embora
ela seja indesejável para a propagação
clonal, ela possui muito potencial no
estudos de melhoramento de plantas.
Meio nutritivo
a) sais minerais
Se uma planta no solo precisa para
crescer de elementos minerais que são
absorvidos pelas raízes, quanto mais
um explante, que é, por definição, um
pedaço de tecido separado da planta
mãe. E que elementos minerais são
esses? Os estudos da nutrição de plantas provenientes do âmbito da fisiologia vegetal informam que os elementos
que compõem o meio nutritivo da
cultura in vitro devem pertencer à
categoria dos essenciais, isto é, a planta
não se desenvolve na ausência deles.
Existem dois grupos deles: os macronutrientes e os micronutrientes. Entre
os primeiros, podem-se citar: fósforo,
magnésio, nitrogênio etc.; entre os
segundos, boro, manganês, cobre etc.
Os primeiros são adicionados em forma de sal, acima de 100 mg/l até o
máximo de 2.500, como no caso de
KNO3 em B5, enquanto os segundos,
na quantidade de fração de miligramas, uns poucos miligramas por litro
(máximo 27 mg no caso do Fe em
FeSO4. 7H2O). Não sendo o selênio,
rubídio e outros, essenciais para a
planta, não formam parte dos meios
nutritivos mais utilizados: tais como
MS, B5, White, Heller.
Embora a manipulação desses meios constitua um processo de receituário, existe muito fundamento fisiológico na sua utilização; por exemplo,
balanço líquido de cátions e ânions na
solução; antagonismo iônico (o aumento da absorção de um diminui a do
outro); percentagem crítica de um elemento (consumo de luxo); influência
do pH na disponibilidade dos sais para
a planta; absorção diferencial de íons
entre tipos de planta, exemplo: árvores
e gramíneas, estas últimas mais exigentes em bases; transporte ativo de íons
a nível celular; enfim, são conhecimentos que podem auxiliar de modo importante no estabelecimento de um
protocolo de cultura de tecidos para
uma espécie.
b) componentes orgânicos:
Fig.5: Fruto de mamão
(Carica papaya L. cv
tainung 1) mostrando
aspectos e quantidade de
sementes por fruto
18
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
sacarose
Um meio nutritivo também possui
componentes orgânicos, entre eles, sacarose, vitaminas e inositol, para citar
os mais utilizados.
A sacarose é importante como fonte de carbono para alimentar a glicólise
e o ciclo de Krebs, devido a que,
inicialmente, o tecido, explante, não é
suficientemente autotrófico. De um
outro ponto de vista, a sacarose, quando em presença de auxina, pode contribuir para a diferenciação do câmbio
em benefício de novas formações de
xilema e floema. Em alho, altas con-
centrações de sacarose (6%) têm melhorado ostensivamente sua bulbificação.
Sua concentração normalmente varia
entre 1% a 3 %, mas, por efeito da
autoclavagem e do pH, sua concentração no meio pode variar, já que é hidrolizada em glicose e frutose, sendo que
esses limites não são claros e esse problema pode tornar-se limitante para o
explante ou para a planta.
vitaminas
São substâncias requeridas por animais e plantas, embora estas últimas
sejam mais autônomas quanto à sua
Fig.6: Germinação de sementes de mamão sob condições in vitro, após
síntese. As vitaminas são importantes
ter-se retirado a sarcotesta e realizado sua assepsia
fatores catalíticos de rotas metabólicas
na célula. Nos trabalhos pioneiros da
cultura de tecido, os requerimentos de ser encontrado como pertencente ao mentos variam segundo as plantas, senvitaminas foram satisfeitos mediante su- complexo vitamínico B e necessário ao do que, no meio de cultura, as monocoplementos de composição pouco co- crescimento de leveduras e de células tiledôneas são muito sensíveis à sua
nhecidos, como extrato de leveduras, de animais (mamíferos) in vitro.
falta. No MS, o meio mais universalmenleite de côco, hidrolizado de proteínas,
Na área de cultura de tecidos vege- te utilizado, sua prescrição é 100 mg/
extrato de malte, etc. Hoje, apesar de tais, muitos o consideram uma fonte litro.
essa tendência não haver desaparecido, complementar de carboidrato, mais
o mais freqüente, é que, os meios nutri- que um composto vitamínico, e que
agentes gelificantes
tivos incorporem vitaminas específicas desempenha um papel importante na
São necessários, considerando que o
como B1 (tiamina), B6 (piridoxina), áci- formação de pectinas e hemicelulose explante e as plantas obtidas devem
do pantotênico, ácido nicotínico, ácido na parede celular. Seu uso data, apro- ficar sobre um suporte, para não afundaascórbico etc.
ximadamente, de 1951, e é decorrente rem. Em geral, os meios sólidos são
Não obstante as plantas sepreferidos aos de cultura líquirem capazes de sintetizar suas
da, sendo que estes últimos são
próprias vitaminas, fica a dúvida
mais caros pelo fato de exigirem
se a incorporação no meio é
um agitador para evitar o afogasempre necessária. Contudo, em
mento ou a hipoxia do explante.
se tratando de drenos, raízes, por
O agente gelificante forma
exemplo, a suposição de que
com a água um gel que funde a
nem todos os seus requerimen100°C e que solidifica por volta
tos nutricionais orgânicos sejam
dos 45°C; não é hidrolizado por
sintetizados ficou evidenciada já
enzimas e, aparentemente, não
em 1930, quando pesquisadores
reage com o resto de ingrediencomo Bonner, Robbins, White
tes do meio.
etc, observaram que, na presença
O ágar-ágar é um tipo de
de algumas vitaminas (tiamina,
agente gelificante de natureza
Fig.7:
piridoxina, ác. nicotínico, etc.), o
polissacarídica produzido por
Prévia assepsia, gema caulinar de abacaxi (Ananas algas (Gelidium amansii), sencrescimento das raízes (tomate,
ervilha e rabanete) melhorava comosus L. Merr. Cv Pérola) cultivada in vitro
do que sua composição em posensivelmente.
lisacarídeo pode variar de 50% a
Com respeito à quantidade a ser do fato de que, em muitos casos, sua 90 %, por isso, a procedência do mesmo
incorporada, ela varia desde fração de incorporação ao meio de cultura pro- é importante. Por outro lado, a autoclamiligramas até 10 miligramas por litro, moveu diferentes eventos: formação vagem pode hidrolizá-lo se o pH do
podendo ser esterilizada por filtração ou de gemas, crescimento de calos etc. meio está ácido, fazendo com que perca
autoclavagem.
Convém lembrar que, em algumas plan- firmeza e, dependendo da marca, o
tas, o myo-inositol está conjugado com agente gelificante pode apresentar immyo-inositol
a auxina, sendo essa uma forma de purezas, como cloro, bário, sulfato etc,
Este composto também descrito como estocar ou transportar aquele hormô- que podem afetar o crescimento dos
meso-inositol, é um isômero do inositol nio, ou, conjugado, em alguns tipos de explantes.
o que, apresenta importância biológica, sementes, com o ácido fosfórico, forGelrite (Merck) é um outro tipo de
já que participa da internalização de mando o ácido fítico.
agente gelificante. Produzido pela bacestímulos externos a partir de receptores
A respeito da sua aplicação, a infor- téria Pseudomonas elodea, é usado em
de membrana. Na literatura médica, pode mação disponível é que os requeri- menor quantidade (2,5 g/l); uma vez
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
19
solidificado, é transparente, o
que facilita a observação da
raiz e focos de contaminação.
Com íons, como Ca++ e Mg++,
forma um elo mais firme do
que com cátions monovalentes
(K+ e Na+).
Devem-se ter cuidados porque, às vezes, os agentes gelificantes, incluída a agarose,
podem induzir hiperhidricidade (vitrificação) nos brotos ou
plântulas obtidas. A hiperhidricidade é uma anomalia do tecido, na qual este fica rígido e
quebradiço (glassy shoot), havendo malformação de estômatos na plântula e dificuldade
para enraizar. É um fenômeno
complexo e depende também
de outros fatores como umidade, amônia, citocinina, pH etc.
hormônios
Estes representam o alma mater da
cultura de tecido, porque são eles que
direcionam o processo morfogenético.
Agrupam-se tradicionalmente em 5 grupos: auxinas, citocininas, giberelinas,
etileno e ac. absícico, sendo, os três
primeiros os mais usados na micropropagação. Por exemplo, sob condições
in vitro, uma planta de abacaxi pode ser
clonada através de uma gema axilar, a
qual, é induzida a produzir inúmeros
brotos com citocinina, que, depois de
alongados com giberelinas, podem ser
enraizados com auxina e transferidos
para terra em casa de vegetação.
Quando se fala de hormônios, é sempre oportuno registrar uma diferenciação terminológica importante. Trata-se
dos chamados “reguladores de
crescimento”, que são substâncias que têm ação similar
aos hormônios, porém, têm
origem sintética. Assim, o ácido indol acético (AIA) e o
Picloram são duas auxinas, mas,
enquanto o primeira é hormônio, a segunda é um regulador
de crescimento, que, na prática laboratorial, terminam sendo chamados de hormônios.
Em geral, tanto uns como
outros são usados na ordem de
uns poucos µM até 40 µM. No caso do
meio ter carvão ativado, pode-se aumentar a concentração em até 100 µM.
Por outro lado, as auxinas e giberelinas
20
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
tidas em freezer ou refrigerador.
Fatores ambientais:
Fig.8: Plântula de abacaxi
oriunda de uma gema caulinar.
Por micropropagação milhares
dessas plântulas (clones)
podem ser obtidas
podem ser dissolvidas em NaHO (0,1 1 N) e as citocininas em HCl também na
faixa de 0,1 - 1 N. Em doses maiores
produzem efeitos tóxicos ou teratológicos ou ainda inibirem a fotosíntese,
como é o caso da auxina sintética 2,4D ( ácido 2,4-diclorofenoxiacético).
No caso de seu uso em quantidades
pequenas, é aconselhável obtê-los de
soluções estoques que devem ser man-
Fig.9: Embriões somáticos
de café, obtidos a partir de
explantes foliares de cv Rubi
luz
Luz e temperatura são dois
fatores importantes nas salas de
cultura, onde devem ser controlados para que as plantas ali
mantidas se desenvolvam adequadamente. São raras as salas
de cultura com iluminação constante.
A luz é importante para a
planta sob três pontos de vista.
Do ponto de vista da fotossíntesse, da fotomorfogênese e do
fototropismo; por isso, a sua
inclusão numa sala de cultura.
Nessa sala, a luz deve seguir um
determinado fotoperíodo, por
exemplo, 16 h luz e 8 de escuro, sendo
que, nas prateleiras a irradiância (densidade de fluxo radiante por superfície, W
m-2, ou densidade de fluxo de fótons,
µmol m-2 s-1)1 pode variar de 8 a 15 W m2
. Embora nas salas seja usada luz branca
fluorescente, a composição espectral pode
variar conforme as marcas comerciais
oferecidas. Algumas podem apresentar
mais irradiação na região do azul / violeta
(perto de 71 kcal/Einstein ); outras, na
região do laranja / vermelho ( cerca de 43
kcal/Einstein) Essas variações podem representar impactos diferentes na cultura
in vitro, segundo a espécie em questão.
Assim, em alguns casos, uma luz mais
rica em vermelho que azul pode, por
exemplo, estimular melhor a indução de
raízes adventícias. Já em outros
casos, a luz azul pode estimular
mais a brotação de calos que
outros comprimentos de onda,
mas esta também pode contribuir a quebrar a molécula de
AIA.
De modo geral, a luz branca
estimula a indução de brotos,
porém, tende a inibir a indução
de raízes. Entretanto, é bom
lembrar que o nível de irradiância é importante na resposta
morfogenética. Sendo assim,
uma irradiância baixa (3 W m-2)
pode ser mais efetiva que uma
irradiância alta (12 W m-2) na
indução de brotos a partir de
calos, ou vice-versa.
Pode-se contornar o problema de se
obterem maiores ou menores irradiâncias com o número de lâmpadas por pra-
teleira ou determinando que
altura deverá ter a prateleira.
Para a cultura in vitro,
irradiâncias maiores que 15
W m-2 podem reduzir a fotosíntesse das plantas, o que
não necessariamente pode
acontecer em condições de
campo. Irradiâncias maiores na sala de cultura obviamente contribuirão para
elevar a temperatura dos
frascos, embora se saiba que,
em café, irradiâncias altas
não reduziram a fotosíntesse quando a temperatura
foliar permaneceu constante a 25 °C.
temperatura
Em geral, nas salas de cultura, a
temperatura a ser usada varia entre 24º
e 27°C. É importantíssimo contar com
um sistema de refrigeração acionado
por termostato para manter fixa a temperatura. O fato de os reatores das
lâmpadas ficarem fora da sala de cultura, ajuda, ou senão, o uso de reatores
eletrônicos, que não esquentem. Mesmo com todas as precauções de manter
as variações de temperatura sob controle, sempre temos nas placas ou
tubos de ensaios problemas de condensação da água nas paredes desses
materiais. Existem câmaras ou incubadoras que evitam esse problema, mas
seu preço é “proibitivo”. Com respeito
às necessidades eventuais de temperaturas alternadas entre o dia e a noite, é
preferível usar incubadoras para lograr
isso.
02 e C02
Existe pouca informação sobre o
microclima gasoso dentro do tubo de
ensaio. De qualquer maneira, a presença deles é importante para a respiração do explante ou para a fotossíntesse da plântula. No que diz respeito
à respiração aeróbica-(glicólise + ciclo
de Kreb), considerando apenas um
tecido heterotrófico, e em se tratando
de tubos de ensaio, podemos supor
que, no volume disponível acima do
meio sólido, existe, inicialmente, uma
concentração e uma pressão parcial do
02 equivalente à atmosférica (25 °C e 1
atmosfera); isso é:, 8,6 mM e 0,2 atmosfera, respectivamente, embora esse
valor, no decorrer do tempo, possa
Fig.10: Explante foliar de café,
mantido no escuro, insinuando, após 30 dias, formação de
calo pela ação de um regulador de crescimento presente
no meio nutritivo
diminuir no interior do tubo e a
respiração anaeróbica, supostamente, não começará a operar antes da
repicagem seguinte do material. É
provável que, em níveis de 0,3 mM e
0,07 atmosfera de pressão parcial do
02 no espaço interior do tecido (explante, calo etc.) essa respiração rapidamente comece a operar e, com isso,
iniciar-se a morte do explante. Isso
levanta a questão sobre a transferência periódica do material, o volume
do frasco e a permeabilidade ou não
da tampa.
A concentração de C02 de 350 µl /
l no ambiente externo não necessariamente reflete a concentração de C02
no ambiente interno do tubo de ensaio. Muitas vezes ela pode ser maior
no tubo, devido à respiração da plântula no período noturno. Por outro
lado, no caso de uma plântula com
irradiância de 60 µm m-2 s-1 e aquela
quantidade de C02 rapidamente deveria ultrapassar o ponto de compensação. Contudo, parece que essas interações são mais complexas do que
parecem, porque existem evidências
de que a presença de sacarose no
meio pode deprimir a rubisco, reduzir
a fotosíntesse e, conseqüentemente, a
utilização de C02 e, dessa forma, a
plântula não apresentará sinais de
crescimento satisfatório e
provocará reações de desconcerto no observador,
sobre as possíveis causas
de seu não crescimento.
Tentou-se aqui apresentar uma visão sinóptica do
que seja a cultura de tecido
in vitro e sua importância
para a biologia de plantas.
No campo econômico, sem
ir muito longe, basta lembrar que, através dessa técnica, a floricultura movimenta milhões de dólares e
de plantas anualmente.
Na Embrapa /Cenargen
(Brasília DF) usamos essa
técnica em quatro frentes:
na micropropagação , na
criopreservação, na conservação de germoplasma e na transformação, todas elas, visando a uma
agricultura mais moderna e competitiva para o país.
Bibliografia
BARRUETO CID, L.P. (Ed.). Introdução aos hormônios vegetais. Brasília: Embrapa Recursos Genéticos e
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223 p.
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
21
Transgênico resistente a
PESQUISA
GEMINIVIRUS
Feijoeiro geneticamente modificado imune ao vírus do mosaico dourado
Francisco José Lima Aragão
PhD em Biologia Molecular
[email protected]
Giovanni Rodrigues Vianna
MsC. , Doutorando em Biologia Molecular
Margareth das Mercês Cerqueira Albino
Graduanda em Biologia
Bárbara Barreto Andrade Dias
Graduanda em Biologia
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
Brasília, DF
Josias Corrêa Faria
PhD em Fitopatologia
Embrapa Arroz e Feijão
Santo Antônio de Goiás, GO
[email protected]
Fotos cedidas pelos autores
s plantas são, direta ou
indiretamente, a principal fonte de combustíveis, de remédios, de
material de construção e,
principalmente, de alimentos. Talvez,
por essa importância vital, não se deva
ficar surpreso que o homem, desde
tempos remotos, tenha se preocupado em desenvolver os tipos que melhor satisfaçam às suas necessidades.
A sistematização dos métodos de obter tais plantas resultou na ciência do
Figura 1: A) Estrutura da região intergênica (RI) do BGMV mostrando o
elemento iteron (→→), o TATA box e a estrutura em stem-loop. B)
Detalhe da origem de replicação do BGMV, os sítios de clivagem e ligação
da proteína viral Rep. A seqüência nanomérica comum a todos os
geminivirus está indicada pelo semi-círculo pontilhado. O último A do
nanonucleotídio (em vermelho) é a base onde ocorre o corte do DNA
durante a replicação
22
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
melhoramento genético de plantas.
