MÓDULO DE FILOSOFIA GRANDES MESTRES 3º ANO APRESENTAÇÃO Cara aluna, caro aluno, A Filosofia é uma viagem! E quando vamos fazer uma viagem é preciso que estejamos preparados: mapas, equipamentos, um roteiro mais ou menos determinado, etc. Nosso módulo vai funcionar um pouco como mapa, um pouco como roteiro previamente traçado, um pouco como equipamento de viagem. Nele estão contidas as principais ideias que visitaremos durante a viagem desta unidade, e algumas dicas para chegar com mais segurança a onde queremos chegar. Quanto ao caminho a ser trilhado, sou obrigado a informar, como guia mais experiente, que há muitas discussões a respeito de como chegar aos objetivos que queremos nessa viagem. A meu ver, no entanto, o problema é um pouco mais complexo: é preciso saber, primeiro a que lugares queremos ir. Em resumo: o que quer a Filosofia na escola? Para clarear um pouco nossa primeira discussão, tomei a liberdade de selecionar alguns trechos do texto das “Orientações Curriculares para o Ensino Médio”, orientações essas que contaram com a consultoria competentíssima do professor Antonio Edmilson Paschoal (professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná) e do professor João Carlos Salles Pires da Silva, professor da Universidade Federal da Bahia, diretor do Instituto de Filosofia da UFBa, e que foram adotadas pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC) como o referencial a ser seguido pelas escolas do Brasil, no tocante à disciplina Filosofia. Considero de suma importância começarmos nosso estudo de Filosofia com a leitura desses trechos, já que constituem as bases do programa nacional de Filosofia, além de constituírem – pelo menos assim me parecem – um excelente mapa para quem quer iniciar o caminho do que, realmente, chamamos de Filosofia. “A pergunta acerca da natureza da filosofia é um primeiro e permanente problema filosófico. Não podendo ser solucionado aqui mais que parcialmente (nem devendo ser solucionado integralmente em nenhum lugar), cabe-nos, porém, a tarefa de delinear alguns elementos para uma contextualização mais adequada dos conhecimentos filosóficos no ensino médio. (...) É comum o embaraço que sentimos diante da pergunta sobre o sentido da Filosofia. (...) responder à pergunta é já filosofar, sendo perigosa e enganadora a inocência. Uma resposta aparentemente universal se situa logo em um campo particular (no aristotelismo, no platonismo, no marxismo, etc.), sendo a trama que lhe confere sentido um misto de autonomia do pensador e de instalação em um contexto histórico. Ademais, se descrevemos alguns procedimentos característicos do filosofar, não importando o tema a que se volta nem a matriz teórica em que se realiza, podemos localizar o que caracteriza o filosofar. Afinal, é sempre distintivo do trabalho dos filósofos sopesar os conceitos, solicitar considerandos, mesmo diante de lugares-comuns que aceitaríamos sem reflexão (por exemplo, o mundo existe?) ou de questões bem mais intricadas, como a que opõe o determinismo de nossas ações ao livre arbítrio. Com isso, a Filosofia costuma quebrar a naturalidade com que usamos as palavras, tornando-se reflexão. Pretende decerto ser um discurso consciente das coisas, como a ciência; entretanto, diferencia-se dessa por pretender ainda ser um discurso consciente de si mesmo, um discurso sobre o discurso, um conhecimento do conhecimento. Não pergunta simplesmente se isso ou aquilo é verdadeiro; antes indaga: o que pode ser verdadeiro? Ou, ainda, o que é a verdade? Por isso, a Filosofia é corrosiva mesmo se reverente, pois até a covardia ou a servidão que porventura algum filósofo defenda exigirá considerandos e passará pelo crivo da linguagem.¹ _____________________________ ¹Cf. SALLES, João Carlos, “Escovando o tempo a contrapelo”, in Ideação Magazine, nº 1,p.5-6. (...)Independentemente (...) de qualquer avaliação acerca da concepção que se apresenta na legislação, cabe ressaltar, em primeiro lugar, que seria criticável tentar justificar a Filosofia apenas por sua contribuição como um instrumental para a cidadania. Mesmo que pudesse fazê-lo, ela nunca deveria ser limitada a isso. Muito mais amplo é, por exemplo, seu papel no processo de formação dos jovens. Em segundo lugar, deve-se ter presente, em função da própria legislação, que a formação para a cidadania, além da preparação básica para o trabalho, é a finalidade síntese da educação básica como um todo (LDB, Artigo 32) e do ensino médio em especial (LDB, artigo 36). Não se trata, portanto, de um papel particular da disciplina Filosofia, nesse conjunto, oferecer um tipo de formação que tenha por pressuposto, por exemplo, incutir nos jovens os valores e os princípios mencionados, nem mesmo assumir a responsabilidade pela formação para a solidariedade ou para a tolerância. (...) A pergunta que se coloca é: qual a contribuição específica da Filosofia em relação ao exercício da cidadania para essa etapa da formação? A resposta a essa questão destaca o papel peculiar da Filosofia no desenvolvimento da competência geral de fala, leitura e escrita – competência aqui compreendida de um modo bastante especial e ligada à natureza argumentativa da Filosofia e à sua tradição histórica. Cabe, então, especificamente à Filosofia a capacidade de análise, de reconstrução racional e de crítica, a partir da compreensão de que tomar posições diante de textos propostos de qualquer tipo (tanto textos filosóficos quanto textos não filosóficos e formações discursivas não explicitadas em textos) e emitir opiniões acerca deles é um pressuposto indispensável para o exercício da cidadania. Neste ponto, em que se procura a confluência entre a especificidade da Filosofia e seu papel formador no ensino médio, cabe enfatizar um aspecto peculiar que a diferencia de outras áreas do saber: a relação singular que a Filosofia mantém com sua história, sempre retornando a seus textos clássicos para descobrir sua identidade, mas também sua atualidade e sentido. Com efeito, se estudamos a obra teórica de um sociólogo como Weber ou Durkheim, dizemos estar fazendo teoria sociológica. Tão íntima, porém, é a relação entre a filosofia e sua história que seria absurdo dizer que estudando Kant ou Descartes estejamos fazendo algo como uma teoria filosófica, pois é na leitura de textos filosóficos que se constituem problemas, vocabulários e estilos de fazer simplesmente Filosofia. E isso se aplica tanto para a pesquisa em Filosofia quanto para seu ensino. Mais ainda, [...] não é possível fazer Filosofia sem recorrer a sua própria história. Dizer que se pode ensinar Filosofia apenas pedindo que os alunos pensem e reflitam sobre os problemas que os afligem ou que mais preocupam o homem moderno sem oferecer-lhes a base teórica para o aprofundamento e a compreensão de tais problemas e sem recorrer à base histórica da reflexão em tais questões é o mesmo que numa aula de Física pedir que os alunos descubram por si mesmos a fórmula da lei da gravitação sem estudar Física, esquecendose de todas as conquistas anteriores naquele campo. Esquecendo-se do esforço e do trabalho monumental de Newton. ² É salutar, portanto, para o ensino da Filosofia que nunca se desconsidere a sua história, em cujos textos reconhecemos boa parte de nossas medidas de competência e também elementos que despertam nossa vocação para o trabalho filosófico. Mais que isso, é recomendável que a história de Filosofia e o texto filosófico tenham papel central no ensino da filosofia, ainda que a perspectiva adotada pelo professor seja temática, não sendo excessivo reforçar a importância de se trabalhar com os textos propriamente filosóficos e primários, mesmo quando se dialoga com textos de outra natureza, literários e jornalísticos, por exemplo – o que pode ser bastante útil e instigante nessa fase da formação do aluno. Porém, é a partir de seu legado próprio, com uma tradição que se apresenta na forma amplamente conhecida como História da Filosofia, que a filosofia pode propor-se ao diálogo com outras áreas do conhecimento e oferecer uma contribuição peculiar na formação do educando. ____________________ ² NASCIMENTO, Milton, apud SILVEIRA, René, Um sentido para o ensino de Filosofia no ensino médio, p. 142. Feitas as primeiras considerações, vai aqui uma brevíssima descrição das etapas do nosso módulo: informações sobre o pensador, situação histórica, obras, etc; discussão de suas principais ideias (é o núcleo de cada assunto) textos de extrapolação (para quem quer ir mais longe) por falar nisso (questões que ajudam a aprofundar aspectos do assunto). Devem SEMPRE ser respondidas. o problema é que...(espaço para suas anotações). É aqui que você mostrará a si mesmo até que ponto suas reflexão podem ir. Então, só nos resta agora focar no objetivo e... Boa Viagem! Professor Adônis Cairo Costa Graduado em Filosofia pela Universidade Católica do Salvador Especialista em Filosofia Contemporânea pela Faculdade São Bento Salvador-Ba. UNIDADE I A obra de Martin Heidegger (1889-1976) é marcada por sua insistência em apelar para uma radicalização do pensamento metafísico e tornou-o um dos filósofos mais célebres do século XX. À exceção de Ser e Tempo (1927), que ficou inacabado, todos os outros textos de sua autoria foram publicados na íntegra, em língua moderna (alemã) e durante sua vida. Se as teses e idéias de Heidegger são obscuras, isso se deve a sua maneira hermética de reinterpretar os termos metafísicos, a partir de um retorno à origem helênica da discussão sobre o ser e o pensar. Por vezes, esbarra-se na dificuldade de traduzir o significado de suas palavras e conceitos, devido à interpretação inovadora que ele impõe aos termos das línguas grega e alemã. Palavras como physis (em grego, "natureza"), dasein (em alemão, "ser-aí"), ousia ("substância"ou "essência" grega) e zeit ("tempo", alemão), por exemplo, fazem parte de um vocabulário que já não é mais o dos helenos e alemães, mas sim heideggeriano. Isso porque a linguagem, para esse autor, será o elemento mais característico da essência humana. E só através de uma linguagem apropriada pode aflorar a verdade de todas as coisas, pondo às claras o fundamento de tudo. A metafísica de Heidegger procurava, então, retomar o questionamento do ser e a busca de seu fundamento, por intermédio da linguagem originária. Em sua busca por uma filosofia mais autêntica, Heidegger se refere ao ser humano como “Dasein” que pode ser traduzido como “ser-aí”, ou seja, algo lançado no mundo, sem um projeto anterior que justifique sua existência. É por esse motivo que muitos o consideram existencialista, embora o filósofo sempre tenha se recusado a admitir tal classificação. No entanto, é inegável que a filosofia de Heidegger contribuiu muito para o surgimento e desenvolvimento do pensamento existencialista. Ora, se o homem é lançado no mundo sem um projeto anterior, então o ser humano é inteiramente responsável pelo que será feito de sua vida e Heidegger chama essa condição de “transcendência”. E como responsável pro seu projeto, o homem, segundo Heidegger, leva o ser humano a temporalizar sua história, ou seja, considerar seu passado e seu futuro em relação ao presente. É o que Heidegger chama de “temporalidade”. Mas este homem não pode estar além dos limites do seu tempo, nem do seu espaço, isto é, o homem não pode evitar o imponderável. Não pode escolher o lugar onde nasceu, a condição social, o sexo. Não pode evitar que um avião caia sobre sua cabeça, que seu time perca uma partida importante. Etc. A essa condição, chama “facticidade”. Quando o homem, pela transcendência e pela temporalidade, consegue superar a “facticidade”, atinge um estado superior que é a “Existenz” ou estado de pura existência do “Dasein”. Todo o percurso em direção ao Existenz é é pautado na “angústia”, a tensão entre aquilo que o indivíduo é e o que pretende vir a ser. Nesse sentido, a angústia é um valor positivo, já que retira o indivíduo da situação comum do homem cotidiano, empurrando-o em direção do encontro consigo mesmo. Para Heidegger, o homem que se conforma a levar uma vida comum, é um homem inautêntico. Segundo Heidegger, há uma significativa diferença entre a afirmação “eu exerço tal função” e a afirmação “exerce-se tal função”. Na segunda expressão, há a marca da impessoalidade. E essa marca de impessoalidade está presente na maioria das ações da maioria das pessoas, porque as pessoas não assumem seus atos como seus, mas como atos que “se” pratica. Para Heidegger, o home autêntico é aquele que sai do mundo do “se” e se lança em direção ao futuro, a partir de um projeto que se renova em direção de sua liberdade. Ao mirar o futuro mais distante, porém, o homem se encontra com o seu destino mais distante: a morte. Ao tematizar (considerar racionalmente) a própria morte, o homem se percebe como “ser-para-a-morte”, o mais inexorável dos nossos destinos. Esse “ser-para-amorte” orienta toda a vida do homem autêntico, ressignificando cada ato de sua existência. Heidegger, em seu esforço de rediscutir o homem, afirma que a filosofia grega se afastou perigosamente do sentido do ser, sobretudo a partir de Platão, criador do conceito de mundo das ideias. No plano da teoria do conhecimento, Heidegger é um dos primeiros a criticar a divisão clássica que se costuma estabelecer entre o sujeito e o objeto. Para Heidegger, o homem, ao falar do mundo, já carrega consigo toda a sua subjetividade expressa nessa própria linguagem. Nesse sentido, o filósofo critica a razão que tematiza o mundo, isto é, que não contempla o mundo em sua inteireza, mas o reduz a simples “objeto” de suas especulações e interesses. INDO ÀS FONTES Quando é que a resposta à questão “Que é isto – a filosofia?” É uma resposta filosofante? Quando entramos em diálogo com os filósofos. Disto faz parte que discutamos com eles aquilo de que falam. Este debate em comum sobre aquilo que sempre de novo, enquanto o mesmo, é tarefa específica dos filósofos, é o falar, o legein no sentido do dialegesthai, o falar como diálogo. Se e quando o diálogo é necessariamente uma dialética, isto deixamos em aberto. Uma coisa é verificar opiniões dos filósofos e descrevê-las. Outra coisa bem diferente é debater com eles aquilo que dizem, e isto quer dizer, do que falam. (Martin Heidegger. Que é isto – a filosofia?) 01 – Apresente aspectos do pensamento de Heidegger que justificam sua classificação como existencialista. 01 – Qual a sua compreensão do termo “dasein”? 03 – Heidegger esteve envolvido com o nazismo. Pesquise a respeito e responda: em sua opinião, Heidegger era nazista? 04 – Em que sentido, para Heidegger, Platão e Aristóteles se desviaram da busca présocrática do ser? 05 – Qual a importância da linguagem, para Heidegger? 06 – Que contribuições deu Heidegger para a filosofia contemporânea? 07 – “O homem é o pastor do ser”. Como você compreende essas palavras de Heidegger? 08 – O que Heidegger pretende dizer ao afirmar que o homem é um “ser-com”? 09 – O que Heidegger pensa a respeito da angústia? 10 – Como Heidegger interpreta os conceitos de “facticidade” e “existencialidade”? 11 – Sobre o existencialismo, é correto afirmar: 01- A filosofia de Heidegger era existencialista, por se centrar na compreensão hermenêutica e fenomenológica do sentido da existência na sua dimensão ôntica. Com Heidegger o existencialismo encontra seu maior representante. 02- Em seu texto: O Existencialismo é Humanismo, Sartre crítica o marxismo na medida em que acentua o papel da filosofia heideggeriana no que diz respeito à questão do ser. 03- Em seu artigo: Carta ao Humanismo, Heidegger mostra a importância e a necessidade de se pautar o comportamento humano sobre a noção ética de bem, ainda que ele ressalte que esse comprometimento ético não corresponde ao humanismo de Sartre. 04- Em seu artigo: Carta ao Humanismo, Heidegger tece críticas ao imperativo categórico kantiano pelo caráter abstrato desse último. Essa recorrência à ética kantiana caracteriza o projeto humanista. 05- O conceito de angústia de Heidegger não designa um mal-estar psicológico, mas revela a dimensão da finitude da existência e, por conseguinte, o modo próprio do ser que eu mesmo sou (ser-aí). 12 –No contexto da discussão ontológica, as seguintes frases referem-se ao ser humano: I) A existência precede a essência. II) A essência reside em sua existência. III) A essência precede a existência. Essas frases podem ser relacionadas, respectivamente, ao pensamento de: 01- Sartre; Merleau-Ponty; Aristóteles. 02- Camus; Sartre; Descartes. 03- Sartre; Heidegger; Platão. 04- Merleau-Ponty; Heidegger; Aristóteles. 05- Merleau-Ponty; Aristóteles; Sartre. 13 –Na sua abordagem da fenomenologia, diferentemente dos demais pensadores, Heidegger busca o entendimento do conceito de ser, que para ele era um termo filosoficamente vazio na reflexão filosófica contemporânea. Qual das proposições abaixo não pode ser associada ao tratamento do ser em Heidegger? 01- O Ser-aí possui consciência de sua realidade. 02- Na noção do Ser-aí, não há relação entre a essência e a existência. 03- Ser-no-mundo envolve relações de ser com os outros, os quais também são seresno-mundo. 04- Para o entendimento do significado de ser, não bastaria retornar à linguagem aristotélica, é preciso buscar a dos pré-socráticos. 05- O significado do ser necessita da compreensão de um ente que Heidegger designa como Ser-aí. (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 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_________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Apesar de não ser bem um filósofo na concepção tradicional, Michel Foucault é considerado um dos mais sensacionais pensadores dos tempos modernos. Ao longo de sua vida intelectual, ele produziu uma vasta obra que enfatizou como o saber e o poder estão intrinsecamente relacionados, a ponto de praticamente formarem um saber-poder que foi o assunto central de sua filosofia. Influenciado por Kant, Nietzsche e Heidegger, Foucault ao explorar a história das relações entre saber e poder dissecou temas como sexualidade, loucura, disciplina e punição. O valor de seus pensamentos pode ser medido pela sua atualidade. Mais de duas décadas após sua morte, muito do que ele desenvolveu continua a ser discutido e explorado. Pensamentos de Foucault "Na Idade Clássica (Idade da Razão), a loucura foi separada da razão e o conceito de “des-razão” nasceu. Foi então que a loucura foi confinada ao hospício." "Uma episteme é a estrutura de pensamento que simboliza o pensamento de uma determinada época. É a rede subterrânea de pressupostos e processos de pensamento, a “tendência” que limita o pensamento científico, filosófico e cultural de uma época." Foucault: saber e poder Para o filósofo Michel Foucault, o problema da verdade não pode ser solucionado a partir de uma adequação entre o pensado e o que, de fato, existe, como propusera Aristóteles e como a epistemologia da modernidade acreditava. Para Foucault, as ideias de loucura, disciplina e sexualidade provam que há uma relação intrínseca entre poder e saber. Francis Bacon afirmava, no século XVII, que o saber conduz ao poder. Para Foucault, é o próprio poder quem decide o que é o saber. A partir de uma pesquisa de altíssima erudição, o pensador se propõe fazer uma arqueologia do saber, ou seja, uma busca do percurso histórico e social que determinadas crenças sociais percorreram até se tornarem as certezas atuais. Essa arqueologia se completa com sua genealogia, ou seja, a busca da origem, da fonte originária de crenças como as que temos a respeito do que é a loucura, por exemplo. Para Foucault, tais “verdades” constituem aspectos de um sistema de pensamento intimamente relacionado com as relações de poder presentes na sociedade que o produz. A respeito da psiquiatria, por exemplo, Foucault afirma que não surgiu para entender o fenômeno da loucura, mas para confinar o louco, de forma a eliminá-lo da presença na sociedade. Dessa forma, a psiquiatria, mais que um saber, se instala como um instrumento de poder que garante o confinamento do louco, a partir de uma “tática dos mecanismos dualistas da exclusão que separa o louco do não louco, o perigoso do inofensivo, o normal do anormal”. E essa tática, insiste o pensador, é fruto do interesse burguês que, com o desenvolvimento do processo de produção industrial, passou a necessitar de corpos dóceis, adequados aos interesses da produção. Portanto, toda a produção intelectual a respeito do funcionamento das escolas, dos hospitais, das instituições militares, oficinas e mesmo das famílias e da medicalização da sexualidade se constituíram, na verdade, em processos de intensificação da dominação a partir do controle suave, já que aparece como cuidado. Segundo Maria Lúcia de Arruda Aranha (Filosofando) “A extensão progressiva dos dispositivos de disciplina ao longo daqueles séculos e sua multiplicação no corpo social configuram o que se chama “sociedade disciplinar”. Desse modo, desenvolve-se uma “microfísica do poder”, porque, para Foucault, o poder não se exerce de um ponto central como qualquer instância do Estado, mas está disseminado em uma rede de instituições disciplinares. São as próprias pessoas, nas suas relações recíprocas (pai, professor, médico), que, a partir do “saber constituído” fazem o poder circular. Cabe à genealogia do saber investigar como e por que esses discursos se constituíram, que poderes estão na origem deles, ou seja, como o poder produz o saber. Pensador inquieto, logo após ser reconhecido, no começo dos anos 60, como um dos mais importantes pensadores franceses, Foucault conheceu Daniel Defert, um estudante de filosofia e ativista político de esquerda. Gay e dez anos mais novo, Defert se tornaria o amante de Foucault pelas próximas duas décadas. Em suas pesquisas, acabou criando farta documentação que lhe permitiu escrever uma obra intitulada “O nascimento da clínica: uma arqueologia da percepção médica”. Mostrou nessa obra como no início do século XIX a medicina clássica, que buscava eliminar a doença, deu lugar à medicina clínica, cujo foco é trazer o paciente “de volta ao ‘normal’”. Na sequência, ele lançaria outra obra essencial: “As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas”. Nesse trabalho, Foucault desenvolveu seu conceito de episteme, que é muito semelhante ao que o historiador das ciências Thomas Kuhn desenvolvia ao mesmo tempo nos Estados Unidos com o nome de “paradigma”. Assim, para ambos, o nosso modo de pensar é sempre determinado por uma episteme ou um paradigma. Entenda-se que, em ambos os casos, o conceito remete a um esquema mental anterior ao próprio conhecimento. Em ambos os casos, os autores estão afirmando que conhecemos segundo um esquema social que, sendo anterior ao conhecimento, é o responsável pelo modo como o conhecimento se dá. Fortemente influenciado por Nietzsche, Foucault afirma que o conhecimento sempre tem um propósito: se caracteriza pela vontade de dominar ou apropriar, além disso, ele é buscado por sua utilidade, é potente e instável. Para ele, a vontade de buscar a verdade não passa de uma versão deturpada da vontade de poder central que Nietzsche considerava o impulso humano primordial. Foucault concluiu que saber e poder estavam intrinsecamente ligados. Mas, diferentemente do poder residir nos indivíduos, conforme concebia Nietzsche em sua concepção do “super-homem”, para Foucault o mais importante aspecto do poder estava nas relações sociais. INDO ÀS FONTES Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do pcorpo, que realizam a sujeição constante de suas forças, e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas”. Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo [...]. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação. [...] O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. [...] A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos do obediência). (Michel Foucault, VIGIAR E PUNIR) 12345- Em que consiste o conceito de episteme, para Foucault? Qual a semelhança entre Foucault e Thomas Kuhn, com relação ao conhecimento? Com relação ao poder, qual a diferença entre Foucault e Nietzsche? O que Foucault pensa a respeito da loucura? Que aspectos da filosofia de Foucault você adotaria em sua análise sobre a existência humana? Responda argumentando. 6- (Uenp 2012) Na história da filosofia, ao longo de mais de dois milênios, “verdade” é palavra-chave para as reflexões metafísicas ou gnosiológicas. Sobre o conceito de verdade, julgue as afirmativas abaixo. I. O idealismo tende à verdade imanente, ao fechamento num sistema, ao conhecimento não intencional. II. O pragmatismo, partindo da verdade de que o conhecimento deva servir à vida e favorecer as finalidades práticas, inverte a relação, e faz com que a verdade deva ser reduzida a promover a prática da vida. III. A verdade na contemporaneidade é, de acordo com filósofos como Foucault, produzida como acontecimento num espaço e num tempo específicos. Assinale a alternativa que apresenta apenas a(s) afirmativa(s) verdadeira(s). 01- I e II. 02- I e III. 03- II e III. 04- Todas. 05- Nenhuma. 