O GLOBO ● ● AZUL MAGENTA AMARELO PRETO PÁGINA 3 - Edição: 1/10/2011 - Impresso: 29/09/2011 — 21: 41 h Sábado, 1 de outubro de 2011 ELA GOURMET O GLOBO Reprodução JONATHAN nossiter Obrigado por ter lido esta coluna (mas você vai se arrepender) E mbora o que torne o vinho tão interessante seja sua complexidade infinita, às vezes é preciso simplificar para enxergar claramente a sua complexidade. Por exemplo, poderíamos dizer que todo branco é um triângulo, com acidez, fruta e álcool num equilíbrio peculiar a cada vinho, uva e região, enquanto que os tintos são um tipo de retângulo, com os três elementos dos brancos mais o tanino (a sensação de língua seca que dá estrutura aos tintos, permitindo que não precisem ser resfriados para ficar no ponto). Desta simples geometria, encontramos dezenas de milhares de nuances nos triângulos e nos quadrados, do Piemonte a Pernambuco. Mas, mesmo que você aceite a metáfora, isso não vai ajudar muito, por exemplo, no pânico que toma conta quando você entra numa loja de vinhos. Você perguntaria “Por favor, senhor, pode escolher para mim um tinto robusto e retangular do Vale Renata Izaal N [email protected] o dia em que recebeu o ELA, Rogério Fasano estava de pé desde às 6h da manhã, cuidando pessoalmente de cada detalhe do novo Gero, que será inaugurado na Barra, no próximo dia 7. Cansado e ansioso, às voltas com pequenos problemas de finalização, ele mantém a elegância comedida que encontramos em cada detalhe da marca que leva o nome de sua família. No Gero da Barra não será diferente, mesmo que as dimensões sejam outras. Falamos de um investimento de R$ 7 milhões, um dos maiores do grupo Fasano, num espaço de 1,4 mil m², com capacidade para até 120 pessoas e estacionamento para 60 carros. O projeto tem assinatura do arquiteto Isay Weinfeld, responsável também pelo Fasano de São Paulo, a Fazenda Boa Vista e o Las Piedras, de Punta del Este. Os números podem impressionar, mas em momento algum se convertem em excessos. E é assim mesmo que deve ser. Sofisticação, simplicidade e, por vezes, certa sobriedade estão nos empreendimentos Fasano. — Este será um Gero com ambiente elegante e despojado — confirma Rogério Fasano. Se o ambiente é importante — e ele é na medida certa, nem de mais, nem de menos — tudo o mais, seja na cozinha ou no serviço, segue a mesma linha. — O Gero foi pensado para unir sofisticação e simplicidade. Não aceito serviço rococó — explica o restaurateur. E como, afinal, será o Gero da Barra? Desista de encará-lo como apenas uma filial do restaurante de Ipanema. do Rhône? Ou talvez um delicado triângulo isósceles do Mosel, na Alemanha?” Mesmo que você beba com frequência, não há nada tão intimidante quanto entrar numa loja de vinhos e ver centenas, às vezes milhares de garrafas, que vão de R$ 30 a R$ 3 mil. Que confusão! Que ansiedade! Você consegue saber vendo o rótulo se o vinho vai prestar? Às vezes, sim, como costuma acontecer com as pessoas. A aparência pode ser traiçoeira, mas se olharmos atentamente para a pessoa que acabamos de conhecer, nossos instintos frequentemente acertam. Se as cores do rótulo são berrantes como as das camisas floridas dos turistas, não espere o encontro romântico de sua vida. Se o rótulo anuncia a uva com ênfase maior do que a região ou o produtor, você geralmente sabe que está nas mãos do marketing e não da cultura e dos prazeres do vinho (apesar dos sublimes brancos da Alsácia serem uma rara exceção para esta regra). Então, o que é um bom rótulo? Varia tanto quanto a noção do que uma mulher acha atraente em um homem. Então, o que mais poderia ajudar você nesta tarefa de Sísifo que é encontrar uma boa garrafa de vinho? Em minha opinião, o mundo do vinho poderia ser dividido em quatro categorias gerais: • Vinhos cínicos, industriais, que lhe dão dor de cabeça e dor no peito (95% da produção mundial, de empresas que fazem milhões de garrafas por ano); • Vinícolas de porte médio ou mesmo pequenas (100500.000 garrafas por ano), que gastam mais em marketing internacional para fortalecer sua marca do que investem em seu caráter regional (isso inclui, em minha