Problemas como ausência da característica de interesse dentro da espécie
e incompatibilidade sexual sempre
foram empecilhos para se obterem
plantas ou organismos com as combinações genéticas desejadas pelos pesquisadores para satisfazer as crescentes demandas da sociedade; em outras
palavras: a variabilidade genética existente na natureza não poderia ser
explorada em todo o seu potencial.
Gradativamente, os pesquisadores foram selecionando as melhores raças
de plantas e de microorganismos. Portanto, a ação do homem foi a de retirar
da natureza os organismos que tinham um melhor conjunto de genes
capaz de produzir, eficientemente, produtos para a alimentação, a saúde
humana e o uso industrial. Quando o
rendimento ainda é baixo, o homem
utiliza-se de novos conhecimentos científicos para fazer o melhoramento
genético, através de cruzamentos, indução de mutações no genoma dos
organismos, etc. Em tempos mais recentes, com os avanços na cultura de
tecidos, biologia molecular, bioquímica, etc., o homem passou a melhor
entender os organismos e a poder
trabalhar mais intensamente o potencial do material genético (genes) disponível. Com a tecnologia do DNA
recombinante, o homem pôde manipular os genes de interesse, e utilizando-se de várias tecnologias, transferílos para a espécie desejada, sem ter
que passar pela fecundação.
Resistência derivada
do patógeno
Sanford & Johnson (1985) foram
os primeiros a propor a obtenção de resistência a patógenos em plantas geneticamente modificadas, pela utilização de seqüências genômicas dos próprios patógenos. Na verdade, esse conceito havia sido empregado
há várias décadas. Antes mesmo de se conhecer a composição dos vírus de plantas,
por volta de 1929, foram feitas observações de que inoculando-se plantas de fumo
com uma estirpe fraca de
vírus do mosaico do fumo,
ao tentar reinocular com uma
estirpe que causava sintomas mais severos, as plantas
encontravam-se protegidas
contra a super infecção
(McKinney, 1929). Isto veio a
se chamar proteção cruzada.
O mecanismo de tal proteção nunca foi completamente desvendado. Nos anos
80, com o desenvolvimento
de técnicas moleculares, foi possível
testar a hipótese de que a proteção
era mediada pela capa protéica (CP)
do vírus, e que a resistência era
válida para vírus homólogo ao que
forneceu a capa. Sem se importar
com qual que fosse o mecanismo, a
tecnologia recebeu a denominação
de “pathogen derived resistance”,
que traduzimos como ‘resistência
derivada do patógeno’.
Uma seqüência lógica do desdobramento desse conceito foi o desenvolvimento de estratégias para
resistência a viroses, uma vez que os
vírus, apesar de terem biologia molecular complexa, são, na maioria
dos casos, estruturalmente mais simples que outros organismos causadores de doenças em plantas. A
primeira estratégia empregada foi a
expressão da CP em plantas geneticamente modificadas (PGM) através
da tecnologia do DNA recombinante. O primeiro caso de sucesso foi a
expressão da CP do vírus do mosaico do fumo (TMV) em plantas de
fumo, gerando linhagens resistentes
ao vírus (Powell et al 1986). Desde
então, uma série de outras tentativas
de utilização dessa estratégia foram
realizadas, com a utilização de genes
estruturais e não estruturais (para
uma revisão, ver Souza & Gonsalves,
1999). Brevemente pôde-se listar: (1)
expressão da capa protéica, (2) uso
de satélites, (3) RNA senso e antisenso, (4) RNAs defectivos, (5) expressão da replicase, (6) expressão de
proteínas do movimento, (7) expressão de anticorpos (plantbodies).
Em nossos laboratórios (Embrapa Arroz e Feijão & Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia), temos como objetivo introduzir resistência ao vírus do mosaico dourado
do feijoeiro (BGMV) em Phaseolus
vulgaris, através de métodos de biologia celular e molecular. Não existe
imunidade nem mesmo alto grau de
resistência a essa virose em germoplasma de Phaseolus spp.
Paulo (Costa 1965). Seu agente
transmissor, a mosca branca (Bemisia tabaci Gennadius), foi também identificado. Subseqüentemente, um vírus de partículas
geminadas foi identificado, associado às plantas mostrando sintomas de mosaico. Esse vírus foi
então denominado vírus do mosaico dourado do feijoeiro - VMDF
(em inglês: bean golden mosaic
virus - BGMV), um geminivirus.
No início dos anos 70, as
plantações de feijoeiro nos estados de São Paulo, Paraná e Minas
Gerais foram severamente atingidas pelo mosaico dourado. Esse
fato foi atribuído ao avanço da
cultura da soja e de outras culturas hospedeiras da mosca branca. Em algumas regiões, devido à
grande incidência da doença, os
agricultores tiveram como única
opção parar com o plantio do
feijão.
Essa doença está hoje disseminada por todas as áreas produtoras de feijão do Brasil. Doença
semelhante é encontrada.em outros
países das Américas, tais como Cuba,
República Dominicana, Porto Rico,
Jamaica, Estados Unidos, México,
Belize, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Venezuela e Colômbia.
No Brasil, em condições de campo, as perdas ficam em torno de 40%
a 85%, podendo chegar a 100% (Menten et al 1980, Gálvez & Morales
1989), dependendo da cultivar, do
estágio das plantas quando infectadas e do isolado do vírus.
Quanto aos sintomas, inicia-se
pelas nervuras das folhas, que, numa
etapa mais avançada, exibem um
amarelo brilhante na maior parte do
limbo foliar, formando um mosaico.
Ocorrem ainda distorções foliares,
nanismo, malformação de vagens e
sementes. Além disso, as sementes
provenientes de plantas infectadas
têm a germinação afetada.
O mosaico dourado do feijoeiro
O Vírus
O mosaico dourado do feijoeiro
foi inicialmente descrito pelo Dr Álvaro Santos Costa como uma doença
que, inicialmente não teria importância econômica no Estado de São
O BGMV consiste numa partícula
icosaédrica, que contém DNA de fita
simples, circular, como material genético. Trata-se de vírus com genoma
dividido em dois componentes, de-
Figura 2: Plantas transgênicas
de feijoeiro cultivadas in vitro
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
23
Figura 3: Linhagem imune ao vírus do mosaico dourado do feijoeiro.
Esquerda: planta não transgênica inoculada com o virus mostrando os
sintomas de mosaico dourado. Direita: planta transgênica inoculada com
o vírus sem qualquer evidência de sintoma
nominados A e B, sendo encapsidados independentemente. Replica-se
no núcleo de células do floema do
hospedeiro, através de um mecanismo conhecido como círculo rolante,
tendo DNA de fita dupla como intermediário de replicação. O DNA A
contém os genes necessários para a
replicação e encapsidação da progênie viral, enquanto o DNA B contém os genes requeridos para o
movimento célula-a-célula e a longa
distância, gama de hospedeiros e
desenvolvimento de sintomas (Timmermans et al 1994). Ambos os
componentes são necessários para
a infecção sistêmica de plantas. Exceto por uma seqüência de aproximadamente 200 nucleotídeos, denominada de região comum, os dois
componentes não apresentam similaridade significativa em suas seqüências de nucleotídeos. O DNA A
contém o gene da CP (ORF AV1,
gene cp) e três no sentido complementar (ORFs AC1, AC2 e AC3),
correspondentes aos genes rep (que
codifica o gene para uma proteína
associada à replicação); trap (“transactivation protein”, que é o fator de
transcrição que atua in trans no
promotor de genes de sentido viral
24
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
(cp e mp), - Sunter & Bisaro 1991,
1992; na presença de trap, a expressão do promotor da proteína capsidial
foi aumentada em cerca de 60 a 90
vezes –Brough et al 1992), e ren (que
é um fator de amplificação da replicação viral, que, embora não seja essencial para que a replicação ocorra,
provoca um acúmulo de DNA viral
muito maior quando está presente).
No DNA B, estão localizadas as ORFs
BV1 e BC1, correspondentes aos genes ns e mp, respectivamente (Palmer
& Rybicki 1998). A proteína ns (“nuclear shuttle”), anteriormente BR1 ou
BV1, é necessária para o tráfico intracelular de DNA viral do núcleo para o
citoplasma, enquanto que a mp (“movement protein”), anteriormente BL1
ou BC1, está envolvida no movimento
do DNA viral célula-a-célula, via plasmodesmas. A proteína Rep é a única
essencial para a replicação.
O DNA de vários isolados do BGMV
foram completamente seqüenciados.
O vírus do mosaico dourado amarelo
do feijoeiro (BGYMV) da República
Dominicana e da Guatemala (Faria et
al 1994); de Porto Rico (Howarth et
al., 1985) e (BGMV); e o do Brasil
(Gilbertson et al., 1993 - Acesso do
GenBank M88686 e M88687).
O BGMV é transmitido na natureza
pela mosca branca, de uma forma
circulativa. Os isolados do BGYMV
podem ser transmitidos por inoculação mecânica, isto é, através do extrato de uma planta infectada, friccionado sobre a folha de uma planta sadia.
Entretanto, o isolado brasileiro, BGMVBR, não é transmitido dessa forma
(Costa, 1965). Recentemente, pode-se
transmitir um isolado brasileiro do
vírus, clonado no vetor pBSKS+ (Stratagene), através do processo de biobalística (Aragão et al., 1995). O BGMV
não é transmitido através das sementes (Costa, 1965).
Cerca de 151 espécies e/ou isolados de Geminividae foram inteiramente seqüenciados. Um exame da
seqüência dos vários geminivirus revela a existência de um nanômero
conservado em todas as espécies, localizado na região intergênica tanto
do DNA-A quanto do DNA-B. Esse
nanômero (TAATATTAC), chamado
de SCE (elemento estruturalmente conservado), foi logo reconhecido como
a origem de replicação (ori) e como o
sítio de clivagem do DNA pela proteína associada à replicação. Esse elemento SCE está localizado dentro de
uma seqüência conservada de 30 nucleotídeos, com potencial para formação de uma estrutura em forma de
grampo. A manutenção conformacional dessa estrutura é fundamental para
sua função de origem de replicação
(Orozco & Hanley-Bowdoin, 1996).
Outro elemento, chamado de ‘iteron’,
foi localizado a montante dessa estrutura de grampo, repetido duas vezes
(no caso do BGMV), ao lado da região
TATA (Figura 1), que foi caracterizada
como a região de ligação da Rep ao
DNA (Walker et al 1982; Lazarowitz et
al., 1992; Fontes et al., 1994). Os
iterons são específicos para cada vírus. Por exemplo, os iterons do BGMVBR são diferentes daqueles em
BGYMV-GA e em BGYMV-PR No
entanto, sua posição relativa e sua
orientação são conservados dentro de
Geminiviridae filogeneticamente relacionados.
A proteína associada à replicação
(Rep), codificada pelo gene rep, tem
sido alvo de um grande número de
estudos nos últimos anos. Essa proteína possui várias funções associadas à
replicação: (1) dirigir o complexo re-
plicativo para a origem de replicação;
(2) desenovelar o DNA molde (atividade de helicase); (3) clivar o DNA e
iniciar o mecanismo de círculo rolante; e (4) separar os genomas após a
replicação (atividade de nuclease e
ligase). Além da sua principal atividade na replicação, a Rep está envolvida
na sua autoregulação: repressão de
sua própria síntese ao nível de transcrição.
Uma seqüência consenso (NTPbinding motif) (EGX4GKTX22DD) foi
encontrada na replicase de doze geminivírus analisados (Hanson et al
1995). Experimentos feitos in vivo
mostraram que uma simples mutação
na replicase do BGMV [de lisina (K)
para histidina (H), ou de ácido aspártico (D) para arginina (R)], anulou a
replicação viral e o aparecimento dos
sintomas nas plantas de feijoeiro inoculadas (Hanson et al 1995).
Mutações de lisina (K) para histidina (H) na Rep do tomato
yellow leaf curl geminivirus
(TYLC) reduziram significativamente a atividade de ATPase
dessa enzima.
Outro motivo conservado
(DVKXYXXKD) no domínio
amino terminal da Rep dos geminivirus foi identificado como
sítio de clivagem e ligação ao
DNA, sendo a tirosina (Y) presente nesse consenso o aminoácido ativo.
A estratégia de RNA antisenso foi
empregada para vírus de diferentes
grupos, tais como comovirus, potyvirus, tobamovirus e outros. Na maioria
dos casos, usou-se o mRNA antisenso
para o gene da CP. Em geral, obtevese apenas um nível limitado de proteção, isto é, a proteção ficou limitada a
baixos níveis de inóculo viral.
Entretanto, o uso de RNA antisenso tem sido bastante eficiente no bloqueio da expressão de genes nucleares em plantas. Esses resultados serviram como suporte para a hipótese de
que essa estratégia fosse útil no bloqueio de vírus com parte de seu ciclo
de vida e de replicação ocorrendo no
núcleo, tais como geminivírus e caulimovírus (Wilson 1993).
Os mecanismos de ação de seqüências antisenso ainda são apenas
parcialmente compreendidos. Em ge-
Estratégias para resistência
Em geminivirus, a expressão
da capa protéica não tem apresentado resultados satisfatórios.
De fato, plantas transgênicas de
fumo expressando a CP do abutilon mosaic geminivirus mostraram sintomas parecidos com
os da infecção pelo vírus, e
proporcionais à expressão do
gene (Wilson 1993). Provavelmente isso se deve ao fato de a
CP não ser essencial à infecção
e ao desenvolvimento de sintomas em
plantas infectadas por geminivirus.
Assim, têm sido propostas outras
estratégias para obtenção de plantas
transgênicas resistentes a geminivírus,
tais como o RNA antisenso e a expressão da CP e proteína associada a
replicação mutada.
Figura 4: Vagens e sementes
de plantas transgênicas (T) e
de plantas não transgênicas
(NT), ambas inoculadas com
o vírus do mosaico dourado
do feijoeiro
ral, é proposto que essas seqüências
interfeririam, em nível traducional, de
forma direta ou indireta, podendo ser
em nível nuclear ou citoplasmático. A
nível nuclear, a hibridização RNAantisenso e mRNA pode interferir no
processamento do pré mRNA, inibindo o splicing, ou ainda o transporte do
mRNA do núcleo para o citoplasma.
Esse dúplex formado pode ser reconhecido pela RNase H a nível nuclear
ou citoplasmático, e, subseqüentemente, o mRNA é degradado. No nível
citoplasmático, a interação do RNA
antisenso e do mRNA pode interferir
na ligação de fatores de iniciação de
tradução ou inibir diretamente a tradução do mRNA pelos ribossomos.
Interações RNA antisenso e DNA podem também ocorrer, sendo esse híbrido também substrato para a RNase,
que hidrolisa a fita de RNA.
Os fenômenos de co-supressão, podem também ser
responsáveis pela resistência
a vírus em plantas transgênicas. A presença de uma seqüência de DNA no genoma
da planta poderá suprimir a
expressão (silenciar) do próprio gene e de um gene homólogo presente. Assim, a
presença de uma seqüência
do vírus integrado ao genoma da planta poderá silenciar
sua expressão por parte do
próprio vírus, quer por interações entre os genes, quer
por metilação ou ativação de
mecanismos específicos de
degradação de RNA.
Seqüências que englobam
os genes rep, trap, ren, e mp
do BGMV-BR foram posicionadas em antisenso, sob controle do promotor 35S do cauliflower mosaic virus (35S
CaMV). Essa construção foi
então utilizada para obtenção
de plantas transgênicas de feijoeiro (Aragão et al 1996).
Isolados do BGMV de alguns estados do Brasil (Goiás, São
Paulo e Pernambuco) foram caracterizados no nível molecular e achou-se
que havia uma grande homologia entre
suas seqüências (75-100%) (Faria e
Maxwell, 1999). Portanto, considerase que o isolado utilizado nesse estudo representa os demais isolados exisBiotecnologia Ciência & Desenvolvimento
25
tentes no país.
As plantas transgênicas com as
seqüências do BGMV foram autofecundadas durante 4-5 gerações e,
então, inoculadas com o vírus. A
inoculação foi feita com a utilização
de moscas brancas virulíferas. Algumas linhagens transgênicas não apresentaram diferença significativa nos
sintomas em relação às plantas não
transgênicas. Entretanto, duas linhagens mostraram um retardamento
no aparecimento dos sintomas, além
desses serem mais fracos que aqueles normalmente apresentados pelas plantas controle. Além disso,
uma titulação do vírus através de
análises por Southern blot nas plantas inoculadas mostrou que havia
uma quantidade inferior de DNA
viral nas plantas transgênicas (Aragão et al., 1998).
Transdominantes letais
Embora os resultados tenham
sido bastante animadores, o nosso
objetivo principal ainda era a obtenção de plantas imunes ao vírus, isto
é, linhagens nas quais não ocorresse
replicação viral. Assim, outra estratégia foi proposta, denominada transdominância letal. Essa estratégia envolve a criação de uma Rep não
funcional que interferiria com a ligação do tipo normal de Rep produzido pelo vírus (Hanson et al., 1995).
