O ENSINO SECUNDÁRIO BRASILEIRO NA OBRA DE GERALDO BASTOS SILVA (1950-1960) Mônica Costa Santos Mestre em Educação Brasileira – UFAL [email protected] Palavras-chave: Geraldo Bastos Silva; ensino secundário; intelectuais da educação. Introdução Este texto é resultado de um trabalho de pesquisa, que se encontra em andamento, sobre a produção de intelectuais docentes alagoanos, sob coordenação da professora Maria das Graças de Loiola Madeira, do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas. A pesquisa se insere em um movimento de investigação mais amplo e profundo a respeito da trajetória da educação no Estado1. Cabe ressaltar que, mesmo não se tratando de um estudo biográfico, esta incursão sobre o pensamento educacional do intelectual alagoano Geraldo Bastos Silva, pretende não deslocá-lo do contexto social no qual o mesmo viveu e produziu sua obra. Para Le Goff (1998, p. 261-265), a escrita de trabalhos biográficos “não pode ser senão a tentativa de descrever uma figura individual, sem logicamente separá-la de sua sociedade, e seu contexto cultural, pois não há oposição entre indivíduo e sociedade e, sim, uma permanente interação deles”. No Brasil, as décadas de 50 e início de 60 foram marcadas pelo ideário do nacional-desenvolvimentismo, o qual mobilizou uma parcela significativa de estudiosos, burocratas, políticos, economistas e cientistas sociais em torno do tema da aceleração e consolidação do processo de desenvolvimento econômico e social do país. Foi nessa conjuntura que Geraldo Bastos Silva se destacou, enquanto intelectual engajado na luta em defesa da escola pública, que servisse como instrumento para o desenvolvimento nacional. 1. O cenário sócio-educacional brasileiro e as bases da formação intelectual de Bastos Silva O movimento iniciado a partir dos anos de 1920 no Brasil, com base no pensamento liberal democrático, caracterizou-se pelo otimismo em torno das questões educacionais e pelo surgimento de intelectuais e educadores profissionais, que passaram a se dedicar exclusivamente aos temas ligados à educação. Nesse Contexto, destacaram-se os educadores da escola nova, defendendo a escola pública para todos, com o objetivo de contribuir para construção de uma sociedade igualitária e sem privilégios. Lourenço Filho (1897-1970), Fernando de Azevedo (1894-1974) e Anísio Teixeira (1900-1971) estão entre os escolanovistas que produziram um grande aporte teórico, com a intenção de remodelar o ensino brasileiro. A crítica rigorosa a escola elitista e acadêmica tradicional promovida pelos adeptos da escola nova em prol da laicização e da coeducação acirrou os debates educacionais, gerando reações negativas sobretudo entre os católicos conservadores, que até então detinham o monopólio sobre o sistema educacional. Esse clima de conflito estabelecido entre escolanovistas e católicos culminou na publicação do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, em 1932, dirigido ao povo e ao governo. No documento redigido por Fernando de Azevedo e assinado por 26 educadores, encontram-se as bases do movimento de renovação educacional, voltado para a defesa da escola obrigatória, pública, gratuita e leiga como um dever do Estado, a ser implantada em âmbito nacional. O predomínio da pedagogia nova se consolidou no período da Segunda República (1945-1964), quando foi retomado o estado de direito, com governos eleitos pelo povo e marcados pela esperança de um desenvolvimento sócio-econômico acelerado. Foi nesse clima otimista do pós-guerra que a Constituição de 1946 foi promulgada, a qual refletia o processo de redemocratização do país, após a queda da Ditadura de Vargas. Na oportunidade, sem dúvida, um dos pontos de discussão mais polêmicos foi o relativo ao ensino religioso, de matrícula facultativa nos estabelecimentos oficiais, o qual extrapola o âmbito educacional e se insere na relação Estado – Igreja Católica (OLIVEIRA. In: FÁVERO, 2001, p. 165-175). Os pioneiros da Educação Nova, por sua vez, retomaram a luta pelos valores já defendidos em 1932 e iniciaram os debates do anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, elaborado por uma comissão presidida por Lourenço Filho. O percurso desse projeto foi longo e tumultuado, estendendo-se