07- (Uem 2012 adaptada) “O pensamento de Foucault gira em torno dos temas do sujeito, verdade, saber e poder. É um pensamento que leva à crítica de nossa sociedade, à reflexão sobre a condição humana. [...] Não há verdades evidentes, todo saber foi produzido em algum lugar, com algum propósito. Por isso mesmo pode ser criticado, transformado, e, até mesmo destruído. Foucault considera que a filosofia pode mudar alguma coisa no espírito das pessoas. [...] Seu pensamento vem sempre engajado em uma tarefa política ao evidenciar novos objetos de análise, com os quais os filósofos nunca haviam se preocupado. Entre eles se destacam: o nascimento do hospital; as mudanças no espaço arquitetural que servem para punir, vigiar, separar; o uso da estatística para que governos controlem a população; a constituição de uma nova subjetividade pela psicologia e pela psicanálise; como e por que a sexualidade passa a ser alvo de preocupação médica e sanitária; como governar significa gerenciar a vida (biopoder) desde o nascimento até a morte, e tornar todos os indivíduos mais produtivos, sadios, governáveis.” (ARAÚJO, I. L. Foucault: um pensador da nossa época, para a nossa época. In: Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED-PR, 2009. p. 225.) Segundo o texto, é correto afirmar: 01- A renovação filosófica ocorre no contexto de afirmação positivista das ciências e fundação da subjetividade a partir da fenomenologia. 02- A relação entre saber e poder diz respeito a uma prática política, não só epistemológica. 03- A estatística é a única forma de ciência confiável, já que permite melhorar a condição da população. 04- A expressão “biopoder” significa a associação entre as potencialidades humanas e o divino. 05- O papel da filosofia é revelar verdades metafísicas, independentemente de serem contestadas ao longo da História. Questão 08 (Pucpr 2010) Na sua obra Vigiar e punir, o filósofo francês Michel Foucault analisa as novas faces de exercício do poder disciplinar e afirma: “Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação. (...) O momento histórico das disciplinas e o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente ao aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. Formase então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma "anatomia política", que é também igualmente uma "mecânica do poder", está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos "dóceis". (Vigiar e Punir, p. 118). Segundo essa passagem, seria correto afirmar que: I. O texto mostra como, a partir dos séculos XVII e XVIII o corpo foi descoberto como objeto e alvo de um novo poder e de novas formas de controle, pelas quais são superadas antigas formas de domínio e instaurado um novo modelo com o fim de tornar os corpos mais dóceis. II. O fim dessas práticas é tornar o corpo obediente e disciplinado através de um rigoroso exercício de controle sobre gestos e comportamentos. É assim que o corpo vira um novo objeto de poder. III. Segundo o autor, essa é a primeira vez na história que o corpo se tornara objeto de poder, já que essas práticas eram comuns tanto nos regimes escravocratas quanto nos monásticos. IV. Esses novos mecanismos de controle têm, segundo o autor, uma única motivação: o domínio do corpo para exploração econômica. 01- Apenas as assertivas I e III são verdadeiras. 02- Apenas as assertivas I e II são verdadeiras. 03- Apenas a assertiva IV é verdadeira. 04- Todas as assertivas são verdadeiras. 05- Apenas a assertiva I é verdadeira. Questão 09(Pucpr 2009) O indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação “ideológica” da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama “disciplina”. (Fonte: Foucault, Vigiar e punir, p.161.) Assinale as alternativas corretas. I. Foucault quer afirmar que os indivíduos, nesse modelo de sociedade, são constituídos como efeitos da atuação de estratégias de poder correlatas a técnicas de saber. II. Para Foucault, o poder fundamentalmente reprime, recalca, censura, mascara, anulando os desejos individuais. III. A disciplina produz realidade, produz rituais de verdade, produz indivíduos úteis e dóceis. IV. Para Foucault, é o indivíduo que possui o poder. É ele quem dá sentido ao mundo. V. A disciplina, como estratégia privilegiada de fabricação do indivíduo e produção de verdades, existe desde a época do cristianismo primitivo. 01- II, IV e V 02-I e III 03- II e III 04-I e II 05- III, IV e V (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 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_________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ OS FUNDAMENTOS DO HUMANISMO SARTREANO Em uma conferência intitulada “O existencialismo é um humanismo”, Sartre apresenta as teses centrais que justificam seu ateísmo ao mesmo tempo em que nos apresenta argumentos no sentido de afirmar as possibilidades de uma atitude humanista não apesar do seu ateísmo, mas, pelo contrário, exatamente por seu ateísmo. Dirigindo-se aos cristãos em sua conferência, Sartre diz que eles o censuram “por negarmos a realidade e o lado sério dos empreendimentos humanos, visto que, se suprirmos os mandamentos de Deus e os valores inscritos na eternidade, só nos resta a estrita gratuidade, podendo assim cada qual fazer o que lhe apetecer, e não podendo, pois, do seu ponto de vista, condenar os pontos de vista e os atos dos outros” (SARTRE, 1973). Na verdade, diz Sartre, as pessoas criticam o que não conhecem. Não sabem que o existencialismo é uma doutrina empenhada em tornar a vida humana possível ao mesmo tempo em que declara que toda a verdade e toda a ação implicam um meio e uma subjetividade humana. Sartre entende que as pessoas consideram existencialista toda e qualquer atitude que possa ser considerada escandalosa, mas esclarece que, antes de ser uma mera doutrina de vanguarda, ou um meio para o escândalo, a filosofia existencialista é um conhecimento austero, criterioso e, sobretudo, destinado aos técnicos, ou seja, àqueles que conhecem os métodos e as terminologias (a gramática) dos filósofos. Para dirimir as dúvidas, Sartre inicia por distinguir dois tipos de existencialismo, e isto aqui nos interessa particularmente, pois, em se tratando da discussão do problema de Deus, é sintomático que tenhamos à mão exatamente um texto em que o autor, declaradamente existencialista e declaradamente ateu, apresenta o existencialismo como dividido em duas vertentes, uma delas sendo cristã. No entanto, não devemos nos iludir: ao apresentar a existência de um existencialismo cristão, o que Sartre pretende é provar que tal doutrina é inconsistente, como veremos a seguir. Sartre considera que ambas têm em comum o fato de admitirem que a existência precede a essência. É conhecido o exemplo de Sartre para ilustrar a idéia de que a existência precede a essência: todo objeto fabricado por alguém tem sua fabricação precedida de um conceito. Este conceito contém não só a técnica de sua fabricação, sua forma, como também sua utilidade, ou seja, a função que tal objeto deverá desempenhar. Sartre entende que todo objeto do mundo da fabricação humana possui esta característica, ou seja, possui uma essência que precede sua existência. O problema, para Sartre, é que nós reproduzimos essa nossa relação com os objetos fabricados e a transferimos para um possível Deus que nos teria “fabricado”: “Esse Deus identificamo-lo quase sempre com um artífice superior; e qualquer que seja a doutrina que consideremos, trate-se duma doutrina como a de Descartes ou a de Leibiniz, admitimos sempre que a vontade segue mais ou menos a inteligência ou pelo menos a acompanha, e que Deus, quando cria, sabe perfeitamente o que cria” (SARTRE, 1973). Com essas argumentações, Sartre quer fazer a comparação entre o espírito do homem e o conceito que orienta a fabricação de qualquer outro objeto. Nesse sentido, diz Sartre, considerar que o homem possui uma essência equivaleria a considerar que o homem foi produzido segundo determinada técnica e para determinada finalidade, para realizar um conceito que estaria na inteligência divina. Ora, diz Sartre, esse modo de conceber o homem está tão arraigado no pensamento humano que mesmo os pensadores do Século das Luzes não conseguiram abandoná-lo, pois, livraram-se da noção de Deus, mas não se livraram da idéia de que o homem possui uma essência universal, algo que faz dele homem antes mesmo que ele se faça a si mesmo. Sartre considera que o existencialismo ateu é mais coerente que o cristão, em primeiro lugar porque não coloca o homem como algo criado para uma finalidade (que finalidade seria esta?); em segundo lugar porque ao admitir a não existência de Deus, tira desta afirmação uma conseqüência e propõe o homem como um ser que “existe antes de poder ser definido por qualquer conceito”. A descrição que segue, na conferência de Sartre, é de cunho eminentemente fenomenológico. O homem é apresentado como um ser que simplesmente existe, como ser lançado no mundo, como ser que se define à medida que se faz, um ser que antes de ser qualquer coisa é, primeiramente, nada. “O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a existência” (SARTRE, 1973). É fácil verificar aqui o alvo das considerações de Sartre: essa descrição do fazer-se de cada homem é uma alusão clara ao que as religiões (em especial o cristianismo) chamam de pecado. Esse desejo de fazer-se a si mesmo é o desejo que condenou Lúcifer com seus anjos caídos, assim como condenou Eva, Adão, Caim e todos os que não fizeram a “vontade de Deus”, optando por fazer a própria vontade. Em outras palavras, Sartre parece dizer que o existencialismo ateu, ao afirmar a precedência da existência à essência, confirma uma realidade que sempre esteve ínsita ao homem, algo de que nenhum homem jamais conseguiu se afastar, senão a duras penas e sempre retornando ao mesmo irrefreável desejo. Ora, com tal filosofia, diz Sartre, o que se pretende, antes de tirar a dignidade do homem, é conceder-lhe uma dignidade maior que a de qualquer objeto existente no mundo, porque o homem é o único que, tendo a responsabilidade de tecer seu próprio projeto, é também o único com o poder de se lançar, já no presente, ao futuro. O existencialismo, portanto, ao partir do princípio de que Deus não existe, coloca o homem diante de uma pura responsabilidade porque “se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é” (SARTRE, 1973). Sartre está consciente de que uma das objeções que se lançam sobre o seu existencialismo é exatamente aquela de ser esta uma filosofia individualista e burguesa. Por esse motivo, aprofunda o conceito de responsabilidade, afirmando que a inexistência de um Deus amplia o nível de responsabilidade do homem para um âmbito maior que o da responsabilidade por sua existência, apenas. Para Sartre, cada homem, sendo responsável por si, é responsável por todos os homens, porque “ao escolher-se a si próprio, ele escolhe todos os homens” (SARTRE, 1973). O argumento de Sartre, paradoxalmente, assemelha-se a uma máxima da própria religião cristã: o homem não pode escolher o mal e, portanto, ao escolher o bem, escolhe o bem para si e para os outros. Dessa forma, cada ato nosso, ao mesmo tempo em que cria o homem que queremos ser, cria também uma imagem do homem como desejamos que o homem seja. “Assim, sou responsável por mim e por todos, e crio uma certa imagem do homem por mim escolhida: escolhendo-me, escolho o homem” (SARTRE, 1973). Dado interessante é que Sartre, à medida que vai aprofundando sua reflexão sobre a não existência de Deus, vai tirando conclusões que confirmam as práticas desejadas pela própria religião. Primeiro, afirma a liberdade do homem; em seguida, afirma a responsabilidade do homem de dizer sim ao bem, sempre, e amplia essa responsabilidade do indivíduo para toda a humanidade. Finalmente, substitui o famoso olhar onisciente e judicioso de Deus, por um outro olhar, não menos inquietante, não menos controlador de nossas escolhas. “Tudo se passa como se, para todo homem toda a humanidade tivesse os olhos postos no que ele faz e se regulasse pelo que ele faz. E cada homem deve dizer a si próprio: terei eu seguramente o direito de agir de tal modo que a humanidade se regule pelos meus atos?” (SARTRE, 1975) Vê-se aqui que Sartre insistentemente toma o outro como uma categoria sem a qual a própria identidade do homem está comprometida. Mas, qual o fundamento filosófico que justifica tais afirmações, seja da responsabilidade em relação ao outro, seja da presença do olhar do outro como fator de estruturação de minha identidade? Creio que o exame dessas questões não seja possível sem o conhecimento de alguns conceitos estabelecidos pelo filósofo em “O ser e o nada”, os quais apresentamos a seguir. O EM-SI E O PARA SI – O mundo inorgânico dos objetos, a realidade material e os organismos biológicos em geral (inclusive o organismo humano) são chamados por Sartre “Em-si”. O “Em-si” é tudo o que existe, menos a consciência humana, que é designada como “Para-si”. O termo Para-si indica uma espécie de degeneração, de degradação do Ser que se rompe e se descola de si. Quando o Em-si se rompe para converter-se em Para-si, ocorre a aparição do mundo: a consciência faz com que o mundo surja diante dela como existente. O Em-si existe independente do Para-si. Aparecer é existir como fenômeno. A consciência, portanto, revela o ser Em-si, faz com que se apresente, se mostre. Ela não cria o mundo, apenas o constata. Por esse motivo é a consciência que coloca os porquês. A implicação dessa constatação é que não é possível fazer qualquer questionamento sobre a origem do Ser ou sobre por que o Para-si surge a partir do Em-si. “Quando interrogamos o Ser, ele já está aí, diante de nós. (O máximo que se pode dizer, em uma metáfora, é que o Em-Si tenha se tornado consciência na tentativa de ser responsável pelo que é, ou seja , fundamento de si mesmo, causa de si, criador de si)” (PERDIGÃO, 1995, p. 39). Essa fissura interna que sofre o Para-si não é uma separação no espaço ou no tempo. Não se trata de uma distância física, já que a consciência, por sua própria maneira de ser, não sofre solução de continuidade temporal. Ora, se não há separação temporal ou espacial, é porque nada separa um estado de consciência do estado seguinte. Mas, o que é consciência? Que são estados de consciência? Segundo Paulo Perdigão (1995, p. 40), ser consciente de alguma coisa é colocar-se à distância da coisa de uma maneira especial: uma distância feita de nada. Então, o que caracteriza a consciência é esse nada que a distancia do ser. O nada, aqui, não deve ser interpretado como algo que é. O nada não é. E o Para-si, como está contaminado pelo nada, apresenta-se como pura negatividade. O Para-si, portanto, é esse nada que invade o Ser, provocando uma abertura no seu âmago e o homem é o ser pelo qual o nada vem ao mundo. Dessa forma, se constitui a dupla realidade do Em-si e do Para-si. No entanto, essa dupla realidade não significa uma dicotomia. Embora haja uma cisão separando o Em-si e o Parasi, não devemos considerar o Para-si como constituindo uma substância própria, autônoma do Em-si. O Para-si necessita do Em-si do mesmo modo que a cor precisa da forma e o som da intensidade e do timbre. O Em-si basta a si mesmo, mas o Para-si está ligado inexoravelmente ao Em-si pelo modo como nega o Em-si, nisso se afirmando. É por esse motivo que se pode dizer que o nada é segregado pelo Para-si, sendo, portanto, nada de Ser, “aparecendo sobre um fundo de Ser e em ligação com o Ser, dentro dos limites do Ser e jamais fora deles. Todo Nada é nada de alguma coisa concreta. Por isso, Sartre diz que o Para-si é como um buraco no Em-si” (PERDIGÃO 1995, p. 41). O nada é o próprio Para-si, na medida em que este se constitui como não sendo o Em-si, como negação interna e radical do Ser como um todo. Lembremo-nos de que, para Sartre, o Em-si é completo em si mesmo, isto é, do ponto de vista do Em-si (se o Em-si pudesse ter um ponto de vista) nada faltaria, por um motivo óbvio: como o Em-si não tem consciência de sua existência, a ele nada falta. Sartre usa a imagem de uma cadeira para exemplificar essa compreensão do Em-si como o ser completo em si mesmo. Numa cadeira quebrada, tudo o que existe é o Em-si de cada pedaço de cadeira e cada pedaço é pleno. Isto é, numa cadeira quebrada, não existe a cadeira quebrada. A cadeira quebrada só existe a partir do momento em que a consciência ultrapassa os pedaços em direção à totalidade cadeira. A cadeira encontra sua incompletude só no encontro com o homem. É essa capacidade de nadificação que invade a completude silenciosa de cada ser Em-si. O Nada é, portanto, limite dessa totalidade e está fora dessa totalidade. No entanto, a percepção do mundo não o afeta, já que ele é pleno de Si. A constatação do mundo apenas faz com que ele passe a existir. É nesse sentido que se pode afirmar que “o Para-si é o Nada pelo qual ‘há’ o Ser” (PERDIGÃO, 1995, p.41). A consciência sempre se manifesta de um modo que provoca um recuo nadificador. Quando perguntamos “porque isso é assim?” lançamos sobre o objeto da indagação e sobre nós mesmos a negatividade. Queremos saber por que isso é assim e não de outro modo; e, se perguntamos, é porque não sabemos a resposta. Portanto, não é um juízo negativo que faz o nada vir às coisas, mas o oposto: é o nada (da consciência) que condiciona e sustenta qualquer juízo negativo. O mesmo se dá com nossas percepções. A consciência perceptiva coloca tudo como negação: se vejo um objeto e sobre ele se lança minha consciência que conhece, ela o conhece como não sendo todos os outros objetos ao redor (nego assim o objeto conhecido em sua relação com todos os objetos que não aquele que estou conhecendo neste momento); mas ela também o conhece como não sendo eu, como sendo algo diferente de mim (nego, assim, a mim mesmo como não sendo o objeto conhecido); e, como, ao focar minha consciência sobre determinado objeto, os demais deixam de significar no momento em que minha consciência está jogada para outra determinada direção, tudo o mais que não é aquilo para o qual estou atento, deixa de “existir”, no sentido de ser percebido. Se na percepção somos fonte de emanação do nada, o que dizer da atividade da consciência conhecida como imaginação? Podemos já de início afirmar que na imaginação modificamos o que é para atingirmos o que não é. Assim, quando assistimos a uma novela, nadificamos o trabalho dos atores para mergulharmos na trama das personagens; quando olhamos uma obra de arte não estamos atentos à quantidade de tinta ou a qualquer aspecto objetivo da peça, e sim ao que ela significa, ao que está para além ou por baixo da peça. Nesse sentido, nadificamos a obra para captarmos o seu sentido. Para onde quer que se dirija a nossa consciência, sempre estaremos cumprindo nossa ação nadificadora e isso por um motivo simples: somos nós que somos incompletos; somos nós que padecemos de uma fissura interna; é em nós que habita a ausência e a única maneira de resolver essa incompletude seria na conversão ao Em-si (o que, aliás, ocorre na morte, mas, então, já é muito tarde, porque, já não há lá um Para-si para contemplar seu merecido e desejado repouso). Sartre se refere a essa condição humana utilizando a expressão “totalização em curso”, o que significa esta constatação de que estamos sempre em busca do que falta e de uma falta que não tem possibilidade de ser plenamente preenchida. Nesse sentido, nunca podemos chegar a uma felicidade completa, nem a uma total fidelidade nem mesmo a um total sofrimento... sempre é possível um pouco mais. O PARA-SI COMO CONHECIMENTO – Percebe-se com clareza que o Para-si é eminentemente consciência. Contudo, faz-se necessário esclarecer que consciência não é um lugar ou uma faculdade. Consciência é um modo de ser e estar no mundo. Por esse motivo diz-se que consciência é sempre consciência de alguma coisa, é um voltar-se para, é um conhecer. Por isso podemos afirmar que o principal modo de existir do Para-si é conhecimento. Ora, a primeira condição para conhecer algo, digo, para lançar-se sobre algo, é não ser aquele algo sobre o qual me lanço. Logo, conhecer alguma coisa é estar presente àquilo que não se é. Isto muda toda a estrutura do esquema tradicional que atribuía ao conhecimento uma condição inversa: conhecer era levar a coisa à consciência. Segundo esse esquema, o conhecimento era uma atividade passiva, em que o objeto como que feria a consciência do sujeito, marcando-a com a sua imagem e com as suas informações. Sartre, seguindo o esquema proposto pela fenomenologia Husserliana, recusa o esquema tradicional e assume o conhecimento como uma conseqüência da falta permanente que corrói o Para-si. De fato, o para-si está presente à totalidade do mundo, mas não pode captá-lo senão em aspectos e essa impossibilidade também é indicativa do estado de inacabamento do Para-si. Nesse sentido, também o Em-si é incompleto, já que não pode ser Em-si para si mesmo, existindo assim em auto-ignorância. A diferença é que o Em-si, pela própria autoignorância se preenche, ou seja, não toma consciência de sua incompletude e, portanto, é como se fosse completo. No entanto, como já dissemos anteriormente, o Em-si precisa do Para-si para existir. Portanto conhecer alguma coisa é como que “arrancar o Ser da noite do ser” (CATALANO, 1985) iluminar o Ser, dar-lhe uma certa nova dimensão de ser – o ser conhecido. Vemos, assim, a mútua ligação que une o Em-si e o Para-si. Se por um lado não é possível a existência do Em-si sem um Para-si que conheça, por outro lado não é possível a consciência do Para-si sem um Em-si para o qual se lançar. Tradicionalmente, pensamos na consciência vazia como se esta fosse um receptáculo para onde migram as imagens e informações dos nossos encontros com o mundo. Essa é, porém uma idéia sem fundamento claro, já que uma consciência vazia seria consciência de nada, seria não-consciência. E se consciência é nadificação do Em-si, só há consciência se há um Em-si para nadificar. Desse modo, se fosse possível isolar o Para-si do Em-si, teríamos não um existente feito de nada, mas um nada de existente, já que não há ser para a consciência fora dessa obrigação que ela tem de se remeter ao Em-si e de constituir, assim, todos os objetos e valores do mundo sem ser nenhum desses objetos ou desses valores. Em outras palavras, podemos dizer que a desaparição de tudo implicaria o desaparecimento da consciência. A compreensão de que a consciência não é um lugar do corpo ou um lugar no corpo, exige uma reviravolta em nosso modelo mecanicista de concepção de homem e de mundo. É por conta desse esquema que mantemos a idéia de um mundo interior da consciência, como se o Para-si possuísse um conteúdo. Comentando essa concepção, Sartre diz que “Se, por absurdo, pudéssemos entrar na consciência, cairíamos em um turbilhão e seríamos jogados fora.” (SARTRE, apud PERDIGÃO, 1995) Para Sartre, nada há “no Para-si”. Todo Ser acha-se no mundo do Em-si, inclusive o nosso próprio Eu (Ego). Nesse aspecto, difere de Husserl que propõe um eu transcendental no interior da consciência. Sartre objeta ponderando que o Eu que nos parece tão íntimo não habita a consciência, mas está fora dela e que aquilo que somos, o ser das nossas consciências, acha-se nas coisas em que pensamos: “somos este livro ou esta mesa de que temos consciência” (SARTRE, apud PERDIGÃO, 1995). TRANSCENDÊNCIA E FACTICIDADE – Nessa relação em que o Para-si necessita do Em-si para existir (já que Nada só pode ter sentido como Nada de alguma coisa), o Em-si, paradoxalmente, aparece como parte da estrutura do Em-si e o Para-si aparece, paradoxalmente como confluência de transcendência e facticidade. Transcendência porque somos totalmente para fora de nós mesmos, em direção ao Em-si. Facticidade porque não temos escolhas quanto ao modo de estar originalmente no mundo. Somos lançados no mundo, “ser-aí”. Não escolhemos o sexo, a etnia, a condição social, a época em que aparecemos no mundo. Não escolhemos nem mesmo ser Para-si. Tudo da nossa condição original nos aparece como dado. Enquanto transcendência, um Nada nos separa do ser o que somos, impossibilitando nossa coincidência conosco. Nesse sentido, somos um ponto de vista sobre o mundo, somos separados de tudo a que nos referimos e o próprio modo de nos referirmos, de dirigirmos nossa consciência a, já é um modo de separação, de distanciamento. Enquanto transcendência, somos consciência de mundo. Enquanto facticidade, estamos sujeitos às mesmas condições a que estão submetidas todas as coisas do mundo. Por causa do Em-si que nos habita, temos que ser como somos, como as coisas. Esse Em-si que nos habita nos é manifestado pelo corpo, isto é, por existirmos como facticidade é que temos um corpo, corpo este através do qual minha consciência, afastada do mundo, está nele comprometida. É preciso ter cuidado para não cairmos no esquema platônico de uma alma aprisionada ao corpo. O corpo para Sartre não é uma prisão da alma, mas ao contrário é a condição para que a consciência seja consciência, isto é, para que a consciência seja um ponto de vista sobre o mundo, um ponto de vista situado. Para Sartre é incompreensível a idéia de uma consciência sem um corpo. Na opinião do autor de “O ser e o nada”, Descartes e os filósofos que vieram após ele formaram um falso conceito de corpo, visualizando-o “de fora”. Sartre propõe que não abandonemos tal modo de estudar e conhecer o corpo, mas avisa que este não é o modo originário pelo qual experimentamos o nosso corpo próprio: “eu sou o meu corpo. Entre a mente e o corpo não há lacuna a preencher. O Para-si é completamente consciência e completamente corpo” (PERDIGÃO, 1995, p. 49). Discutindo a situação paradoxal da existência de um corpo como consciência que é facticidade e transcendência, presença e afastamento, afirmação e nadificação do mundo, Paulo Perdigão afirma que : (...) a permanência do Em-si no Para-si é contingente. Sem dúvida, embora necessário, o Em-si que nos infesta exprime a nossa contingência de “estar-aí”, a nossa maneira de existir não escolhida por nós. Por causa desse Em-si maciço do qual sou Nada, não posso fazer-me outro que não eu mesmo: não escolhi nascer com este corpo, portador de determinada estrutura fisiológica, nesta época, pertencente a determinada classe social e determinada nacionalidade etc. não há qualquer razão para que meu corpo seja este e não outro, a situar-me no mundo desta maneira e não de outra: tenho porque tenho de possuir tal estatura e compleição orgânica, tenho porque tenho de ser mortal, etc (PERDIGÃO, 1995, p. 49). Podemos dizer que, enquanto o Em-si é pura facticidade (está totalmente “dentro” do mundo), o para si é, a um só tempo, transcendência e facticidade, acha-se tanto dentro do mundo, como Ser, quanto fora dele, como consciência, presença a, distância de. É, portanto, uma realidade ôntico-ontológica. CONCLUSÃO Vimos, durante todo o percurso de nossa discussão, que Sartre não dissocia o estar no mundo (nosso caráter de facticidade) da nossa necessidade de ultrapassá-lo (nosso caráter de transcendência). E é por estarmos dentro do mundo que somos responsáveis por ele, na medida que não podemos, sendo pura intencionalidade, estar no mundo como se não estivéssemos (só Deus poderia estar em tal condição) nem como se fôssemos totalmente mundo (só o ser-em-si existe nessa condição). Portanto, podemos afirmar que Sartre extrai da sua ontologia fenomenológica as consequências que redundaram na necessidade de uma conduta fundada em valores morais, mesmo que de origem atéia. No entanto, é preciso ter claro que Sartre não está propondo a existência de valores “a priori”. Para Sartre, não se trata de eliminar Deus e manter a possibilidade de tais valores. Para Sartre, trata-se de assumir o desconforto que a não-existência de Deus acarreta pela consequente falência dos valores ligados à sua existência. É nesse sentido, diz Sartre, que Dostoiévsky escreveu “se Deus existisse, tudo seria permitido”. Em outras palavras, não há valores pré-determinados, o que há é a suprema, total e intransferível responsabilidade de cada um por todos. E como não há valores pré-determinados, o homem “está condenado a cada instante a inventar o homem” (SARTRE, 1975). Concluindo, podemos afirmar que Sartre, partindo da afirmação de que Deus não existe, estabelece uma original compreensão do fenômeno humano e, a partir de uma sólida investigação fenomenológica, extrai dessa possível não existência de Deus, consequências que, ao contrário do que afirmam seus opositores cristãos, não levam o homem a uma atitude de quietismo e nem de irresponsabilidade moral. Pelo contrário, as conseqüências que Sartre extrai do seu ateísmo são eminentemente comprometedoras e implicam o homem, cada homem, num projeto do qual ele não pode se esquivar: a constante busca de um mundo em que todos possam se realizar plenamente como algo mais que simples objetos. Aliás, diz Sartre – e dizem todas as religiões, cada uma falando de si mesma – “esta teoria é a única a conferir uma dignidade ao homem, é a única que não faz dele um objeto” (SARTRE, 1975). 