A mutagênese da proteína Rep de
BGMV mostrou que a mutação de
um códon no sítio envolvido na
etapa de corte do DNA (Hoogstraten et al., 1996) ou no motivo de
ligação e transferência de nucleosídeo trifosfato - NTP-binding motifs (Hanson et al., 1995) são letais. Esses dois motivos são conservados
em todas as proteínas Rep, e são
sítios atrativos para construir plantas
transdominantes letais (Hanson et
al., 1999). Obtivemos plantas transgênicas contendo o gene rep com a
mutação D262R (ácido aspártico da
posição 262 para arginina), que inibiu eficientemente a replicação do
DNA A, em trans, em experimentos
com células de fumo. Entre as plantas transgênicas de feijão obtidas, foi
possível conseguir a completa resistência ao vírus. Essas plantas estão,
no momento, na terceira geração,
26
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
apresentando o mesmo comportamento.
Na próxima fase será realizado
um estudo mais detalhado do comportamento das plantas transgênicas de feijoeiro em condições de
campo. Nesses estudos, seriam avaliadas as interações das plantas transgênicas com outras plantas do ambiente agrícola, e também a estabilidade da expressão dos genes introduzidos. Dessa forma, devem ser avaliadas as questões relativas à biossegurança. Além disso, há ainda necessidade de estudo do comportamento desses genes no que diz
respeito a fatores relacionados com
a interação destes e a complexa
fisiologia dessas plantas submetidas
a estresse natural nas condições agroclimáticas tropicais.
Entre outras conclusões do nosso trabalho, pode-se afirmar que: a)
É possível a transformação consistente de feijoeiro via método de
biobalística; b) O gene rep mutagenizado no motivo relacionado com a
ligação de nucleosídio trifosfato,
expresso em trans, inibiu completamente a infecção das plantas, pelo
menos quanto ao vírus homólogo
ao de onde fora extraído o gene.
Agradecimentos
Os autores agradecem o excelente suporte técnico dado pelas
seguintes pessoas: Elsa O. P. L. Nogueira, Vanderlino M. Santana., Warley Almeida e Luiz Lemos. Este trabalho foi financiado pela EMBRAPA, PADCT, CNPq.
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ANÚNCIO UNISCIENCE
(Repete Fotolito)
(Repete Fotolito pág. 41 última edição)
Atenção: são dois anúncios da Uniscience:
Um inédito (fotolito novo enviado em anexo) que entra na página 15 desta edição.
O outro (desta página) que repete o que saiu na página 41 da última edição.
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
27
Pesquisa
Biotransformação de
ÓLEOS E GORDURAS
Utilização de lipases para obtenção de biocombustível
Maria da Graça Nascimento
Doutora em Química Orgânica pela UNICAMP
e professora do DQ-UFSC
[email protected]
Pedro Ramos da Costa Neto
Doutorando no DQ-UFSC
Licenciado pelo CEFET/PR
[email protected]
Lilian Maria Mazzuco
Iniciação Científica no DQ-UFSC
[email protected]
Departamento de Química
Universidade Federal de Santa Catarina - SC
Fotos cedidas pelos autores
Aspectos Gerais
As lipases, E.C.3.1.1.3., fazem parte de um grupo de enzimas hidrolíticas, com cerca de 300 resíduos de
aminoácidos, que catalisam a quebra
de ligações ésteres de acil gliceróis.
Elas não requerem cofatores, são de
baixo custo, regioespecíficas, atuam
em uma larga faixa de pH e, além de
efetuar reações de hidrólise, podem
também exercer atividade catalítica
(Figura 1).
nesse seguimento ainda não está suficientemente difundido (Bon e Pereira 1999). Segundo alguns trabalhos, que fazem parte da literatura, as
lipases têm sido empregadas em processos de extração de óleos, melhoramento das propriedades físicas e
nutricionais de gorduras por interesterificação (Macrae 1983, Pecnik e
col.1992, Konishi e col. 1995, Hayes
1996, Glosh e col.1997, Facioli e col.
1998), limpezas de tripas em abatedouros bovinos (Burin e col.1994),
hidrólise e degomagem de óleos vegetais na industria (Bon e Pereira
1999).
Biocombustíveis
Figura 1. Reações
catalisadas por lipases
28
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
As lipases são dotadas de uma
especificidade pelo substrato que
supera todas as outras enzimas conhecidas. Isso lhes confere uma aplicação de fronteiras. Elas podem ser
empregadas na produção de fármacos, cosméticos, detergentes, alimentos, perfumaria, diagnósticos médicos, síntese de compostos opticamente ativos, resolução de racematos, produção de aromas e fragrâncias, modificações de gorduras e tratamento de couros (Basheer 1995, Bon
e Pereira 1999, Faber 1997).
Considerando-se as transformações de óleos e gorduras em derivados ou matérias-primas industriais, o
potencial de aplicações de enzimas
Com exceção de hidrelétricas e da
energia nuclear, a maior parte de
toda a energia consumida no mundo
vem do petróleo, do carvão e do gás
natural. Como essas fontes são limitadas e deverão se esgotar no futuro, a
visão de uma fonte alternativa de
energia é de vital importância.
A produção de biocombustíveis
alternativos para o óleo diesel, provenientes de óleos vegetais brutos,
tem sido tema de diversos estudos.
Historicamente, relata-se que o próprio Rudolf Diesel desenvolveu pesquisas utilizando óleos vegetais em
seus motores. Apesar de favorável
energeticamente, o uso direto desse
produto em motores é problemático
devido à sua alta viscosidade (11 a 17
vezes maior que a do óleo diesel) e
baixa volatilidade, o que impede a
sua queima completamente, formando depósitos nos bicos injetores dos
motores. Deve-se considerar também,
que a decomposição do glicerol produz acroleína (substância altamente
tóxica).
Portanto, visando a reduzir a alta
viscosidade dos óleos vegetais, diferentes alternativas têm sido consideradas, tais como: diluição; microemulsão com metanol ou etanol; decomposição térmica; craqueamento
catalítico; e reação de transesterificação com etanol ou metanol. Entre
essas alternativas, a transesterificação
é a melhor escolha. Os ésteres de
ácidos graxos obtidos são conhecidos como biodiesel e apresentam
características físicas semelhantes às
do óleo diesel, podendo ser utilizados em motores do ciclo diesel sem
nenhuma modificação (Schuchardt e
col. 1998, Costa Neto e col. 2000).
A transesterificação de óleos e
gorduras pelo processo químico,
embora seja simples, rápido e com
alto rendimento, apresenta algumas
desvantagens. A primeira refere-se
ao catalisador (ácido ou base), que,
ao final do processo, permanece misturado com o principal subproduto
da reação, que é a glicerina, dificultando sua separação e purificação.
Utilizando um processo enzimático,
essas dificuldades podem ser minimizadas e existirá a possibilidade de
obter-se tanto biodiesel como glicerina, com maior grau de pureza e
possibilidade de reutilização do biocatalisador. Uma segunda desvantagem do processo químico está relacionada com o tipo de álcool utilizado,
que, de modo geral, utiliza-se metanol. Nesse caso, a alcoólise enzimática com etanol hidratado apresenta
grandes vantagens em relação ao
metanol, tais como custo e toxidade.
Além disso, o etanol é um produto
obtido através de biomassas e, dessa
maneira, o processo se torna totalmente independente do petróleo (tabela 1).
Embora os processos de transesterificação enzimática para obtenção
de biodiesel ainda não sejam comercialmente desenvolvidos, novos resultados têm sido reportados em artigos e patentes (Schuchardt, et. al.
1998). O aspecto comum desses estudos consiste na otimização das condições de reação (solvente, temperatura, pH, tipo de microorganismo que
gera a enzima, etc.), a fim de estabelecer as características para aplica-
Tabela 1. Principais vantagens e desvantagens
enzimático para a produção de biodiesel
Processos Vantagens
Químico
Simplicidade
Alto rendimento
Curto tempo de reação
Enzimático
Facilidade de separação do
catalisador (suporte)
Obtenção de produtos com
maior grau de pureza
Possibilidade de utilizar etanol
hidratado na reação
dos processos químico e
Desvantagens
Dificuldade de separação
do catalisador
Impossibilidade de
reutilização do catalisador
Dificuldade de utilização
de etanol hidratado
Obtenção de produtos com
menor grau de pureza
Longo tempo de reação
Custo das enzimas
Baixo rendimento
Tabela 2. Rendimentos (%) dos ésteres obtidos através da reação de
transesterificação enzimática do óleo de girassol
Lipases
C/Solvente Álcoois
P. fluorescens Mucor mirhei Candida sp
25
79
53
MeOH
82
99
79
EtOH (96%)
80
81
29
n-PrOH
3
MeOH
S/Solvente EtOH (anidro)
70
EtOH (96%)
82
n-ButOH
76
Tabela 3. Rendimentos (%) dos ésteres obtidos através da reação de
transesterificação enzimática de triglicerídeos com álcoois primário e
secundário
Lipases
C. antarctica P.cepacia
Álcoois
M. miehei
Sebo
25,7
MeOH
94,8
13,9
/
EtOH (95%)
98,3
13,7
/
EtOH (anidro)
68,0
/
61,2
l-PrOH
24,3
44,1
83,8
2-BuOH
19,6
41,0
Soja
/
MeOH
75,4
14,5
EtOH
97,4
Colza
77,3
MeOH
ções industriais. Contudo, tanto o
rendimento como o tempo de reação
ainda são desfavoráveis se comparados com o sistema de reação por
catálise básica. A seguir são apresentados alguns desses estudos.
A alcoólise de óleo de girassol, na
presença ou ausência de solvente
(éter de petróleo) foi investigada por
Mittelbach (1990), que utilizou três
lipases obtidas de diferentes fontes.
Os melhores rendimentos foram obtidos com a lipase de Pseudomonas
sp e etanol hidratado. Por outro lado,
na ausência de solvente, o rendimento foi menor e o tempo de reação
maior (tabela 2).
Nelson e col. (1996) investigaram a reação de transesterificação
de alguns óleos vegetais e sebo
bovino, utilizando álcoois primários, secundários e diversas lipases.
Os melhores resultados foram
obtidos na alcoólise do sebo com
metanol e de etanol com a lipase
de Mucor miehei. Os rendimentos
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
29
obtidos com etanol
hidratado foram
superiores ao do
anidro. Utilizando-se
álcoois secundários, a
lipase de Candida
antartica foi a mais
eficiente nesse estudo FIGURA 2. Óleo de soja aquecido a 180-200 oC, em diferentes tempos (0-81h), para
(tabela 3).
estu-dos de reações de transesterificação com lipases
A atividade hidrolítica representa uma
característica básica das lipases e rendimento total de ésteres de 98,4%. dos foram usados em reações de
normalmente se associa com a habi- A estabilidade da lipase usada nas três esterificação do ácido láurico, oléico,
lidade sintética. Wu e col. (1996) etapas da metanólise foi verificada linoléico e esteárico com n-pentanol,
investigaram essas características uti- pela repetição de sua aplicação em etanol e metanol, além da etanólise
lizando nove lipases. De acordo com novos substratos, que em cinquenta do óleo de soja. Em geral, os produos resultados obtidos, a atividade ciclos de reutilizações apresentaram tos (ésteres) foram obtidos com bons
hidrolítica da lipase pode ter pouco rendimentos superiores a 95%.
rendimentos (> 90%) quando a CCL
valor na predição da atividade sintéfoi imobilizada em gel de ágar.
tica. Ao contrário, a lipase pode não
Uso de CCL em Síntese
Os resultados obtidos para a reaexibir atividade sintética, mas pode
ção de esterificação enzimática do
apresentar alta atividade hidrolítica.
A preparação de suportes com ácido láurico foram comparados com
Em outro estudo, Wu e col. lipase de Candida rugosa (CCL, Sigma os da enzima livre por meio do tempo
(1999) empregaram a metodologia 905 u/mg sólido) para posterior utili- de reação. A reutilização dos suporde superfície de resposta para otimi- zação em reações de transesterifica- tes carvão de coco e gel de ágar
zar parâmetros de reação de transes- ção de óleo de soja novo, e degradado também foram avaliados para essa
terificação de banha usada em restau- termicamente visando à obtenção de reação.
rantes com etanol hidratado, utilizan- biodiesel por via enzimática, tem sido A Figura 4 mostra os rendimentos do
do as lipases de P. cepacia e C. realizada no Laboratório de Biocatáli- laurato de n-pentila obtidos pela utiantarctica. O melhor rendimento da se da UFSC, por Nascimento e col. lização da CCL livre e imobilizada nos
reação (96%) foi obtido quando utili- 1999. (Figura 2).
diferentes suportes. O melhor resulzaram-se simultaneamente, as duas
Os suportes avaliados para esse tado foi obtido com a CCL imobilizalipases.
fim foram os carvões ativos de casca da em gel de ágar, após 24 horas.
A otimização da reação de de coco, pinus e bauxita ativada, to- Utilizando-se a CCL livre (método de
transesterificação de óleo de soja e dos granulados e com áreas superfici- Klibanov), obtém-se o éster em rencolza com metanol, utilizando-se li- ais de 854, 1.038 e 100 m2/g, respec- dimento quantitativo, após 165 hopase de Candida antartica imobili- tivamente. Com a mesma finalidade, ras. Com os demais suportes, os renzada em cerâmica foi estudada por outro suporte que vem sendo estuda- dimentos dos produtos foram relatiShimada e col. (1999). Nessa reação, do é o de gel de ágar. (Figura 3).
vamente baixos (< 40%) e o tempo de
necessita-se de três equivalentes de
Os biocatalisadores assim prepara- reação muito longo (> 400 horas). A
metanol para um de óleo; foi
reutilização desses suportes
observado que o equivalenmostra que o gel de ágar pode
te molar de metanol, superiser reutilizado pelo menos três
or a 1,5, provocou a inativavezes sem perda da atividade
ção da enzima. Portanto, a
catalítica da enzima. Porém,
reação foi conduzida com a
quando a CCL foi imobilizada
adição do álcool em etapas.
em carvão de coco, houve
Na primeira, a reação foi
diminuição no rendimento de
conduzida com um equivaéster, que foi de 40%, 18% e
lente de MeOH, por 10 ho11%. (Figura 5).
ras. Após a conversão de
Os resultados preliminares
95% do metanol colocado
obtidos para a reação de traninicialmente, foi acrescentasesterificação do óleo de soja
do mais um equivalente e
comercial com etanol, usando
deixado em reação por 14 Figura 3. Suportes com CCL imobilizada (bauxita
a CCL imobilizada nos referihoras. O terceiro equivalen- ativada, carvão ativo de pinus, de casca de coco e dos suportes, tem apresentado
te foi finalmente adicionado de gel de ágar)
comportamento similar ao das
e a reação continuou por
reações de esterificação.
mais 24 horas, obtendo-se
As reações têm sido conduzi30
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
Figura 4. Influência do tempo no
rendimento da reação de esterificação
do ácido láurico com n-pentanol em
hexano, com a CCL livre e imobilizada
em carvão de coco, pinus, bauxita e
em gel de ágar, a 35 oC, (massa de CCL
em cada suporte, 27 mg/g)
Os transésteres derivados do etanol foram obtidos com rendimento
quantitativo, após 36 h de reação a 35
o
C com a CCL imobilizada em gel de
ágar. Utilizando-se a CCL livre nas
mesmas condições experimentais, o
rendimento foi inferior a 50 %. Usando-se a lipase imobilizada em carvão
de coco, nas mesmas condições experimentais descritas anteriormente,
não foi verificada formação do produto.
Considerações Finais
A busca de novas alternativas para
produção de energia deve ser considerada e avaliada. Assim, a investigação do uso de lipases imobilizadas
para produção de biodiesel é de
relevante importância, considerando-se o crescimento da utilização
desse biocombustível em âmbito
mundial, não somente pelo aspecto
de meio ambiente, mas, principalmente, por se tratar de uma fonte de
energia renovável.
Agradecimentos
Os autores agradecem a UFSC,
CAPES, CEFET/PR, UNICAMP, FBCPR e NOVO NORDISK.
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
31
Saúde
Adjuvantes de
MUCOSAS
Melissa Ang Simões
Mestranda do programa de pós- graduação em
biotecnologia
Luís Carlos de Souza Ferreira
Dr., PhD, Professor Titular do Dep. de
Microbiologia da USP.
Departamento de Microbiologia,
Instituto de Ciências Biomédicas,
Universidade de São Paulo - SP
[email protected]
Aliados na busca de vacinas orais mais eficazes
maioria dos patógenos, sejam eles bactérias,
vírus, fungos ou parasitas, penetra no organismo humano através de uma superfície de mucosa, como as que limitam os tratos respiratório,
gastrointestinal e geniturinário. Entre outros
exemplos, podemos citar doenças causadas por microrganismos, que penetram no organismo através de mucosas, como
a AIDS, a gonorréia, meningites bacterianas e virais; a
tuberculose, diarréias infecciosas, febre tifóide, esquistossomose, hepatites, câncer de colo uterino causado pelo papilomavírus; a poliomielite e as gripes e resfriados. Uma alternativa eficaz e econômica para o controle dessas doenças, além
de medidas que possam melhorar as condições educacionais,
sanitárias e higiênicas da população, seria o desenvolvimento
de vacinas capazes de induzir proteção imunológica local,
isto é, na própria superfície da mucosa em contato com o
patógeno. Nos mamíferos, a proteção imunológica em mucosas depende, em grande parte, da produção de anticorpos do
isotipo IgA secretor (sIgA) presentes na saliva, muco gastrointestinal e pulmonar, secreções vaginais e leite materno (Ver
quadro - sistema imune comum de mucosas).