até 1961, data de sua promulgação. Foram sucessivas discussões em torno de questões como a descentralização e a liberdade de ensino, estabelecidas entre renovadores e conservadores, resultaram na organização da “Campanha em Defesa da Escola Pública” e no “Manifesto dos Educadores mais uma vez convocados”, em 1959, do qual foi signatário o educador alagoano Geraldo Bastos Silva, que se destacou como intelectual no cenário educacional brasileiro, a partir das contribuições teóricas acerca da relação educação e desenvolvimento e, especialmente, do importante papel do ensino secundário dentro dessa concepção. Geraldo Bastos Silva nasceu em Maceió/AL, em 31 de julho de 1920, e ainda jovem mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se forma na 1ª Turma do Curso de Pedagogia da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil. Da qual também foi professor entre os anos de 1948 e 1950. Ainda em 1946, ingressou no cargo de inspetor de ensino, no Ministério da Educação e Saúde Pública (BARROS, 2005; FÁVERO e BRITTO, 2002). Intelectual engajado, Silva defendia uma visão liberal-pragmatista, em prol do ideal da escola pública. Segundo Saviani (2007, p. 289-290), No campo da educação essa concepção tem como um de seus maiores formuladores John Dewey, que teve em Anísio Teixeira o seu principal divulgador no Brasil. Foi também essa corrente que catalisou os movimentos em defesa da escola pública sintetizando seus aspectos principais no “Mais uma vez convocados” redigido por Fernando de Azevedo em 1959 como uma espécie de retomada, nas novas condições, do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, divulgado 27 anos antes. O manifesto de 1959, por conta do contexto no qual surgiu, priorizava a defesa da escola pública, concebida como dever do Estado. No nono tópico do documento, os educadores contestam a acusação de que os defensores da escola pública estariam querendo impor o monopólio estatal do ensino. A resposta foi enfática: “Porque não nos dispomos a fanfarrear nas festas do ensino livre, nessa orgia de tentativas e erros a que resvalaria a educação do no país, não se segue nem se há de concluir que pregamos o monopólio do Estado. Pela liberdade disciplinada é que somos” (MANIFESTO..., 2006). No campo didático-pedagógico, a tensão tendia ao apaziguamento, ma vez que [...] “a orientação renovadora tinha ampliado sua influência a tal ponto que as próprias escolas católicas já não lhe opunham maior resistência” (SAVIANI, 2007, p. 296). Essa penetração do ideário escolanovista no aparato técnico-administrativo das escolas e da administração pública de modo geral vinha ocorrendo gradativamente, sobretudo por meio de órgãos como o INEP (1944) e o ISEB (1955), responsáveis diretos pela propagação de idéias e conceitos liberais, atreladas ao projeto políticogovernamental desenvolvimentista vigente à época. Nesse contexto, destacamos a atuação de Geraldo Bastos Silva, que esteve ligado durante um determinado período ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)2, fundado em 1955 e extinto pelo golpe militar de 1964, cuja principal proposta era repensar a cultura brasileira autônoma, não-alienada, rompendo a tradição colonial de transplante cultural. Os ‘isebianos’ exerceram um importante papel na formatação de um projeto político-educacional desenvolvimentista para o Brasil durante o governo de Juscelino Kubitschek, na consolidação do regime democrático e na superação da noção de subdesenvolvimento. O projeto político desenvolvimentista legitimou-se no afã de justificar a cruzada do povo brasileiro contra o que era entendido e representado como o mal crônico que secularmente o afligia: o atraso/subdesenvolvimento; e assim obter o consenso à empreitada da modernidade que se difundia sob o slogan dos “Cinqüenta Anos em Cinco”. Isto, porque a um país de dimensões continentais como o Brasil, ainda no limiar de um processo de industrialização, o desenvolvimento nacional era representado como um ‘imperativo histórico’ sem o qual ficaria a reboque da marcha do tempo (CARDOSO, 2006). O enfoque dado às concepções relativas à realidade social, retomada por estes intelectuais, na elaboração do discurso em defesa ao nacional-desenvolvimentismo