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Pitágoras ou escola pitagórica?
Pitágoras (c.580-c.500 aC)
Apesar de ter sido um dos mais famosos e influente pensador, os relatos mais detalhados e
extensos da vida e do próprio pensamento de Pitágoras, dos quais provém a imagem que
hoje temos dele, foram escritos cerca de oitocentos anos após a sua morte. Portanto, nada
se pode garantir como certo sobre a vida e obra de Pitágoras, pois julga-se que alguns dos
seus discı́pulos distorceram relatos e inventaram histórias com o objetivo de evidenciar a
superioridade do mestre.
Pensa-se que Pitágoras foi um filósofo e matemático grego que nasceu na ilha grega de
Samos, ao largo da costa da Turquia (mar Egeu) não muito longe de Mileto, por volta de
580 aC. Assim como Tales, também Pitágoras, que poderá ter sido seu aluno, viajou pelo
Egito, antiga Babilónia, Sı́ria e Índia, onde observou todo o saber da época, em áreas tão
distintas como a astronomia, a matemática, a filosofia e a religião, até porque o seu pai era
comerciante. Quando voltou para casa encontrou Samos dominada pelo tirano Policrates
e decidiu emigrar para o porto marı́timo grego de Crotona, no sul da atual Itália.
Pitágoras dedicou-se arduamente à matemática e aos números, tendo fundado uma
irmandade secreta em Crotona, conhecida por escola pitagórica, extremamente conservadora e com um código de conduta muito rı́gido, onde se estudava filosofia, música e
matemática. Os pitagóricos (nome coletivo que identificava os membros da irmandade)
seguiam um modo de vida ascético e eram estritamente vegetarianos. Só não comiam
feijões, porque criavam flatulência e tinham uma forma semelhante a testı́culos.
À medida que a escola prosperou, desenvolveram-se outros centros noutras partes
do mundo mediterrâneo e os pitagóricos, que também se dedicavam à ciência polı́tica,
começaram a exercer uma influência poderosa sobre os magistrados. Entretanto, grupos
polı́ticos do sul de Itália destruı́ram os edifı́cios da escola e obrigaram o grupo a dispersarse. Consta que Pitágoras fugiu para Metaponto onde viria a morrer algum tempo depois
(com cerca de 80 anos). Ironia do destino, foram os feijões que mataram Pitágoras! Um
dia a sua a sua casa foi incendiada pelos inimigos e Pitágoras tentou salver-se fugindo,
mas correu para um campo de feijões. Aı́ parou. Declarou ser morto a ter de atravessar
entre os feijões, facto que deixou os perseguidores contentes, que acabaram por cortar-lhe
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o pescoço. Apesar de dispersada e perseguida, a irmandade continuou a existir durante
pelo menos mais dois séculos. Para preservarem ainda mais o secretismo todo o ensino
e comunicação da irmandade era oral. Além disso, todos os discı́pulos atribuı́am as
suas descobertas ao seu respeitado fundador tornando impossı́vel saber que descobertas
importantes foram feitas pelo próprio Pitágoras e quais foram feitas por outros membros
da sociedade1 .
Diz-se que o lema da escola pitagórica era ≪tudo é número≫, pois os pitagóricos acreditavam que na natureza tudo podia ser traduzido pelos números naturais (ou inteiros
positivos) ou por razões de inteiros (números racionais) que tinham herdado da geometria
egı́pcia. Essa foi a bandeira erguida por Pitágoras e defendida pelos pitagóricos, encarando tal crença como uma verdade absoluta. E a crença de que tudo é número caiu-lhes
literalmente do céu! Foi pela observação das estrelas que Pitágoras teve a ideia de identificar pontos e números. Por analogia com a Ursa Maior, por exemplo, que é representada
por simples pontos de estrelas, teve a ideia de representar toda a forma por uma figura.
Assim, toda a figura se reduzia a uma constelação de pontos e cada forma geométrica
podia ser representada por um conjunto de pontos. Portanto, os pitagóricos não faziam
distinção significativa entre números e formas, facto que conduziu ao conceito de númeroforma ou números figurados. Graças à sua influência, hoje temos números quadrados
e números triangulares, por exemplo. De modo semelhante, os pitagóricos designavam
números poligonais regulares de todas as ordens e até números poliedrais.
Os pitagóricos descobriram também que qualquer número quadrado (ou quadrado
perfeito) de ordem n é igual à soma dos n primeiros números ı́mpares. Esta propriedade
é facilmente representada por um arranjo visual num padrão com uma sequência de quadrados ilustrado na figura abaixo. Cada vez que se junta um número ı́mpar de pontos ao
longo de dois lados adjacentes da sequência forma-se um novo quadrado, isto é, o número
quadrado seguinte.
4 = 1 + 3 (segundo quadrado)
9 = 1 + 3 + 5 (terceiro quadrado)
16 = 1 + 3 + 5 + 7 (quarto quadrado)
25 = 1 + 3 + 5 + 7 + 9
..
.
n2 = 1 + 3 + 5 + 7 + ... + (2n − 1)
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Um importante testemunho dos pitagóricos encontra-se nos Elementos de Euclides, cujos livros I, II,
III, IV, VII, VIII e IX são baseados nos trabalhos desenvolvidos pelos seguidores da escola pitagórica e
o livro X expõe a teoria dos incomensuráveis (quer dizer, números irracionais).