Vacinas convencionais (vírus e bactérias mortas ou atenuadas, frações acelulares como toxóides ou componentes de
superfície) são eficazes na prevenção de doenças infecciosas
que necessitam de anticorpos séricos circulantes (por exemplo, o tétano, a difteria e a coqueluche, assim como algumas
doenças virais como febre amarela, hepatite A e B, cachumba
e varíola). Entretanto, essas vacinas são incapazes de gerar
resposta imune local, isto é, a produção de sIgA em mucosas,
o que explica, em parte, a dificuldade de se desenvolver em
vacinas eficazes contra a AIDS e doenças entéricas. Para que
uma resposta imune local seja gerada, a vacina deve ser
administrada preferencialmente no sistema imune de mucosas, como aquelas administradas por via oral, e deve ser
preparada de preferência com microrganismos atenuados
capazes de se replicarem nos tecidos do hospedeiro. A vacina
oral contra a pólio (Sabin) é um exemplo bem sucedido de
vacina de mucosas. Vacinas de mucosas também são capazes
de ativar respostas imunológicas sistêmicas, o que as tornam
instrumentos valiosos para a proteção imunológica contra
inúmeros patógenos. Entretanto, embora as vacinas orais ou
nasais apresentem uma série de vantagens em relação às
32
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
vacinas de administração parenteral, o número de vacinas de mucosas atualmente disponíveis para uso no
homem ou em animais domésticos ainda é muito limitado. Portanto, a pesquisa e o desenvolvimento de novas
vacinas de mucosas mais seguras e eficazes é uma
prioridade para a saúde pública mundial.
Figura 1 : Diagrama da estrutura
cristalográfica da enterotoxina termo-lábil
de E. coli (LT).
As subunidades A1 (amarelo) e A2 (vermelho)
formam uma estrutura triangular, que se
encaixa no anel pentamérico formado pelas
cinco subunidades B (azul/verde) que delimitam um poro central, através do qual o
fragmento A1 atinge o interior da célula alvo
Nos últimos dez anos, observamos um grande avanço nas pesquisas de novas vacinas, as chamadas vacinas
de nova geração, que resultaram em diversas estratégias
vacinais promissoras como aquelas constituídas por
peptídeos sintéticos, vacinas de DNA e vacinas recombinantes bi ou multivalentes baseadas em vírus ou bacté-
rias atenuadas. A pesquisa voltada
para vacinas de mucosas também experimentou avanços importantes como
o uso de veículos baseados em lipossomos e microesferas, microrganismos atenuados e plantas transgênicas,
utilizados como veículos para antígenos diversos. Novas estratégias baseadas em vacinas de DNA também
trazem boas perspectivas para uma
nova geração de vacinas de mucosas
mais eficazes (Lásaro & Ferreira, 2000).
No entanto, uma das contribuições
mais importantes para a pesquisa de
novas vacinas de mucosas foi a descoberta de adjuvantes capazes de atuar
sobre o sistema imune de mucosas.
O termo adjuvante é utilizado para
designar uma substância que, usada
em combinação com um antígeno de
natureza protéica ou polissacarídica,
resulta em resposta imune maior do
que aquela produzida pelo antígeno
administrado isoladamente. Entretanto, os efeitos dos adjuvantes não se
restringem apenas ao aumento da
imunogenicidade de antígenos fracos,
já que também podem promover a
Tabela 1: Principais propriedades dos adjuvantes.
1 - Diminuição do período necessário para a indução da resposta imune
e aumento da duração da resposta de memória imunológica;
2 - Capacidade de modular a avidez, a especificidade, o isotipo e/ou a
distribuição dos anticorpos gerados;
3 - Aumento da resposta imunológica em indivíduos idosos ou imaturos
imunologicamente;
4 - Em alguns casos, promover a indução de imunidade em mucosas
(adjuvantes de mucosas);
5 - Aumento da potência imunológica de peptídeos recombinantes ou
sintéticos;
6 - Capacidade de modular a resposta imune, tanto celular como
humoral.
ativação de diferentes vias do sistema
imunológico (Tabela 1). Existe uma
enorme diversidade de adjuvantes na
natureza. Alguns adjuvantes têm origem mineral, outros são derivados de
vegetais ou produtos bacterianos. Existem ainda compostos com propriedades adjuvantes produzidos pelo próprio metabolismo como alguns mediadores químicos da resposta imunológica (citocinas) e hormônios (Tabela
2) (Edelman, 1997).
O sistema imune comum de mucosas
A produção de sIgA em algumas secreções glandulares e no muco que
reveste os epitélios de membranas do corpo humano está a cargo de
células especializadas, os plasmócitos. As células precursoras de
plasmócitos produtores de sIgA estão localizadas nos tecidos linfóides
localizados ao longo do trato respiratório, geniturinário e gastrointestinal.
No intestino, o tecido linfóide é representado pelas placas de Peyer,
formadas por células epiteliais diferenciadas, as células M, capazes de
capturar e transportar antígenos presentes no lúmen, e folículos
subjacentes ricos em linfócitos e macrófagos. A partir desses folículos, os
linfócitos B precursores, sensibilizados por um antígeno, migram por meio
de linfonodos mesentéricos, duto linfático torácico e corrente sangüínea
para vários sítios efetores espalhados pelo corpo, como glândulas
salivares, lacrimais e mamárias, além da lâmina própria subjacente aos
epitélios do intestino, pulmão e trato geniturinário. Dessa forma, a
administração de um antígeno a um sítio de mucosa pode levar à
produção de sIgA específico em diferentes mucosas e glândulas. Esse
conjunto de elementos do sistema imunológico foi, portanto, denominado
sistema imune comum de mucosas. Os anticorpos do isotipo IgA
produzidos por plasmócitos diferenciados ligam-se a uma porção
secretora, sintetizada por células epiteliais, responsável pelo trânsito
intracelular e secreção da molécula de IgA para o ambiente extracelular,
além de conferir resistência à ação de proteases. Um indivíduo adulto,
com 70 kg, produz cerca de 3 g de sIgA por dia, o que representa 80% da
produção total de anticorpos. A função básica da sIgA é prevenir a
interação inicial do patógeno com a superfície de mucosa pelo bloqueio
da colonização e/ou invasão de células do hospedeiro e neutralização de
toxinas.
Os únicos adjuvantes até hoje licenciados para uso clínico são os sais de
alumínio, principalmente hidróxidos e
fosfatos. Entretanto, a maioria dos adjuvantes, de uso clínico ou não, apresentam como principais limitações a
necessidade de administração parenteral e efeitos restritos às respostas imunológicas sistêmicas. Os adjuvantes de
mucosas, administrados por via oral ou
nasal, por sua vez, promovem respostas sistêmicas e locais.
Entre os compostos adjuvantes até
hoje testados, dois se destacam pelo
efeito sobre o sistema imune de mucosas, a toxina colérica (CT) de Vibrio
cholerae e a toxina termo-lábil (LT),
produzida por algumas linhagens de
Escherichia coli enterotoxigênica
(ETEC). CT e LT são enterotoxinas do
tipo A-B, isto é, toxinas que apresentam uma subunidade A, responsável
pela atividade tóxica, e uma subunidade B, envolvida com a ligação a receptores específicos em células do hospedeiro. Embora LT e CT compartilhem
aspectos estruturais e funcionais, essas
moléculas apresentam diferenças bioquímicas e imunológicas importantes
que se refletem em suas propriedades
tóxicas e no potencial de utilização
biotecnológica.
LT e CT apresentam 80% de identidade em suas seqüências de aminoácidos; entretanto, CT possui maior toxicidade do que LT, em humanos. Além
disso, em mamíferos, CT leva à ativação de respostas imunológicas que se
caracterizam pela produção de IgE, o
que pode resultar em choque anafilático em animais reexpostos à toxina.
Por outro lado, LT induz respostas
imunológicas sem o acúmulo de IgE, o
que reduz o risco de efeitos colaterais.
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
33
Vários grupos de pesquisa
dedicaram-se ao isolamento de
derivados atóxicos de LT, sendo que alguns destes apresen(A) A toxina LT se liga pelas
taram propriedades imunomosubunidades B a receptores presentes
duladoras preservadas. Uma
no enterócito; uma vez interiorizado, o
forma mutante de LT foi gerafragmento A1 modifica o componente
da pela modificação do sítio
α da proteína G (Gsα), que regula a
sensível à ação de proteases
atividade de adenil ciclase (AC) a qual,
na subunidade A. Esse derivapor sua vez, provoca aumento do
do, denominado LT(R192G),
conteúdo de cAMP e conseqüente
possui a arginina na posição
perda de íons-cloro e água; (B)
192 substituída por uma glicina, e mantém suas propriedaMecanismo de mono ADP-ribosilação
des adjuvantes quando commediado pela toxina LT
parada à forma nativa de LT
(Dickinson & Clements, 1996).
O isolamento de derivados
atóxicos de LT permitiu a elaboração de diversas formulações vacinais baseadas em antígenos purificados, extratos
celulares e microrganismos inativados ou atenuados. Entre as
vacinas de mucosas preparapelo bloqueio da ativação de resposta
das
com
LT destacam-se aquelas voltaimune contra antígenos ingeridos
das
para
o controle do vírus influenza,
(como aqueles presentes na alimentação). Por fim, LT age como adjuvante HIV, rotavírus, Shigella flexneri, Helide mucosas e promove o aumento da cobacter pylori, Campylobacter pylori,
resposta de anticorpos, local e sistêmi- Salmonella typhimurium e Candida
ca, para antígenos co-administrados albicans. Os resultados obtidos depor via oral ou nasal. Tais proprieda- monstraram que todas as vacinas fodes conferem à LT um grande poten- ram capazes de induzir resposta de
cial de utilização biotecnológica como anticorpos sistêmicos e secretores conadjuvante para vacinas, sejam elas tra os antígenos co-administrados e,
constituídas de antígenos purificados em alguns casos, foi possível demonsou de microrganismos mortos ou ate- trar a proteção conferida em modelos
nuados, administradas por via de mu- animais. Tais resultados levam a crer
cosas (Dickinson & Clements, 1996). que um efetivo programa de imunizaO efeito adjuvante de LT, assim ção baseado em vacinas de mucosas
como o de CT, ainda não está esclare- acrescidas de LT modificada possa ser
cido, mas evidências experimentais implementado em futuro próximo para
demonstraram que as propriedades o controle de diversas doenças virais,
imunoestimuladoras dessa toxina po- bacterianas ou parasitárias.
Nosso grupo realiza pesquisas voldem envolver o aumento da permeatadas
para o desenvolvimento de nobilidade do epitélio intestinal, a ativação de células apresentadoras de an- vas estratégias vacinais contra diarréitígenos por meio da maior expressão as causadas por Salmonella e ETEC
de moléculas co-apresentadoras de (Lásaro e Ferreira, 2000). Entre as aborsuperfície e produção de citocinas dagens utilizadas, está a incorporação
que favorecem a produção de anticor- de formas atóxicas de LT a vacinas
pos sistêmicos e secretores. Entretan- bivalentes de administração oral baseto, a atividade tóxica, tanto de LT adas em linhagens atenuadas de Salcomo de CT, inviabilizaria o uso des- monella typhimurium modificadas gesas toxinas em formulações de vaci- neticamente para expressar antígenos
nas destinadas a humanos. Uma alter- de ETEC. Como protótipo desses exnativa para superar essa dificuldade perimentos, utilizamos células vivas
foi a obtenção, através de técnicas de de uma linhagem recombinante de S.
mutagênese sítio dirigida, de formas typhimurium (HG3) capaz de expressar a fímbria CFA/I de ETEC, uma
mutantes não tóxicas de CT e LT.
Figura 2 : Modelo esquemático do
mecanismo de ação da toxina LT.
A molécula de LT é formada por
uma subunidade A (29kDa) e cinco
subunidades B (11,5 kDa); estas últimas formam uma estrutura em forma
de barril, que acomoda; no seu interior, a subunidade tóxica (Figura 1). A
ligação do componente B a receptores nas células do hospedeiro permite
a entrada da subunidade A, que, em
seguida, sofre uma clivagem proteolítica para gerar um peptídeo enzimaticamente ativo (A1) e outro menor
(A2), que estabiliza o complexo. A
subunidade A1 promove a mono ADPribosilação de uma proteína reguladora (GSα) da adenilato ciclase de enterócitos, o que resulta no aumento dos
níveis intracelulares de AMP cíclico
(cAMP), com conseqüente aumento
na secreção de íons-cloro. Esse desequilíbrio iônico reverte o fluxo normal
de líquidos através do epitélio intestinal, o que resulta em perda de água e
o quadro típico da diarréia.
Curiosamente, além da ação tóxica
associada ao aumento nos níveis de
cAMP, LT (assim como CT) é capaz de
ativar uma série de efeitos que resultam em marcante atividade imunoreguladora. Ao contrário da maioria dos
antígenos administrados por via oral,
LT resiste à passagem pelo ambiente
gastrointestinal e induz resposta de
anticorpos, local e sistêmica, contra si
mesma. LT também impede o estabelecimento da tolerância, responsável
34
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
adesina responsável pela aderência
da ETEC ao epitélio intestinal, em
conjunto com a LT(R192G). Animais
imunizados por via oral com a formulação vacinal formada pela combinação de 1010 células vivas da linhagem
HG3 com 25 µg de LT(R192G) resultou em marcante resposta de anticorpos, sistêmicos (IgG) e secretores
(sIgA) contra o vetor (S. typhimurium) e o antígeno heterólogo de
ETEC (CFA/I) (Figura 3). Além disso,
todos os animais imunizados desenvolveram resposta de anticorpos contra LT, o que torna a vacina mais eficaz
contra a infecção pela ETEC, pois
abrange também o componente tóxico do patógeno. Experimentos adicionais revelaram que resultados semelhantes podem ser alcançados com
linhagens Salmonella inativadas, alternativa mais segura para a imunização de indivíduos imunodeprimidos.
Esses resultados mostraram, pela primeira vez, que os efeitos adjuvantes
de LT podem ser combinados a vacinas bivalentes baseadas em linhagens
atenuadas de Salmonella recombinante
(Guillobel et al., 2000).
O principal objetivo da pesquisa
em vacinas é alcançar uma formulação ideal que atue em dose única, gere
proteção duradoura contra diversos
patógenos, dispense o uso de seringas, tenha baixo custo de produção,
estabilidade térmica, e seja segura
mesmo para indivíduos imunocomprometidos ou recémnascidos. Ainda não podemos prever quando tais vacinas estarão disponíveis para
o uso humano, mas o contínuo e acelerado ritmo de
desenvolvimento dos adjuvantes de mucosas e novas
estratégias vacinais contribuirá para que, em futuro próximo, possamos usufruir desses produtos.
Referências
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Dekker, Inc., New York.
Tabela 2: Principais tipos de adjuvantes segundo a origem ou
natureza química
Origem ou Natureza química
Principais adjuvantes
Compostos minerais
Sais de cálcio e/ou alumínio;
Produtos bacterianos
Compostos derivados de micobactérias
(adjuvante completo de Freund,
Detox, BCG, peptídeos derivados da
parede, dimicolato de trealose);
Lipídeo A de Salmonella, extratos ou
frações derivadas de Corynebacterium
parvum, Bordetella pertussis, e
Klebisiella pneumonia, toxina colérica
de V. cholerae e toxina termo-lábil de
ETEC;
Produtos vegetais
Glucanas extraídas de algas,
Saponinas e glicosídeos triterpênicos
de Quillaja saponaria;
Vitaminas
Vitamina A, D3, E;
Citocinas
IFN-α, IFN-γ, GM-CSF, IL-1, IL-2, IL-12;
Hormônios
Hormônio de crescimento, DHEA.
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Figura 3: Produção de IgG sérico e sIgA em fezes para o CFA/I de ETEC
expresso por uma linhagem vacinal de Salmonella após administração oral
em camundongos. Camundongos BALB/c foram imunizados com três doses de
1010 células vivas de HG3 por via oral, na presença (HG3 + LT) ou não (HG3) de
LT. Amostras de animais não imunizados (NI) foram utilizadas como controles
negativos. (A) Resposta de anticorpos sitêmicos de isotipo IgG específicos para o
CFA/I; (B) resposta de anticorpos secretados em fezes do isotipo IgA especifícos
para o CFA/I
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
35
INSULINA DE
Pesquisa
PLANTAS
Hormônio peptídico em plantas
Antonia Elenir Amâncio de Oliveira
(Doutoranda, UENF)
Cassiana Rocha Azevedo
( Iniciação Científica, UENF)
Thiago Motta Venâncio
(Iniciação Científica, UENF)
Luciana Belarmindo da Silva
(Mestranda, UENF)
Marco Antônio Lopes Cruz
(Mestrando, UENF)
Olga Lima Tavares Machado
(Professora Associada, UENF – [email protected])
Maura da Cunha
(Professora Associada, UENF – [email protected])
Viviane de Oliveira Santos
(Iniciação Científica, UENF)
Cristiane Paulain Cavalcante
(Iniciação Científica, UA)
Adriana Ferreira Uchoa
(Doutoranda, UENF)
Kátia Valevski Sales Fernandes
(Professora Associada, UENF – [email protected])
Valdirene Moreira Gomes
(Professora Associada, UENF – [email protected])
Spartaco Astolfi Filho
(Professor Titular, UA – [email protected])
José Xavier-Filho
(Professor Titular, UENF – [email protected])
Fotos cedidas pelos autores
36
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
betes. Os Gregos antigos não tinham tratamento para a doença e,
em várias partes do mundo, acrediO diabetes, caracterizado por
tava-se que ela fosse causada por
elevados níveis de glicose no sancalor excessivo nas vísceras, por
gue e excesso de urina com sabor
variações humorais ou pelo excesadocicado é, atualmente, uma das
so de bebidas. No fim do século
doenças mais importantes que afeXVIII, Matthew Dobson provou que
tam a humanidade. Segundo a Oro sabor da urina no diabetes era
ganização Mundial de Saúde (OMS),
devido à presença de
açúcar e mostrou o
excesso de açúcar no
sangue; na mesma
época, John Rollo observou o odor de acetona nos pacientes
com diabetes (Pike,
1999).