constituiu-se como um dos principais aspectos para o entendimento do processo histórico brasileiro durante os anos JK, edificando-se enquanto redentor da nação brasileira e instrumento propulsor das transformações históricas a serem realizadas em nome da modernização burguesa. Geraldo Bastos Silva ao estabelecer aproximações entre a educação e o desenvolvimento econômico, declarou que: O grau de desenvolvimento em que se encontra um país tem sua expressão pedagógica ou escolar em índices numéricos, tais como a taxa de alfabetização da população, a porcentagem da população em idade escolar que efetivamente freqüenta as escolas, duração da escolaridade média e outros. Nos países desenvolvidos ou em processo de aceleração de seu desenvolvimento, observam-se tendências muito nítidas à eliminação do analfabetismo, à crescente escolarização da população infantil e adolescente, ao aumento progressivo da escolaridade média (1957, p. 199). Toledo (1986 apud CARDOSO, 2006) classifica a produção intelectual do ISEB com base em cinco questões que, segundo ele, expressam os fundamentos básicos do ideário desenvolvimentista isebiano. Essas questões permitem identificar afinidades desse ideário com a apropriação que alguns educadores brasileiros fizeram do pragmatismo norte-americano, em sua vertente deweyana. Os trabalhos isebianos trataram de diversas questões, embora nem todas de uma forma sistemática, rigorosa e original. [... dentre estas] podem ser destacadas as seguintes: a questão da ideologia, a questão da produção científica, a questão do nacionalismo e do desenvolvimento, a questão nacional e das contradições nacionais, a questão dos intelectuais e da política. Embora tais temas apresentem abordagens específicas, constata-se, efetiva interdependência entre seus papéis e suas funções no conjunto do ideário desenvolvimentista. A necessidade da elaboração de uma ideologia que justificasse a política desenvolvimentista em curso era assumida enquanto mecanismo que viabilizaria determinadas transformações e o efetivo desenvolvimento do país. Nesse sentido, para Silva, a educação enquanto ferramenta para o desenvolvimento nacional, também carecia de um trabalho sistemático de planejamento e organização, que superasse o problema histórico de desarticulação entre seus diferentes segmentos. Recorrendo a Kandel (apud SILVA, 1957, p. 194), o autor esclarece que “o problema atual da escola” está relacionado ao fato de que: “os diferentes ramos da educação que constituem um sistema nacional de educação desenvolveram-se mais ou menos independentemente, foram influenciados por diferentes forças sociais e outras, e não resultado de um plano organizado”. Essa desarmonia do sistema educacional, como produto do processo de transplantação cultural, que se encontra no cerne da formação da sociedade brasileira, constitui-se como um dos principais entraves no campo educacional. Nas palavras de Silva (1957, p. 194): Hoje, temos consciência do problema total da educação, e entre os pedagogos se formula a aspiração por uma organização escolar mais sistemática, que articula melhor o conjunto dos diferentes tipos da escola. Na raiz dessa consciência, há uma situação objetiva que realmente exige uma visão total do problema educativo tal como atualmente se apresenta. Essa preocupação com a articulação entre os diferentes ramos que compõem o sistema de ensino e a valorização das condições objetivas da sociedade brasileira foram determinantes para Geraldo Bastos Silva na elaboração dos estudos relativos ao ensino secundário e as feições assumidas por este segmento em momentos históricos distintos. 