01 – O que Sartre quer dizer com a frase “a existência precede a essência”? 02 – O que é o Para-si, em Sartre? 03 – Qual o significado, para o filósofo, da expressão “Em-si”? 04 – O homem é condenado a ser livre. Como o filósofo explica essa ideia? 05 – Qual a relação entre liberdade e responsabilidade, para Sartre? 06 – O eu é a facticidade, para Sartre? 07 – Existe uma fundamentação para os valores morais no pensamento de Sartre? Responda argumentando. 08 – Qual a diferença entre Sartre e Descartes, com relação a compreensão do que seja o corpo? 09 – Porque, para Sartre, o desaparecimento de tudo implicaria o desaparecimento da consciência? 10 – Porque Sartre diz que o Em-si, sendo incompleto, é como se fosse completo? 11- Sobre o conceito de liberdade em Sartre, pode-se afirmar que sua tese central é a de que ela deve ser absoluta. Assinale a alternativa que se coaduna com esta tese. 01- Os valores permitem definir a liberdade para os homens e suas sociedades. 02- Não existe angústia no homem ao se defrontar com a liberdade. 03- O simples fato da liberdade impõe uma forma materialista de determinismo, em que se abandona a ideia de consciência. 04- Os atos livres do ser humano possuem uma essência psicológica que os define e possibilita. 05- É preciso excluir a possibilidade da existência de Deus, pois sua onipotência não permite a liberdade humana. 12- (UFU 2002- adaptada) Liberdade, para Jean-Paul Sartre (1905-1980), seria assim definida: 01- o estar sob o jugo do todo para agir em conformidade consigo mesmo, instaurando leis e normas necessárias para os indivíduos. 02- circunstâncias que nos determinam e nos impedem de fazer escolhas de outro modo. 03- conformação às situações que encontramos no mundo e que nos determinam. 04- escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo. “Estamos condenados à liberdade”, segundo o autor. 05- a possibilidade de fazer tudo o que desejar, sem que haja qualquer tipo de impedimento. 13- (UFU 2004 adaptada)O existencialismo é um humanismo, no qual está escrito: “Porém, se realmente a existência precede a essência, o homem é responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do existencialismo é o de pôr todo homem na posse do que ele é, de submetê-lo à responsabilidade total de sua existência.” SARTRE, J.P. O existencialismo é um humanismo. Trad. de Rita Correia Guedes. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 6. Coleção .Os Pensadores.. A responsabilidade para Sartre diz respeito 01- ao indivíduo para consigo mesmo, já que o existencialismo é dominado pelo conceito de subjetividade que restringe o sujeito da ação à sua esfera interior, circunscrita pelas suas representações arbitrárias, que exclui o outro; toda escolha humana é a escolha por si próprio. 02- ao vínculo entre o indivíduo e a humanidade, já que para o existencialista, cada um é responsável por todos os homens, pois, criando o homem que cada um quer ser, estaremos sempre escolhendo o bem e nada pode ser bom para um, que não possa ser para todos. 03- à imagem de homem que pré-existe e é anterior ao sujeito da ação. É uma imagem tal qual se julga que todos devam ser, de modo que o existencialismo, em virtude da sua origem protestante com Kierkegaard, renova a moral asceta do cristianismo, que exige a anulação do eu. 04- ao partido político que tem a primazia na condução do processo de edificação da nova imagem de homem comprometido com a revolução e que faz de cada um aquilo que deverá ser, tal como ficou célebre no mote existencialista: o que importa é o resultado daquilo que nos fizeram. 05- Ao Estado, principal agente do bem-estar social, segundo o pensamento existencialista, que se caracterizava por unir as exigências da população aos interesses políticos dos seus representantes, quando eleitos democraticamente. (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 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_________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ UNIDADE II filosofohabermas.blogspot.com A Escola de Frankfurt nasceu no ano de 1924, em uma quinta etapa atravessada pela filosofia alemã, depois do domínio de Kant e Hegel em um primeiro momento; de Karl Marx e Friedrich Engels em seguida; posteriormente de Nietzsche; e finalmente, já no século XX, após a eclosão dos pensamentos entrelaçados do existencialismo de Heidegger, da fenomenologia de Husserl e da ontologia de Hartmann. A produção filosófica germânica permaneceu viva no Ocidente, com todo vigor, de 1850 a 1950, quando então não mais resistiu, depois de enfrentar duas Guerras Mundiais. Ela reuniu em torno de si um círculo de filósofos e cientistas sociais de mentalidade marxista, que se uniram no fim da década de 20. Estes intelectuais cultivavam a conhecida Teoria Crítica da Sociedade. Seus principais integrantes eram Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Leo Löwenthal, Erich Fromm, Jürgen Habermas, entre outros. Esta corrente foi a responsável pela disseminação de expressões como ‘indústria cultural’ e ‘cultura de massa’. A Escola de Frankfurt foi praticamente o último expoente, o derradeiro suspiro da Filosofia Alemã em seu período áureo. Ela foi criada por Félix Weil, financiador do grupo, Max Horkheimer, Theodor Adorno e Herbert Marcuse, que a princípio a administraram conjuntamente. Ernst Bloch e o psicólogo Erich Fromm acompanhavam à distância o despertar desta linha filosófica, que vem à luz justamente em um momento de agitação política e econômica vivido pela Alemanha, no auge da famosa República de Weimar. Seus membros seriam partícipes e observadores das principais mutações que convulsionariam a Europa durante a Primeira Guerra Mundial, seguida por outros movimentos subversivos, dos quais ninguém sairia impune. Esta Escola tinha uma sede, o Instituto para Pesquisas Sociais; um mestre, Horkheimer, substituído depois por Adorno; uma doutrina que orientava suas atitudes; um modelo por eles adotado, baseado na união do materialismo marxista com a psicanálise, criada por Freud; uma receptividade constante ao pensamento de outros filósofos, tais como Schopenhauer e Nietzsche; e uma revista como porta-voz, publicada periodicamente, na qual eram impressos os textos produzidos por seus adeptos e colaboradores. O programa por eles adotado passou a ser conhecido como Teoria Crítica. Os integrantes da Escola assistiram, surpresos e assustados, à deflagração da Revolução Russa, em 1917, ao aparecimento do regime fascista, e à ascendente implantação do Nazismo na Alemanha, que culminou com um exílio forçado deste grupo, composto em grande parte por judeus, a partir de 1933. Esta mudança marcou definitivamente cada um deles, principalmente depois do suicídio de Walter Benjamin, em 1940, quando provavelmente tentava atravessar os Pireneus, temeroso de ser capturado pelos nazistas. Eles se tornam nômades, viajando de Genebra para Paris, então para os EUA, até se fixarem na Universidade de Columbia, em Nova York. A primeira obra produzida pelo grupo foi denominada Estudos sobre Autoridade e Família, gerada na Cidade-Luz, na qual eles questionam a real vocação da classe operária para a revolução social. Assim, eles naturalmente se distanciam dos trabalhadores, atitude que se concretiza com o lançamento do livro Dialética do Esclarecimento, lançado em 1947, em Amsterdã, que já praticamente elimina do ideário destes filósofos a expressão ‘marxismo’. Erich Fromm e Marcuse dão uma guinada teórica ao juntar os conceitos da Teoria Crítica aos ideais psicanalíticos. Marcuse, que optou por ficar nos Estados Unidos depois da volta do Instituto para o solo alemão, em 1948, foi um dos integrantes da Escola que mais receptividade encontrou para sua produção intelectual, uma vez que inspirou os movimentos pacifistas e as insurreições estudantis, fundamentais em 1968 e 1969, os quais alcançaram o auge no chamado Maio de 68. Por outro lado, Adorno, até hoje tido como um dos filósofos mais importantes da Escola de Frankfurt, prosseguiu sua missão de transformação dialética da racionalidade do Ocidente, na sua obra Dialética Negativa. Sua morte marca a passagem para o que alguns estudiosos consideram a segunda etapa da Escola, que encontra seu principal líder em Jürgen Habermas, ex-assessor de Adorno e, posteriormente, seu crítico mais ardoroso. Fonte: http://www.infoescola.com/filosofia/escola-de-frankfurt/ HERBERT MARCUSE (REFLEXÕES SOBRE A SOCIEDADE TECNOLÓGICA) urania-josegalisifilho.blogspot.com Ivana Mussi Gabriel 1 - Herbert Marcuse (O Homem Unidimensional) Herbert Marcuse, um dos mais importantes teóricos do século XX, foi aclamado mundialmente como o filósofo da libertação e da revolução. Seu trabalho influenciou uma geração de intelectuais e ativistas radicais. Seus livros foram discutidos, atacados e celebrados, tanto nos meios de comunicação de massa, quanto nas publicações acadêmicas. Filho de judeus, Herbert Marcuse nasceu em Berlim, Alemanha, em 1898. Como um intelectual de esquerda, ingressou, em 1933, no Instituto de Pesquisa Social. Fundado em 1923, junto à Universidade de Frankfurt, tal instituto foi considerado o primeiro de orientação marxista na Europa, composto por marxistas não ortodoxos, como Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter Benjamin e Jürgen Habermas. O Instituto tinha como objetivo precípuo desenvolver uma teoria social crítica, de análise e interpretação da realidade social existente. Contudo, entre 1942 e 1951, o filósofo alemão, exilado nos Estados Unidos da América, em razão da perseguição nazista aos judeus, prestou serviços ao governo americano, em especial aos órgãos de informação relacionados à Segunda Guerra Mundial e ao Departamento de Estado. Foi um período histórico conturbado, pois marcado pela ascensão e derrocada do nazismo na Alemanha e pelo surgimento da Guerra Fria, que provocou a divisão do mundo entre duas superpotências: Estados Unidos da América e União Soviética. O trabalho dos anos 40, definitivamente, forneceu a Herbert Marcuse uma melhor compreensão histórica das sociedades capitalista e comunista e uma sólida base históricoempírica para seu pensamento e escritos posteriores. Nesse sentido, em 1964, Herbert Marcuse escreve a obra "A Ideologia da Sociedade Industrial", apresentando uma teoria de crítica às novas formas de dominação existentes nas sociedades industriais avançadas. Para o autor, o Estado do Bem-Estar Social e seus avanços tecnológicos são os responsáveis pelo sistema totalitário de dominação. Prescrevem uma nova ideologia, de imposição de uma racionalidade institucional ou tecnológica em relação à racionalidade individual, submetendo o homem a uma completa alienação. A mecanização força o competidor mais fraco a submeter-se ao domínio das grandes empresas da indústria mecanizada. De fato, a racionalidade tecnológica causa a denominada "mecânica do conformismo", que nega qualquer tipo de manifestação individual revolucionária dentro de uma sociedade totalmente planejada. Hoje, o livro "A Ideologia da Sociedade Industrial" representa uma viva referência ao questionamento do sistema capitalista globalizado, uma crítica válida à tecnologia moderna, que define um estilo de vida ao homem, através de um falso modelo de liberdade de escolha. 2- Sociedade Unidimensional A sociedade industrial avançada, objeto de reflexão na obra "A ideologia da Sociedade Industrial", pode ser definida como a sociedade tecnológica, do artificialismo, da racionalidade institucional. É a sociedade sem oposições, de nivelamento. O filósofo alemão utiliza a expressão "sociedade unidimensional" justamente para demonstrar o controle que este tipo de sociedade exerce sobre as consciências humanas. A sociedade unidimensional em desenvolvimento altera a relação entre o racional e o irracional. Contrastado com os aspectos fantásticos e insanos de sua irracionalidade, o reino do irracional se torna o lar do realmente racional, das ideias que podem promover a arte da vida (MARCUSE, 1973, p.227). Dentro deste contexto, Lewis Munford caracteriza o homem, na era da máquina, como uma "personalidade objetiva", alguém que aprendeu a transformar toda espontaneidade subjetiva à maquinaria que serve, a subordinar sua vida à "factualidade" ("matter-offactness"), de um mundo em que a máquina é o fator e ele o instrumento [1]. Para Herbert Marcuse, a tecnologia, como modo de produção, como a totalidade dos instrumentos, dispositivos, invenções, é uma forma de organizar e modificar as relações sociais. Reproduz, fielmente, a manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes. Enfim, trata-se de um verdadeiro instrumento de controle e dominação. E isso ocorre em razão da organização do aparato industrial, voltado totalmente para a satisfação das necessidades crescentes dos indivíduos. De fato, uma sociedade avançada, em razão do progresso tecnológico, somente se sustenta quando organiza e explora, com êxito, a produtividade da civilização industrial. A crescente produtividade de mercadorias e serviços traz consigo atitudes e hábitos prescritos, que acabam mobilizando a sociedade em seu todo, com a promessa utópica do ócio, do entretenimento e lazer organizados. Nesse sentido, a sociedade moderna, sustentada sob o aparato tecnológico, tende a tornar-se totalitária. E como tal, pode exigir dos indivíduos, justificadamente, a aceitação de seus princípios e instituições, pois tem como legítimo objetivo o aumento da produtividade para a satisfação das necessidades do homem. Para Marcuse, o sentido da expressão "totalitária" não é utilizado apenas para caracterizar o sistema terrorista de governo, mas para definir o sistema específico de produção e distribuição em massa, que existe em razão da manipulação do poder inerente à tecnologia. Herbert Marcuse sintetiza todo seu entendimento através de um exemplo simples: Um homem, que viaje de carro a um lugar distante, escolhe a rota de sua viagem num guia de estradas. Cidades, lagos e montanhas aparecem como obstáculos a serem ultrapassados. O campo é delineado e organizado pela estrada: o que se encontra no percurso é um subproduto ou anexo da estrada. Vários sinais e placas dizem ao viajante o que fazer e pensar. Espaços convenientes para estacionar foram construídos onde as mais amplas e surpreendentes vistas se desenrolam. Painéis gigantes lhe dizem onde parar e encontrar a pausa revigorante. A rota é feita para o benefício, segurança e conforto do homem. E a obediência às instruções representa o único meio de se obter resultados desejados (MARCUSE, 1998, p.79). Assim, o sistema de vida prescrito pela indústria moderna é, aparentemente, da mais alta eficácia, conveniência e eficiência. Assim, aquele que seguir as instruções será bemsucedido, subordinando sua espontaneidade à sabedoria anônima que ordenou tudo para ele. Sobre o aspecto de dominação da sociedade unidimensional, Luiz Nazário comenta: Para Marcuse, a dominação funciona como administração total das necessidades e prazeres, escravizando o homem no trabalho e no lazer, preenchendo o tempo livre dos indivíduos com programações dirigidas, fabricando uma humanidade apta a consumir objetos inúteis, cuja obsolescência fora desejada. A administração da sociedade unidimensional encarrega-se de gerar o bem-estar tanto a Leste quanto a Oeste, tornando ineficazes os protestos tradicionais (NAZÀRIO, 1998, p.84). Em síntese, a sociedade industrial avançada impõe uma racionalidade tecnológica. Ser bem-sucedido significa adaptar-se ao aparato, ou seja, às instituições, dispositivos e organizações da indústria. Não há lugar para a autonomia humana, para independência de pensamento, nem para o direito de oposição. A autonomia da razão encontra seu túmulo no sistema de controle, produção e consumo padronizado. E os mecanismos da racionalidade institucional, difundidos por toda a sociedade, portanto, desenvolvem um conjunto de valores de verdade próprios, que servem apenas ao funcionamento do aparato industrial. 3-Direitos e liberdades individuais na sociedade industrial Os direitos e liberdades individuais, fatores vitais na origem da sociedade industrial, perdem o sentido e conteúdo tradicionais, pois uma vez institucionalizados compartilham do mesmo destino da sociedade integradora. A liberdade individual, na sociedade tecnológica, torna-se, sobretudo, uma liberdade de morte, de ausência de valores, alienação do indivíduo e degradação social. Tudo contribui para transformar os instintos, os desejos e pensamentos humanos em canais que alimentam o aparato tecnológico. O homem médio, dificilmente importa-se com outro ser vivo com a intensidade e persistência que demonstra por seu automóvel. A máquina adorada não é mais matéria morta, mas se torna algo semelhante a um ser humano. Herbert Marcuse fala em "mecânica do conformismo", afirmando que, diante da satisfação das suas próprias necessidades, o homem deixa de contestar o atual sistema capitalista de consumo. Com relação às necessidades, Herbert Marcuse realiza a distinção entre as necessidades falsas e as necessidades verídicas. As necessidades falsas são determinadas por forças externas, sobre as quais o indivíduo não possui controle algum. Tais necessidades são produto de uma sociedade totalitária, repressora dos pensamentos e comportamentos humanos. Por outro lado, as necessidades verídicas representam a realização de todas as necessidades vitais, reais, como alimento, roupa, teto, etc. Ora, como o homem pode criar condições de liberdade se ele acaba se identificando com a sociedade tecnológica? Para Herbert Marcuse, toda libertação depende da consciência de servidão, porém o surgimento desta consciência acaba sendo impedido pela predominância das necessidades falsas e das satisfações repressivas do próprio indivíduo. O ideal seria a substituição das necessidades falsas e o abandono da satisfação repressiva, mas isto parece ser uma utopia para o autor. De fato, no entendimento de Herbert Marcuse, a livre escolha entre a ampla variedade de mercadorias e serviços não significa liberdade quando estas mercadorias e serviços mantêm o controle social sobre uma vida de trabalho e temor. O que determina o grau de liberdade, portanto, é o que pode ser escolhido e o que é escolhido pelo indivíduo. Definitivamente, na sociedade tecnológica, a produção e a distribuição em massa reivindicam o indivíduo inteiro, através da invasão no seu espaço privado, na sua liberdade interior. Há uma identificação imposta do indivíduo com a sociedade em seu todo. Herbert Marcuse denomina tal fenômeno de "mimese". Significa dizer que os controles tecnológicos representam a própria personificação da razão para a consecução dos interesses de todos os grupos sociais. Nesse sentido: Os meios de transporte e comunicação em massa, as mercadorias, casa, alimento, roupa, a produção irresistível da indústria de diversão e informação, trazem consigo atitudes e hábitos prescritos, certas reações intelectuais e emocionais, que prendem os consumidores aos produtos. Os produtos doutrinam, manipulam, promovem uma falsa consciência. Estando tais produtos à disposição de maior número de indivíduos e classes sociais, a doutrinação deixa de ser publicidade para tornar-se um estilo de vida (MARCUSE, 1982, p.31 e 32). Assim, a racionalidade tecnológica, existente na sociedade industrial avançada, constitui etapa mais progressiva da alienação do indivíduo, ou seja, da perda completa de sua individualidade, de sua racionalidade crítica. A alienação torna-se inteiramente objetiva. Surge um padrão de pensamento e comportamento unidimensionais, no qual as ideias, as aspirações e os objetivos são redefinidos pela racionalidade do sistema. A sociedade industrial avançada transforma todo progresso científico e técnico em instrumento de dominação. Quanto mais a tecnologia cria as condições para pacificação, mais a mente e o corpo do homem são organizados contra essa alternativa. É a contradição interna desta civilização: o elemento irracional de sua racionalidade. Portanto, a sociedade industrial acaba sendo organizada para a dominação do homem e da natureza, para utilização eficaz de seus recursos. Torna-se irracional quando o êxito desses esforços cria novas dimensões de realização humana, ou seja, esforços intensos para conter tal tendência no seio destas instituições. Além disso, a dominação estende-se a todas as esferas da vida pública e privada, integra toda oposição autêntica, absorve todas as alternativas. A racionalidade tecnológica revela o seu caráter político ao se tornar o melhor veículo de dominação, criando um universo totalitário, no qual a sociedade, a natureza, o corpo e a mente mantêm-se num estado de permanente mobilização para defesa desse universo. 