Posteriormente,
foram feitas descobertas importantíssimas
para o melhor entendimento do diabetes.
Figura 1 – Planta e sementes de Canavalia
Entre elas a de Von
ensiformis
Mering e Oscar
Minkowski, em 1899,
de que a retirada do pâncreas do
existem 142 milhões de diabéticos
cachorro promovia o aparecimenno mundo. A estimativa é que, até
to da doença naquele animal. Em
2005, o número alcance 300 mi1hões
1921, uma equipe liderada por Fre(O Globo, 1998). A doença é coderick Banting descobriu, no Cananhecida desde a antiguidade. há
dá, que um peptídeo, a insulina,
mais de 1500 anos A.C. os antigos
secretado pelas ilhotas de Lanegípcios tinham alguns remédios
gerhans do pâncreas, causava o
para combater o excesso de urina,
abaixamento dos níveis de açúcar
e os hindus observaram que insetos
do sangue. Em 1926, esse peptídeo
e moscas eram atraídos para a urina
foi cristalizado por J. J. Abel e, em
de algumas pessoas e que isso
1955, Frederick Sanger determinou
estava associado a certas doenças.
sua seqüência de aminoácidos
Mil anos A.C. o pai da medicina na
(Turkenburg-van Diepen, 1996).
Índia, Susruta, diagnosticou o diaDiabetes e Insulina
Sabe-se, atualmente, que a insulina exerce seus efeitos quando
se liga ao seu receptor na parte
externa da membrana celular. Essa
ligação inicia uma cascata de fosforilação no interior da célula, que,
entre outras coisas, promove a fosforilação e conseqüente ativação
de transportadores de glicose. Isso
faz com que essa molécula penetre
na célula e participe dos processos
metabólicos em que está envolvida. São conhecidos também outros
efeitos da ação de insulina sobre o
metabolismo e ativação de genes
na célula animal.
Tratamento do diabetes
Diabetes não tem cura. Seu tratamento é feito, principalmente, à
base de injeções de insulina, sendo
sua ingestão ineficaz. O hormônio
tem uma importância enorme no
controle dessa afecção. Entretanto,
o sofrimento decorrente das múltiplas injeções diárias a que são
submetidos os pacientes tem sido
um estímulo para a busca de substitutivos, principalmente os que
exerçam seus efeitos por via oral.
Alguns desses são pequenas moléculas que, de uma forma ou de
outra, mimetizam a ação da insulina em pacientes diabéticos. Exemplo de composto anti-hiperglicêmico do tipo acima é o metformin
(N, N-dimetil guanidina) originalmente detectado em uma planta,
Galega officinalis, da família das
leguminosas.
Extratos de partes de plantas,
como folhas, raízes ou sementes,
têm sido utilizados, através dos
tempos, pela medicina popular de,
praticamente, todas as populações
humanas no tratamento do diabetes. Entretanto, após a descoberta
da insulina e com sua extensa comercialização, estudos sobre a utilização de remédios populares originados de plantas diminuíram seja
por não serem considerados de
valor comercial seja por estarem,
aparentemente, associados a uma
ciência de segunda categoria. Vale
ressaltar que muito poucos remédi-
Figura 2 – Seqüências de aminoácidos de insulinas bovinas e de plantas
os ditos naturais para o tratamento
do diabetes tiveram seu valor terapêutico comprovado.
Insulina de Plantas
Logo após a realização dos estudos que levaram à descoberta da
insulina no pâncreas de cães, dois
dos cientistas envolvidos (Collip,
1923; Best et al., 1924) com a descoberta apresentaram resultados nos
quais sugeriam a presença de substâncias possivelmente similares à
insulina em extratos das mais diversas plantas. Collip chegou a dar ao
seu produto o nome de glucocinina, pois imaginou que um produto
derivado de plantas não poderia ter
o nome de insulina (originado da
palavra latina que significa ilhota,
referência às ilhotas de Langerhans
do pâncreas). Em 1976, Khann et al.
forneceram indícios mais concretos
sobre a presença de insulina em
plantas. Eles isolaram de frutos e de
sementes de Momordica charantia
(melão-de-São Caetano) uma fração protéica com massa molecular
de, aproximadamente, 6,0 kDa, que
reagia com anticorpo contra a insulina humana. Os estudos desse grupo foram baseados nas experiências da medicina popular indiana,
que indica serem os frutos e sementes dessa cucurbitácea de grande
valor no tratamento do diabetes.
Posteriormente, Collier et al.
(1987) relataram o isolamento de
proteínas de folhas de espinafre e
de centeio e de plantas de Lemna
gibba G3, que apresentaram pesos
moleculares semelhantes aos das
insulinas animais, reagiram com
anticorpo antiinsulina suína e exibiam a propriedade de ligação ao
receptor de insulina humana. Nenhuma informação estrutural foi
fornecida na ocasião ou posteriormente.
Não há registros posteriores a
esses relatos na literatura científica
sobre a presença de insulina em
plantas. Mas há, no entanto, um
registro contínuo na literatura, dos
efeitos benéficos de uma enorme
quantidade de extratos de folhas e
de sementes das mais variadas plantas sobre o diabetes, e cujas propriedades sugerem a presença de proteínas ativas.
A despeito dessa grande quantidade de informação, que sugere a
presença de insulina em plantas,
parece haver um paradigma que
estabelece que as plantas não se
valem de hormônios peptídicos,
como insulina, para seus processos
metabólicos. Há, conseqüentemente, descrença de que os vegetais
possam se valer de insulina, por
exemplo, para o controle da metabolização de açúcar em suas células.
Como exemplo dessa descrença, há afirmações facilmente encontradas, como a que se segue
(Brach, 2000):
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
37
“Uma vez que insulina
é um hormônio em animais, as plantas certamente não teriam um ‘uso’ para
ela; assim ela pode não ter
qualquer efeito sobre as
mesmas (......)” .
Há um enorme interesse em se utilizarem plantas
como produtoras de proteínas animais de difícil preparação ou daquelas requeridas em grandes quantidades, a preços acessíveis. Como exemplo disso, há tentativas de produção de hormônio do crescimento
em plantas transformadas adequadamente (Staub et al, 2000). As
famosas plantas produtoras de vacinas estão freqüentemente anunciadas na literatura (Yu & Langridge, 2000). No caso da insulina, sua
produção utilizando-se a chamada
tecnologia do DNA recombinante
já é uma indústria importante. A
indústria brasileira BIOBRÁS, de
Montes Claros, Minas Gerais, produz insulina humana, não propriamente utilizando células de vegetais, mas a partir de células de
Escherichia coli transformadas com
um gene da proinsulina humana
(BIOBRÁS, 1998). Há uma iniciativa
do Professor Adilson Leite, da Universidade de Campinas, que procura transformar plantas de fumo com
um gene de insulina humana para
produção do hormônio em sementes (FAPESP, 2000), além de registro sobre transformação de batata
com um gene de insulina humana
(Arakawa et al, 1998).
Nossos resultados
Acaso
A descoberta de uma proteína
com características da insulina bovina foi feita no Laboratório de
Química e Função de Proteínas e
Peptídeos, Centro de Biociências e
Biotecnologia, Universidade Estadual do Norte Fluminense, em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro,
por acaso, durante investigações
sobre o efeito de proteínas do tegumento de sementes de feijão-de38
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
Figura 3 – Efeitos de insulinas
sobre os níveis de glicose no
sangue
porco (Canavalia ensiformis) (Figura 1) na sobrevivência do caruncho ou gorgulho (Callosobruchus
maculatus) de feijão-de-corda (Vigna unguiculata). Resultados já
publicados (Oliveira et al., 1999)
mostram que a proteína tem massa
molecular idêntica e seqüência primária exatamente igual à da insulina bovina (Figura 2). Além disso,
a proteína isolada reage com anticorpos antiinsulina (humana e
bovina) da mesma maneira que
insulina bovina. Mostramos também que a insulina isolada tem os
mesmos efeitos que a animal no abaixamento dos
níveis de glicose em animais diabéticos (Figura 3).
Demonstramos, posteriormente, que a insulina
de sementes de feijão-deporco localiza-se exclusivamente no tegumento e,
neste, em uma camada de
células que delimita o espaço entre esse tecido e os
cotilédones (Figura 4).
Sabe-se que essa camada
de células está envolvida
no transporte de açúcar
das partes aéreas da planta para a
semente durante a formação desta
última. Juntamente com a molécula
de insulina, detectamos um fragmento de proteína que apresentou
homologia de seqüência com o
receptor de insulina humana.
Em experimentos feitos com a
utilização de anticorpos antiinsulina e anti-receptor de insulina, mostramos que essas duas proteínas
exercem um efeito marcante durante as primeiras etapas da germinação, quando se dá a embebição
de água pela semente. A presença
de insulina estimula a emersão da
radícula que é bloqueada quando
se adiciona anticorpo antiinsulina
ao meio (Figura 5). Os experimentos sugerem fortemente que a insulina possa estar exercendo papel
de sinalizador para a entrada de
glicose nas células.
Posteriormente, mas ainda não
publicados, resultados obtidos mostram que as sementes de Canavalia braziliensis (feijão-de-boi), uma
espécie relacionada a C. ensiformis, também contêm insulina e seu
receptor.
A idéia de que o papel da insulina em plantas possa estar ligado a
processos de sinalização necessários para a metabolização de glicose
semelhantes aos existentes em animais nos levou à procura da molécula em diferentes plantas.
Plantas antidiabéticas
As vagens verdes de feijões são
recomendadas como sendo úteis
no tratamento do diabetes. As vagens são
utilizadas para a preparação de chás ou consumidas como saladas.
Folhas de diversas plantas são também bastante utilizadas para o tratamento dessa afecção.
Diante dos resultados
obtidos com as sementes de feijão-de-porco,
passamos a investigar
as vagens de feijão-decorda (Vigna unguiculata) e as folhas de patade-vaca (Bauhinia forficata), duas plantas
bastante utilizadas no
Brasil (Panizza, 1997).
Além de evidenciada a presença de insulina em vagens e tegumentos de sementes de
feijão-de-corda em formação, mostramos sua
presença também nas folhas dessa
leguminosa (Venâncio et al, 2000).
A presença do hormônio também
foi comprovada nas folhas de patade-vaca. Neste último caso, conseguimos mostrar que a insulina se
encontra predominantemente associada aos cloroplastos que são as
organelas responsáveis pelos processos fotossintéticos que se dão
nas folhas verdes (Azevedo, 2000).
Preparação de
insulinas de plantas
A descoberta de insulina em
tegumentos de feijão-de-porco foi
feita utilizando-se preparações obtidas a partir de extratos feitos com
tampões fosfato de potássio (50
mM, pH 7,6). Essas preparações
eram cromatografadas em colunas
de troca iônica e de filtração molecular e a sua pureza verificada por
eletroforese em gel de poliacrilamida. Após a constatação de que
nossa preparação continha insulina, feita inicialmente pelo seqüenciamento de amino ácidos, passamos a utilizar técnicas de imunoquímica para a detecção da proteína. Utilizamos um anticorpo poli-
mostrada por ELISA ou
por eletroforese em gel
de poliacrilamida, seguida de “Western blot”.
Conservação evolucionária
Figura 4 – Imunolocalização
de insulina no tegumento de
Canavalia ensiformis
clonal contra insulina humana e
empregamos técnicas de ELISA e
de “Western blot”.
As insulinas de folhas das diversas plantas estudadas foram detectadas seja por extração com tampões alcalinos (fosfato ou borato)
seja por uma metodologia de extração que emprega uma mistura de
etanol e água e acidificação com
ácido forte. Essa metodologia é
semelhante à que se emprega para
preparação de insulina a partir de
tecido pancreático (bovino ou de
outro animal). Em alguns casos,
lança-se mão do método desenvolvido por Khann et al. (1976), que
utiliza extrações com misturas de
álcool e clorofórmio, nas etapas
iniciais. As etapas posteriores de
purificação, quando foram necessárias, foram feitas por meio de
técnicas comuns de química de
proteínas, como cromatografia em
troca iônica e filtração molecular. A
identidade da insulina foi sempre
Diante dos resultados
obtidos no LQFPP com
plantas da família das leguminosas, e tendo em
vista os resultados de
outros, com plantas de
outras famílias (ver Collier et al., 1987, e Khann et
al., 1976), passamos a
examinar, utilizando técnicas de imunoquímica
(ELISA, Western blot),
folhas de plantas de um
maior número de espécies. Essas foram selecionadas não somente por
sua conhecida ação antihiperglicêmica relatada
na medicina popular, mas para cobrir um grande número de espécies
dos diferentes grupos de vegetais.
Foram também incluídas plantas
típicas da Região Amazônica, conhecida por sua grande biodiversidade.
Os resultados obtidos mostram
que a maioria dos extratos de folhas
examinados contêm moléculas imunoreativas, seja em um ensaio em
meio líquido (ELISA) seja sobre
membranas (Western blot). Neste
último caso, os resultados apontam
para a presença de moléculas de
insulina que apresentam a mesma
massa molecular das insulinas animais. Grande parte dos resultados
aponta também para a complexação da molécula de insulina de
plantas com compostos de natureza glicídica.
A fim de tentar estabelecer a
presença de insulina (ou antígenos
que se associam a anticorpos antiinsulina) em grupos mais primitivos, mostramos que essa molécula
está presente em uma cianobactéria (Spirulina sp). Esses organismos
tiveram origem em época anterior à
formação dos cloroplastos das plantas verdes (Cavalier-Smith, 2000).
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
39
O conhecimento que se tem da
extensão da presença de insulina
em animais (Chan & Steiner, 2000)
associado aos resultados obtidos
por nós sobre a presença de insulina em plantas e cianobactérias e
àqueles resultados dos que relatam
a presença desse hormônio em
bactérias (LeRoith et al., 1985) e
fungos (LeRoith et al., 1980), nos
levam a crer que essa molécula foi
conservada durante a evolução,
sugerindo que ela esteja associada
aos processos de metabolização de
glicose em todos os seres vivos.
As investigações realizadas por
nós, além de sugerirem que a insulina está presente em plantas e é
uma molécula evolucionariamente
conservada, também apontam para
a validação de produtos da medicina popular utilizados no tratamento do diabetes. Esforços estão sendo dirigidos para compreender porque as insulinas de folhas de plantas são eficazes mesmo quando
administradas oralmente.
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INSULINA (ANTÍGENO) ESTÁ PRESENTE EM CIANOBACTÉRIAS E PLANTAS VERDES
Cianobactéria
Briófitas
Pteridófitas
Gimnospermas
Angiospermas
Monocotiledôneas
Dicotiledôneas
Spirulina sp
+
Psilotaceae
Equisetaceae
Selaginelaceae
Cycadaceae
Ginkgoaceae
Pinaceae
Cupressaceae
Nymphaeales
Ceratoophyllales
Piperales
Aristolochiales
Magnoliales
Laurales
Illiciales
Acorales
Alismatales
Asparagales
Liliales
Dioscoreales
Nartheciales
Pandanales
Arecales
Bromeliales
Philydrales
Commelinales
Typhales
Juncales
Poales
Zingiberales
Ranunculales
Proteales
Vitales
Caryophyllales
Polygonales
Saxifragales
Santalales
Zygophyllales
Geraniales
Celastrales
Malpighiales
Oxalidales
Fabales
Rosales
Cucurbitales
Fagales
Myrtales
Brassicales
Malvales
Sapindales
Cornales
Ericales
Garryales
Solanales
Gentianales
Lamiales
Aquifoliales
Apiales
Dipsacales
Asterales
+
+
+
+
+
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+
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+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
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+
+
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+ indica presença de insulina (antígeno).
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
41
CULTURA DE TECIDOS
Biotecnologia aplicada à
PRODUÇÃO DE MUDAS
Produção de mudas micropropagadas de abacaxi
1. Importância da
cultura do abacaxi
João Batista Teixeira,
Ph.D., Biologia Celular
[email protected]
Andréa Rachel Ramos Cruz,
M.Sc., Fruticultura
[email protected]
Francisco Ricardo Ferreira,
D.Sc. Fruticultura
[email protected]
Embrapa-Recursos Genéticos e
Biotecnologia,
Brasília, DF.
José Renato Santos Cabral,
M.Sc., Melhoramento de Plantas
[email protected]
Embrapa Mandioca e Fruticultura,
Cruz das Almas, BA
Fotos cedidas pelos autores
42
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
portadores de abacaxi são os Estados
Unidos, a França, Alemanha e Holanda, que importaram, em 1998,
1.370.025, 181.449, 162.479 e 136.002
toneladas, respectivamente (FAO,
2000).
O abacaxi (Ananas comosus (L.)