2. O Ensino Secundário brasileiro sob a ótica de Geraldo Bastos Silva A relação intelectual entre Geraldo Bastos Silva e Anísio Teixeira merece uma atenção especial, que transcende aos limites desse texto. A proximidade teórica entre ambos surge em diversos momentos, seja nas sucessivas passagens no decorrer dos textos do primeiro ou mesmo nas correspondências escritas pelo segundo. Na carta3 enviada por Anísio Teixeira a San Tiago Dantas, no dia 21 de julho de 1959, lê-se uma referência ao Professor Geraldo Bastos Silva, que supostamente deveria substituir Teixeira no grupo de trabalho encarregado da redação dos artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a 4.024/1961, primeira LDB brasileira. Geraldo Bastos Silva, em seu estudo sobre Educação e Desenvolvimento Nacional (1965), buscou justificar a idéia de transplantação enquanto conceito interpretativo da realidade brasileira, no campo educacional, a partir da concepção apresentada por Teixeira, nos seguintes termos: Não poderemos, entretanto, analisar com justeza a situação escolar brasileira presente, sem antes considerar que o nosso esforço de civilização constituiu um esforço de transplantação para o nosso meio das tradições e instituições européias, entre as quais tradições e instituições escolares. E a transplantação mão se fez sem deformações graves, por vezes fatais. Como a escola foi e será, talvez, a instituição de mais difícil transplantação, por isso que pressupõe a existência da cultura especializada que procura conservar e transmitir, nenhuma outra nos poderá melhor esclarecer sobre o modo por que se vem, entre nós, operando a transplantação da civilização ocidental para os trópicos e para uma sociedade culturalmente mista (TEIXEIRA, 1953 apud SILVA, 1957, p. 181-182). Para Silva (1957), a noção de transplantação cultural que se encontra no cerne do processo de formação do Brasil configura-se como um dos principais obstáculos que se colocavam ao planejamento educacional, decorrente do caráter exógeno da instituição escolar brasileira. O autor caracteriza a atitude exemplarista de adoção literal de instituições estrangeiras, ou a crença de que o problema do Brasil como constituição de nação seria resolvido pela adoção do modelo das instituições dos países líderes. Tal procedimento, explica o fato de as instituições educacionais transplantadas não terem exercido o papel que delas se esperava em relação ao progresso econômico e social. Para ele, prevaleceram as condições econômicas de subdesenvolvimento, que não só tornavam impraticável uma acentuada expansão quantitativa do sistema escolar, mas também, dado o fato de que a educação escolar não tinha função realmente útil e necessária a preencher, essa expansão, meramente quantitativa, tornava irrelevante o problema da qualidade e do tipo de ensino ministrado nas escolas (SILVA, 1957). Com isso, Geraldo Bastos Silva enfatizava a importância do planejamento educacional, que deveria estar relacionado às condições que possibilitavam a sua concretude. Nesse sentido, a escola, de forma isolada, não poderia ser “a meta suprema do progresso social”, e não se deveria incorrer no erro de exagerar o papel da educação no crescimento econômico, já que a primeira encontrava-se, em grande medida, condicionada pelo segundo. A educação não seria, assim, apenas uma exigência moral. Antecipando o tecnicismo em educação no Brasil, o autor argumentava que, guardando as devidas proporções, o desenvolvimento escolar possuía um valor instrumental relativo, desde que se adequasse às necessidades do progresso e não se tornasse um “ônus improdutivo ao desenvolvimento total” (SILVA apud BARBOSA, 2006, p. 20). Nota-se que Bastos Silva demonstrava menos otimismo em relação à crença de que a educação é um agente direto da mudança social. Dessa forma, “as instituições escolares deveriam ajustar-se à nova realidade social, já que a defasagem histórica entre ambas não poderia mais ser aceita. Era preciso formar pessoas capazes de criar novos conhecimentos e adestrá-las para que aplicassem a técnica disponível” (BARBOSA, 2006). Neste momento é possível assinalar a principal diferença entre Anísio Teixeira e Bastos Silva. Enquanto o primeiro “defende a universalização do ensino fundamental e a preparação para a atividade produtiva de todas as camadas populares”, o segundo “restringe-se ao ponto em que contribui para e não prejudique o desenvolvimento econômico” (SÁ, 1979, p.65 apud BARBOSA, 2006). Além das constantes alusões ao pensamento de Anísio Teixeira (1953; 1954), Geraldo Bastos Silva cita ainda autores como Caio Prado Júnior (1947), Fernando de Azevedo (1940; 1976), Guerreiro Ramos (1953)4, Roland Corbisier (s/d), Karl Mannheim (1942; 1946), I. L. Kandel (1947) entre outros, especialmente nas apreciações em torno do ensino secundário, assunto sobre o qual Silva