4- Conclusão A importância da contribuição de Herbert Marcuse foi desenvolver uma teoria social crítica, para a superação da sociedade industrial de exploração e o resgate da racionalidade crítica, tão importante para a existência humana. O autor considerou o progresso tecnológico como o responsável pelo sistema de dominação da natureza e da própria consciência do ser humano. Na sociedade industrial avançada, os meios de transporte e comunicação em massa, a produção irresistível das mercadorias e serviços trazem consigo atitudes e hábitos prescritos, que prendem os consumidores aos produtos. O consumismo em massa acaba promovendo uma falsa satisfação das necessidades dos seres humanos e a completa dominação da consciência humana. A dominação do mundo capitalista globalizado nutre-se da uniformidade do comportamento do indivíduo que, consciente de estar inserido num estilo de vida libertário, acaba abdicando da capacidade de conduzir-se com autonomia. Definitivamente, a produção em massa mecanizada acaba por preencher os espaços nos quais a individualidade poderia se afirmar. Com o crescimento da conquista tecnológica da natureza, cresce a conquista do homem pelo homem. E essa conquista reduz a liberdade, que é um a priori necessário da libertação. Isso é liberdade de pensamento no único sentido em que o pensamento pode ser livre no mundo administrado, como a consciência de sua produtividade repressiva e como a necessidade absoluta de romper para fora desse todo (MARCUSE, 1973, p. 232). É a irracionalidade da sociedade racional, pois na sociedade de domesticação pelo consumo, o pensamento humano decorre do processo da máquina. Há uma razão instrumental, imposta a todos, que constitui a ideologia da sociedade tecnológica avançada. Ideologia esta que controla a natureza, o corpo e a mente humana, fazendo com que a liberdade na sociedade industrial seja uma liberdade de morte. Para Herbert Marcuse, o processo de emancipação somente será viável com a denominada "Grande Recusa", ou seja, uma recusa absoluta do sistema de vida estabelecido, que deve ocorrer através de manifestações revolucionárias lideradas pela juventude, e não pelo povo. O povo, anteriormente, fermento da transformação social, transformou-se no fermento da coesão social, pois inserido no sistema do aparato tecnológico e destituído de qualquer forma tradicional de protesto. No livro Eros e Civilização, o autor aborda tal protesto da juventude contra sociedade tecnológica, que disciplina o corpo e mente dos seres humanos: É a vida deles que está em jogo e, se não a deles, pelo menos, a saúde mental e capacidade de funcionamento como seres humanos livres de mutilações. O protesto do jovem continuará porque é uma necessidade biológica. Por natureza, a juventude está na primeira linha dos que vivem e lutam contra uma civilização que se esforça para encurtar o atalho para a morte (MARCUSE, 1978, p. 23). De fato, em 1968, em todas as partes do mundo, eclodiram movimentos revolucionários estudantis. Um verdadeiro acontecimento histórico. Tais movimentos representaram o heroísmo de uma juventude, que repudiava as guerras imperialistas, as ditaduras, o socialismo burocrático e o capitalismo liberal, buscando questionar as ideias dominantes e resgatar a liberdade individual perdida. Sem dúvida, a obra "A Ideologia da Sociedade Industrial", escrita por Herbert Marcuse, em 1964, incendiou a imaginação destes estudantes, trazendo as reflexões necessárias para justificar a eclosão de manifestações revolucionárias em busca da emancipação de todo tipo de sociedade de exploração. 5-Referências Bibliográficas HAUG, Frigga. Reflexões em conexão com Herbert Marcuse. São Paulo: Revista Cultura e Vozes, n.6, p.123-139, nov. /dez. 1998. MARCUSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial. 5ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. _________________Ideias sobre uma teoria crítica da sociedade. 2ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. _________________Eros e Civilização. 8ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. _________________Contra revolução e revolta. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. _________________Tecnologia, Guerra e Fascismo. São Paulo: Unesp, 1998. MUMFORD,L. Technics and Civilization. New York, 1934. NAZÁRIO, Luiz. A grande Recusa de Herbert Marcuse. São Paulo: Revista Cultura e Vozes, n.3, p.76-93, ma./jun. 1998. Notas 1 L. Mumford. Technics and Civilization, p. 361 e seguintes. HABERMAS cienciahoje.pt A ação comunicativa e a ética do discurso. Habermas utiliza o pensamento de Kant para fundamentar suas reflexões, baseando a ética na razão. No entanto, acrescenta à razão reflexiva de Kant, uma razão comunicativa, apoiada no diálogo, na interação entre os indivíduos de uma mesma comunidade. No entanto, esse diálogo não é qualquer diálogo: é um diálogo que não aceita pressões externas aos interesses do próprio diálogo. Quando o diálogo está vinculado a interesses econômicos ou políticos, não temos o interesse coletivo, mas interesses privados. Considerações sobre a ética do discurso Jaqueline Stefani1 Introdução No século XX, a busca filosófica pelo ser foi substituída por um novo paradigma: a linguagem passa a ser o foco de toda a preocupação, não só no nível teórico, mas também no nível prático. A ética do discurso, corrente teórica que surge nos fins dos anos 1960 e início dos anos 1970, fundamenta as normas morais na linguagem, ou seja, no consenso validado intersubjetivamente. Nesse sentido, a tese aristotélica da verdade como adequação entre o pensado e o que, de fato, existe, é substituída pela tese da verdade como consenso. Desse modo, é quando todos os integrantes do ambiente discursivo estão de acordo a respeito de determinada questão que podemos afirmar tal opinião como válida (verdadeira). Quando Habermas usa o termo “discurso”, quer falar de um modo de as pessoas chegarem a determinados acordos a respeito do mundo, e não apenas a simples troca de informações. Portanto, a linguagem, para Habermas, é ação: ação comunicativa. Toda ação é objeto da ética e Habermas propõe uma revisão da ética, a partir do paradigma da linguagem. Tal mudança só foi possível graças à transformação da racionalidade instrumental (o uso da razão como ferramenta de análise do mundo, numa relação dicotômica “sujeito-objeto”) em racionalidade ético-comunicativa (utilização da racionalidade não apenas para compreender o mundo separado do sujeito, mas para orientar o modo de agir num mundo em que o sujeito está intimamente implicado). Racional, portanto, é toda proposição que exprime um consenso fruto de um processo argumentativo. Para Jaqueline Stefani¹, “o conceito de razão não está mais, portanto, centrado no sujeito monológico ou no objeto solitário, mas inclui, além do argumento cognitivo e instrumental, o procedimento linguístico e a argumentação discursiva”. Esses elementos são constituintes do mundo vivido. O mundo vivido é o lugar a partir do qual é possível o entendimento, no qual falantes e ouvintes partilham de um contexto que lhes é comum. O mundo vivido fica sempre como um "pano de fundo", como o horizonte a partir do qual se faz possível a comunicação e o entendimento. Ainda para Jaqueline Stefani, “Essa nova proposta ética encontra respaldo na teoria moral de Kant nos aspectos deontológico [em lugar de teleológico], cognitivista [por considerar a ética algo que se possa fundamentar racionalmente], formalista [pois não fornece conteúdo, mas tãosomente o procedimento a ser seguido] e universalista [em oposição ao relativismo ético]. Porém distancia-se de Kant no que se refere ao modo de decisão, pois se, para este, o sujeito decide sozinho sobre a moralidade, para os defensores da ética do discurso as questões morais são resolvidas dentro de uma comunidade de comunicação em condições reais e concretas. Desse modo, "em lugar de considerar como válida para todos a máxima que queres ver transformada em lei universal, submete a tua máxima à consideração de todos os participantes do discurso a fim de fazer valer discursivamente sua pretensão de universalidade" (Herrero, 2000, p. 182). Com isso, os discursos práticos [nos quais os afetados pelas decisões devem participar] respondem à necessidade de validar normas éticas, interesses ou necessidades reais de todos os afetados pelas normas e considerar as consequências dessas normas. Enquanto Kant se preocupa com a universalização da norma, na ética do discurso o ponto arquimediano recai sobre as consequências e o consenso.” NOTA 1 - Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Filosofia - UNISINOS. Bolsista CAPES. INDÚSTRIA CULTURAL: REVISANDO ADORNO E HORKHEIMER Alda Cristina Silva da Costa1 Arlene Nazaré Amaral Alves Palheta2 Ana Maria Pires Mendes3 Ari de Sousa Loureiro4 culturabrasil.pro.br comunica-for.blogspot.com Theodor Adorno Max Horkheimer revistaescola.abril.com.br Walter Benjamin 1. Introdução Estudar e pesquisar a transformação das sociedades modernas a partir dos meios de comunicação de massa se constitui em fator essencial para diversos campos e/ou ciências. É necessário fazer sempre uma releitura dos teóricos que empreenderam suas análises a entender a lógica dessa transformação. Horkheimer e Adorno foram dois teóricos que defenderam que o desenvolvimento da comunicação de massa teve um impacto fundamental sobre a natureza da cultura e da ideologia nas sociedades modernas. Na concepção deles, a análise da ideologia não pode mais se limitar ao estudo das doutrinas políticas, mas deve ser ampliada para abranger as diferentes formas simbólicas que circulam no mundo social, ou seja, a estruturação das relações na sociedade, a forma como se produz e se intensificam a massificação do indivíduo. Não obstante, a cultura é o instrumento que desenvolve e assegura formas de controle das concepções sociais e das ideologias estruturadas na sociedade capitalista. Compreender e possuir uma posição que seja crítica e analítica desse processo de massificação dado pela cultura é mais do que roteiro teórico, é antes de tudo, uma referência que consubstancia a gama de problemas culturais vividos no século XX. Um dos caminhos a ser seguido é da Escola de Frankfurt*, e com um ela um dos seus teóricos Theodor Adorno, que possui uma produção relevante nesta temática, mas nesse contexto não podemos deixar de citar Walter Benjamin que produz reflexões sobre a técnica de reprodução da obra de arte, no caso particular, o cinema, compreendendo os resultados sociais e políticos dessa massificação, o que Adorno estabelecerá como indústria cultural. Walter Benjamin, possui uma teoria materialista da arte, cujo desenvolvimento do estudo aponta para compreensão das causas e dos resultados da aura** que envolve a obra de arte, tratada enquanto objeto individualizado e único. A expansão do que é único é dado através da técnica de reprodução que estabelece a dissolução da aura original, portanto, irá romper com as restrições dos pequenos ciclos, dos pequenos grupos sociais, neste caso considerado enquanto aristocráticos e religiosos, ganhando uma dimensão social mais ampliada. A possibilidade de expandir a obra de arte seria de acordo com as transformações técnicas desenvolvidas na sociedade e da própria percepção da estética. É compreendido que a reprodução ampliada da obra de arte acaba por estabelecer a perda da aura e as conseqüências sociais ganha relevância, cujo impacto realizado pelo redimensionamento da arte localizada é ilimitado. A técnica que viabiliza a amplitude desse processo é o cinema, que carrega consigo uma radical mudança qualitativa nas relações das massas com a arte. _____________________________ Jornalista. Especialista em Metodologia e Teoria da Comunicação. Professora de Técnicas de ComunicaçãoDirigida e Comunicação Comparada do curso de Comunicação Social – habilitações Relações Públicas e Publicidade e Propaganda da Universidade da Amazônia e mestranda de Sociologia/UFPA. 2 Socióloga, professora da Universidade da Amazônia/UFPA 3 Assistente Social e Mestranda em Sociologia/UFPA. 4 Assistente Social e Mestrando em Sociologia/UFPA. * Em 1924 foi criado o Instituto para a Pesquisa Social na Universidade de Frankfurt, tinha como objetivo possibilitar discussões e a defesa teóricas de temas considerados tabu no ambiente acadêmico. ** Verbete proveniente do latim, aura. Vento brando, brisa, aragem, sopro. Cada um dos princípios sutis ou semimateriais que interferem nos fenômenos vitais (Filosofia); ambiente de acontecimento exterior (Psicanálise). 1 (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 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_________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Questões vestibulares Questão 01 A primeira obra produzida [pela Escola de Frankfurt] foi denominada Estudos sobre Autoridade e Família, gerada na Cidade-Luz, na qual eles questionam a real vocação da classe operária para a revolução social. Assim, eles naturalmente se distanciam dos trabalhadores, atitude que se concretiza com o lançamento do livro Dialética do Esclarecimento, lançado em 1947, em Amsterdã, que já praticamente elimina do ideário destes filósofos a expressão ‘marxismo’. A Escola de Frankfurt: 01- Concordava com a perseguição aos operários. 02- Foi criticada por tentar expulsar os marxistas da Europa. 03- Não aceitava alguns pressupostos fundamentais do marxismo. 04- Defendia a eliminação de filósofos com ideário marxista. 05- Acreditava que a Autoridade e a Família se distanciavam dos trabalhadores. Questão 02 Para Marcuse, o Estado do Bem-Estar Social e seus avanços tecnológicos são os responsáveis pelo sistema totalitário de dominação. Prescrevem uma nova ideologia, de imposição de uma racionalidade institucional ou tecnológica em relação à racionalidade individual, submetendo o homem a uma completa alienação. O pensador entende que: 01- É necessário prescrever uma nova ideologia de imposição de uma racionalidade institucional. 02- A sociedade industrial é totalitária e dominadora. 03- A racionalidade individual submete o homem a uma completa alienação. 04- Só pelo Estado de Bem-Estar social o homem se liberta da completa alienação. 05- A imposição de uma racionalidade institucional promove o desenvolvimento da racionalidade individual. Questão 03 É consenso dos teóricos que o livro "A Ideologia da Sociedade Industrial", de Herbert Marcuse, representa uma viva referência ao questionamento do sistema capitalista globalizado, uma crítica válida à tecnologia moderna, que define um estilo de vida ao homem, através de um falso modelo de liberdade de escolha. Portanto, para o filósofo: 01- O capitalismo globalizado faz uma crítica válida à tecnologia moderna. 02- O homem se define essencialmente através dos falsos modelos de liberdade e escolha. 03- O capitalismo globalizado, através da um falso modelo de liberdade de escolha, critica a tecnologia moderna. 04- O capitalismo globalizado exerce sua dominação à medida que oferece um falso modelo de liberdade e de escolha. 05- A sociedade industrial é o melhor caminho para o homem se libertar dos falsos modelos de liberdade. Questão 04 "Na medida em que nesse processo a indústria cultural inegavelmente especula sobre o estado de consciência e inconsciência de milhões de pessoas às quais ela se dirige, as massas não são, então, o fator primeiro, mas um elemento secundário, um elemento de cálculo; acessório da maquinaria. O consumidor não é rei, como a indústria cultural gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa indústria, mas seu objeto. O termo mass media, que se introduziu para designar a indústria cultural, desvia, desde logo, a ênfase para aquilo que é inofensivo. Não se trata nem das massas em primeiro lugar, nem das técnicas de comunicação como tais, mas do espírito que lhes é insuflado, a saber, a voz de seu senhor. A indústria cultural abusa da consideração com relação às massas para reiterar, firmar e reforçar a mentalidade destas, que ela toma como dada a priori e imutável. É excluído tudo pelo que essa atitude poderia ser transformada. As massas não são a medida mas a ideologia da indústria cultural, ainda que esta última não possa existir sem a elas se adaptar." (Theodor W. Adorno. A indústria cultural. In: Cohn, Gabriel (org.).Theodor W. Adorno. São Paulo, Ática, 1996) De acordo com o filósofo alemão Adorno, pode-se afirmar que 01- As massas não conseguem se adaptar à ideologia da indústria cultural. 02- não é verdade que os meios de massa sejam estilística e culturalmente conservadores. 03- os meios de comunicação de massa apresentam indiscutível potencial revolucionário. 04- ao adaptar-se aos desejos das massas, a indústria cultural apresenta inegável potencial democrático. 05- a indústria cultural é moldada pela racionalidade instrumental. Questão 05 (Ueg 2012) “Uma moral racional se posiciona criticamente em relação a todas as orientações da ação, sejam elas naturais, autoevidentes, institucionalizadas ou ancoradas em motivos através de padrões de socialização. No momento em que uma alternativa de ação e seu pano de fundo normativo são expostos ao olhar crítico dessa moral, entra em cena a problematização. A moral da razão é especializada em questões de justiça e aborda em princípio tudo à luz forte e restrita da universalidade.” (HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. I. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 149.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre a moral em Habermas, é correto afirmar: a) A formação racional de normas de ação ocorre independentemente da efetivação de discursos e da autonomia pública. b) O discurso moral se estende a todas as normas de ações passíveis de serem justificadas sob o ponto de vista da razão. c) A validade universal das normas pauta-se no conteúdo dos valores, costumes e tradições praticados no interior das comunidades locais. d) A positivação da lei contida nos códigos, mesmo sem o consentimento da participação popular, garante a solução moral de conflitos de ação. e) Os parâmetros de justiça para a avaliação crítica de normas pautam-se no princípio do direito divino. Roger Scruton A Origem da filosofia "Analítica" Muito se tem escrito nos últimos anos sobre a vida e a filosofia de Ludwig Wittgenstein (1889-1951?. Atualmente, ele é considerado por muitos o filósofo mais importante de nosso século. Todavia, é difícil enquadrar seu pensamento na história da filosofia, em parte devido à sua iconoclasta posterior e, em parte, porque, como Frege, ele parte de reflexões que, à luz dessa história, podem parecer provincianas e até mesmo desprovidas de qualquer importância filosófica. Portanto, à guisa de introdução, é necessário dizer algo sobre o estado da filosofia inglesa quando Wittgenstein veio a se interessar por ela. Tal interesse prenunciou a prolongada influência que as ideias vienenses vieram a exercer sobre o pensamento anglo-americano. Devemos retroceder um pouco no tempo, até as doutrinas de Russell e Moore. Bertrand Arthur, terceiro Conde Russell (I872-1970), tem sido até aqui associado à nova lógica, por ele transformada em poderoso instrumento de análise filosófica. Não menos importante, historicamente falando, foi seu amigo G. E. Moore (1873-1958), que escreveu importante tratado sobre ética, o Principia Ethica (I903), e se opôs inexoravelmente a todas as formas de especulação metafísica que parecessem subverter as verdades estabelecidas do senso comum. Juntos, Moore e Russell dedicaram-se à demolição das doutrinas do idealismo britânico, como foram apresentadas por Bradley (em Oxford) e J, M. McTaggart (1866-1925), em sua própria Universidade de Cambridge. Russell, em sua obra inicial sobre os fundamentos da geometria, reconhece a influência da Lógica de Bradley. Isso, porém, não o impediu de discernir, na famosa prova do caráter provisório de objetos e qualidades proposta por Bradley (ver p. 235), uma confusão entre o "é" da predicação e o "é" da identidade, ou de acusar Bradley e McTaggart de prestidigitadores em quase todas as provas que ofereceram da inadequação de nossas concepções de espaço, tempo e matéria baseadas no senso comum. Moore aderiu ao combate, acrescentando mais asserções peculiarmente dramáticas do que argumentos. Fez a seguinte pergunta: Como é possível que minha crença de que tenho duas mãos seja menos certa que a validade de todos os argumentos filosóficos que se têm aduzido para refutá-la? A combinação da volátil lógica de Russell com a vigorosa recusa de Moore a pensar além de seu nariz ou de suas mãos mostrou-se extremamente destrutiva, tornando-se moda descrever a metafísica idealista não como falsa, mas como sem sentido. Outros filósofos - notavelmente Hume - tinham f eito afirmações semelhantes. No entanto, agora, mais do que nunca, parecia possível provar o que fora dito, desenvolvendo-se uma teoria da estrutura da linguagem que mostrasse precisamente o que podia e o que não podia ser dito. E supôs-se que, entre as coisas que não podiam ser ditas, a metafísica era a mais facilmente reconhecível. A primeira teoria desse tipo foi o atomismo lógico, prenunciado por Russell e expresso de modo mais ou menos completo por Wittgenstein, em seu Tractatus LogicoPhilosophicus (1921). Essa obra, que chegou ao ponto de ser mais sucinta que a Monadologia de Leibniz, pretendia responder de forma definitiva as questões da filosofia. Ao escrevê-la, Wittgenstein inspirou-se, em parte, na famosa teoria das descrições, proposta por Russell e publicada num artigo que F. P. Ramsey (I903-1930) descreveu como "paradigma de filosofia". Assim sendo, tal teoria servirá como introdução adequada à obra de Wittgenstein. O atomismo lógico e o Tractatus De acordo com o Tractatus, tudo que pode ser pensado também pode ser dito. 0s limites da linguagem são, portanto, os limites do pensamento, de modo que uma completa filosofia do " do que pode ser dito" será uma teoria completa do que Kant denominara "o entendimento". Todos os problemas metafísicos decorrem da tentativa de dizer o que não pode ser dito. Uma análise apropriada da estrutura dos termos utilizados nessa tentativa mostrará tal coisa e, desse modo solucionará ou diluirá problemas. Então, qual é a estrutura da linguagem? Wittgenstein dividiu todas as sentenças em complexas e atômicas, afirmando que as primeiras eram construídas a partir das segundas mediante regras de formação que podiam ser interpretadas detalhadamente em termos da lógica de Russell. As sentenças atômicas são aquelas que empregam os primitivos da linguagem, isto é, os nomes e predicados elementares que, sendo indefiníveis, servem para distinguir (ou "descrever") o que Wittgenstein chamou de fatos atômicos. Só uma proposição completa pode ser verdadeira ou falsa e, por consequência, só uma proposição completa pode dizer-nos algo sobre o mundo. Consequentemente, o constituinte mais básico do mundo é o que corresponde à sentença atômica. Esse constituinte básico é o fato atômico, sendo o mundo, portanto, a totalidade de tais fatos. Os fatos complexos correspondem às proposições complexas e, para compreender tais fatos complexos, é necessário que compreendamos a complexidade da linguagem usada para expressá-los. E essa complexidade é inteiramente proporcionada pela lógica fregeana e russelliana. Assim sendo, "o Rei da França é calvo" é (embora não pareça) uma sentença complexa, visto que sua verdadeira estrutura (ou seja, sua estrutura como representada pela nova lógica) mostra que ela consiste em três sentenças incompletas, combinadas e completadas pela quantificação e pelo conectivo "e". Muitas sentenças assemelham-se a essa. Parecem básicas, mas, de fato, são complexas. Geralmente, muitas coisas a que nos referimos são construções lógicas (ou ficções). As sentenças que as descrevem são abreviações de sentenças mais complexas referentes aos constituintes de fatos totalmente diferentes, porém mais básicos, em que essas "construções lógicas" não ocorrem. Uma sentença como "um homem médio tem 2,6 filhos" é realmente uma abreviação de uma sentença matemática complexa que relaciona o número de filhos dos homens com o número de homens. "0 homem médio" não caracteriza qualquer sentença atômica, ou seja, não nomeia qualquer constituinte da realidade. Pode-se dizer o mesmo com relação à nação inglesa e a muitas entidades ``metafísicas" que aparentemente têm suscitado problemas filosóficos. Wittgenstein foi menos específico que Russell, e certamente menos específicos que os positivistas lógicos, para quem, não obstante, o Tractatus proporcionou todo um sistema de argumentação filosófica, no que se refere a que fatos são atômicos e que fatos não o são. Ele pretendia enunciar claramente a estrutura Para lógica do mundo, não se preocupando com seu conteúdo real. Wittgenstein e a Análise Linguística 0 Tractatus possui um pouco da fascinação da primeira Crítica de Kant, ou seja, a fascinação de um doutrina que, na medida do possível, luta para descrever os limites do inteligível, somente para, ao fazê-lo, ser compelida a transcendê-los. Em momento algum Wittgenstein reconhece a semelhança de seu pensamento com o de Kant, ou, de fato, com o de qualquer outro, exceto o de Russell, mas a comparação entre os dois filósofos torna-se cada vez mais impressionante, de tal modo que alguns têm considerado a argumentação de sua obra póstuma, intitulada Investigações Filosóficas, o complemento final da Dedução transcendental de Kant. A filosofia posterior de Wittgenstein desenvolveu-se a partir de uma reação à anterior, ou a determinada interpretação dela extremamente influente. No Tractatus, a metafísica do atomismo lógico é apresentada quase que sem referência a qualquer teoria específica do conhecimento. A própria versão de Russell sobre a teoria era decididamente empirista, identificando os "fatos atômicos" como relativos ao conteúdo imediato da experiência (ou dados sensoriais, como Russell os chamou). Utilizando o aparato da teoria de Wittgenstein, Russell foi capaz de reformular uma versão empirista com o espírito cético de Hume, propondo interpretar toda entidade no mundo que não seja dado sensorial como "construção lógica". Caso de fato, queiramos, ou não referindo-nos a tabelas referirnos a construções lógicas a partir de dados sensoriais, isso é tudo que, de acordo com Russell, podemos pretender. Como ele assinala, "onde for possível, as