Merril) é uma fruta tropical apreciada
mundialmente pelo seu aroma e sabor
acentuados. Além de apresentar propriedades medicinais, tem alto valor
2. Métodos de propagação
nutritivo, sendo particularmente rico
do abacaxizeiro
em sais minerais e vitaminas. O consumo pode ser feito in natura ou procesA planta do abacaxi pode ser prosado na forma de compota, geléia, pagada de diversas formas, contudo
sorvete, diferentes tipos de sobremesa
sua propagação é predominantemene na indústria de confeitaria.
te assexuada. A produção de mudas
Essa cultura ocupa o nono
lugar no ranque mundial das
frutas, com uma produção
de 13.444.203 toneladas de
frutos. O maior produtor
mundial de abacaxi é a Tailândia, com uma produção
de 2.353.037 toneladas, em
1999. O Brasil está em segundo lugar, com uma produção de 1.740.840 toneladas de frutos, numa área
plantada de 51.191 ha (FAO,
2000).
O mercado mundial de
exportação de abacaxi movimentou, em 1999, um volume de recursos da ordem
de um bilhão de dólares,
sendo as Filipinas, a Tailândia e a Costa Rica os principais países exportadores,
com um volume de exportação de 582.691; 398.626 e
276.680 toneladas, respectivamente. O Brasil ocupou o
sétimo lugar, com um voluFIGURA 1. Tipos de mudas produzidas
me exportado de 15.796 topela planta de abacaxi, utilizadas na
neladas.
Os principais países impropagação convencional
via semente, embora possível, é utilizada basicamente por melhoristas para
fins de obtenção de híbridos entre
diferentes genótipos, em programas
de melhoramento genético.
O método convencional de propagação do abacaxizeiro é feito por meio
de mudas formadas a partir de brotações laterais da planta, denominadas
filhote, filhote-rebentão ou rebentão
(Figura 1). A coroa dos frutos pode
constituir material propagativo, embora não seja muito utilizada, já que
acompanha o fruto na época da comercialização. É possível também obter mudas através de
métodos de seccionamento do caule, destruição do meristema
apical, tratamento químico durante a diferenciação floral e por
cultura de tecidos (Reinhardt & Cunha, 1999).
brevipes, a broca do fruto (Thecla
basalides), a broca do talo (Castnia
icarus) e o ácaro Dolichotetranychus
floridanus são as pragas que têm causado maiores danos à cultura (Sanches, 1999).
Outras pragas como insetos, nematóides e sínfilos podem atacar o abacaxizeiro causando danos nas raízes,
hastes, folhas e frutos, que contribuem
para a redução da produtividade e/ou
depreciação do fruto. Entre as principais, podem ser citadas o sínfilo (Hanseniella sp.), nematóides (Meloidogyne javanica, Meloidogyne incognita,
Smoth Cayenne, Jupy e Pérola, são
suscetíveis, essa doença constitui uma
ameaça constante à abacaxicultura nacional. O fungo Fusarium subglutinans (Wollenw. & Reinking) Nelson,
Tousson & Marasas comb. Nov. (Nelson et al., 1983), causador da fusariose, é capaz de atacar diferentes partes
da planta do abacaxizeiro. No material
propagativo (coroa, filhote, filhoterebentão e rebentão), o ataque ocorre
na haste caulinar, causando lesões,
exsudação de goma e infecção na base
das folhas. Entretanto, em sua fase
inicial, a fusariose pode passar despercebida e ser introduzida em áreas novas
de plantio com mudas contaminadas.
Assim, a movimentação de mudas infectadas constitui a principal forma de disseminação da doença
dentro de uma mes3. Demanda por
ma região ou mesmo
mudas de alta
entre regiões distanqualidade
tes (Matos, 1987).
Uma vez introduzido
O uso de mudas
numa determinada
convencionais de bairegião, o patógeno é
xa qualidade pode acardisperso pelo vento,
retar problemas para a
pela chuva, por imFIGURA 2. A-Haste caulinar de muda tipo filhote sem as folhas,
lavoura a ser estabeleplementos agrícolas e
com diâmetro da base de 3 cm e comprimento de 5 cm, aproxicida em conseqüência
veículos, pelo próprio
madamente; B-Segmentos da haste contendo uma gema cada; Cdo baixo vigor, ocasiohomem, e também
Gemas em desenvolvimento, após 1 a 2 meses de cultivo
nado principalmente
por insetos, que, ao
pela contaminação por pragas e doen- Pratylenchus brachyurus, Rotylenchu- visitarem uma planta infectada, acaças.
lus reniformis), cupins (Cornitermes bam por levar em seu corpo o fungo e,
A cochonilha (Dysmicoccus brevi- striatus, Syntermes silvestrii), formigas ao posarem em outras plantas, por
pes) representa a principal praga da
(Atta bisphaerica), percevejo (Lybin- inocular a doença. O solo, felizmente,
cultura em todo o mundo e sua infes- dus dichrous), broca do colo (Paradi- não constitui um repositório de persistação leva ao aparecimento da mur- ophorus crenatus), caruncho (Parisos- tência do Fusarium, uma vez que o
cha-do-abacaxizeiro. Embora a associ- choenus ananasi) e cochonilha pe- fungo não produz clamidosporos, o
ação dessa cochonilha com a murcha quena (Diapsis bromeliae) (Sanches, que restringe a sobrevivência naquele
tenha sido detectada no começo dos 1999).
ambiente por períodos relativamente
anos 30 (Carter, 1933), somente no
Entre as enfermidades, a fusariose, curtos (Maffia, 1980; Matos & Cunha,
início dos anos 60 foi que a etiologia da por sua vez, é considerada a principal 1980). Além disso, não tem sido consdoença começou a ser esclarecida (Car- doença do abacaxizeiro no Brasil, ten- tatada infecção de mudas sadias quanter, 1963). Esse autor demonstrou que do sido relatada inicialmente em frutos do plantadas em solo contaminado
apenas cochonilhas retiradas de plan- da cultivar Smooth Cayenne (Kimati & pelo Fusarium (Matos & Cunha, 1980).
tas doentes eram capazes de induzir os Tokeshi, 1964). Há evidências de que
Várias outras doenças atacam o
sintomas de murcha. Mais recente- a fusariose tenha sido introduzida no abacaxizeiro, como a mancha negra
mente, foi isolado um virus a partir de Brasil através de mudas vindas do do fruto (Penicillium funiculosum),
plantas com sintomas de murcha e Uruguai e da Argentina (Laville, 1980). podridão negra do fruto, podridão da
acredita-se que esse virus associado à Atualmente, a doença causa danos base da muda e mancha branca das
cochonilha seja o agente causal da elevados à cultura nas principais regi- folhas (Chalara paradoxa); podridão
murcha (Gunasinghe & German, 1986; ões produtoras do país, com exceção do olho (Phytophthora nicotiana var.
1987; 1989; Ullman et al., 1989; San- do Tocantins, onde ela ainda não foi parasitica), podridão das raízes e poches & Matos, 1999).
introduzida. Considerando que as prin- dridão do fruto verde (Phytophthora
Além da cochonilha Dysmicoccus cipais cultivares plantadas no Brasil, cinnamomi); mancha amarela da planBiotecnologia Ciência & Desenvolvimento
43
FIGURA 3. Gemas em meio de multiplicação na presença de
benzilaminopurina e ácido naftaleno acético, após três meses de cultivo
ta e do fruto (vírus denominado Tomato Spotted Wilt Virus, transmitido por
várias espéceis de Thrips); podridão
rósea (causada por várias espécies de
bactérias, como Acetobacter aceti, Erwinia herbicola e Gluconobacter oxydans); colapso do fruto e podridão
bacteriana da roseta foliar (Erwinia
chrysanthemi), e “marbling desease”
(Acetobacter sp.) (Matos, 1999).
Em 2001,o Brasil deverá ter uma
área plantada de, aproximadamente,
55 mil ha, o que resultará numa demanda aproximada de 2 bilhões de
mudas, para uma densidade de plantio
de 36.000 mudas por ha.
O sucesso da cultura do abacaxi
depende, entre outros fatores, da qualidade da muda utilizada pelos agricultores. A sanidade do material propagativo constitui num dos pré-requisitos
básicos para que possam ser obtidas
altas produtividades e frutos de excelente qualidade.
3.1. Produção de mudas
via cultura de tecidos
A produção de mudas de abacaxi
via cultura de tecidos consiste na regeneração de plantas completas (caule,
folhas e raízes) a partir de gemas
axilares de plantas matrizes selecionadas no campo em plantios comerciais.
44
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
O processo envolve várias etapas,
começando com a coleta das mudas
de plantas selecionadas no campo,
passa pela extração das gemas axilares, cultivo e regeneração das plântulas, as quais são, numa segunda etapa,
inoculadas em meio de multiplicação.
Após essa fase, os brotos são cultivados em meio próprio para alongamento/enraizamento. Finalmente, as plântulas são transferidas para casa de
vegetação para aclimatação, crescimento e desenvolvimento. Os detalhes desse processo são descritos a
seguir.
Mudas do tipo filhote, filhote-rebentão, rebentão ou coroa, retiradas
da planta mãe, passam por uma poda
das folhas e são levadas para o laboratório, onde podem ser armazenadas
por vários dias até o momento da
extração das gemas.
Para retirada das gemas, faz-se um
poda de dois a três centímetros da
base da haste. Em seguida, são retiradas as folhas, deixando apenas a haste,
a qual contém de dez a quinze gemas
axilares bem visíveis (Figura 2-A). As
hastes são colocadas em frasco autoclavado e imediatamente levadas para
a câmara de fluxo laminar de ar estéril
onde se procederá à desinfestação
superficial para eliminar fungos e bactérias presentes na superfície da haste
e das gemas. Caso haja contaminação
elevada, além da desinfestação superficial recomenda-se adicionar antibióticos e/ou fungicidas ao meio de cultura para se obterem gemas livres de
contaminação.
Eventualmente, altos índices de
contaminação bacteriana e/ou fúngica
podem ser indícios de presença de
contaminantes endógenos, o que é um
indicador de que a qualidade da muda
é insatisfatória, ou seja, a muda foi
colhida de plantas matrizes doentes,
debilitadas, excessivamente úmidas ou
cuja manipulação e estocagem após a
colheita tenham sido inadequadas. As
mudas devem ser colhidas após um
período de estiagem suficiente para
que a água presente na superfície das
folhas evapore, permitindo melhor armazenamento sem que ocorra proliferação superficial de fungos e bactérias.
Caso o crescimento de fungos e bactérias seja muito intenso e as condições
de umidade e temperatura, adequados, os feixes vasculares podem ser
contaminados, o que irá dificultar ou
mesmo impossibilitar o processo de
assepsia das hastes e gemas. Nesse
caso, é preferível utilizar outras fontes
de mudas, associando a uma melhorara no processo de colheita, manipulação e estocagem do material antes do
processamento em laboratório.
A desinfestação é feita em duas
etapas: primeiramente com álcool etílico comercial, na concentração de
50% a 70%, por 1 a 2 minutos. Em
seguida, o álcool é drenado e adiciona-se uma solução de hipoclorito de
sódio na concentração de 0,5% a 1%,
por um período de 10 a 20 minutos.
Não se deve utilizar água sanitária
comercial por ela apresentar alto teor
de hidróxido de sódio e, conseqüentemente, alto pH, o que pode acarretar
a morte das gemas. Após a drenagem
dessa solução, o material é lavado com
água destilada estéril por 3 a 5 vezes,
por um período mínimo de 5 minutos
por lavagem. Ao final da última lavagem, o material é deixado imerso em
água estéril até o momento da excisão
das gemas, a qual é feita sob microscópio estereoscópico ou mesmo a olho
nu. Com a ajuda de pinças e bisturis
devidamente estéreis, é feita a retirada
de um tetraedro irregular de 2 a 4 mm
de aresta de tecido da haste contendo
a gema (Figura 2-B). Esse fragmento é
imediatamente colocado sobre a su-
perfície do meio de cultura em um
recipiente que pode ser um tubo de
ensaio ou qualquer outro tipo de frasco de vidro ou plástico autoclavável.
O meio de cultura tem a função de
nutrir a gema e é constituído de macro
e micronutrientes, vitaminas, aminoácidos, sacarose, agente gelificante e
reguladores de crescimento vegetal. O
meio básico utilizado é o de Murashige
& Skoog (1962), suplementado com
dois reguladores de crescimento, benzilaminopurina (BAP), também chamada benziladenina (BA), na concentração de 0,5 mg/L, e ácido naftalenoacético (ANA), na concentração de
0,125 mg/L. A primeira substância pertence ao grupo das citocininas e está
relacionada com a diferenciação celular, formação e multiplicação de gemas e crescimento da haste caulinar e
folhas; enquanto que a segunda, o
ANA, faz parte das auxinas e age na
mitose, formação e crescimento das
raízes. Em combinação, essas substâncias são benéficas ao pegamento e
desenvolvimento das gemas (Figura 2C). Após de dois a três meses de
cultivo in vitro, há formação de uma
plantinha de abacaxi completa, ou
seja, folhas, haste e raízes, com tamanho aproximado de 8 a 10 cm de
altura.
A gema, inicialmente colocada em
meio de cultura, permanece em sala
de crescimento com temperatura em
torno de 24 o C durante a noite e 28 o C
durante o dia, sob a luminosidade
correspondente a quatro lâmpadas fluorescentes de 40 W, tipo luz do dia. O
fotoperíodo, i.é., o período diário de
iluminação, deve ser de 14 a 16 horas.
A cada quatro semanas, o material
é transferido para meio fresco, até que
se obtenha número desejado de plântulas, com três a cinco folhas, com raiz
bem desenvolvida e um diâmetro do
talo de 0,5 a 0,8 cm. Essas plântulas
podem ser mantidas em meio de cultura por tempo indeterminado, desde
que, a intervalos de quatro a seis
meses, seja feita a renovação do meio
nutritivo.
Para cada cem gemas inoculadas,
são obtidas, na melhor das hipóteses,
o mesmo número de plântulas no final
do processo. Entretanto, isso é raro
acontecer, uma vez que ocorrem perdas por morte e contaminação. Normalmente, uma muda tipo filhote resulta em dez a quinze gemas isoladas
e entre seis a dez plântulas estabelecidas. Portanto, a taxa de multiplicação
nesse processo é de seis a dez por
muda tipo filhote.
Essa taxa de multiplicação é muito
baixa e não compensa os custos de
manipulação via laboratório. Dessa
forma, é necessário lançar mão de um
processo adicional, no qual as plântulas existentes no estoque in vitro possam ser multiplicadas centenas ou mesmo milhares de vezes.
O processo de multiplicação consiste na poda das folhas e raízes das
plântulas estocadas in vitro, com conseqüente redução do porte da haste
para um a dois centímetros de comprimento. Esse material é inoculado em
meio nutritivo gelificado ou líquido e
mantido aí por vários meses para multiplicação das gemas pré-existentes na
plântula (Figura 3). Para que ocorra
uma intensa multiplicação das gemas,
o meio nutritivo é enriquecido com
BAP e ANA, na concentração de 2 e 0,5
mg/L, respectivamente, o que corresponde a quatro vezes a concentração
do meio de estabelecimento. O intervalo de tempo de cultivo nessa fase
varia de três a seis meses, com renovação do meio nutritivo a cada quatro
semanas. Após esse período, procedese à transferência das gemas para meio
sem reguladores de crescimento, denominado meio de alongamento/enraizamento. Nesse meio, as gemas,
que se encontravam em processo ativo de multiplicação vão dar origem,
após 45 a 60 dias, a pequenas mudas
de abacaxi, com comprimento que
varia entre 5 e 7 cm (Figura 4). Nessa
fase, as mudinhas estão aptas a ser
transferidas para telados ou casa de
vegetação. Para isso, as mudas são
tratadas com uma suspensão de Benlate a 0,1% por 1 h e imediatamente
plantadas em substratos adequados
em telados ou casa de vegetação.
Diferentes tipos de substratos podem
ser utilizados como mistura de solo e
areia na proporção de 2:1, vermiculita
pura, substratos comerciais do tipo
Plantmax, solo turfoso ou qualquer
outro tipo de substrato que seja propício ao crescimento das mudas. Durante essa fase, a luminosidade máxima
deve ser de 40% da luz solar direta e a
umidade relativa entre 70% e 80%. A
adubação deve ser adequada, com um
nível maior de fósforo e potássio em
comparação com o nitrogênio. A adubação foliar com macro e micronutrientes pode dar bons resultados principalmente quando empregada de forma complementar. Após 6 a 8 meses
em casa de vegetação, as mudas estão
prontas para ser levadas para o campo
(Figura 5).
A taxa de multiplicação do abacaxi
varia, principalmente, em função da
cultivar, bem como do tipo de meio de
cultura utilizado. Na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, foi desenvolvida uma metodologia de produção de mudas in vitro para oito
genótipos, sendo quatro comerciais,
‘Pérola’, ‘Perolera’, ‘Smooth Cayenne’
e ‘Primavera’ e quatro não comerciais
FIGURA 4. Mudas de abacaxi com 5 a 7 cm de comprimento após
cultivo em meio de alongamento/enraizamento por 45 a 60 dias
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
45
te a fase de multiplicação conduzidos
em nosso laboratório mostraram que
é possível reduzir o período de multiplicação para três meses, o que
representa uma substancial redução
do tempo total do processo.