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Cada número-forma tinha um significado escondido e os mais belos números-forma
eram sagrados. Assim, o sı́mbolo do culto pitagórico só podia ser um número-forma:
o pentagrama ou estrela de cinco pontas. Entretanto, sem se aperceberem disso, pelo
menos inicialmente, os pitagóricos foram além dos números racionais. Desta forma os
pitagóricos concluiram que o domı́nio das formas geométricas, isto é, a geometria, era
governada pelos números e que todos os objetos do mundo fı́sico eram constituı́dos por
pontos que diferiam apenas na forma, isto é, no arranjo espacial desses pontos, mas tudo,
no fundo, era número. Todas as descobertas pitagóricas pareciam reforçar essa crença.
Inbuı́dos da ideia de representação de um número através de um segmento (conjunto
de pontos) e carecendo completamente de qualquer notação algébrica adequada, os pitagóricos encontraram formas engenhosas de efetuar operações algébricas. Atribui-se aos
pitagóricos parte considerável da álgebra geométrica que se encontra no livro II dos Elementos, que correspondem precisamente a entidades algébricas vestidas de uma terminologia geométrica, isto é, definindo de forma geométrica resultados que, atualmente, são,
regra geral, manipulados algebricamente. Vejamos o exemplo de Elementos II.4 que estabelece geometricamente a identidade (a + b)2 = a2 + 2ab + b2 decompondo o quadrado
de lado a + b em dois quadrados e dois retângulos de áreas a2 , b2 , ab e ba, como ilustra
a figura seguinte.
b2
b
a2
ba
a
a
b
ab
(a + b)2
= (a + b) × (a + b)
= a × (a + b) + b × (a + b)
= a×a + a×b + b×a + b×b
= a2 + ab + ab + b2
= a2 + 2ab + b2
Atualmente, a expressão (a + b)2 chama-se quadrado de um binómio e o seu
desenvolvimento pode ser obtido aplicando a propriedade distributiva da multiplicação
em relação à adição, como mostra a dedução efetuada atrás. No entanto, muitos manuais
escolares também apoiam essa dedução na figura criada pelos pitagóricos.
O remate final deu-se no domı́nio da música! Na antiga Grécia, Pitágoras era lembrado
pela invenção da escala musical. Imagine que pressiona a corda de uma viola no ponto
médio. O som (nota) emitido pela corda assim pressionada está uma oitava acima da
nota que essa corda emitiria se não fosse pressionada. Por outras palavras, dividindo
os comprimentos dos segmentos formados pela corda depois e antes de ser pressionada
obtemos a fração 12 , que representa sons em intervalos de oitava. Para que a corda emita
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sons em intervalos de quinta (de Dó a Sol, de Sol a Ré, de Ré a Lá, etc.), basta dividı́-la
em três partes iguais e pressioná-la a uma distância equivalente a duas dessas partes.
Portanto, para que a corda emita sons em intervalos de quinta devemos pressioná-la a
dois terços do seu comprimento, obtendo a fração 23 . E assim por diante. Pronto! Os
números goveram até mesmo os sons.
Portanto, para os pitagóricos, os números e as razões controlavam a beleza musical, a
beleza fı́sica e a beleza natural. Compreender a natureza era tão simples como compreender a matemática das proporções. Esta forma de pensar conduziu à suposição de um
modelo pitagórico do universo. Os pitagóricos argumentavam que no centro do universo
havia um fogo central em torno do qual giravam a Terra, o Sol, a Lua e os planetas, cada
um fixo numa esfera. Estes movimentos produziam a ≪harmonia das esferas≫ e os ceus
eram uma bela orquestra matemática que simbolizava o lema
≪
tudo é número≫. Para
além de aceitarem a esfericidade da Terra, os pitagóricos inspiraram a criação do primeiro
sistema não geocêntrico do universo, quer dizer, a primeira revolução cientı́fica. Haveria
algo que pudesse destruir essa harmonia? Algo que derrubasse essa crença? Sim, a descoberta dos números irracionais ao tentarem medir a diagonal do quadrado de lado 1, que
ficarão para outra ocasião.
A caracterı́stica mais notável da escola pitagórica era a confiança que mantinha no
estudo da matemática e da filosofia como base moral para a conduta. Supõe-se que as
palavras filosofia (ou “amor à sabedoria”) e matemática (ou “o que é aprendido”) foram
inventadas pelo próprio Pitágoras para descrever as suas atividades intelectuais.
O mı́tico Pitágoras passou à história através de lendas e algumas piadas. Isto é o que
geralmente acontece às pessoas que não deixam nada escrito. Mas foram os pitagóricos
que descobriram os números irracionais, isto é, os números que não podem ser escritos
na forma de fração entre dois inteiros. Portanto, quando hoje sorrimos das fantasias
numéricas dos pitagóricos devemos também lembrar-nos do impulso que deram ao desenvolvimento da matemática e da ciência em geral. Afinal, os pitagóricos foram os primeiros
a acreditar que os padrões da natureza podiam ser explicados através da matemática.
Algumas fontes bibliográficas
SEIFE Charles, Zero - A biografia de uma ideia perigosa, Lisboa, Gradiva, 2001.
BELLOS Alex, Alex no paı́s dos números, Lisboa, Grupo Planeta, 2012.
BOYER Carl B., História da matemática, São Paulo, Editora Edgard Blücher, 2002.
EVES Howard, Introdução à história da matemática, Campinas, Editora Unicamp, 2007.
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