construções lógicas devem ser substituídas por entidades inferidas". Desse modo, a filosofia dá um passo na direção do positivismo lógico pelo qual todas as doutrinas metafísicas, éticas e teológicas são sem sentido, não devido a algum defeito do pensamento lógico, mas por não poderem ser verificadas. O slogan do positivismo - o significado de uma sentença é seu método de verificação - é tirado do Tractatus, como grande parte do aparato mediante o qual se buscou livrar o mundo de entidades metafísicas. Mas estava imbuído do mesmo espírito que Hume, e suas principais teorias eram reformulações das doutrinas humeanas concernentes à causalidade, ao mundo físico e à moralidade, em termos não de uma teoria "genética" do significado, mas de uma teoria "analítica". O Segundo Wittgenstein A ênfase da filosofia posterior de Wittgenstein é decididamente antropocêntrica. Embora ainda estivesse centrada em questões concernentes ao significado e aos limites do proferimento significante, seu ponto de partida se tornaram, não as imutáveis abstrações de um ideal lógico, mas os esforços falíveis da comunicação humana. Ao mesmo tempo, o elemento humano não seguiu a via usual da epistemologia, mas um caminho totalmente surpreendente. Wittgenstein o introduz por meio de reflexões a priori sobre a natureza da mente humana e sobre o comportamento social que dota essa mente de sua estrutura característica. O que é "dado" não são os "dados sensoriais" dos positivistas, mas as "formas de vida" da antropologia filosófica kantiana. Isso quer dizer que o objeto de qualquer teoria do significado e do entendimento é a prática pública do proferimento e tudo que torna tal prática possível. Assim sendo, Wittgenstein inicia suas investigações ulteriores sobre a natureza da linguagem no ponto em que Frege parou. Ele aceita a tese do "caráter público" do sentido que já levara Frege a rejeitar as teorias empiristas tradicionais do significado. Isso resultou não apenas em nova avaliação da natureza da linguagem, mas também numa revolucionária filosofia da mente. Os problemas metafísicos que Kant, Hegel e Schopenhauer tentaram resolver são re-expressos como dificuldades na interpretação da consciência. Assim entendidos, repentinamente se afiguraram capazes de serem resolvidos. A perspectiva social levou Wittgenstein a afastar-se da ênfase fregeana no conceito de verdade ou a considerar que tal ênfase reflete uma exigência mais fundamental, isto é, a de que o proferimento humano seja responsável por um padrão de correção. Tal padrão não é dado por Deus, nem jaz oculto na ordem natural, sendo um artefato humano, que tanto produz as práticas linguísticas que o regem quanto é por elas produzido. Isso não quer dizer que um indivíduo pode decidir por si mesmo o que é certo e o que é errado na arte da comunicação. Ao contrário, o constrangimento da publicidade refreia não somente cada um de nós, mas também todos nós; além disso, tal constrangimento está intimamente vinculado à concepção que fazemos de nós mesmos como seres que observam um mundo independente e nele agem. Todavia, é verdade que o único constrangimento envolvido no uso comum é o próprio uso. Se nos opomos a verdades que nos parecem necessárias, tal se dá apenas porque fomos nós que criamos as regras que as fazem ser assim; e também podemos abrir mão daquilo que criamos. A compulsão que experimentamos na inferência lógica, por exemplo, não é compulsão, independentemente de nossa disposição para experimentá-la. O que caracteriza Wittgenstein é a transição que ele realiza no plano da articulação da filosofia da linguagem com a filosofia da mente. Ao realizar tal transição, tenta subverter a principal premissa de quase toda a filosofia ocidental desde Descartes - a premissa da "prioridade do caso da primeira pessoa". Wittgenstein usa vários argumentos destinados a mostrar o que essa premissa realmente significa e, ao fazê-lo, tenta demonstrar sua insustentabilidade. Ao serem reunidos, esses argumentos proporcionam o que pode ser descrito como uma "figuração" da consciência humana. Tal figuração possui muitos aspectos; alguns são metafísicos, outros, epistemológicos. Ela envolve a rejeição da busca cartesiana da certeza, o aniquilamento da concepção de que os eventos mentais são episódios privados que só podem ser observados pela própria pessoa e a recusa de todas as tentativas de compreender a mente humana isoladamente das práticas sociais por meio das quais ela encontra expressão. O Argumento da Linguagem Privada O mais famoso argumento desenvolvido pela posição wittgensteiniana é o que veio a ser conhecido como "o argumento da linguagem privada". Ele ocorre em diversas versões das Investigações Filosóficas e tem sido objeto de muitos comentários. Parece-me que, em resumo, o argumento é o seguinte: há um "privilégio" peculiar ou "imediatidade" envolvidos no conhecimento das nossas próprias experiências atuais. Em certo sentido, é absurdo sugerir que tenho de ou poderia descobrir estar equivocado a respeito delas no curso normal das coisas. (Esse é o pensamento que também subjaz a tese kantiana da "Unidade Transcendental da Apercepção", ver pp. 141-42. ) Isso tem resultado no que podemos chamar de "ilusão da primeira pessoa". Posso ter mais certeza de meus estados mentais que dos seus. Isso só ocorre porque observo diretamente meus estados mentais e, os seus, indiretamente. Quando vejo você sentir dor, vejo o comportamento físico, suas causas, determinado estado complexo de um organismo. Mas isso não é a dor que você sente, apenas algo que a acompanha de modo contingente. A própria dor está oculta por sua expressão, só podendo ser diretamente observada por aquele que a sofre. Essa é, em suma, a teoria cartesiana do espírito, apresentada como explicação do caso da primeira pessoa. Wittgenstein alega que tanto a teoria quanto aquilo que ela deve explicar são ilusões. Suponhamos que a teoria fosse verdadeira. Wittgenstein afirma que, então, não nos poderíamos referir a nossas sensações por meio de palavras inteligíveis numa linguagem pública. Pois as palavras, numa linguagem pública, adquirem seu sentido publicamente, ao serem associadas a condições publicamente acessíveis que asseguram sua aplicação. Tais condições determinarão não somente seu sentido, mas também sua referência. Wittgenstein alega que a suposição de que essa referência seja privada (no sentido de, em princípio, só poder ser observada pela própria pessoa) é incompatível com a hipótese de que o sentido é público. Por conseguinte, se os eventos mentais são como Descartes os descreve, nenhuma palavra em nossa linguagem pública poderia realmente referir-se a eles. Contudo, realmente os cartesianos e sua progênie empirista têm sempre, intencionalmente ou não, aceito essa conclusão e escrito como se cada um de nós descrevesse nossas sensações e outros episódios mentais atuais numa linguagem que, em virtude de seu campo de referência ser, em princípio, inacessível a outros, só é inteligível para quem a usa. Wittgenstein opõe-se à possibilidade de tal linguagem privada. Tenta provar que não pode haver diferença, para quem fala essa linguagem, entre como as coisas lhe parecem e como elas são, pois ele perderia a distinção entre ser e parecer. Entretanto, isso significa perder a ideia de referência objetiva. Na realidade, não se visa de maneira alguma a linguagem; ao contrário, ela torna-se um jogo arbitrário. O que parece certo é o que é certo; consequentemente, não se pode mais falar do certo. Isso leva a seguinte conclusão: não podemos referir-nos aos eventos mentais cartesianos (objetos particulares) numa linguagem pública, nem nos referir a eles numa linguagem privada. Em consequência, não podemos referir-nos a eles. No entanto, seria possível dizer que eles, não obstante, podem existir! Wittgenstein opõe-se a tal possibilidade de um modo que faz lembrar o ataque kantiano ao noumena, dizendo que um nada desempenhará a mesma função que um algo sobre o qual nada se possa dizer. Ademais, podemos referir-nos a sensações; desse modo, o que quer que sejam, as sensações não são eventos mentais cartesianos. Wittgenstein faz acompanhar esse argumento de uma penetrante descrição, a partir do ponto de vista da terceira pessoa, de muitos fenômenos mentais complexos – particularmente, os da percepção, intenção, expectativa e desejo. E, como ele reconhece, seus argumentos, se bem-sucedidos, refutam a possibilidade de uma "fenomenologia pura", visto que implicam que nada se pode aprender sobre a essência do mental ou sobre a essência de qualquer coisa com o estudo (em isolamento cartesiano) apenas cia primeira pessoa. A "imediatidade" do caso da primeira pessoa é unicamente um indício de sua superficialidade. De fato, conheço meus próprios estados mentais sem observar meu comportamento; mas isso não se deve ao fato de eu estar observando algo mais. É simplesmente uma ilusão, suscitada pela autoconsciência, de que a autoridade necessária que acompanha o uso público do "eu" é uma autoridade sobre alguma coisa da qual só o "eu" possui conhecimento. A prioridade da terceira pessoa A destruição da ilusão da primeira pessoa tem duas consequências. Em primeiro lugar, não podemos iniciar nossas investigações a partir do caso da primeira pessoa e pensar que ela nos proporciona um paradigma de certeza. Pois, considerada isoladamente, ela nada nos proporciona. Em segundo lugar, embora a distinção entre ser e parecer não exista para mim no momento em que contemplo minhas próprias sensações, isso só ocorre porque falo uma linguagem pública que determina essa propriedade peculiar do conhecimento da primeira pessoa. O colapso do ser e parecer é um caso "degenerado". Assim sendo, posso saber que, se esse colapso é possível, é porque há outras pessoas no mundo além de mim e porque tenho em comum com elas uma natureza e uma forma de vida. De fato, habito um mundo objetivo em que as coisas são ou podem ser diferentes do que parecem. Desse modo, de maneira surpreendente, o argumento da Dedução Transcendental de Kant acaba fundamentado. A precondição do autoconhecimento (da Unidade Transcendental da Apercepção) é, afinal de contas, o conhecimento dos outros e do mundo objetivo que os contém. Muita coisa mudou na filosofia desde que Wittgenstein produziu seus argumentos, e muita coisa não mudou. Entretanto, de uma coisa se pode ter certeza. A suposição de que existe a certeza da primeira pessoa, que proporciona um ponto de partida para a investigação filosófica e que levou ao racionalismo de Descartes e ao empirismo de Hume, bem como a grande parte da epistemologia e da metafísica modernas, foi finalmente deslocada do centro da filosofia. A ambição de Kant e Hegel de obter uma filosofia que remova o "eu" [self] do limiar do conhecimento; de modo a finalmente transformá-la numa forma enriquecida acabada, talvez tenha sido agora realizada. Scruton (1982): Introdução à Filosofia Moderna, (adaptado)Rio de Janeiro: Zahar, pgs. 268-281 (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 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_________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Avaliação Vestibular Questão 01 No Tractatus Logico-Philosophicus, Wittgenstein trata, dentre outros assuntos, da relação entre o mundo e a linguagem. Assinale a alternativa que reflete essa relação. 01- Posso afirmar o que o mundo é. 02- O mundo é a totalidade das coisas, não dos fatos. 03- Dizer algo do mundo é mostrar algo no mundo. 04- Posso descrever o mundo dentro dos limites da minha linguagem, e esta por sua vez é limitada pelo mundo. 05- Na linguagem, a significação de uma expressão qualquer sobre o mundo deve repousar na verdade. Questão 02 O que Wittgenstein entendia por "linguagem privada", em suas "Investigações Filosóficas"? 01- Uma linguagem que se refere à verdade sobre o mundo conforme a pessoa o entende. 02- Uma linguagem cujas palavras se referem ao que só a pessoa que fala pode conhecer. 03- Uma linguagem absolutamente artificial, criada por um grupo. 04- Uma linguagem compartilhada somente entre duas pessoas que conversam. 05- Uma linguagem incapaz de expressar sensações íntimas. Questão 03 Algumas proposições da linguagem sobre o mundo podem ser sempre verdadeiras, qualquer que seja o estado em que o mundo se encontra. O que isso significa, de acordo com Wittgenstein? 01- Um tipo de expressão lógica, qual seja, a tautologia. 02- Uma verdade a priori, no mesmo sentido dado por Kant à palavra. 03- Uma informação absolutamente verdadeira e inquestionável. 04- Uma lei de pensamento que pode ser experimentada continuamente. 05- Uma proposição lógica possível na linguagem, mas sem correspondência com o mundo. Questão 04 “Com Wittgenstein, a filosofia dá um passo em direção do positivismo lógico pelo qual todas as doutrinas metafísicas, éticas e teológicas são sem sentido, não devido a um defeito do pensamento lógico, mas por não poderem ser verificadas.” Infere-se do fragmento que, para Wittgenstein 01- Deus não existe, assim como não existem, também, a ética e as doutrinas metafísicas. 02- Só faz sentido o proferimento que pode ser verificado. 03- O que não pode ser provado como verdadeiro, não faz sentido. 04- Só é verdade o que é provado cientificamente como verdadeiro. 05- Não é possível para o homem produzir uma sentença que seja sempre verdadeira. Questão 05 Segundo o pensamento de Wittgenstein no Tractatus Logico-Philosophicus, as sentenças atômicas seriam aquelas que: 01- Podem ser resumidas a apenas um nome, como, por exemplo: balde. 02- Utilizam os nomes e os predicados mais simples. 03- Não podem ser verificadas e, portanto, na fazem sentido. 04- Só podem ser compreendidas a partir de uma linguagem privada. 05- Se referem a realidades metafísicas. UNIDADE III A PASSAGEM DO MITO À FILOSOFIA “ Mitologia é o nome que damos às religiões dos outros.” Joseph Campbell O PODEROSO ZEUS fonte: reasonvsapologetics.blogspot.com O mundo sempre apareceu para a espécie humana como algo misterioso, cheio de enigmas que precisam ser decifrados. Ao contrário dos outros animais, o homem se preocupa com sua existência, planeja o futuro, teme as doenças, enfim, o ser humano vive no presente, mas não esquece o passado nem deixa de se preparar para o futuro. Como o mundo não nos parece natural, temos que buscar constantemente, explicações para as situações do dia-a-dia, tais como, doenças, morte, catástrofes naturais, costumes, etc. O modo mais antigo de explicar os mistérios do mundo é o mito. Esta palavra chegou até nós através da língua grega. Em Grego, mythos (μυθός ) significa narrativa, ou seja, história contada. E contada como a gente conta histórias quando a família se reúne, lembrando os “causos” engraçados ou tristes, a origem dos apelidos, o dia em que alguém deixou de comer determinado alimento, ou o dia em que passou a comê-lo, etc. Os mitos, portanto, eram um conjunto de histórias que os antigos contavam aos mais novos. No entanto, a função dos mitos não era apenas contar histórias do dia-a-dia. Os mitos, como vimos, possuíam a função de explicar o mundo com todos os seus mistérios, seus desafios, alegrias e tristezas. CARACTERÍSTICAS DOS MITOS Os mitos possuem características bastante peculiares, entre as quais podemos destacar: a) atemporalidade – não é possível determinar com precisão a época em que os fatos míticos ocorreram. A datação é sempre feita através de expressões tais como: “no princípio do mundo”, “antigamente”, etc. b) indefinição espacial – da mesma forma que não é possível determinar a época , também é impossível determinar com precisão o local onde ocorreu o mito narrado. Sabemos, por exemplo, que Teseu enfrentou o minotauro num labirinto em Creta. No entanto, não há qualquer evidência que nos garanta o local de Creta em que estava o labirinto onde Teseu e Ariadne enfrentaram e destruíram o monstro. Dizemos que não há uma indicação precisa na narrativa, e isso se deve ao fato de que os mitos não pretendiam dar informações históricas, mas, sim, transmitir os valores das culturas onde surgiram. c) lógica própria – a lógica dos mitos difere da lógica filosófica ou científica. Na linguagem mítica, as leis da física não precisam ser obedecidas, mesmo porque os deuses é que determinam o curso dos acontecimentos. Por esse motivo, não há estranhamento em um homem voar com asas de cera e penas caídas de pássaros. Também não é de se estranhar que seja possível voar até perto do sol, como aconteceu com Ícaro, o filho de Dédalo. No mito de Adônis, por exemplo, sua mãe, Mirra, é transformada em árvore e ele nasce de um corte que o pai de Mirra fez no caule da árvore, tentando matar a filha. Na linguagem mítica, tudo pode, menos o que é proibido pelos deuses, sob pena de castigos. d) presença de seres fantásticos – os seres fantásticos (deuses, cavalos alados, sereias, centauros, faunos, etc.) fazem parte no universo mítico que, como já foi dito, não obedece à lógica filosófica ou cientifica. FUNÇÕES DO MITO O mito, como dissemos, não é um simples caso a ser contado em família. É um modo de explicar o mundo. Por isso, podemos dizer que o mito apresenta as seguintes funções: a) Explicar o mundo – Pelo mito as pessoas ficam sabendo por que existem os raios (Zeus manda os raios quando está com raiva), como o homem aprendeu a usar o fogo (Prometeu roubou o fogo dos deuses e o deu aos homens), porque existe o sofrimento no mundo (Pandora abriu a caixa dada a ela pelos deuses, sem saber que na caixa estavam guardados todos os males da humanidade), etc. b) Tranquilizar – Como vimos no início do texto, o ser humano precisa dar explicação para as coisas que o rodeiam. Com as explicações dadas pelos mitos, as pessoas sentem-se mais seguras, pois o mistério é, de certa forma, revelado. c) Ordenar a conduta na sociedade – Uma função muito importante do mito é estabelecer normas de comportamento, através de conselhos e proibições. Um exemplo clássico é o mito de Édipo, castigado por ter matado o pai e tomado a mãe por esposa, embora nenhum dos dois delitos tenha sido praticado conscientemente. Dessa forma, pela decisão do herói de furar os próprios olhos, fica caracterizada a gravidade de sua ação. O PENSAMENTO FILOSÓFICO Qual é a primeira coisa que deve fazer quem começa a filosofar? Rejeitar a presunção de saber. De fato, não é possível começar a aprender aquilo que se presume saber. Autor: Epicteto. O pensamento filosófico deve ser compreendido, não como um modo privilegiado de acesso à realidade, mas como um modo – entre outros – de dizer o mundo. Explico. Imaginemos que João, de mentalidade religiosa, diz a Pedro, de mentalidade científica, que algo aconteceu porque Deus quis. Ora, Pedro tende a pensar que João não tem condições de acessar a realidade tal qual ela é. No entanto, essa é uma opinião, que surge do fato de Pedro crer em “verdades” distintas daquelas que orientam João. Se perguntarmos a João qual sua opinião a respeito das crenças científicas de Pedro, certamente João dirá, também, que Pedro não conhece a verdade. No entanto, embora considerando válidos quaisquer modos de interpretação do real, não podemos deixar de considerar que o atual modo de acesso à realidade é predominantemente racional e, nesse sentido, deriva da experiência iniciada no século VI a.C. , na Grécia. Quando afirmamos que a filosofia nasceu na Grécia, é preciso explicar o que se entende por Grécia naquele período. À época do surgimento da Filosofia, as colônias gregas se espalhavam por toda a costa norte do mar Mediterrâneo, indo da atual Península Itálica (Eléia) até a atual ilha de Chipre. A Grécia dos filósofos Entre os fatores que contribuíram para o surgimento da filosofia podemos destacar o desenvolvimento do comércio marítimo, o surgimento da moeda, a democratização da escrita, a prática da democracia, a lei escrita, o escravismo e as viagens. O comércio – a prática do comércio foi importante porque favoreceu a troca de informações e o intercâmbio cultural. No confronto com os povos de outras religiões, os gregos puderam perceber que suas explicações a respeito da realidade não eram as únicas possíveis. O comércio também incentivou as viagens marítimas para regiões cada vez mais distantes, levando os gregos à descoberta de que os monstros marinhos e locais misteriosos de seus mitos, na verdade, não existiam. A moeda – a abstração provocada pela moeda fazia que o grego se afastasse do valor real dos objetos (como ocorria na prática dos escambos) e passasse a optar pelo valor atribuído e garantido pela mediação da cidade-Estado. A escrita – os gregos tinham uma relação com as escrita diferente da relação estabelecida na maioria dos povos da Antiguidade. Enquanto para egípcios, judeus, persas, etc., a escrita tinha valor sagrado e era posse apenas dos sacerdotes e altos funcionários do Estado, para os gregos, cedo se tornou objeto de apreciação estética sem vinculações com os dogmas e mistérios sacerdotais. É fato que a maioria da população era analfabeta, como entre os demais povos. Mas nas cidades gregas a escrita estava acessível a todos os homens que faziam parte das classes mais abastadas. O exercício da escrita criou as condições para o rigor no registro das ideias, garantindo a acessibilidade do que antes havia sido afirmado, para posterior discussão. A democracia – o exercício da democracia favoreceu o desenvolvimento do discurso racional, a arte da retórica e a disposição para o diálogo das ideias, condições necessárias para o exercício da filosofia. A lei escrita – Dracon, no século VII a.C., inaugura uma nova maneira de o cidadão se relacionar com a lei, já que o modelo anterior estava vinculado à vontade soberana e arbitrária do governante. Com a lei escrita surge o direito e a possibilidade de discutir o que fosse legítimo ou não. O escravismo – como sabemos, uma parte importante do contingente populacional grego estava constituída por escravos. Esses homens e mulheres se encarregavam de todos os trabalhos braçais, permitindo aos seus senhores o tempo livre para o ócio. Esses fatores provocaram o surgimento de um modo novo de questionar o mundo. Na verdade, é preciso deixar claro que não houve uma substituição do pensamento mítico pelo pensamento racional. O que aconteceu foi o aparecimento de um novo modo de inquirir o mundo. “Não há nascimento para nenhuma das coisas mortais; não há fim pela morte funesta; há somente mistura e dissociação dos componentes da mistura. Nascimento é apenas um nome dado a esse fato pelos homens”. (Empédocles) O primeiro filósofo de que se tem notícia foi Thales de Mileto. A originalidade de Thales reside no questionamento que o pensador faz a respeito da realidade. Ele intuiu, ao que tudo indica, que a realidade, aparentemente tão cheia de multiplicidades, tão rica em diferenças, estava, em sua estrutura fundamental, formada por um único e mesmo elemento. Esse elemento primordial, esse princípio último (que em grego recebe o nome de arché) seria a água, para Thales. Talvez sua conclusão tenha se originado de suas observações sobre os ciclos da água ou a respeito dos seus diversos estados (sólido, líquido e gasoso). É certo que a resposta parece um tanto ingênua, já que nenhum de nós admitiria, hoje, que tudo o que existe é constituído basicamente de água. No entanto, a marca de sua genialidade fica demonstrada na originalidade da pergunta, na intuição de que toda a diversidade da natureza pode ser reduzida a um único elemento. Como foi tido antes, o difícil é fazer a pergunta. Depois da pergunta de Thales, muitas foram as respostas que surgiram como tentativas de explicar qual a arché do mundo. Nisso também reside um aspecto importante desse novo modo de pensar: a ausência de posturas dogmáticas. O pensamento filosófico já nasce imerso em discussões. Nesse sentido, é emblemática a discordância de Anaximandro, discípulo de Thales, quanto à arché proposta pelo mestre. Anaximandro era de opinião que o elemento primordial devia ser algo anterior a qualquer outro elemento já existente na natureza (physis). Por esse motivo, propôs que a arché fosse o apeiron, termo que significaria algo como “o indefinido”. O problema de tal afirmação era que devolvia a questão para o campo do mistério, exatamente o que os primeiros filósofos não queriam. Chamados filósofos da natureza, era na natureza, e não fora dela que eles buscavam suas respostas. A discussão sobre qual seria a arché do mundo encontrou muitas contribuições. Um colega de Anaximandro, também discípulo de Thales, afirmou que a arché seria o ar, uma espécie de solução intermediária entre a e abstração do apeiron e a densidade da água. No entanto, entre as contribuições mais famosas destacou-se a proposta de Empédocles de Agrigento, para quem a arché do mundo não era um, mas quatro elementos: água, fogo, terra e ar. Os elementos se combinariam em proporções diversas, a depender do corpo ou objeto que estava sendo formado. Assim, uma ave teria mais ar em sua composição que uma pedra; um peixe teria mais água que um cavalo, etc. A idéia, por mais estranha que pareça, fez tanto sucesso que durou até o século XVII, quando Dalton propôs o primeiro modelo atômico. A propósito, a palavra átomo, utilizada por Dalton, foi uma homenagem à proposta feita por Leucipo e divulgada por seu discípulo Demócrito. Ambos propunham que a arché era um