opinião, a maioria das vinícolas do Napa Valley, de Mendoza, Austrália, Chile, metade de Bordeaux...); • Em menor escala, vinhos de algum caráter e com senso de origem, mas que não abraçam a revolução orgânica-homeopática (por isso, não se expressam com- pletamente): a outra metade de Bordeaux (com exceção do Château Le Puy, R$ 190 no Worldwine) e a maior parte dos vinhos das melhores regiões produtoras, do Piemonte ao Vale do Reno); • A quarta.... e para mim o auge: os vinhos fanaticamente orgânicos e artesanais, dos quais cada garrafa trava um conversa singular com quem bebe (isso inclui desde o sublime espumante vinho verde tinto a 6 euros, o Afros, da Vasco Croft, que chega ao Brasil ano que vem, ao sublime mas estratosfericamente caro Romanée Conti). Dez anos atrás, as duas últimas categorias estavam ameaçadas de extinção pela globalização em massa dos vinhos das duas primeiras categorias. Mas havia uma notável resistência a essa tisunâmica homogeneização, especialmente na França, na Itália e na Alemanha. Hoje, os vinhos que expressam o mais forte e verdadeiro espírito do lugar de origem — que os franceses chamam de terroir — estão experimentando um profundo renascimento. Só “ Então, o que é um bom rótulo? Varia tanto quanto a noção do que uma mulher acha atraente em um homem” JONATHAN NOSSITER, cineasta e amante de vinhos, gosta de ensinar ao filho Noah as nuances entre o aroma de um vinho e o cheiro de pimentas. Fotos de Mônica Imbuzeiro Gero Trattoria chique de Rogério Fasano chega à Barra com dimensões nada triviais O SALÃO com capacidade para 120 pessoas A FACHADA do novo Gero:1,4 mil m² assinados por Isay Weinfeld Cerca de 80% do cardápio será comum às duas casas, mas cada uma terá identidade própria. Para isso, Rogério trouxe da Itália o chef Donato di Giuseppe (há seis meses no Fasano de São Paulo para entender l’esprit do grupo), que deve oferecer também opções leves aos clientes, por exemplo, mais saladas. — Depois da inauguração, seguimos fazendo pequenas correções até que, com o tempo, o restaurante ganha sua personalidade — resume Rogério Fasano. A tal personalidade está também no staff impecável. No Gero da Barra, rostos conhecidos e outros novos (em treinamento há pelo menos seis meses) se encontram. No começo, tudo será supervisionado por Alves, o maître-gerente querido dos frequentadores do Gero de Ipanema. Com hotel e restaurantes no Rio, Rogério Fasano tem passado uma semana por mês na cidade. Diz que ficou mais relaxado. — É uma cidade agradável e agora está com um astral muito bom. Acho que relaxei um pouco com essas vindas ao Rio, mesmo que elas sejam a trabalho — encerra o restaurateur, antes de ir verificar mais um detalhe do novo Gero. ■ 3 em Paris existem agora mais de 30 bares de vinhos e restaurantes que oferecem exclusivamente vinhos “naturais” (capitaneados por Le Bartin e Le Verre Volé), enquanto de Berlim a Nova York, passando por Tóquio, há importadoras compromissadas com vinhos naturais, inclusive a De la Croix Vinhos, em São Paulo! A categoria “vinho natural” ou “vinhos vivos” é muito mais séria do que simplesmente produtores orgânicos cujo comprometimento em não usar produtos químicos geralmente cessam quando a uva chega à vinícola (e em muitos casos, o rótulo de orgânico é apenas isso: um rótulo). Em vez disso, vinicultores naturais, médicos homeopatas e pais de santo acreditam que o ciclo natural tem que ser respeitado do começo ao fim da vida. Todas as particularidades e acidentes que fazem cada pessoa ser única — e cada vinho — são fortemente protegidos até que o vinho chegue à garrafa. Qual é o resultado? Vinhos como o Domaine Tissot Arbois (a R$ 98 na De la Croix) ou um Réméjeanne Côtes du Rhône (a R$ 58 na mesma loja), que contam uma história marcantemente mineral do solo e do clima em que cresceram, trazem as mais frescas notícias do humor da uva no momento da colheita, fazendo com que cada garrafa seja potencialmente tão excitante quanto ler Machado de Assis ou Nelson Rodrigues pela primeira vez. O resto é, no máximo, tablóide. Grande ROGÉRIO FASANO posa no bar do Gero, na Barra ●