A produção de mudas de abacaxi
em laboratório apresenta vantagens
e desvantagens. Entre as vantagens,
podemos citar as seguintes:
- alto vigor e uniformidade;
- ausência de pragas e doenças;
- mudas enraizadas e prontas para
ser cultivadas no campo;
- disponibilidade de acordo com
a demanda em termos de época e
local de plantio;
FIGURA 5. Mudas de abacaxi micropropagadas medindo entre 20 a
25 cm de comprimento após 6 a 8 meses em casa de vegetação,
prontas para ser levadas ao campo
(FRF-820, FRF-168, FRF-632 e Comum),
clones procedentes do banco de germoplasma da Embrapa Mandioca e
Fruticultura. A fase de indução de
multibrotação das gemas foi feita em
meio gelificado enquanto o alongamento/enraizamento foi conduzido em
dois diferentes tipos de meio, apenas
variando o grau de consistência, i. é,
em meio líquido e em meio gelificado,
para fins de comparação. A taxa de
multiplicação média para os oito genótipos ao longo de cinco meses de
cultivo em meio de multiplicação gelificado, seguido de dois meses em
meio de alongamento/enraizamento
gelificado foi de 482, i.é, foram produzidas 482 mudas a partir de cada
plântula estabelecida in vitro. Quando
a fase de alongamento/enraizamento
foi conduzida em meio líquido, a taxa
subiu para 1.676, um aumento de
348%.
O uso de meio líquido na fase de
alongamento/enraizamento tem outras vantagens adicionais como maior
facilidade para retirar as mudas do
meio de cultura por ocasião da transferência das mudas para a casa de
vegetação.
Portanto, considerando-se que, de
10 a 15 gemas inoculadas inicialmente
a partir de cada muda tipo filhote,
apenas 6 se desenvolvem e que a taxa
de multiplicação seja apenas de 1.000
plântulas por gema, serão obtidas, ao
final do processo, algo em torno de
6.000 mudas micropropagadas por
muda convencional utilizada, conside46
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
rando uma perda próxima de zero
durante a fase de aclimatação. Caso as
6.000 mudas sejam mantidas in vitro
para uma nova rodada de multiplicação, algo próximo a 6.000.000 de mudas podem ser obtidas num período
aproximado de 2 anos. Portanto, o
potencial de multiplicação in vitro é
muito elevado comparado com os
métodos tradicionais.
O cronograma do processo é outro
ponto muito importante e pode ser
resumido da seguinte forma:
Entre as desvantagens, as mais
importantes são as seguintes:
- o custo da muda, algo entre 20
a 30 centavos, é bem superior ao
da muda convencional, que está
entre 3 a 5 centavos;
- a produção depende de infraestrutura relativamente sofisticada;
- o investimento inicial para montagem do laboratório, casas de
vegetação e telados é alto;
- o processo requer mão-de-obra
especializada, conseqüentemente melhor remunerada;
- a metodologia está em constante
evolução, o que requer atualização freqüente do processo de
produção.
A. estabelecimento do estoque de
plântulas a partir das gemas axilares – 2 a 3 meses;
B. multiplicação das gemas em
meio rico em BAP e ANA – 3 a 5
meses;
C. alongamento/enraizamento – 2
meses;
D. aclimatação e crescimento em
casa de vegetação – 6 a 8 meses.
Embora as mudas de abacaxi obtidas via cultura de tecidos ainda
tenham preços elevados, principal
fator que tem limitado a sua utilização em lavouras comerciais, esse tipo
de muda pode ser recomendado com
os seguintes objetivos:
Assim o processo pode demorar de
13 a 18 meses para se obter mudas
com 20 a 30 cm de altura, prontas para
serem transferidas para o campo, partindo do início da fase de estabelecimento do estoque de plântulas in
vitro.
Da mesma forma que o meio líquido foi muito superior ao meio gelificado na fase de alongamento/enraizamento, é provável que o emprego do
meio líquido na fase de multiplicação
poderá acelerar o processo. Testes
preliminares com meio líquido duran-
1. na introdução da cultura em
novas regiões de plantio, onde ainda
não existem problemas fitossanitários;
2. na introdução/substituição de
novas cultivares, quando não se dispõe de mudas convencionais dessas
cultivares para iniciar de grandes
plantios;
3. na multiplicação rápida de genótipos selecionados pelos programas de melhoramento genético, antes do lançamento de novas cultivares;
4. na produção de material básico
para atender a programas de produção de mudas certificadas de abacaxi;
5. no intercâmbio de germoplasma para se evitar a introdução de
pragas e doenças exógenas.
Conclusão
A produção comercial de mudas
de laboratório das variedades mais
comuns de abacaxi plantadas no Brasil, como “Smoth Cayenne”, Pérola e
Jupy, tem sido inviabilizada, como já
foi dito, pelo alto custo de produção.
Embora a taxa de multiplicação possa estar próxima a 10.000 por muda
convencional, o custo final da muda
é muito superior ao da muda convencional, cerca de 4 a 5 vezes. Na
composição desse custo, estima-se
que a maior parte, entre 60% a 70%,
seja devido ao gasto com mão-deobra. Desta forma, para viabilizar
este tipo de muda, protocolos mais
eficientes no uso de mão-de-obra
precisam ser desenvolvidos.
Deve-se levar em consideração,
entretanto, que, para outras aplicações listadas anteriormente, o protocolo está pronto para ser utilizado,
como, por exemplo, para produção
de mudas de novas variedades derivadas do melhoramento genético.
Mesmo para variedades tradicionais, é possível aplicar esta tecnologia através da comercialização de
mudas de laboratório para estabelecimento de jardins clonais, em regiões e locais estratégicos para essa
finalidade. Nesse caso, as mudas
poderiam ser adquiridas por viveiristas, que multiplicariam as matrizes
no campo, sob condições de controle rigoroso de pragas e doenças. As
mudas matrizes adquiridas de laboratórios credenciados poderiam resultar em uma taxa de multiplicação
mínima de 5 vezes por ciclo, além da
produção de um fruto por planta.
Desde que se tomem os devidos
cuidados, o material poderia passar
ainda por, pelo menos, uma segunda
multiplicação no campo. Dessa forma, por exemplo, 50.000 mudas matrizes de laboratório renderiam, ao
longo de dois ciclos de multiplicação
no campo, algo em torno de 1.250.000
mudas, além de produzir, no mesmo
período, 300.000 frutos (50.000 fru-
tos no primeiro ciclo e 250.000, no
segundo), numa área de cinco a sete
hectares e num período de tempo
aproximado de trinta e seis meses.
Portanto, a presente metodologia
poderá contribuir, em futuro próximo,
para melhorar a qualidade da muda
para cultura do abacaxi, em âmbito
nacional, o que resultará num aumento de produtividade e qualidade do
fruto produzido. Pelas características
da planta, que pode suportar períodos
temporários de seca, adapta-se a diferentes condições de clima e solo, e
pelas características do fruto, quanto a
sabor, aroma, riqueza nutricional, a
cultura do abacaxi deverá se firmar
como a terceira mais importante fruta
para o mercado interno, depois da
laranja e da banana, com excelentes
condições para se tornar mais um
importante produto de exportação da
agricultura brasileira.
Referências
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FAO (2000): http://apps.fao.org/page/
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In: Cunha, J.R.S. & Souza, L.F. da S.,
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
47
Vacina para o HPV
Uma alternativa para a erradicação do câncer de colo do útero
Grupo de Detecção Precoce e Prevenção do Câncer
de Colo do Útero
Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA)
Coordenador: Dr. Paulo Naud
Participantes: Dr. Paulo Naud, Dr. Jean Matos,
Dr. Luciano Hammes e Dra. Janete Vetorazzi
[email protected]
[email protected]
O câncer de colo uterino é o 3°câncer mais
para cada 100.000 mulheres, com 6.900 vidas percomum em mulheres, no mundo todo. Anualmente,
didas naquele ano por essa patologia. Em países
cerca de 700.000 novos casos são diagnosticados. Em
como a Finlândia, a incidência de câncer de colo
países desenvolvidos, o risco de uma mulher desenuterino alcança apenas a marca de 4,4 casos /
volver câncer cervical durante sua vida, sem nunca ter
100.000 mulheres /ano.
participado de um programa de prevenção, é de cerca
de 1%. Em países em desenvolvimento, esse risco
Nos últimos anos, identificou-se um aumento na
aumenta para 5%. Esses números refletem claramente
incidência e na mortalidade por câncer de colo
a diferença das políticas de saúde públicas adotadas
uterino em nosso meio. Estudos demonstram uma
e reforçam a importendência crescente
tância dos programas
dessa patologia e
de prevenção para a
enfatizam a necessiConsideramos que o câncer de colo do útero
erradicação dessa dodade tanto de proença.
gramas adequados
seja uma doença com um potencial de
de screening, como
prevenção que pode chegar a 100% dos
A introdução do exade programas de
me citopatológico há
identificação e tratacasos, e que nossa atuação - dos profissionais
50 anos, como métomento precoce de
do de rastreamento,
lesões precursoras
de saúde, do governo e da população em
provocou uma espedo câncer de colo
tacular redução dos
uterino.
geral - pode mudar a história dessa doença.
casos de morte por
câncer de colo uterino.
Novas alternativas de
Em países onde se ofereceu uma efetiva cobertura
tratamento devem ser incorporadas à prática de
pelo screening, deu uma redução de até 70% dos
todos os profissionais de saúde envolvidos na
casos.
prevenção do câncer de colo do útero.Também
seria fundamental iniciarmos nossa atuação precoO Brasil, sendo um país em desenvolvimento, possui
cemente, antes do surgimento das lesões precursouma incidência alarmante de câncer cervical. Em
ras do câncer de colo do útero. Devemos impedir
1999, o INCA (Instituto Nacional do Câncer do Brasil)
que nossas pacientes se infectem pelo papiloma
estimou que ocorreram 30,34 casos de câncer cervical
vírus humano (HPV), um DNA vírus que é o grande
48
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
48
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
responsável pelo desenvolvimento do câncer de
colo do útero. Podemos afirmar, baseados em
estudos de biologia molecular, que não existe
câncer de colo do útero sem que exista a infecção
pelo HPV.
Até o momento, conseguimos identificar, por métodos de captura híbrida e por PCR, cerca de 100
subtipos de HPV, que possuem capacidade de
produzirem diferentes tipos de lesões, desde lesões
exofíticas externas, verrucosas, até lesões cervicais
precursoras a lesões invasivas do câncer de colo do
útero.
O estudo envolverá cerca de 1000 mulheres em centros
selecionados nos Estados Unidos, no Canadá e no Brasil,
e avaliará a resposta imunológica das pacientes vacinadas
contra o HPV. Foram selecionadas pacientes que procuraram espontaneamente nosso serviço e que não tivessem
qualquer indício de infecção pelo HPV. Depois de exames
iniciais realizados fora do país, as pacientes foram
selecionadas para receberem a vacina ou placebo. Todas
as pacientes serão acompanhadas por exames que rastreiam
a infecção pelo HPV, tanto por exames citopatológicos
quanto por PCR e por sorologia que identifica anticorpos
específicos contra o HPV, durante um período de cerca de
18 meses.
O HPV pode infectar tanto a pele como as mucosas,
Ressaltamos que as pacientes serão vacinadas com uma
porém ele tem um grande potencial de atuação na
partícula que imita o DNA dos subtipos de HPV 16 e 18,
mucosa de colo do
chamada de VLP ( vírus like
útero, que possui uma
particle), que estimula o
velocidade alta de
organismo a produzir
Informamos, com satisfação, que estamos desen“turn over” celular.
anticorpos específicos a essa
volvendo, em parceria com SmithKline Beecham
Dos cerca de 100
partícula que imita o HPV
subtipos identificados
16 e 18. Imagina-se que,
Biologicals,
um
estudo
multicêntrico,
que
testará
a
existe um grupo de
quando as pacientes entraHPV que possui a carem em contato com as
eficácia de uma vacina para o HPV.
pacidade de invadir o
partículas virais verdadeigenoma celular, os
ras, o organismo produzirá
quais são classificados como HPV do grupo B ou de
anticorpos imediatamente, impedindo que essas pacienalto potencial oncogênico, tendo a capacidade de
tes se infectem pelo HPV 16 e 18 e talvez, por reação
produzir alterações celulares que podem levar, sob
cruzada, também possam vir a produzir anticorpos contra
determinadas condições, ao câncer de colo do
outros subtipos virais.
útero.
Lembramos que as pacientes não receberão nenhuma
Sabemos que desse grupo, considerado de alto
partícula viral e que, por isso, não correm nenhum risco
potencial oncogênico (subtipos 16, 18, 33, 35, 51)
de desenvolverem qualquer lesão cervical.Todas as pacios subtipos 16 e 18 são os principais responsáveis
entes serão acompanhadas por 18 meses e a eficácia da
pelo desenvolvimento do câncer de colo do útero,
vacina será avaliada através da formação de anticorpos
tanto pela sua prevalência quanto pela sua
específicos para o HPV e também através de outros
agressividade.
exames que detectem possíveis lesões causadas pelo HPV.
Baseados em estudos de biologia molecular, podemos dizer que nossa ação tem como objetivo a
prevenção da infecção desses subtipos virais. Vários estudos estão sendo desenvolvidos para se
chegar a uma vacina eficaz para prevenir a infecção
pelo HPV dos subtipos 16 e 18. Podemos dizer que
a melhor alternativa de tratamento para infeções
virais seria a estimulação do sistema imunológico
de nossas pacientes contra o vírus do HPV.
Informamos, com satisfação, que estamos desenvolvendo, em parceria com SmithKline Beecham
Biologicals, um estudo multicêntrico, que testará a
eficácia de uma vacina para o HPV e que cerca de
100 pacientes serão acompanhadas no Hospital de
Clínicas de Porto Alegre.
Consideramos que o câncer de colo do útero seja uma
doença com um potencial de prevenção que pode chegar
a 100% dos casos, e que nossa atuação - dos profissionais
de saúde, do governo e da população em geral - pode
mudar a história dessa doença. Talvez possamos num
futuro próximo, dizer que, assim como o exame papanicolau
mudou a história dessa patologia, a vacina contra o HPV
foi um marco para a erradicação desse câncer, câncer de
mulheres e, principalmente, câncer de países pobres,
como o Brasil.
Informamos que a Revista Biotecnologia Ciência &
Desenvolvimento está sendo indexada para a AGROBASE
- Base de Dados Bibliográfica da Agricultura Brasileira. A
AGROBASE é gerenciada pela CENAGRI - Ministério da
Agricultura e do Abastecimento.
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
49
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
49
PESQUISA
Processo fermentativo para
PRODUÇÃO DE BEBIDA
Processo Fermentativo para Produção de Bebida Alcoólica de Pupunha (Bactris gasipaes Kunth)
Resumo
Lílian Pantoja de Oliveira
Bióloga, MSc – Laboratório de
Bioquímica e Fisiologia Pós-colheita/
CPTA/INPA
Roberto Maeda
Engenheiro Agrônomo – Laboratório de
Bioquímica e Fisiologia Pós-colheita/
CPTA/INPA
Jerusa de Souza Andrade
Engenheira Agrônoma, DSc –
Laboratório de Bioquímica e Fisiologia
Pós-colheita/CPTA/INPA
Nei Pereira Junior
[email protected]
Engenheiro Químico, PhD –
Laboratório de Desenvolvimento de
Bioprocessos do Departamento de
Engenharia Bioquímica da EQ/UFRJ
Sônia Maria da Silva Carvalho
Farmacêutica, MSc – Laboratório de
Micologia do Departamento de
Parasitologia do ICB/UA.
Spartaco Astolfi Filho
[email protected]
Biólogo, DSc – Laboratório de Genética
do Centro de Apoio Multidisciplinar do
ICB/UA.
Fotos cedidas pelos autores
50
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
A viabilidade técnica de produzir de
bebida alcoólica a partir de pupunha
(Bactris gasipaes Kunth), fruto amiláceo da Região Amazônica, foi investigada por fermentação semi-sólida. A
polpa do fruto foi caracterizada quimicamente, sendo exibido alto conteúdo
amiláceo (44,3%, em base úmida). Após
a hidrólise enzimática prévia do amido,
com α-amilase e glucoamilase comerciais, o meio foi inoculado com células de
Saccharomyces cerevisiae (levedura de
panificação) e o processo fermentativo
monitorado em intervalos de 24 horas,
para acompanhar a viabilidade celular,
o consumo de substrato, a produção de
etanol, a acidez total e o teor de carotenóides totais. O alto rendimento em
polpa amilácea (71,2%), as elevadas
conversões de hidrólise (90%) e eficiência de fermentação (93,5%), assim
como a boa aceitabilidade do produto
(80%), sugerem a aplicação da pupunha na produção de bebida alcoólica
fermentada, gerando oportunidades
para novos desenvolvimentos econômicos na região amazônica.
Palavras chave: pupunha, composição química, α-amilase, glucoamilase, fermentação, Saccharomyces cerevisiae, análise sensorial.
Introdução
A pupunheira (Bactris gasipaes Kunth) é uma palmeira domesticada pelos
ameríndios desde épocas pré-colombianas. Seu cultivo é feito em toda a
Amazônia e constitui-se em valiosa planta de subsistência (Figura 1). Tem ampla distribuição, sendo encontrada por
toda a Amazônia e América Central a
partir de Honduras (Figura 2). Seus
frutos têm grande potencial econômico
devido à sua composição química, produtividade agrícola (13.500 ton/ano) e
amplo consumo regional (Clement,
2000). A pupunha é um fruto rico em
minerais e pró-vitamina A e, dependendo da raça, em carboidratos ou lipídios
(Arkoll & Aguiar, 1984).