conjunto de partículas infinitamente pequenas, invisíveis e indivisíveis (a-tomós) que quando se combinavam nas mais diversas variações, davam origem aos mais diversos elementos que compunham o conjunto do que existe. Esse é um outro aspecto da filosofia, ou melhor, do conhecimento, que devemos considerar: a uma ideia não é suficiente que seja boa para que as pessoas a considerem válida. É preciso que a comunidade a referende, isto é, é preciso que pelo menos um pequeno número significativo de pares acolham a ideia e a compreendam minimamente. No caso de Leucipo e Demócrito, isso só se deu muitos séculos depois, o que prova que a melhor explicação de mudo varia de acordo com a época e o local em que é formulada. Heráclito e Parmênides Heráclito e Parmênides se destacaram na história da filosofia por uma disputa que está presente até os nossos dias. Enquanto Heráclito afirmava o estado de constante devir da natureza, Parmênides afirmava exatamente o contrário. Para Heráclito, tudo o que existe é movimento. Desse modo, tudo o que existe é vir-a-ser. O que é agora, agora já não é. Tudo muda, sempre. Usava como metáfora o rio em seu constante fluir. Por isso dizia que nenhum homem toma banho duas vezes no mesmo rio. Para Heráclito, portanto, o ser é e não é, o que significa que “o pólemos é a mãe de todas as coisas”, ou seja, tudo o que existe, existe por oposição de pares. Desse modo, dia-noite, saúde-doença, macho-fêmea, são apenas alguns dos exemplos que mostram como tudo na natureza se compõe de pares de opostos. Ao contrário de Heráclito, Parmênides afirma que o ser não pode ser múltiplo e que é loucura afirmar que o ser é e não é. Para Parmênides, o se é e o não ser não é, ou seja, é impossível afirmar que não há o ser. O ser, para Parmênides, é único, perfeito, imóvel, indivisível, eterno, esférico. Observando os dois pensamentos, é possível verificar que ambos estão fazendo leituras possíveis a respeito do mundo. Se por um lado é possível compreender que as coisas mudam, envelhecem, se desgastam, crescem e se reproduzem (quando se trata de seres vivos), por outro lado, é óbvio que as coisas continuam sendo o que são. Decorre dessa percepção um princípio de Parmênides que afirma a essência das coisas: tudo o que é, é o que é e não outra coisa. Os primeiros filósofos receberam o título de pré-socráticos, não por terem nascido e publicado suas idéias antes de Sócrates, mas sim por terem como centro de suas preocupações a natureza e a constituição do mundo, enquanto Sócrates inaugura, por assim dizer, a preocupação central com o ser humano, com as questões ligadas à ética e ao conhecimento. De fato, alguns dos pré-socráticos foram contemporâneos de Sócrates. Sócrates é um divisor de águas na história da filosofia antiga. Até o seu aparecimento, a preocupação central da filosofia é com a physis. A partir de Sócrates, a discussão filosófica passa a considerar o homem como elemento principal da reflexão, dando origem, assim, a discussões e respeito da política, ética, estética, etc. Sócrates nasce no século de Péricles, o século V a.C. A cidade de Atenas é, nessa época, um centro de produção intelectual. A preocupação com o homem, a propósito, não era uma característica apenas de Sócrates. Os sofistas também tinham a mesma preocupação embora, ao contrário de Sócrates, cobrassem para transmitir seus ensinamentos e não acreditassem, na possibilidade de verdades indiscutíveis. Nesse sentido, enquanto Sócrates acreditava que valores como a verdade, a justiça, a beleza, o bem fossem valores absolutos e existissem em si, para os sofistas tais valores eram relativos e variavam de significado de acordo com a cultura, a época, a condição social. O pensamento de Sócrates estava constantemente voltado para problemas éticos. Para tal, desenvolveu um método de argumentação que ficou conhecido como maiêutica. Basicamente, a maiêutica era constituída de dois momentos. No primeiro momento, Sócrates, com perguntas aparentemente inocentes, colocava o interlocutor diante da fragilidade do próprio pensamento. Uma vez que a pessoa em questão estava com suas falsas certezas abaladas, iniciava-se o segundo momento, o momento propriamente da maiêutica, ou seja, o momento do parto das ideias, quando o indivíduo começava a produzir novos conceitos em substituição àqueles já conhecidos e já identificados como falsas ideias. Não obstante ter sido Sócrates um divisor de águas na história da filosofia, tudo o que sabemos dele é por via indireta, já que o pensador ateniense nada deixou de escrito. Platão é o grande responsável pelo conhecimento que temos a respeito de Sócrates. Outro discípulo, Xenofonte, também escreveu a seu respeito. O problema, nos dois casos, é que nem sempre é possível saber se o que está sendo apresentado como ideia de Sócrates o é, de fato. No entanto, grosso modo, é possível afirmar pelo consenso dos estudiosos, que a proposta de Sócrates era, sobretudo, ética e que ele acreditava que o bem era fruto do conhecimento, assim com o mal era fruto do desconhecimento. Seu empenho em ensinar a verdade acabou colocando-o em maus lençóis. Os atenienses começaram a se sentir ameaçados pela inteligência e pela retidão de princípios de Sócrates e acabaram inventando uma acusação de corrupção da juventude acompanhada de falta de respeito aos deuses e à cidade. O resultado foi sua condenação à morte por ingestão de cicuta, um veneno poderoso que matava paralisando o corpo a partir de suas extremidades. Sócrates aceitou a condenação e se recusou a fugir embora tenha tido oportunidade. Nos momentos que antecederam sua morte, após tomar o veneno, discutiu com os discípulos a respeito da morte. Suas últimas palavras, segundo nos relata Platão, foi um pedido a um discípulo para que este levasse um galo a Asclépio, o deus das curas, como um agradecimento por ele, Sócrates, estar sendo curado, com sua morte, da doença da vida. A preocupação com o comportamento humano, a ética e os costumes também foi partilhada pelos sofistas. Esses homens tinham um papel fundamental na política ateniense: ensinavam a arte da Retórica, a Matemática, o Grego, enfim, preparavam os jovens para a vida pública e para as responsabilidades futuras. No entanto, Sócrates não aceitava que os sofistas cobrassem para ensinar (para Sócrates, o exercício da filosofia, o despertar para saber, era obrigação de todos que conhecessem um pouco mais). A pouco simpática atitude de Sócrates em relação aos sofistas contaminou a opinião de seus discípulos, gerando, ao longo da história, muitas críticas injustas àqueles que foram, de certa forma, os precursores dos professores atuais. Embora não formassem uma escola de pensamento único, os sofistas tinham algumas características em comum. Uma delas era a atitude de relativismo frente às possibilidades de o homem conhecer a verdade. Nesse sentido, podemos afirmar que o ceticismo já aparece no século V a.C. Outra grande contribuição dos sofistas para o ocidente foi o estabelecimento de um currículo para acompanhar a aprendizagem dos jovens. Os sofistas, ao contrário de Sócrates, apresentavam seus ensinamentos de forma metódica, sistemática, com principio, meio e fim, como os nossos cursos contemporâneos. Entre os sofistas mais famosos encontram-se Hípias, Protágoras e Górgias. De Hípias, podemos dizer que é um dos fundadores da etnologia, devido à imensa contribuição que suas investigações legaram para o tema das relações entre o nomós e a physis. Para Hípias, a lei deturpava a natureza, e a prova disso era a variação que se encontrava nos modos de legislar das diferentes nações. Já a natureza, mantinha-se sempre a mesma: um homem é sempre um homem, o que muda são os modos de compreendê-lo e de este compreender o mundo e a sociedade em que vive. Protágoras se notabilizou pela importância dada ao homem na discussão a respeito do mundo. Sua famosa frase “O homem é a medida de todas as coisas” chama a atenção para a importância de considerar o homem como medida do mundo. Tal pensamento precisa ser entendido. Ao dizer que o homem é a medida, Protágoras está, ao mesmo tempo, dizendo que não há uma medida única, já que cada homem vê o mundo a partir de uma perspectiva muito particular. Por outro lado, também significa que, quando o assunto é o homem (aqui significando todos os homens e mulheres) a objetividade do mundo se perde. Citando um exemplo: dividimos os animais em nocivos e úteis. A divisão, na verdade, é: nocivos e úteis para os homens. As baratas não são, em si, nocivas; do mesmo modo, as vacas não são, em si, úteis. Para Górgias, o problema do conhecimento era o mais crucial a ser resolvido. É de Górgias a famosíssima frase que afirma: “nada existe; se existisse, não poderíamos conhecer; se conhecêssemos, não poderíamos comunicar”. Nesse pensamento, está contida toda a doutrina do ceticismo que será desenvolvida por séculos afora. 01 – Apresente elementos da narrativa contemporânea que remetem aos elementos dos discursos míticos. 01 – O atual modelo atômico apresenta elementos já presentes nas buscas pela arché dos primeiros filósofos. Discuta o assunto. 03 – Entre as propostas de arché apresentadas pelos pré-socráticos, qual lhe parece mais coerente? Por quê? 04 – A ciência contemporânea tem voltado a Heráclito para rediscutir o estatuto da realidade, após séculos de vigência do modelo parmenidiano. O princípio da incerteza, de Heisenberg, é um exemplo entre muitos, dessa revolução que está se dando nos paradigmas da moderna abordagem de mundo. Discuta a questão, relacionando seus conhecimentos de História, Matemática, Geografia, Química, Física, Biologia, Artes e Linguagens. 05 – Considerando as condições sócio-históricas que favoreceram o desenvolvimento da filosofia, discuta a afirmação de Jean-Pierre Vernant: “Advento da Polis, nascimento da filosofia: entre as duas ordens de fenômenos os vínculos são demasiado estreitos para que o pensamento racional não apareça, em suas origens, solidário das estruturas sociais e mentais próprias da cidade grega.” 06 – Descreva as etapas constituintes da maiêutica socrática. 07 – explique a principal divergência existente entre os sofistas e Sócrates. 08 – A moralidade contemporânea é de caráter majoritariamente sofista ou socrática? Argumente, a partir da contribuição das duas escolas para a discussão. 09 – Comente a máxima de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas”. 10 – A partir do raciocínio de Górgias, critique seu raciocínio e explique de que forma tal pensamento contribuiu para a ciência. 1) (UFU-1ª Fase Janeiro de 1999)Parmênides de Eléia, filósofo pré-socrático, sustentava que I- o ser é. II- o não-ser não é. III- o ser e o não-ser existem ao mesmo tempo. IV- o ser é pensável e o não-ser é impensável. Assinale 01- se apenas I, III e IV estiverem corretas. 02- se apenas I, II e III estiverem corretas. 03- se apenas II, III e IV estiverem corretas. 04- se apenas I, II e IV estiverem corretas. 05- se todas as afirmativas estiverem corretas. 2) (UFU- 1ª Fase Janeiro de 1999)Heráclito de Éfeso, filósofo pré-socrático, compreendia que I- o ser é vir-a-ser. II- o vir-a-ser é a luta entre os contrários. III- a luta entre os contrários é o princípio de todas as coisas. IV- da luta entre os contrários origina-se o não-ser. Assinale 01- se apenas I, II e III estiverem corretas. 02- se apenas I, III e IV estiverem corretas. 03- se apenas II, III e IV estiverem corretas. 04- se apenas I, II e IV estiverem corretas. 05- se todas as afirmativas estiverem corretas. 3) (UFU_Setembro de 2002) “Só resta o mito de uma via, a do ser; e sobre esta existem indícios de que sendo não gerado é também imperecível, pois é todo inteiro, inabalável e sem fim; nem jamais era nem será, pois é agora todo junto, uno, contínuo (…)” Sobre a Natureza, 8, 2-5 A partir deste trecho do poema de Parmênides, é possível afirmar que 01- a continuidade, a geração e o imobilismo estão presentes na via do ser. 02- o ser, por não poder não ser, não é gerado nem deixa de ser, não tendo princípio nem fim. 03- a via do ser é aquela percebida pelos nossos sentidos. 04- o ser, para o autor, de certo modo não é, pois nunca foi no passado nem será no futuro. 05- Ser e não ser significam a mesma coisa, não havendo possibilidade de os distinguir. 4) (UFU-Julho de 2003 1ª Fase ) “Só é possível pensar e dizer que o ente é, pois o ser é, mas o nada não é; sobre isso, eu te peço, reflita, pois esta via de inquérito é a primeira de que te afasto; depois afasta-te daquela outra, aquela em que erram os mortais desprovidos de saber e com dupla cabeça, pois, no peito, a hesitação dirige um pensamento errante: eles se deixam levar surdos e cegos, perplexos, multidão inepta, para quem ser e não ser é considerado o mesmo e não o mesmo, para quem todo o caminho volta sobre si mesmo”. Parmênides, Sobre a Natureza, 6, 1-9. Sobre este trecho do poema de Parmênides, é correto afirmar que I - só se pode pensar e dizer que o ser é. II - para os mortais, o ser é considerado diferente do não ser. III - é possível dizer o não ser, embora não se possa pensá-lo. IV - duas vias devem ser evitadas: a da afirmação do não ser e a da igualdade entre o ser e o não ser. Assinale a alternativa que contém todas as afirmações corretas. 01- II e III 02- II e IV 03- I e III 04- I e IV 05- I e II (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 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Filho de família abastada, ligado à política de Atenas, conhecia os vícios e virtudes da democracia. Após a morte do seu mestre, viajou por várias regiões da Europa, tendo fundado, quando de seu retorno, a Academia, primeira grande escola filosófica e centro de estudos de que se tem notícia no Ocidente. Escreveu sobre diversos temas ligados à condição humana, abordando aspectos como a política, a educação, o amor e a alma. Fez algumas tentativas não bem sucedidas de implantar um sistema de governo baseado na divisão de três classes (naturezas) e na distribuição socialista dos bens produzidos. O amor platônico Todo mundo fala de amor platônico. No entanto, poucas pessoas sabem que a expressão deriva do próprio Platão e de um livro em que ele fala dos diversos tipos de amor. O livro ficou conhecido entre nós como O banquete. Em grego, banquete é simpósio, o que explica porque as pessoas comem tanto nos simpósios, congressos e reuniões correlatas. Pois bem, no Banquete, Platão faz uma descrição dos diversos tipos de amor, indo do amor mais básico (aquele que se destina apenas à procriação) até o amor mais sublime, o amor por toda a humanidade, o amor das coisas perfeitas, das qualidades essenciais. Com o tempo, a expressão “amor platônico” começou a designar amores impossíveis, graças à perfeição que o amante atribui à pessoa amada, colocando-a num lugar muito semelhante ao mundo das ideias, sobre o qual discorreremos em seguida. A teoria dos dois mundos O pensamento de Platão está marcado na história da filosofia, sobretudo, por sua tentativa de sintetizar as ideias de Heráclito e Parmênides. Como sabemos, havia uma tensão no modo de conceber o mundo para os dois filósofos. Enquanto Parmênides afirmava a unidade e a imobilidade do ser, Heráclito afirmava a multiplicidade e a mobilidade do ser. Platão, examinando as duas propostas, percebe que não são excludentes e que, ao contrário do que pudesse parecer, são complementares. Desse modo, Platão tenta, através da síntese dos pensamentos dos dois pré-socráticos, resolver um problema de ordem epistemológica, ou seja, um problema relacionado ao modo como aprendemos. A questão colocada por Platão se refere ao modo como aprendemos, ou melhor, ao modo como sabemos que uma coisa diferente de outra que já conhecíamos, pode pertencer ao mesmo grupo. Um exemplo: conhecemos um cachorrinho, o primeiro cachorro que conhecemos. Dias depois conhecemos um outro cachorro, de outra raça, outra cor, outro tamanho, e entendemos que é, também, um cachorro. Platão se pergunta: como sabemos que também é um cachorro? Porque não achamos que é outro animal? A questão tem relação com nossa habilidade para formar conceitos. Sabemos o que é uma mesa, independentemente de sua aparência, de seu modelo. Platão se pergunta como formamos esse conceito mais geral ao qual se referem todas as mesas e todos os cachorros que conhecemos? A resposta para tais questões, Platão as encontra na síntese dos pré-socráticos Parmênides e Heráclito. A partir dessa síntese, Platão funda uma cosmologia própria, baseada na divisão do mundo em dois planos: o mundo das ideias e o mundo dos fenômenos. Segundo Platão, todos nós, antes de nascermos, teríamos vivido no mundo das ideias. O mundo das ideias seria habitado pelas formas puras de tudo o que existe no mundo dos fenômenos. Enquanto habitávamos lá, pudemos contemplar todas as ideias. Porém, ao nascermos, nos esquecemos do que tínhamos conhecido. Para dizer isso, Platão recorre a metáforas. Uma delas está no livro X da República. As pessoas que estavam prestes a reencarnar eram convidadas e beber água do rio do esquecimento o rio Λήθη (Letes). O resultado dessa passagem é que as pessoas nasciam com mais ou menos conhecimento a depender da quantidade de água que tivessem tomado antes que atravessar do mundo das ideias para o mundo dos fenômenos. Essa metáfora de Platão é uma forma de dizer que possuímos ideias inatas (que são anteriores às nossas experiências). Desse modo, Platão diz que, ao conhecermos qualquer coisa pela primeira vez, nossa memória nos faz retornar ao mundo das ideias e nos faz recordar a forma perfeita da qual aquela coisa que acabamos de conhecer não passa de simples cópia. Então, diz Platão, o que conhecemos, realmente, é a ideia dos objetos. Quando encontramos qualquer objeto no mundo dos fenômenos, o que fazemos é recordar seu modelo original, que já tínhamos conhecido no mundo das ideias. O mundo das ideias, portanto, é o mundo perfeito, imutável, único, real e abstrato onde estão as realidades originais. Por outro lado, o mundo dos fenômenos é o mundo imperfeito, mutável, múltiplo, irreal e concreto, onde estão as cópias das ideias originais. Note que há uma contradição na teoria de Platão, se considerarmos nosso modo atual de conceber a realidade. Para Platão, o concreto é falso. E o abstrato é real. Por que é assim? Para Platão, o que dá verdade a uma coisa é o fato de ela não sofrer alterações ou desgastes sob a ação do tempo. Ora, todos os objetos do mundo sensível sofrem alterações sob a ação do tempo. Logo, não são reais. Por outro lado, as ideias das coisas não sofrem alterações, não se desgastam sob a ação do tempo. Logo, são reais. É preciso estar atento às expressões de Platão. Quando ele se refere ao mundo dos fenômenos, ou mundo sensível, está pensando em tudo o que pode ser percebido pelos sentidos. Não tem nada a ver com sensibilidade no sentido poético da palavra. Quando se refere ao mundo inteligível, ou mundo das ideias, está pensando na forma das coisas, isto é, no que me permite, por exemplo, saber o que é uma casa sem precisar estar diante de uma. Se alguém me diz que vai pegar o automóvel para ir para casa, não preciso ver o automóvel, ou a casa para entender o que a pessoa está falando. Eu sei o que é uma casa e sei o que é um automóvel. A ideia é algo que antecede a imaginação. Disse acima que ideia é forma. É preciso tomar cuidado com a palavra forma. Temos a tentação de confundir forma com modelo. Se possuo uma mesa de determinado modelo, em linguagem platônica ela tem a mesma forma de qualquer mesa. Não posso dizer que minha mesa tem forma diferente de outra mesa só porque o modelo é diferente. Em linguagem platônica, todas as mesas têm a mesma forma: forma de mesa. Ou melhor, todas as mesas correspondem à mesma forma: a forma mesa que está no mundo inteligível, ou mundo das ideias. Outro aspecto que é importante ressaltar é o fato de o mundo das ideias não se confundir com as ideias que temos na cabeça, como se costuma dizer. O mundo das ideias é um lugar, uma espécie de dimensão distinta da nossa à qual só é possível ter acesso com a morte ou através da filosofia. Para Platão, nós, os seres humanos, vivemos no mundo das ilusões dos sentidos. Esse mundo é um mundo de ignorância e só podemos falar dele a partir de opiniões (doxa). Com o exercício da filosofia, porém, podemos ascender da doxa (opinião) para a episteme (conhecimento). Sairíamos, assim, das trevas da ignorância para a luz do conhecimento. Ao atingirmos o mundo das ideias, contemplaríamos todas as ideias perfeitas iluminadas pela mais perfeita das ideias: a ideia do Bem. A alegoria da caverna Platão gostava muito de alegorias para expressar seus pensamentos. Entre suas alegorias mais conhecidas destaca-se a alegoria da caverna, também conhecida como mito da caverna. Encontra-se na obra A República (Politéia) e conta a história de homens que teriam vivido aprisionados desde a infância numa caverna, sem qualquer contato com o mundo exterior, e presos de tal forma que a única coisa que conseguiam ver era uma parede, ao fundo da caverna, onde se projetavam as sombras do que passava lá fora, na entrada da caverna. Esses homens achavam que as sombras eram a pura expressão da verdade e sequer desconfiavam que houvesse um mundo iluminado pelo sol, cheio de luz, formas e cores. Um dia, um passante entrou na caverna e, penalizado com o estado de ignorância em que aqueles homens se encontravam, resolveu libertar um deles. Com dificuldade, consegue levar o prisioneiro escolhido, apesar das reclamações do pobre homem que se sente incomodado com o esforço de subir até à saída da caverna e com o incômodo que a luz provocava à medida que se aproximava da superfície. Uma vez do lado de fora, o homem começa a reclamar achando que ficou cego. No entanto, à medida que seus olhos foram se acostumando com a luz, notou as formas, a luz a beleza de tudo e descobriu que havia, afinal, um mundo muito mais interessante do que ele jamais imaginara. Tempos depois, esse homem se recorda de seus antigos companheiros de caverna e resolve voltar lá para ajudá-los a conhecer o mundo real. Ao voltar à caverna, porém, fica momentaneamente cego por não estar mais habituado com a escuridão. Então, à medida que convida e quase força seus antigos amigos a sair das trevas da ignorância, tropeça, cego, em seus próprios companheiros. Esses, percebendo a “cegueira” do homem que, tempos antes, conseguira sair da caverna, entendem que ele não só perdeu a visão como também perdeu a lucidez e começam a achar que tudo o que ele diz a respeito do mundo “lá fora” é fruto de sua loucura. Por isso intentam matá-lo. Interpretações da alegoria da caverna Com essa alegoria, Platão apresenta sua teoria dos dois mundos (a caverna seria o mundo dos fenômenos, sensível, e o lado de fora seria o mundo das ideias, inteligível); explica o processo de saída da ignorância (doxa) em direção ao conhecimento (episteme); o homem que desce para libertar o prisioneiro seria o filósofo que ajuda as pessoas – vencendo suas resistências – a encontrar a verdade. Platão mostra, também, de que forma os atenienses, por estarem apegados a falsas ideias, mataram Sócrates (o homem que desce depois para libertar os companheiros seria uma representação de seu mestre, Sócrates, que, tentando levar a luz do conhecimento aos atenienses, acabou sendo morto por eles). A alma Para Platão, a alma era uma questão fundamental a ser tratada pela filosofia, já que ele, como discípulo de Sócrates, havia estabelecido o estudo filosófico como estudo predominantemente antropológico, isto é, voltado à compreensão do fenômeno humano. E o homem, para Platão, era constituído de corpo e alma. Refletindo a respeito, o filósofo chegou à conclusão de que as almas dos homens habitavam o mundo das ideias e lá adquiriam o conhecimento de todas as ideias perfeitas. Em períodos que variavam de um mil a dez mil anos, a alma se reencarnaria, assumindo um corpo humano. O processo de encarnação, para Platão, era um processo penoso, já que o corpo era considerado pelo pensador como o “cárcere da alma”. Segundo ele, a alma, ao sair do mundo das ideias, deveria, antes, passar por um longo deserto, atravessando, em seguida, um largo rio. Esse rio seria o rio Letes, ou rio do esquecimento, como vimos no início do texto. Ocorre que a alma, ao encarnar no corpo, assumiria três formas distintas, localizando-se em três regiões distintas do corpo: a cabeça (onde estaria a alma racional, responsável pela ponderação e pelas decisões), o tórax (onde estaria a alma emocional ou irascível, responsável pelos sentimentos de coragem, indignação diante das injustiças, disposição para ajudar as pessoas, etc.) e a região do abdome (onde estaria a alma sensual ou concupiscente, responsável pelos instintos de preservação, o apetite, o desejo sexual, o medo, o desejo de posse, etc). Segundo Platão, como veremos adiante, a natureza do indivíduo estava diretamente ligada à prevalência de uma das características da alma dispersa pelo corpo. Segundo o filósofo, o homem equilibrado seria aquele que, como um cocheiro (alma racional), consegue harmonizar o cavalo domado (alma emocional) com o cavalo selvagem (alma sensual), guando a carruagem (o homem) sempre ao local certo (a virtude). A cidade de Platão No mesmo livro em que Platão escreveu a alegoria da caverna, é também