dedicou suas obras mais importantes: Introdução à Crítica do Ensino Secundário (1959) e A educação secundária – Perspectiva Histórica e Teórica (1969). No Brasil, “o caráter do secundário como ensino de humanidades marcou a história da educacional, em consonância com os parâmetros da história da educação ocidental” (GASPARELLO, 2002, p. 7-9). Tal concepção prevaleceu no decorrer do tempo, fazendo com que se instalasse uma dualidade histórica na educação brasileira entre a formação intelectual e formação profissional, intensificada ou amenizada de acordo com o momento histórico vivido. Segundo Hilsdorf (2006, p. 163), [...] desde o pleno século XVI, as escolas urbanas estiveram, sim, espalhadas por toda parte onde apareciam as necessidades do saber produtivo ligado à vida comercial e artesanal, mas já separadas do humanismo escolarizado e rebaixadas em relação aos grandes colégios de artes humanísticas, os novos protagonistas da vida escolar burguesa. Como vimos, em decorrência da implantação do capitalismo tardio no Brasil, os anos 50 e no início da década de 60, foram caracterizados por uma grande polêmica que envolveu educadores e economistas em torno de como promover a expansão do sistema escolar, em seus diferentes níveis e modalidades, superando o caráter dualista que caracterizou o sistema educacional brasileiro. De acordo com Nunes (2000, p. 40): Dentro dessa dualidade [oposição entre o ensino primário e profissional estabelecida pela reforma Gustavo Capanema5, ainda em 1942], a função do ensino secundário, como formador dos adolescentes, era oferecer uma sólida cultura geral, apoiada sobre as humanidades antigas e modernas, como o objetivo de preparar as individualidades condutoras, isto é, os homens que assumiriam maiores responsabilidades dentro da sociedade e da nação, portadores de concepções que seriam infundidas no povo. Clarisse Nunes (2000, p. 45) aponta as principais dificuldades relacionadas ao acesso ao nível secundário, com o agravamento imposto pelo exame de admissão, que os estudantes eram submetidos. [...] “cada escola secundária organizava seus programas e não os divulgava, de modo que os candidatos e suas famílias não sabiam se o nível de exigência das provas acompanharia o nível do conteúdo da quarta série das escolas primárias”. A partir da década de 1930, intensificou-se a procura pelo curso secundário ou ginásio acadêmico, em detrimento do ensino profissional. O que se justifica pelo maior prestígio social conferido ao curso, pela oportunidade de preparo para uma série de atividades e por viabilizar o melhor acesso ao ensino superior. Era ainda, ao lado do ensino comercial, o menos exigente em custos (ABREU, 1961 apud NUNES, 2000, p. 45). Para Geraldo Bastos Silva, a expansão do ensino secundário no país, inicialmente preconizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, foi motivada pelo crescimento demográfico, as exigências de maior escolarização conseqüentes do desenvolvimento industrial brasileiro, particularmente sobre a área urbana, e problemas de crescimento e articulação do ensino primário, que acabariam por reverberar no ensino médio (SILVA, 1969, p. 301-307). Ainda segundo o educador alagoano, as principais características da expansão do ensino secundário foram um acentuado crescimento horizontal, observado pelo simples aumento do número de estabelecimentos, além de um significativo crescimento vertical, ratificado pela ampliação de matrícula por estabelecimentos, acarretando em algumas situações a superlotação e a criação de novos turnos (SILVA, 1969). Mesmo após essa significativa expansão, Bastos Silva (1957, p. 205) critica a eficácia do sistema educacional brasileiro. Segundo ele: [...] nosso ensino secundário, cuja recente expansão, realizada na vigência de uma estrutura seletiva e inflexível que, no entanto, não consegue prevalecer sobre o desejo interesseiro ou demagógico de criar maiores oportunidades de educação por meio de empresas às vezes pouco escrupulosas, de “educandários gratuitos” ou de ginásios públicos instalados de afogadilho e dispondo de verbas insuficientes, resultou na sua transformação em mecanismo de desencaminhamento de parcela considerável de nossa juventude das atividades realmente