A partir da pupunha é preparada a
caiçuma, bebida consumida pelos índios em datas comemorativas. É feita
artesanalmente de diferentes modos,
de acordo com a etnia. Algumas tribos
mastigam a pupunha e a deixam fermentar, geralmente por até sete dias, e,
dessa forma, a ptialina contida na saliva
Figura 1. Pupunheira amazônica
Foto: C. R. Clement
é incorporada à massa, e hidrolisa o
amido, conseqüentemente.
Apesar do enorme potencial da pupunha na Região para a produção e
comercialização de bebidas, esse aspecto tem sido pouco explorado, pois a
maioria dos produtos oriundos daquele
fruto é processada de forma artesanal.
O presente trabalho teve como objetivo
desenvolver a tecnologia para produzir
uma bebida alcoólica, por processo
Figura 2. Distribuição geográfica da pupunheira
fermentativo, utilizando-se a pupunha
como matéria-prima.
Materiais e Métodos
Matéria-prima e caracterização
Foram utilizados frutos da pupunheira no estádio maduro, pertencentes à
raça Solimões, colhidos em safra secundária e adquiridos no mercado Adolpho
Lisboa, em Manaus. Os cachos foram
pesados e, após a despenca, os frutos
foram selecionados quanto à sanidade e
à maturação, avaliados em relação ao
número, peso, diâmetro longitudinal e
transversal e peso do descarte (semente
e casca) e lavados em água corrente.
Os frutos foram, então, submetidos à
cocção por 5 minutos em tacho de aço
inoxidável com capacidade para 100
litros, aquecido a vapor, com agitação
mecânica. Após a drenagem da água e o
Figura 3. Pré-tratamento da
matéria prima
resfriamento, foram acondicionados em
sacos plásticos de alta densidade e
estocados a –10 ºC.
Para a caracterização centesimal e o
preparo do meio de fermentação, os
frutos foram descongelados e após descascamento e retirada de semente, a
polpa foi caracterizada (em triplicata),
quanto às proteínas solúveis, pelo método de Biureto (Harris & Angal, 1994)
e carotenóides totais, por espectrofotometria (Higby, 1962). Os lipídios (extração com éter de petróleo em Soxhlet), fibra total (tratamento ácido-básico), umidade (65ºC) e cinzas (incineração em mufla a 550 ºC) seguiram metodologias descritas pelas Normas Analíticas do Instituto Adolfo Lutz (1985). O
amido foi extraído e hidrolisado segundo Ranganna (1996) e a glicose liberada, quantificada pelo método de Somogyi-Nelson (Southgate, 1976).
Enzimas e Microrganismo
A hidrólise do amido presente na
pupunha foi realizada com as enzimas
comerciais α–amilase e glucoamilase
(NOVO Nordisk S/A) e a levedura Saccharomyces cerevisiae (fermento seco
Fleischmann) foi empregada como
agente do processo fermentativo.
Preparo do Meio
de Fermentação
Analogamente à caracterização da
matéria-prima, a massa de fermentação
foi preparada pelo descongelamento
dos frutos, seguido de cocção por 2,5
horas, resfriamento, despolpa, trituração e esterilização em autoclave por 15
minutos, a 121 ºC.
Para otimização das condições de
hidrólise, foram realizados testes preliminares, com diferentes proporções de
α-amilase (70ºC) e glucoamilase (55 ºC)
em banho termostatizado, por 30 minutos. Os graus de hidrólise foram avaliados mediante a quantificação dos açúcares redutores, pelo método de Somogyi-Nelson (Southgate, 1976). A fim de
avaliar a fermentabilidade do meio hidrolisado, inoculou-se o mesmo com
células de levedura em fermentômetros (recipiente amplamente utilizado
em indústria viti-vinícola para se medir
a atividade fermentativa de linhagens
de leveduras), possibilitando o acompanhamento do processo por meio de
pesagens sucessivas do conjunto, sendo a perda de peso observada, decor-
rente do desprendimento de CO2. As
condições de hidrólise enzimática, eleitas como ótimas, foram empregadas
para o preparo do meio de fermentação
e o teor de açúcar inicial, corrigido com
a adição de xarope de sacarose estéril
para se obter a concentração desejada
de etanol na bebida.
Processo Fermentativo
A fermentação semi-sólida foi conduzida por batelada simples com três
repetições, em cubas cilíndricas de acrílico, geometricamente iguais, com capacidade nominal de 4,5 litros, a 29 oC e
o processo monitorado a intervalos de
24 horas. De cada cuba, amostras foram
retiradas para determinações analíticas
(triplicatas) das variáveis de interesse
do processo fermentativo.
Determinações Analíticas
Além das análises físico-químicas
para a determinação de amido e carotenóides, empregadas na caracterização da matéria-prima, foram ainda utilizadas as seguintes técnicas para o
acompanhamento do processo fermen-
Tabela 1. Composição química da
pupunha (Bactris gasipaes Kunth)
in natura, pertencente a raça
Solimões
Constituintes*
Umidade (%)
Proteínas (%)
Lipídios (%)
Amido (%)
Fibra Total (%)
Cinza (%)
Carotenóide (mg/100g)
in natura
46,1 ± 0,4
1,3 ± 0,1
5,9 ± 0,4
44,3 ± 0,3
0,7 ± 0,1
0,7 ± 0,2
2,5 ± 0,3
* base úmida
Tabela 2. Análises físico-químicas
da bebida fermentada
Constituintes
PH
Acidez (g/L)
Açúcares redutores (g/L)
Sólidos solúveis (Brix)
Etanol (g/L)
Carotenóides (µg/L)
Média*
3,9
2,7
0,16
6,4
75,1
7,0
* Os valores representam média de triplicatas
e os desvios não ultrapassaram 1,8 % das
medidas realizadas
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
51
tativo: avaliação da viabilidade celular, por contagem de células em
Câmara de Neubauer, empregandose azul de metileno como corante
vital (Alves e Morais, 1998); teor
alcoólico, após destilação de amostras em fase aquosa e posterior
medida, por densimetria (Normas
Analíticas do Instituto Adolfo Lutz,
1985); pH, por potenciometria; acidez, por titulometria com NaOH
0,01N; sólidos solúveis, por refratometria e açúcares redutores, pelo
método de Somogyi-Nelson (Southgate, 1976).
Variáveis de Resposta
Os valores de extensão da hidrólise enzimática do amido (EH), fator
de conversão de substrato consumido em etanol (YP/S), e a produtividade
em etanol (QP) foram calculados de
acordo com as seguintes expressões:
EH (%) = [(Ao – Af)/Ao] x 100
YP/S = (∆P)/(-∆S) = (Pf – Po)/(So – Sf) [=] gP/gS
QP = (Pf – Po)/ tF [=] gP/L.h
Onde: A: amido; P: concentração de
etanol; S: concentração de subtrato; tF:
tempo de fermentação. Os índices ‘o ’ e
‘f’’ representam as condições inicial e
final, respectivamente.
Preparo da Bebida e
Análises Sensoriais
Após sete dias de fermentação, procedeu-se à decantação, filtração, acondicionamento em garrafas de vidro de
1 litro, fechamento hermético, pasteurização por imersão das garrafas em
água a 85 ºC por dez minutos, resfriamento em banho de água com gelo, e
estocagem a, aproximadamente, 6
ºC. Ao final de 30 dias, a bebida foi
avaliada quanto ao pH, açúcares
redutores residuais (Somogyi-Nelson), sólidos solúveis, grau alcoólico e carotenóides totais (Higby,
1972).
Foram realizados testes preliminares para se determinar o grau de
doçura ideal na bebida. Essas formulações (0, 3, 6, 9 e 12% (p/v) de
sacarose) foram submetidas à análise sensorial, utilizando-se escala hedônica (Monteiro, 1984). A bebida
com o grau de edulcoração eleito foi
analisada sensorialmente por 35 pessoas não treinadas, avaliando-se as
52
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
ção como matéria prima para produção de bebidas alcoólicas. De
acordo com Clement (1987), há
uma grande variabilidade em relação à composição de pupunhas
encontradas na região Amazônica,
havendo raças que produzem frutos pequenos, fibrosos, com elevados teores de lipídeos e baixos
conteúdos de amido ou vice-versa.
Hidrólise do Amido
Figura 4. Efeito das combinações de
α-amilase (a) e glucoamilase (g) na
hidrólise do amido de pupunha
características de sabor, aparência, cor
e aroma, pelo método descrito por
Monteiro (1984).
Os resultados foram analisados estatisticamente, aplicando-se a análise
de variância e teste de Tukey, com nível
de significância de 5%.
Resultados e Discussão
Características da
matéria-prima
Os cachos de pupunha pesavam
entre 0,9 a 5,0 kg e continham de 25 a
150 frutos, com peso médio de 36 g e
diâmetros longitudinal e transversal de
4,5 e 4 cm, respectivamente. O rendimento em polpa, considerado elevado,
foi de 71,2% em relação ao fruto integral. A Tabela 1 mostra a composição
da polpa in natura, considerando-se
os principais componentes. O alto conteúdo de amido e o baixo teor de
lipídeos dos frutos indicam sua utiliza-
Para a hidrólise do amido, utilizaram-se as enzimas α-amilase e
glucoamilase, como descrito na seção de Materiais e Métodos. Os
resultados estão exibidos no gráfico da Figura 4, onde se observa,
inicialmente, a imprescindibilidade
da α-amilase para uma hidrólise
mais eficiente do amido. As melhores
quantidades de enzimas para o processo hidrolítico foram atingidas com 10
µL e 50 µL de α-amilase e glucoamilase,
respectivamente, tendo sido essa proporção utilizada para o preparo do
meio de fermentação.
A extensão da hidrólise do amido
presente na pupunha foi de, aproximadamente, 90 %. A alta eficiência da
hidrólise foi também confirmada em
experimento paralelo, conduzido em
fermentômetro, onde se observou expressiva evolução de CO2 (Figura 5).
Apesar do curto tempo de fermentação
(em torno de 4 horas), a alta concentração de células e as condições de anaerobiose no fermentômetro, contribuíram para que o etanol fosse produzido
com apreciável fator de conversão do
substrato consumido no produto (0,38
g/g), considerando-se ser esse um ensaio preliminar conduzido em condições de fermentação rápida (com inóculo maciço).
Processo fermentativo
Figura 5. Evolução de CO2 na
fermentação do meio
hidrolisado enzimaticamente
O meio de fermentação submetido
à hidrólise prévia do amido foi adicionado de xarope de sacarose, nas cubas
de fermentação, formando-se um sistema semi-sólido de massa homogênea e
pastosa. A formação de bolhas de gás
(CO2) no interior da massa foi observada cerca de três horas após a inoculação e tornou-se menos intensa após 48
horas. A coloração alaranjada do meio
permaneceu inalterada e a consistência
da massa tornou-se mais fluida.
O teor de sólidos solúveis, compos-
to em sua maioria por açúcares provenientes da hidrólise do amido e da
adição do xarope, decresceu em função do consumo de açúcares fermentáveis. A produção máxima de etanol
(12% v/v) foi atingida no período de
72 horas após o início da fermentação,
diminuindo ligeiramente até o final
do processo (Figura 6), sugerindo a
possibilidade de redução no tempo
de fermentação, desde que essa estratégia não interfira nas características
de sabor e aroma da bebida.
Com 72 h de fermentação, o rendimento de substrato consumido em Figura 6. Perfil cinético da produção
etanol foi de 0,49 g/g, corresponden- de etanol em meio de fermentação
do a uma eficiência de fermentação com amido de pupunha hidrolisado
de 95,5 %. A produtividade máxima
foi alcançada no tempo de 24 horas,
apresentando o valor de 2,6 g de
etanol/L.h.
O perfil de consumo de açúcares
redutores totais (Figura 7) coadunase com o de produção de etanol e
com a variação de sólidos solúveis
(Figura 6). Observa-se que o maior
consumo de açúcar ocorre nas primeiras 24 horas do processo, diminuindo, posteriormente devido às
elevadas concentrações de etanol e
‘a escassez de substrato.
Figura 7. Cinética do consumo de
O decréscimo do pH e, conseaçúcares redutores totais (ART) na
qüentemente, o aumento da acidez
fermentação alcoólica de hidrolisado
do meio de fermentação (Figura 8)
de pupunha
estão associados à formação de ácidos orgânicos (ácidos succínico, lático, acético e outros), como amplamente reportada na literatura (Ribéreau-Gayon & Peynaud, 1966). É
importante ressaltar que a evolução
da acidez durante a fermentação
influencia a estabilidade e a coloração de bebidas fermentadas (Rizzon
et al,1998), assim como valores de
pH entre 3 e 4 dificultam contaminações bacterianas (Aquarone et al.,
1986). Os carotenóides totais mantiveram-se inalterados (4,7 mg/100g)
durante todo o curso da fermenta- Figura 8. Variação da acidez do meio na
fermentação alcoólica de hidrolisado de
ção.
A taxa de mortandande celular pupunha
aumentou com o curso da fermentação, tornando-se mais acentuada após seqüência ocorre a liberação de meta96 horas, devido à alta concentração de bólitos importantes para o meio exteretanol no meio fermentado (12,2% v/ no, bem como a entrada de substânciv). Na fermentação alcoólica, o princi- as, através da membrana, de forma não
pal responsável pela diminuição da seletiva (Duarte et al., 1996; Jones,
viabilidade celular é o seu próprio
1988; Pereira Jr., 1999). Isso resulta na
produto, cuja ação tóxica reflete-se na perda da viabilidade celular (Figura 9).
desorganização da membrana citoplasÉ importante ressaltar que o micrormática, de composição fosfolipídica,
ganismo agente do processo fermentaalterando sua integridade. Como con- tivo foi uma levedura de panificação,
que não era a mais adequada à
produção de etanol, tendo em vista
que o processo industrial para a sua
produção, a batelada alimentada, é
conduzida em condições de elevada
aeração e baixas concentrações de
glicídeos no meio, a fim de minimizar os clássicos fenômenos de repressão catabólica. Como conseqüência às condições impostas no presente trabalho, que visavam a produção de etanol por batelada simples
com elevadas concentrações de glicídeos em sistema não aerado, a
levedura apresentou bom desempenho no que tange à atividade fermentativa, ainda que apresentasse
elevadas taxas de mortandade, decorrentes do efeito deletério de seu
próprio produto.
Características gerais
da bebida
A bebida fermentada apresentou sabor e aroma agradáveis, aspecto límpido e coloração amareloalaranjado (Figura 10). As características físico-químicas (Tabela 2) mostram que a concentração de etanol
(75,11 g/L) foi superior à encontrada (11,83 g/L) por Sotero (1996),
estudando a produção de ‘caiçuma’
de pupunha por fermentação espontânea.
A maioria dos carotenóides totais presentes na massa foi removida
juntamente com os lipídios durante
o processo de filtração para obtenção da bebida, o que seguramente
está atrelado às características lipossolúveis desses terpenóides.
O teor de açúcar na bebida foi
bastante reduzido, decorrente do
consumo praticamente total durante
o processo de fermentação. Considerando não haver um grau de edulcoração definido, a escolha da proporção de açúcar efetuada através
de análise sensorial mostrou que a
proporção de sacarose de maior
preferência foi de 9 %, com 85,7 %
de aceitação.
A fim de se verificar a aceitabilidade
da bebida já edulcorada, procedeu-se a
uma nova análise sensorial cobrindo-se
os requisitos aparência, aroma, sabor e
cor. Os resultados desse ensaio estão
apresentados na Figura 11, na qual se
registram graus satisfatórios, superiores a 3,5. Alguns provadores afirmaram
que o aroma exalado pela bebida asseBiotecnologia Ciência & Desenvolvimento
53
Figura 9. Viabilidade celular de S.
cerevisiae durante o processo de
produção da bebida alcoólica do
hidrolisado de pupunha
de, e de um bom retorno de
investimento de capital. O presente trabalho demonstra ser
factível produzir bebida alcoólica de pupunha, fruto abundante na região Amazônica e
amplamente consumido pela
população do Norte brasileiro. O desenvolvimento dessa
tecnologia exigiu hidrólise enzimática prévia, tendo em vista a expressiva composição
amilácea do fruto, seguida de
processo fermentativo. A bebida resultante apresentou alto teor
alcoólico e excelentes propriedades
organolépticas. Tais características sinalizam um futuro promissor para esse
inexplorado mercado.
Figura 10.
Bebida
alcoólica de
pupunha
melha-se ao de mel e manga. De uma
forma geral, a bebida obteve um bom
nível de aceitabilidade; em torno de
80%.
Conclusões
O Brasil é a maior reserva continental de solos agricultáveis de potencial
ainda não integralmente aproveitado.
Mesmo assim o nosso país é o terceiro
maior exportador mundial de alimentos. Sabe-se, ainda, que o mercado de
bebidas convencionais responde por
uma parcela significativa da economia
brasileira, encontrando-se nesse segmento industrial as maiores empresas
da área de alimentos. No entanto, apesar de se constatar uma crescente demanda por distintos sabores de origem
natural, a comercialização de novas
bebidas constitui um mercado pouco
explorado. Nesse contexto, a produção
de bebidas fermentadas, oriunda de
frutos tropicais da região Amazônica,
desponta como uma interessante alternativa para novos mercados por apresentar perspectivas de alta lucrativida54
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
Figura 11. Diagrama gráfico do
teste classificatório do perfil da
bebida
Agradecimentos
À CAPES, pela concessão de bolsa
de mestrado para a primeira autora e ao
BASA (Banco da Amazônia S.A.), que
acreditou em nossa proposta, aprovando um projeto que recentemente se
iniciou no âmbito do PROBEM/BIOAMAZÔNIA, para continuidade deste trabalho.
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