apresentado o modelo de cidade que Platão considera ideal. Para o filósofo, a sociedade ideal, que ele chama de Calípolis (cidade bela), seria constituída por três classes distintas: os homens e mulheres de ouro, prata e bronze. As pessoas de ouro (nas quais prevaleceria a alma racional) seriam responsáveis pelo governo da cidade - seriam os filósofos e filósofas; as pessoas de prata (nas quais prevaleceria a alma emocional) seriam responsáveis pela guarda da cidade - seriam os guerreiros; as pessoas de bronze (nas quais prevaleceria a alma sensual) seriam responsáveis pelos demais serviços e pela produção, portanto, de todos os bens e serviços da cidade. A distribuição dos bens seria de modelo comunista, ou seja, toda a riqueza produzida iria para o governo central dos filósofos, sendo, então, por eles distribuída segundo as necessidades de cada membro da cidade. A determinação da natureza dos cidadãos ficaria a cargo dos pedagogos que se encarregariam da educação e observação do comportamento e aptidão das crianças. Essas não seriam criadas por suas mães ou seus pais, mas sim pelo Estado. Dessa forma, pensava Platão, não haveria nenhuma criança prejudicada ou privilegiada por ter nascido de tal ou qual família. O pensamento político de Platão costuma ser apresentado como uma sofocracia, ou seja, um governo dos filósofos. Não deixa de ser uma ditadura e não deixa de ser uma sociedade de classes baseada na divisão de natureza (ouro, prata, bronze). No entanto, não deixa, também, de ser uma primeira tentativa de corrigir os desmandos dos políticos que, tendo atingido o poder, se esquecem do motivo primeiro pelo qual existem nas sociedades. Na sociedade de Platão, os políticos seriam os filósofos que, tendo chegado a determinada idade, faziam um juramento de renúncia a qualquer pertence pessoal e a qualquer relacionamento afetivo. Dessa maneira, Platão pretendia que os governantes fossem pessoas destituídas de paixões e de ambições, ficando assim, pensava ele, imunes à corrupção. Todas as características da cidade de Platão estão descritas no livro III da República. E o livro IV inicia com considerações muito interessantes. Vale a pena dar uma olhadinha: Tomando a palavra, Adimanto perguntou: - que dirás então em tua defesa, ó Sócrates, se alguém afirmar que não tornarás estes homens nada felizes, precisamente por culpa deles, uma vez que a cidade lhes pertence de fato, mas sem que eles usufruam qualquer bem da sua parte como os outros, que possuem campos e constroem casas bonitas e grandes, para as quais adquirem mobiliário à altura, que fazem os seus sacrifícios aos deuses, recebem hóspedes e que têm, em especial, aquilo que há momentos referias, o ouro e a prata e quanto se julgue que constitui a felicidade? Pura e simplesmente, dir-seá que parecem uma espécie de guardiões assalariados instalados na cidade, sem fazerem mais nada senão estar de vigia. – Sim – confirmei eu – , e ainda por cima ganham o seu sustento, mas não recebem salário nenhum além da alimentação , como os restantes, de tal modo que não lhes será lícito viajar por conta própria , se quiserem, nem dar dinheiro a cortesãs, nem efetuar, em qualquer outro lado que lhes apeteça, aquelas despesas que fazem os homens que são considerados felizes. Estas e outras queixas em grande número, deixaste-as ficar de fora da tua acusação. – Mas acrescentem-se essas acusações também! – Perguntas então que diremos em nossa defesa? – Pergunto. – Seguindo pelas mesmas veredas, encontraremos, julgo eu, a resposta a dar. Diremos que não seria nada para admirar, se estes homens fossem muito felizes deste modo, nem de resto tínhamos fundado a cidade com o fito de que esta raça, apenas, fosse especialmente feliz, mas que o fosse, tanto quanto possível, a cidade inteira. Supúnhamos, na verdade, que seria numa cidade desta espécie que se encontraria mais a justiça, e na mais mal organizada que, inversamente, se acharia a injustiça; observandoas, determinaríamos o que há muito estamos a procurar. Ora, presentemente estamos a modelar, segundo cremos, a cidade feliz, não tomando à parte um pequeno número, para os elevar a esse estado, mas a cidade inteira. (Platão, A República, tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa, Fundação Kalouste Gulbenkian, 7ª edição) TEXTO DE EXTRAPOLAÇÃO PENSANDO NOVOS MODELOS DE SOCIEDADES Ao longo da história da humanidade, várias obras tentaram propor um modelo alternativo de sociedade. Algumas vezes, o teor da obra é pessimista, servindo mais como um aviso em relação ao futuro que a sociedade contemporânea está construindo. Outras vezes, a utopia é uma proposta para uma sociedade melhor. Seguem dicas de alguns livros escritos a respeito, com um breve comentário sobre seu conteúdo. LIVRO: A República (Politéia) AUTOR: Platão COMENTÁRIO: Trata-se da obra em que Platão apresenta seu projeto de uma cidade dividida em três classes, cujos habitantes trabalham segundo suas aptidões, sem distinção de remuneração em relação à função. No projeto Platônico, os governantes (filósofos) seriam os que teriam menos regalias, embora fossem os responsáveis pela distribuição (de modelo socialista) dos bens e serviços. LIVRO: Utopia AUTOR: Thomas More COMENTÁRIO: Escrito no século XVI, é o livro que vai dar nome a esse tipo de literatura que propõe uma sociedade futura, de caráter, em geral, otimista. O termo “utopia” foi criado por Thomas More, a partir da junção de duas palavras gregas: “ou” e “topos”. Em suas obra – que ele não nega ser fortemente influenciada pela República de Platão – o autor propõe uma Inglaterra em que não existe propriedade privada, em que os bons são distribuídos igualitariamente, respeitando as necessidade de cada um, e em que os governantes são escolhidos por voto livre (coisa inexistente àquela época). Neste livro, as causas do sofrimento e da criminalidade são analisadas a partir das condições sociais e econômica em vez de serem vistas como pecados e negação da vontade de Deus. LIVRO: A cidade do sol. AUTOR: Tommaso Campanella COMENTÁRIO: Tommaso Campanella viveu na passagem do século XVI para o XVII. Nessa obra, o autor apresenta uma cidade preocupada com a cultura a tal ponto que em seus muros estão registrados todos os campos do conhecimento humano. A maneira como as pessoas se uniam para a procriação também é muito original. O casamento, como na utopia de Platão, não existia, e os casais eram formados de modo a garantir o máximo de saúde para os bebês. É uma utopia que fala de paz, prosperidade e de um governo muito parecido com o de Platão, com um Metafísico (Filósofo) no governo, só que ajudado por uma equipe de profissionais ligados a outras ciências. LIVRO: 1984 AUTOR: George Orwell COMENTÁRIO: George Orwell foi ativista político, defensor da causa socialista, mas se desiludiu com os governos que viu instalados após as revoluções de que tomou parte. Escreveu este livro, mais como uma denúncia ao poder ditatorial dos governos socialistas. O livro apresenta uma sociedade do futuro (foi escrito em 1948 e a trama se desenvolve em 1984) em que tudo o que acontece é reescrito de acordo com os interesses do governante, um personagem que só aparece na televisão e que tem o título de Grande Irmão (Big Brother, em Inglês). No mundo pensado por Orwell, todas as casas possuíam grandes telas de tevê que transmitiam e viam tudo o que acontecia na casa. É desse livro que os criadores do reality show mais famoso do Brasil tiraram o nome. LIVRO: Não verás país nenhum AUTOR: Ignácio de Loyola Brandão COMENTÁRIO: Escrito em 1981, é uma ficção pessimista. Mostra com crueza o destino de um país (o Brasil) que viu as florestas serem transformadas em imensas planícies asfaltadas. Mostra a fome, a miséria, o anonimato e isolamento das pessoas num futuro em que o alimento é tão raro que um rapaz, se quiser se casar com uma moça, deverá provar que é homem levando para a família da moça um saco de 8kg de feijão (façanha só possível para quem conseguisse vencer – ou furar - uma fila que durava em média dez dias para ser vencida). Nesse Brasil imaginado por Ignácio de Loyola Brandão, o sol castiga tanto quanto o câncer spray, um câncer provocado pelo uso de desodorantes que as indústrias químicas insistiam em produzir com a anuência do governo e o silêncio da imprensa. Enfim, é uma denúncia do mundo que nos espera, se não mudarmos o rumo da história. 01 – De que forma Platão sintetiza o pensamento de Parmênides e Heráclito? 02 – Qual a motivação epistemológica da síntese que Platão faz do pensamento de Heráclito e Parmênides? 03 – Qual a divergência existente entre Heráclito e Parmênides? 04 – Em que consiste o mundo das ideias? 05 – Em que consiste o mundo dos fenômenos? 06 – Qual o significado da expressão “mundo sensível”, em Platão? 07 – Qual o significado da expressão “mundo inteligível”, em Platão? 08 – Qual a relação entre o mito da caverna e a morte de Sócrates? 09 – Qual a relação entre o mito da caverna e o processo de saída da ignorância em direção ao conhecimento? 10 – Qual a relação entre o mito da caverna e a teoria dos dois mundos, de Platão? 11 – Para Platão, por que as crianças não deveriam ser criadas por seus pais? 12 – É possível dizer que Platão admitia os privilégios concedidos, habitualmente, aos políticos? Por quê? 13 – Em que consiste uma sofocracia? 14 – Podemos afirmar que Platão propõe uma democracia? Por quê? 15 – Que relações há entre o modelo de cidade proposto por Platão e o Socialismo? QUESTÕES VESTIBULARES Ao compor sua teoria dos dois mundos, Platão tinha em mente as investigações filosóficas de dois pensadores que lhe foram anteriores e que estão ligados aos primeiros ensaios filosóficos em busca de uma arché para o mundo. Assinale os dois pensadores que inspiraram, respectivamente, o mundo das ideias e o mundo dos fenômenos pensados pelo discípulo de Sócrates. 01- Sócrates e Platão. 02- Heráclito e Parmênides. 03- Platão e Sócrates. 04- Parmênides e Heráclito. 05- Anaximandro e Anaxímenes. Questão 02 O pensamento de Platão é uma discussão acerca dos critérios que podemos estabelecer que é válido no processo do conhecimento. Segundo o filósofo, no jogo estabelecido entre razão e sensação, no processo do conhecimento, 01- Essas duas realidades são antagônicas e uma anula a outra. 02- As sensações predominam sobre a razão. 03- Razão e sensação são inseparáveis, como afirmava Parmênides. 04- A razão é capaz de gerar conhecimento, mas a sensação não. 05- Ao contrário do que pensa Parmênides, a sensação não predomina sobre a razão. QUESTÃO 03 Uma das preocupações de Platão era o modo como conhecemos. Segundo sua teoria: 01- O conhecimento é provocado por nossa habilidade de extrair das coisas conceitos que nela habitam. 02- Conhecimento é memória. Ocorre quando nos encontramos com as cópias do que já conhecíamos do mundo das ideias. 03O conhecimento não passa de recordação de tudo o que vimos em vidas passadas, antes de reencarnarmos. 04Tudo o que conhecemos é resultado das experiências que se deram quando vivíamos no mundo das ideias e percebíamos com nossos sentidos seus objetos concretos. 05O conhecimento não é possível, já que toda a verdade é relativa. Portanto, tudo o que chamamos de conhecimento não passa de doxa, ignorância. QUESTÃO 04 O mundo das ideias possuía elementos que o distinguiam do mundo dos fenômenos. Entre os inúmeros aspectos que identificam o mundo das ideias, podemos, corretamente, destacar: 01- É o lugar onde estão as formas perfeitas. 02- É o lugar criado por Deus para a habitação dos objetos únicos. 03- Possui todos os sonhos já sonhados pelos homens, mesmo não sendo real. 04- Está presente na mente de cada ser humano. 05- Possui as cópias de todos os seres que existem no mundo dos fenômenos. Questão 05 Para Platão, o que havia de verdadeiro em Parmênides era que o objeto de conhecimento é um objeto de razão e não de sensação, e era preciso estabelecer uma relação entre objeto racional e sensível que privilegiasse o primeiro em detrimento do segundo. Lenta, mas irresistivelmente, a Doutrina das ideias formava-se em sua mente. ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. São Paulo: Odysseus, 2012. O texto faz referência à relação entre razão e sensação, um aspecto essencial da Doutrina das Ideias de Platão (427 a.C. 346 a.C.). De acordo com o texto, como Platão se situa diante dessa relação? 01- Estabelecendo um abismo intransponível entre as duas. 02- Privilegiando os sentidos e subordinando o conhecimento a eles. 03- Atendo-se à posição de Parmênides de que razão e sensação são inseparáveis. 04- Afirmando que a razão é capaz de gerar conhecimento, mas a sensação não. 05- Rejeitando a posição de Parmênides de que a sensação é superior à razão. (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 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_________________________________________________________________________ fonte: 4.bp.blogspot.com Nascido em Estagira, Aristóteles procurou Platão quando ainda era um adolescente, contando apenas dezessete anos de idade. Sua inteligência foi de tal modo reconhecida por Platão, que este o chamava de “Cérebro”. Após a morte do mestre, Aristóteles morou por algum tempo fora de Atenas, realizando pesquisas zoológicas. Em 343 foi convidado por Filipe da Macedônia para ser preceptor de Alexandre, seu filho. Entre as contribuições de Aristóteles para a educação do grande conquistador, consta um conjunto de manuais sobre a Monarquia e a Colonização. Quando Aristóteles fundou o Liceu, este funcionava de modo muito semelhante ao que hoje chamamos centro de pesquisa. Ali eram feitas coleções de material como uma base para o estudo sistemático de qualquer espécie, incluindo mapas, manuscritos e espécimes botânicos e zoológicos. Alguns relatos dão conta de que Alexandre, além de vultosa soma em dinheiro, também contribuiu com o Liceu ordenando a todos os caçadores e pescadores do seu império que mandassem para o Liceu quaisquer espécimes raros capturados. O pensador versou, em suas obras, sobre um vasto campo do conhecimento humano, tratando de lógica, física, psicologia (estudos sobre a sensação, a memória, o sono), biologia (identificou 495 espécies, elaborou um sistema de classificação, distinguiu os animais por tipo de nascimento, observou movimento e estrutura física de diversos animais, inclusive insetos e peixes), filosofia, ética, política, crítica literária. Teoria do conhecimento Para Aristóteles, ao contrário de Platão, a percepção dos sentidos é a base para o conhecimento. Para o filósofo, as diversas percepções formariam, por indução, o conhecimento. Mas também não negava a intuição, como no caso célebre de Arquimedes. Ele considerava o desejo de buscar a explicação do mundo como algo natural no homem. Mesmo o homem que era apaixonado por mitos traduzia assim sua tendência para o espanto, condição necessária para que alguém saísse da ignorância e partisse em busca do conhecimento. Em Aristóteles, a busca do conhecimento se configura plenamente na busca pela causa dos fenômenos. Para ele, há quatro tipos de causa: Causa material, causa eficiente, causa formal e causa final. Com essas quatro causas, Aristóteles pretendia dar conta: a – Do material de que é feita qualquer coisa (causa material); b – Do elemento responsável pelo seu surgimento, bem como dos instrumentos utilizados (causa eficiente); c – Do projeto que deu origem ao objeto (causa formal); d – Da finalidade para a qual o objeto foi feito ou passou a existir (causa final). Dessa forma, Aristóteles pretendia responder a uma pergunta que nos persegue até os dias de hoje, a saber, por que uma coisa é o que é? Em sua busca por explicar o mundo e em sua determinação em eliminar o mundo das idéias proposto por Platão, Aristóteles tentará mostrar que as qualidades dos objetos, vislumbradas por seu mestre e apresentadas como pertencendo a um mundo diferente do mundo dos fenômenos (o mundo das idéias), estavam, na verdade, nos próprios objetos, ou seja, Aristóteles estava convicto de que não era necessário dividir o mundo em duas dimensões para equacionar a dicotomia estabelecida por Platão, na tentativa de conciliar Heráclito e Parmênides. Em outras palavras, o caráter de mutabilidade e o caráter de permanência presentes nos objetos não precisavam ser resolvidos colocando a permanência como característica do mundo verdadeiro dos noumenos (mundo das idéias) e nem colocando os objetos do mundo dos fenômenos como cópias imperfeitas de um mundo ideal. A solução de Aristóteles apresenta os objetos do mundo como compostos de pares que podem ser assim apresentados: a – essência e acidente – A essência seria o que faz uma coisa ser o que é. Em outras palavras, essência será aquilo sem o qual a coisa deixa de ser o que é; já o acidente seria o conjunto das características que poderiam ser mudadas, sem que isso alterasse o ser do objeto. Dito de outro modo, acidente é aquilo com o qual ou sem o qual o objeto continua sendo o mesmo, ou seja, continua com as características que o definem como sendo aquilo que é. Tomemos qualquer objeto, um lápis, por exemplo. Se tirarmos o grafite, ou se mudarmos sua forma de tal modo que não seja possível utilizar o tal lápis, já não podemos afirmar que se trata de um lápis. As mudanças, portanto, atingiram a essência do objeto. No entanto, se tomarmos um lápis e mudarmos sua cor, ou fizermos sua ponta, diminuindo o seu tamanho, isso não impede em nada que ele continue sendo utilizado e percebido como lápis; b – ato e potência – Os seres, observa Aristóteles, estão em constante transformação. No entanto, continuam sendo os mesmos seres. Essa constatação já fora feita por muitos pensadores, anteriormente, mas Aristóteles a explica a partir dos pares ato e potência. Ato seria o que a coisa é, presentemente, o que ela é plenamente no instante em que existe. Potência seria o que a coisa pode vir a ser, o conjunto das possibilidades de cada coisa. É importante considerar que, para Aristóteles, a potência está submissa à natureza, isto é, qualquer ente só pode vir a ser o que a sua natureza permite que ele seja. Dessa forma, o ato tem equivalência com as perfeições do mundo de Parmênides, e a potência com as imperfeições do mundo de Heráclito. Um ser que fosse plenamente perfeito seria puramente ato, portanto. c – matéria e forma – O terceiro par proposto por Aristóteles pode ser explicado da seguinte forma: tudo o que existe é constituído de alguma matéria. No entanto, essa matéria não existe sozinha: ela sempre possui uma forma. Quando vemos uma mesa de madeira, não dizemos que estamos vendo uma madeira, mas uma mesa de madeira. Ora, o que nos faz dizer que se trata de uma mesa é sua forma de mesa. Essa forma só pode ser percebida porque se apresenta na madeira. No entanto, a mesa pré-existia na mente do seu construtor, como forma ainda não materializada. É importante, aqui, não confundir forma com modelo. O que me faz perceber que uma mesa é mesa, não é o seu modelo, mas sua forma, isto é, não importa o modelo que uma mesa tenha, eu sempre a reconhecerei como mesa. Há, portanto, apenas uma forma de mesa, embora haja uma infinidade de modelos. A forma equivale à essência e ao ato, correspondendo, esses três conceitos, ao mundo das idéias que Platão propôs e que se referia ao pensamento de Parmênides sobre o mundo. A matéria seria o equivalente à potência e ao acidente e pertenceriam ao âmbito das considerações feitas por Heráclito sobre o mundo. Cosmologia Para Aristóteles, o universo era eterno, esférico e finito em suas dimensões. A Terra estava no centro desse universo, e não se movia. Suas observações o levaram a concluir que a Terra, também, era esférica. Acreditava que a composição natural da Terra fosse de água e terra; em volta da Terra, haveria uma camada de ar, e em volta da camada de ar, haveria uma camada de fogo. Acima da camada de fogo, haveria as camadas supra-lunares onde estariam a Lua, os planetas e demais corpos celestes. Essas camadas se sucederiam até à última, a camada das estrelas fixas. Os astros, para Aristóteles, eram eternos, feitos de um elemento sutil, o éter. A única mudança que os astros conheceriam seria a mudança de lugar, mas, mesmo assim, o movimento era circular, perfeito. O movimento de tudo o que existe no universo (mudança de substância, ou seja, vir a ser e deixar de ser; mudança de qualidade, ou seja, cor amadurecimento, envelhecimento etc.; mudança de quantidade, isto é, crescer ou diminuir; mudança de lugar, ou seja, deslocar-se) era produzido, segundo o filósofo, pelo Primeiro Motor Imóvel, uma substância eterna, sem qualquer materialidade, constituindo-se num Ato Puro. Essa substância perfeita seria causa do movimento de tudo o que existe, mas não seria o criador, já que, para Aristóteles, o universo era eterno. Esse Ser também difere do Deus cristão porque não se interessaria pelas coisas do mundo, já que seu estado de perfeição tornaria despropositada qualquer preocupação com relação a qualquer coisa que não fosse ele mesmo. Política fonte: api.ning.com Para Aristóteles, a política só se realiza completamente quando atinge o bem-estar de todos os membros da comunidade. Em seus estudos de política, ao contrário de Platão, Aristóteles sempre buscou o possível, trabalhando mais com a descrição do que existe para, a partir daí, indicar o que lhe parece mais adequado a determinada situação. É necessário, porém, ter presente a mentalidade de Aristóteles que, apesar de sua genialidade, não deixa de ser um homem de uma sociedade machista e escravista. Para o pensador, a política era uma atividade inerente à natureza do homem, ou seja, era da natureza do homem a vida em comunidade e a busca do bem-comum. É de Aristóteles a frase que diz: “O homem é um animal político”. No entanto, esse bem-comum respeita a ordem da natureza. Assim, o homem prevalece sobre a mulher, o livre sobre o escravo e o adulto sobre a criança. Segundo esse modo de pensar, não há, por exemplo, injustiça na escravidão, já que o escravo é escravo por natureza. Quanto às leis, Aristóteles entende que não é correto pretender definir qual o estado ideal, já que cada povo estabelece seu modo de governo a partir de suas realidades políticas, sociais e econômicas próprias. Quanto aos governantes, Aristóteles, coerente com sua idéia de natureza, afirma que apenas poucos homens conseguem realizar aquilo que deveria ser o ideal de todo estado: a superação dos instintos e a plena realização de sua humanidade e racionalidade. Por tal motivo, acreditava na importância de o governo ser confiado a esses melhores. Ética Para Aristóteles, o cidadão age bem se estiver em harmonia com o conhecimento e o desejo. Assim, a virtude não está na eliminação dos desejos, mas sim no meio-termo entre o excesso e a falta de qualquer desejo, sentimento ou ação. Por exemplo, se uma pessoa tem excesso de coragem, isso se torna temeridade, o que não é bom, pois, tal indivíduo seria um perigo para si mesmo e para quem estiver com ele. Por outro lado, se o indivíduo tiver carência de coragem, isso se torna covardia o que também é péssimo, pois, tal indivíduo não toma atitudes necessárias para seu bem estar e dos que estão ao seu lado. O homem virtuoso, portanto, é aquele que consegue estabelecer o equilíbrio em suas ações, daí a célebre afirmação de que “a virtude está no meio”. Para o filósofo, a virtude é fruto do exercício constante das ações nobres e não deve ser confundida com qualquer ação esporádica, involuntária, ou praticada por medo de uma punição. A esse respeito, diz-nos o filósofo: “Uma andorinha só não faz verão”. Quanto aos vícios, considerava que não podiam ser colocadas nesta categoria ações involuntárias, ou forçadas por agentes exteriores à vontade do indivíduo. Em suma, Aristóteles só considerava ato moral (passível de julgamento a respeito das virtudes ou vícios do indivíduo) aquele que contasse com o conhecimento e com a vontade da pessoa em questão. REFERÊNCIAS: FARIA, Maria do Carmo Bettencourt de. Aristóteles: a plenitude como horizonte do ser. São Paulo: Moderna, 1994 LUCE, John Victor. Curso de Filosofia Grega: do séc. VI a. C. ao séc. III d. C.. Rio de Janeiro: Jorge Zahard., 1994. 01 – Quais as semelhanças entre os atuais centros de pesquisa e o Liceu de Aristóteles? 02 – Em que sentido o modo de conceber o conhecimento de Platão difere do de Aristóteles? 03 – A que se refere a intuição de Arquimedes citada no texto? 04 – Que relações há entre mito, espanto e explicação de mundo? 05 – Demonstre, a partir de um exemplo, a presença das quatro causas em determinado objeto. 06 – Que relações há entre causa formal e causa final? 07 – A partir de um determinado objeto, apresente os três pares propostos por Aristóteles. 08 – Explique, a partir de um exemplo, os quatro movimentos que regem os seres, segundo Aristóteles. 09 – Considerando as características do Primeiro Motor Imóvel, onde ele deveria se situar no universo de Aristóteles? 10 – O que Aristóteles quer dizer ao afirmar que o homem é um animal político? 11 – Qual o papel do conhecimento e do desejo na realização do ato moral, segundo Aristóteles? 12 – Para Aristóteles, qual a diferença entre temeridade, covardia e coragem? 