produtivas. O referido autor argumenta ainda que a acelerada expansão do ensino secundário contrastava com o moderado desenvolvimento do ensino médio não secundário, isto é, o ensino industrial, agrícola e comercial. A importância atribuída por Geraldo Bastos Silva a essa modalidade de ensino, dentro de uma visão pragmática da educação, pode ser observada no livro de “A educação secundária: perspectivas históricas e teóricas” (1969), onde consta uma sessão específica sobre o “Ensino Profissional e Técnico”. Nela, o autor analisa que o pleno desenvolvimento da natureza desse ensino envolve, antes de tudo, a superação do conceito de sua inferioridade, faz com que a localização desse ensino fosse concebida fora do processo regular da educação escolar, como sistema paralelo, no século XIX e início do século XX. No âmbito do alcance dessa superação por parte das escolas profissionais técnicas, destacamos as exigências referentes à qualidade e diversidade dessa modalidade de ensino, em relação ao crescente aprimoramento tecnológico dos vários ramos produtivos. Assim, evidencia-se o enfrentamento da questão especifica do ensino técnico, que condiz com a perspectiva de tomar uma formação profissional escolar continuada na qual se promova um nível mais elevado de prévia formação geral e básica. Isso, certamente, assenta na emergência de um processo de revisão da estrutura da educação escolar6. Ainda com relação à expansão do sistema escolar do Brasil, especialmente do ensino secundário, Bastos Silva avalia que o crescimento das taxas de ingresso e os altos índices de reprovação e evasão eram conseqüências de um desajuste profundo entre os princípios de escola para elite e a incorporação em seus quadros das classes populares que, se ingressavam na escola, saíam prematuramente, excluídas por motivos de ordem econômica. Tal concepção baseava-se numa “perspectiva das potencialidades da industrialização e seu impacto sobre o desenvolvimento, ou seja, a expansão do ensino secundário foi considerada modificação do sistema escolar em decorrência dos impulsos modernizadores e progressistas da industrialização [...]”. Posteriormente, Nunes (1980 apud NUNES, 2000) realiza uma análise bastante peculiar, na qual prevalece a noção de que “[...] a expansão do ensino secundário era fruto das contradições da política populista e o atraso e a evasão dos alunos revelam a grave situação econômica de suas famílias”. Durante sua trajetória intelectual e profissional, Geraldo Bastos Silva esteve envolvido nos principais embates pedagógicos e políticos, que foram travados, especialmente nas décadas de 50 e 60, quando o país viveu sob o influxo de diferentes concepções teóricas, que refletiam a instabilidade sócio-política e educacional do Estado brasileiro. Como integrante das esferas superiores do governo brasileiro, encarregadas de pensar as principais bases e diretrizes da educação nacional, Geraldo Bastos Silva fez parte, durante o governo militar, do Grupo de Trabalho7 criado pelo Decreto Presidencial nº 66.600, de 20 de maio de 1970, “para estudar, planejar e propor medidas que [visassem] à atualização e expansão do Ensino Fundamental e do Colegial”. As atividades se desenvolveram em Brasília, no período de 15 de junho a 14 de agosto de 1970. O decreto concedeu prazo de 60 dias para que este apresentasse seus estudos e projetos. Portanto foi organizada uma "Semana de Educação" na Universidade de Brasília, na qual todos os seus membros tiveram a oportunidade de ministrar palestras aos alunos da instituição, seguidas de debates. Ao final da semana, os universitários apresentaram conclusões como fruto de seus estudos que foram utilizadas para a reformulação da lei. (Relatório, 1971 apud VALÉRIO, 2006). Considerações finais O papel de Geraldo Bastos Silva na difusão das idéias renovadoras e na elaboração das atribuições da educação no progresso econômico do país merece estudos mais aprofundados, que revelem as afinidades e as discordâncias estabelecidas entre este educador alagoano e o ideário desenvolvimentista e a retomada do pragmatismo, que foram produzidos no interior do próprio Estado brasileiro, mais exatamente, nos órgãos governamentais, ligados ao MEC, onde parcela importante da nossa intelectualidade se estabeleceu e, intensificou tanto a fermentação de um pensamento desenvolvimentista quanto a elaboração de uma política educacional com base no pragmatismo durante as décadas de 1950 e início de 1960. Sua análise interpretativa da formação cultural e educacional do Brasil, baseada na noção de transplantação, bem como seu entendimento do ensino secundário, a partir de visão pragmática da educação, demonstram sua preocupação com as condições objetivas da realidade brasileira, que condicionam aspectos decisivos para elucidação de nossos problemas econômicos, culturais e educacionais. Sem dúvida, sua relação com Anísio Teixeira pode ajudar a explicitar uma série de questões sobre a concepção teórica que orientava suas ações enquanto educador e técnico responsável pela (re) elaboração de diretrizes e bases para educação nacional. A contribuição teórica de Geraldo Bastos Silva, especialmente seus estudos a respeito do ensino secundário são referências8 obrigatórias para as pesquisas relativas a este nível de ensino, bem como para aquelas que versam sobre o movimento escolanovista no Brasil. Como discípulo de Anísio Teixeira, signatário do “Manifesto dos educadores: Mais uma vez convocados” de 1959, e especialista no campo educacional, requisitado em diversas situações, o entendimento de sua trajetória é de fundamental importância para os estudos sobre o pensamento educacional brasileiro. Referências bibliográficas BARBOSA, Rita de Cássia Ribeiro. Os planos de desenvolvimento e a educação: de Juscelino Kubitschek ao Regime Militar. Campinas/SP: Universidade Estadual de Campinas, 2006. (Tese de Doutorado) BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas: Dicionário bibliográfico histórico e geográfico de Alagoas. Brasília: Edições do Senado Federal, 2005. Tomo II – G à Z. CARDOSO, Ana Maria Ribas. Oficina do mito: o ISEB nos anos JK. XII Encontro Regional de História da ANPUH “Usos do Passado”. Rio de Janeiro, 2006. FÁVERO, M. L. A.; BRITTO, J. de. M. Dicionário de Educadores no Brasil: da colônia aos dias atuais. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2002. 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Em que pese as leituras diferenciadas sobre a realidade brasileira e os meios para transformá-la, intelectuais como Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Ignácio Rangel, Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes, Roland Corbisier, Geraldo Bastos Silva e Nelson Werneck Sodré difundiram e consolidaram a o nacional-desenvolvimentismo correlato à construção e difusão de uma mitologia política (CARDOSO, 2006). 3 Com relação ao seu conteúdo, esclarecemos que o autor faz comentários sobre a redação de artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e algumas propostas de mudanças (TEIXEIRA, 2008). 4 Obra da qual Geraldo Bastos Silva também fez parte, ver: RAMOS, Guerreiro; GARCIA, Ewaldo da Silva; SILVA, Geraldo Bastos. O problema da escola de aprendizagem industrial no Brasil. Estudos Econômicos: Rio de Janeiro, ano IV, nº. 11/12, set./dez., 1953. 5 A Reforma Capanema, apresentava como objetivos do ensino secundário: a) formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral do adolescente; b) acentuar e elevar na formação espiritual dos adolescentes a consciência patriótica e a consciência humanística; c) dar preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais elevados de formação especial (Decreto-Lei nº. 4244, de 09/04/1942, art. 1º, Capítulo I). 6 BIAGINI, Jussara et AL. Integração Educação Profissional Técnica e o Ensino Médio: critérios e escolhas curriculares de grupos de professores de um Centro Federal de Educação Tecnológica. IV Simpósio Trabalho e Educação. Ago./ 2007. 7 Os integrantes do grupo foram designados pelo Ministro da Educação e Cultura, Jarbas G. Passarinho. Além de Geraldo Bastos Silva, integravam a equipe: Pe. José de Vasconcellos (Presidente); Valnir Chagas; Aderbal Jurema; Clélia de Freitas Capanema; Eurides Brito da Silva; Nise Pires; Magda Soares Guimarães e Gildásio Amado. 8 Ver: CRESPO, Fernanda Nascimento. A produção recente dos pesquisadores da área de História do Ensino de História. In: XIII Encontro de História da ANPUH. Rio de Janeiro.