13 – O que significa, para o nosso filósofo, a expressão “uma andorinha só não faz verão? QUESTÃO 01(UFMG 2010) Na Ética a Nicômaco, Aristóteles propõe uma compreensão da amizade em que a semelhança entre os homens é importante, embora não a caracterize completamente, como se comprova neste trecho: A amizade perfeita é a dos homens que são bons e afins na virtude, pois esses desejam igualmente bem um ao outro enquanto bons, e são bons em si mesmos. Ora, os que desejam bem aos seus amigos por eles mesmos são os mais verdadeiramente amigos, porque o fazem em razão da sua própria natureza e não acidentalmente. Por isso sua amizade dura enquanto são bons – e a bondade é uma coisa muito durável. E cada um é bom em si mesmo e para o seu amigo, pois os bons são bons em absoluto e úteis um ao outro. […] Uma tal amizade é, como seria de esperar, permanente, já que eles encontram um no outro todas as qualidades que os amigos devem possuir. Com efeito, toda a amizade tem em vista o bem ou o prazer – bem ou prazer, quer em abstrato, quer tais que possam ser desfrutados por aquele que sente a amizade, e baseia-se numa certa semelhança. E à amizade entre homens bons pertencem todas as qualidades que mencionamos, devido à natureza dos próprios amigos, pois numa amizade desta espécie as outras qualidades também são semelhantes em ambos; e o que é irrestritamente bom também é agradável no sentido absoluto do termo, e essas são as qualidades mais estimáveis que existem. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. L. Vallandro e G. Bornheim. In: Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril, 1979, VIII, 3, 1156b. Com base na leitura desse trecho e em outras informações presentes na obra em referência, EXPLIQUE por que NÃO é toda e qualquer semelhança entre os homens que motiva uma amizade verdadeira. QUESTÃO 02 (UEL 2004) Observe a charge e leia o texto a seguir Fonte: LAERTE. Classificados. São Paulo: Devir, 2001. p. 25. “É evidente, pois, que a cidade faz parte das coisas da natureza, que o homem é naturalmente um animal político, destinado a viver em sociedade, e que aquele que, por instinto, e não porque qualquer circunstância o inibe, deixa de fazer parte de uma cidade, é um ser vil ou superior ao homem[...].” (ARISTÓTELES. A política. Trad. de Nestor Silveira Chaves. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. p. 13.) Com base no texto de Aristóteles e na charge, é correto afirmar: 01- O texto de Aristóteles confirma a idéia exposta pela charge de que a condição humana de ser político é artificial e um obstáculo à liberdade individual. 02- A charge apresenta uma interpretação correta do texto de Aristóteles segundo a qual a política é uma atividade nociva à coletividade devendo seus representantes serem afastados do convívio social. 03- A charge aborda o ponto de vista aristotélico de que a dimensão política do homem independe da convivência com seus semelhantes, uma vez que o homem basta-se a si próprio. 04- A charge, fazendo alusão à afirmação aristotélica de que o homem é um animal político por natureza, sugere uma crítica a um tipo de político que ignora a coletividade privilegiando interesses particulares e que, por isso, deve ser evitado. 05- Tanto a charge quanto o texto de Aristóteles apresentam a idéia de que a vida em sociedade degenera o homem, tornando-o um animal. Questão 03 ENEM (2009) Segundo Aristóteles, “na cidade com o melhor conjunto de normas e naquela dotada de homens absolutamente justos, os cidadãos não devem viver uma vida de trabalho trivial ou de negócios — esses tipos de vida são desprezíveis e incompatíveis com as qualidades morais —, tampouco devem ser agricultores os aspirantes à cidadania, pois o lazer é indispensável ao desenvolvimento das qualidades morais e à prática das atividades políticas”. VAN ACKER, T. Grécia. A vida cotidiana na cidade-Estado. São Paulo: Atual, 1994. O trecho, retirado da obra Política, de Aristóteles, permite compreender que a cidadania A) possui uma dimensão histórica que deve ser criticada, pois é condenável que os políticos de qualquer época fiquem entregues à ociosidade, enquanto o resto dos cidadãos tem de trabalhar. B) era entendida como uma dignidade própria dos grupos sociais superiores, fruto de uma concepção política profundamente hierarquizada da sociedade. C) estava vinculada, na Grécia Antiga, a uma percepção política democrática, que levava todos os habitantes da pólis a participarem da vida cívica. D) tinha profundas conexões com a justiça, razão pela qual o tempo livre dos cidadãos deveria ser dedicado às atividades vinculadas aos tribunais. E) vivida pelos atenienses era, de fato, restrita àqueles que se dedicavam à política e que tinham tempo para resolver os problemas da cidade. (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 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_________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Sob Alexandre, a Grécia conhece um novo modo de se colocar no mundo. A segurança dos muros das cidades será substituída pela certeza de que o mundo é algo que está para além desses mesmos muros. A percepção que os gregos tinham em relação aos outros povos muda. Os outros povos, agora, já não aparecem como simples estrangeiros: são povos que, de alguma forma, fazem parte do império a que também os gregos pertencem. Nesse período surgem grandes sistemas filosóficos que serão, também, os últimos sistemas produzidos pela Grécia antiga que agora já não se orienta pelo sentimento de polis, mas sim pelo sentimento de cosmópolis. O homem grego, diante das conquistas de Alexandre e, logo em seguida, diante das conquistas dos romanos, deixa de se sentir um cidadão desta ou daquela polis para se tornar um cidadão do mundo, um cosmopolita. OS ESTOICOS O estoicismo foi fundado por Zenão, tendo por primeiros seguidores os cínicos, pensadores que, em grandes linhas, seguiam os ensinamentos de Sócrates. É por volta do ano 300 a.C. que Zenão começa sua tarefa de anunciar o Estoicismo, doutrina que recebeu tal nome do fato de o filósofo preferir para suas pregações o pórtico (stoá) denominado Pórtico Pintado, uma das entradas de Atenas. Essa escola, embora não tão organizada quando a Academia platônica, teve uma longa duração e durou de 300 a.C. até pelo menos 260 d.C. Para os estoicos, o homem devia pautar sua vida pela razão (lógica). A razão o conduziria a um conhecimento seguro da natureza (física) e esse conhecimento seguro o orientaria em sua conduta (ética). A ética estoica era extremamente rígida e partia do princípio segundo o qual a razão humana refletia, de certa forma, a razão da natureza. Para eles só havia um mal (o vício) assim como só havia um bem (a virtude). Vida e morte, beleza e feiúra, fraqueza e força etc. eram moralmente neutros e as pessoas podiam transformá-los em vícios ou em virtudes a partir de suas escolhas. Outro aspecto interessante da ética estoica era a idéia de que não é possível ser mais ou menos bom ou mais ou menos mau. Portanto, uma pessoa só podia ser considerada moralmente boa quando atingia a perfeição moral. Para eles o prazer nunca devia ser procurado com um fim em si mesmo. Na verdade, os estoicos não eram nem um pouco simpáticos às emoções, não importa quais fossem. O rigor da ética estoica foi bastante amenizado com o passar dos anos e em sua maturidade a doutrina já admitia uma alegria calma, a benevolência, a reverência. No mesmo caminho da maturidade, o estoicismo também avançou na consideração de que a saúde era mais desejável que a doença. Dessa forma, os estoicos posteriores ao estoicismo primitivo entendiam que as pessoas deviam evitar sofrimentos que pudessem vir a prejudicar sua saúde, já que viver sem saúde era contrário à natureza e, portanto, contrário à razão. No primeiro século da nossa era, um pensador de nome Sêneca apresentará uma interpretação do estoicismo extremamente rica. Entre suas concepções está a ideia de uma idade de ouro em que os homens viveriam de acordo com os ditames da natureza; uma época em que governar não era reinar, era servir; uma época em que a riqueza pública pertencia a todos. No entanto – diz Sêneca – a avareza de alguns provocou o fim dessa idade de ouro. Observe-se que nesse discurso de Sêneca já se antevê uma compreensão da história do homem muito semelhante àquele que, em poucos anos seria proposta pelo cristianismo, a partir da ideia judaica do Paraíso perdido e da interpretação do poder como um mal, agora necessário, para corrigir a pureza outrora perdida, poder esse que passa a funcionar como castigo (punindo os que desobedecem as leis de Deus) e como remédio (evitando e corrigindo os desvios provocados pelos que desrespeitam as tais leis). O CINISMO Os historiadores consideram que o estoicismo foi fortemente influenciado por uma doutrina que remonta ao tempo de Sócrates, o Cinismo. Para Antístenes, fundador do Cinismo, o maior bem de um homem era a capacidade de se desprender de todos os acontecimentos da vida. Nesse sentido, o homem realizado não estaria preso por qualquer convenção social ou moral. Viveria apenas para satisfazer suas necessidades vitais mais básicas, não lhe importando riqueza, prestígio ou poder. Entre os Cínicos, destaca-se Diógenes, que se imortalizou pelo hábito (segundo contam) de andar à luz do dia com uma lanterna, à procura de um homem justo, nos mercados de Atenas. OS EPICURISTAS Epicuro também atuou em Atenas. Sua escola parece ter sido fundada por volta do ano 306 ou 307 a.C. Ao contrário dos estoicos, os epicuristas não se sentiam atraídos pela vida política. Como Epicuro possuía uma personalidade muito forte, seus ensinamentos não sofreram qualquer mutação, mesmo depois de sua morte. Para pertencer à escola de Epicuro, as pessoas pagavam o que queriam, ou quanto podiam. Qualquer um podia ser membro da escola, independentemente de idade, sexo ou condição social (escravos também podiam ser epicuristas, assim como, também, houve muitos escravos estoicos). Como evitavam a vida pública e faziam um juramento de fidelidade a Epicuro, os epicuristas foram muito mal interpretados e muitas vezes acusados injustamente de ateísmo e de hedonismo. Se quisermos afirmar que o epicurismo é uma doutrina hedonista, precisaremos acrescentar que se trata de um “hedonismo ético”. É fato que Epicuro afirmou que a verdadeira finalidade da vida humana era a maximização do prazer, mas isso não significou em tempo algum, para os epicuristas, uma licença para a satisfação ilimitada dos desejos e apetites. O prazer, portanto, nunca deveria levar o homem ao nível do desconforto. Epicuro seria um adepto do “beba com moderação”, isto é, ele não rejeitava os prazeres, mas rejeitava qualquer excesso. Para os epicuristas, a alma era formada de átomos (herança do pensamento de Demócrito e Leucipo). Quando a pessoa morria, os átomos se dispersavam, não havendo, portanto, vida após a morte. Epicuro dizia que a morte nunca nos alcança, pois, quando ela chega, nós já fomos. Acreditava, também, na existência dos deuses, embora afirmasse que viviam nos intramundos, espécie de dimensão à parte, sem qualquer comunicação com os homens. Os deuses, portanto, não poderiam, mesmo se quisessem, ter qualquer tipo de contato ou exercer qualquer tipo de influência sobre os mortais. OS CÉTICOS O ceticismo já havia aparecido no século V a.C., com Górgias, que afirmava a relatividade do conhecimento. No século III a.C. Pirro retoma a discussão, tentando fazer valer um ceticismo radical que não se sustenta, já que a própria afirmação da impossibilidade do conhecimento já supõe algum conhecimento (o conhecimento dessa impossibilidade). Como resultado do Ceticismo, ficou o reconhecimento da necessidade de examinar as verdades (cético, originalmente, significa “aquele que examina”), prática que até hoje tem colaborado no exame das certezas. Em sua época, uma das consequências dessa filosofia foi o enfraquecimento dos valores sociais. Um cético, para ser coerente com sua doutrina, deveria desprezar os valores que norteiam os comportamentos e as relações entre as pessoas. TEXTO DE EXTRAPOLAÇÃO Carta sobre a felicidade (a Meneceu) Epicuro envia suas saudações a Meneceu Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer através da grata recordação das coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la. Pratica e cultiva então aqueles ensinamentos que sempre te transmiti, na certeza de que eles constituem os elementos fundamentais para uma vida feliz. Em primeiro lugar, considerando a divindade como um ente imortal e bem-aventurado, como sugere a percepção comum de divindade, não atribuas a ela nada que seja incompatível com a sua imortalidade, nem inadequado à sua bem-aventurança; pensa a respeito dela tudo que for capaz de conservar-lhe felicidade e imortalidade. Os deuses de fato existem e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção que têm dos deuses, ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja diferente deles. Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade. Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo, portanto, quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado. Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aqueles ela não existe, ao passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora foge da morte como se fosse o maior dos males, ora a deseja como descanso dos males da vida. O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não viver não é um mal. Assim como opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante, do mesmo modo ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve. Quem aconselha o jovem a viver bem e o velho a morrer bem não passa de um tolo, não só pelo que a vida tem de agradável para ambos, mas também porque se deve ter exatamente o mesmo cuidado em honestamente viver e em honestamente morrer. Mas pior ainda é aquele que diz: bom seria não ter nascido, mas, uma vez nascido, transpor o mais depressa possível as portas do Hades. Se ele diz isso com plena convicção, por que não se vai desta vida? Pois é livre para fazêlo, se for esse realmente seu desejo; mas se o disse por brincadeira, foi um frívolo em falar de coisas que brincadeira não admitem. Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais. Consideremos também que, dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos da dor e do medo. Uma vez que tenhamos atingido esse estado, toda a tempestade da alma se aplaca, e o ser vivo, não tendo que ir em busca de algo que lhe falta, nem procurar outra coisa a não ser o bem da alma e do corpo, estará satisfeito. De fato, só sentimos necessidade do prazer quando sofremos pela sua ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir. É por essa razão que afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos como o bem primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha e toda recusa, e a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor. Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo. Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser sempre evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem. Consideramos ainda a auto-suficiência um grande bem; não que devamos nos satisfazer com pouco, mas para nos contentarmos com esse pouco caso não tenhamos o muito, honestamente convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela; tudo o que é natural é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil. Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita. Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveitá-la, e nos prepara para enfrentar sem temor as vicissitudes da sorte. Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras iguarias de urna mesa farta que tomam doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos. De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade. Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas. Na tua opinião, será que pode existir alguém mais feliz do que o sábio, que tem um juízo reverente acerca dos deuses, que se comporta de modo absolutamente indiferente perante a morte, que bem compreende a finalidade da natureza, que discerne que o bem supremo está nas coisas simples e fáceis de obter, e que o mal supremo ou dura pouco, ou só nos causa sofrimentos leves? Que nega o destino, apresentado por alguns como o senhor de tudo, já que as coisas acontecem ou por necessidade, ou por acaso, ou por vontade nossa; e que a necessidade é incoercível, o acaso, instável, enquanto nossa vontade é livre, razão pela qual nos acompanhara a censura e o louvor? Mais vale aceitar o mito dos deuses, do que ser escravo do destino dos naturalistas: o mito pelo menos nos oferece a esperança do perdão dos deuses através das homenagens que lhes prestamos, ao passo que o destino é uma necessidade inexorável. Entendendo que a sorte não é uma divindade, como a maioria das pessoas acredita (pois um deus não faz nada ao acaso), nem algo incerto, o sábio não crê que ela proporcione aos homens nenhum bem ou nenhum mal que sejam fundamentais para uma vida feliz, mas, sim, que dela pode surgir o início de grandes bens e de grandes males. A seu ver, é preferível ser desafortunado e sábio, a ser afortunado e tolo; na prática, é melhor que um bom projeto não chegue a bom termo, do que chegue a ter êxito um projeto mau. Medita, pois, todas estas coisas e muitas outras a elas congêneres, dia e noite, contigo mesmo e com teus semelhantes, e nunca mais te sentirás perturbado, quer acordado, quer dormindo, mas viverás como um deus entre os homens. Porque não se assemelha absolutamente a um mortal o homem que vive entre bens imortais. Tradução baseada na edição de Arrighetti. Epicuro. Opere. Torino, 1973. Para o homem medieval a função do estado – ao contrário do que pensavam os gregos – não era assegurar a vida boa, mas garantir o reto agir, já que o homem era considerado herdeiro do pecado de Adão. A função do Estado, portanto, seria a de intimidar e vigiar. O governante era pensado como alguém que conseguia, sem ser tirânico, obrigar as pessoas à obediência dos princípios a valores estabelecidos pelo cristianismo. É dessa compreensão do governante como alguém que deve estabelecer um comportamento em conformidade com as leis de Deus que surgirá a necessidade lógica de uma íntima relação entre Igreja e Estado. O Estado, de natureza mundana (secular) se encarregaria das necessidades físicas e teria a prerrogativa do uso da violência; a Igreja, de natureza espiritual, se encarregaria dos cuidados da alma. Quando alguém não estivesse se comportando segundo os ditames da religião a Igreja aconselharia e ofereceria os meios para a reintegração do indivíduo. Caso contrário, a Igreja entregaria o indivíduo ao Estado para que este cumprisse sua função disciplinadora. Ocorre que duas instâncias de poder como a Igreja e o Estado não podem conviver pacificamente. É natural que a disputa entre as duas instituições ocorresse, e tal foi o que aconteceu durante todo o período em que Igreja e Estado tentaram conviver na Europa. O primeiro grande exemplo da tentativa de equacionar o problema da divisão de poderes entre Igreja e Estado é Agostinho de Hipona (354 – 430). Agostinho foi um leitor de Plotino, filósofo neo-platônico, e tentou discutir com a inteligência europeia em termos filosóficos, de forma a confirmar a necessidade racional das verdades estabelecidas pela fé cristã. No campo da política, Agostinho retoma o esquema dos estoicos, para os quais o homem já conhecera uma Idade de Ouro, época em que o poder era exercido de forma natural e bem-vinda. A doutrina, apresentada por Sêneca, explica a forma como o poder deixou de ser algo consensual e passou a ser uma espécie de conjunção remédio/castigo. Para o pensador, com a perda da pureza original, os homens não mais aceitaram o poder como algo natural. No entanto, passaram a necessitar de alguém que obrigasse os maus a agir corretamente e protegesse os indefesos. Agostinho se apossa dessa interpretação estoica da política e apresenta a Igreja como a face relativa ao remédio, agindo em parceria com o Estado (a face relativa ao castigo). A necessidade da ação dos dois derivaria da queda do homem ocorrida pelo pecado de Adão. Em seu livro “A cidade de Deus”, Agostinho apresenta o tema das duas cidades: a cidade terrena, representada pelo poder temporal, e a cidade de Deus, representada pela Igreja. A tentativa de Agostinho é mostrar a necessidade de as duas instâncias de poder coexistirem e agirem em consonância pelo bem de todos. No entanto, durante toda a Idade Média, a disputa pela hegemonia da Igreja sobre o Estado ficará conhecida como Agostinismo político. O problema do tempo Um dos problemas que Santo Agostinho tentou resolver foi o problema do tempo. Segundo seu testemunho: “Sei o que é o tempo, mas quando alguém me pergunta o que é o tempo, já não sei o que é o tempo”. Agostinho entende que o tempo é uma realidade que desafia nossa inteligência, já que todos nós falamos do tempo, esperamos, lembramos, organizamos nossa vida em presente, futuro e passado, ou seja, organizamos nossa vida no tempo. No entanto, quando alguém nos pergunta o que é o tempo, todos temos dificuldade de responder. Segundo Agostinho, o tempo é uma criatura de Deus, ou seja, existe objetivamente e foi criado como condição para que o mundo existisse. Analisando nossa percepção de tempo, Agostinho lembra que o passado não passa de um conjunto de lembranças de situações que já vivemos, ou seja, habitam nossa memória. Quanto ao futuro, o filósofo lembra que são projeções de nossos desejos. Segundo o pensador, as pessoas tendem a acreditar que o futuro é uma espécie de “lugar” onde estão já guardados todos os acontecimentos que um dia experimentaremos. Do mesmo modo, o passado seria um “lugar” em que estão todos os acontecimentos que vivemos um dia e que não viveremos mais. Quanto ao presente, é o “lugar” em que acontecem as coisas que estamos experimentando (realização dos acontecimentos “guardados” no futuro) e que irão se distanciando de nós à medida que forem sendo “guardadas” no passado. Por esse motivo, Agostinho nos diz que é incorreto falar que existem três tempos. Se assim fosse, diz o filósofo, o que seria o presente? Uma passagem do presente para o futuro? Mas, se o tempo flui constantemente, o presente praticamente não existiria, seria apenas uma espécie de janela por onde veríamos o futuro se tornar passado. Em síntese, para Agostinho, a sede do tempo é a nossa alma, já que é nela que o percebemos. Diz o filósofo: É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das coisas presentes, presente das futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras. O problema do mal Refletindo sobre o problema do mal, Agostinho tenta responder ao dilema posto por Epicuro: Se Deus existe, tem que ser bom e poderoso. Mas o mal existe. Então, ou Deus é bom, mas não é poderoso, ou é poderoso, mas não é bom. Em ambos os casos – diz o pensador helenístico – a existência de Deus fica comprometida pela existência do mal. Para Agostinho, a solução do dilema é fácil, se considerarmos que ele contém uma falsa premissa: a afirmação de que o mal existe. O filósofo, partindo da tese de que o mal não existe, afirma que o que chamamos mal é apenas o afastamento de Deus. O mal não pode existir, já que o mal é ausência de Bem, ausência de Deus, assim como a escuridão não existe, já que é ausência de luz. No entanto, os efeitos do afastamento de Deus, do Bem são comuns a todos os homens por causa do pecado de desobediência de Adão e Eva que, tendo desobedecido a Deus, permitiram que os efeitos do seu pecado se estendessem a todos os seres humanos, criando todos os estados de desarmonia que chamamos mal. Fica, porém, a questão: então, por que Deus não elimina a herança do pecado, devolvendo o homem ao estado original de relação com Deus? A resposta de Agostinho acompanha a doutrina da Igreja e afirma que Deus não interfere na possibilidade de o homem escolher se afastar dele por causa do livre arbítrio, que é a maior prova do amor de Deus por nós. Com esse argumento, Agostinho coloca a responsabilidade sobre o que chamamos mal, unicamente em nós, seres humanos. 01- Como Agostinho entende o problema do tempo? 02- Qual o argumento de Epicuro para provar a inexistência de Deus? 03- Como Agostinho derruba o argumento de Epicuro? 04- Qual o filósofo antigo que Agostinho utiliza para fundamentar seu pensamento? 05- Como Agostinho via as relações de poder? Nascido em Aosta, no século XI, Santo Anselmo entrou para a história da filosofia por sua original solução para o problema da comprovação da existência de Deus. Sua tese criou muita polêmica, desde o seu surgimento. O próprio Santo Tomás de Aquino, católico, como ele e igualmente interessado em construir argumentos para comprovar a existência de Deus, não hesitou em recusar o raciocínio do companheiro de buscas intelectuais e espirituais. Curiosamente, no entanto, já no século XVII, ninguém menos que René Descartes utilizará o argumento de Santo Anselmo como uma das provas irrefutáveis da existência de Deus. Vejamos em que consiste o ARGUMENTO ONTOLÓGICO de Santo Anselmo: Santo Anselmo parte da distinção entre coisas que existem e coisas que são apenas pensadas. Segundo o filósofo, uma coisa apenas pensada é menos perfeita que uma coisa que, de fato, existe. Tomemos, por exemplo, uma maçã. Se nós pensarmos em uma maçã, por mais completa que ela seja em nosso pensamento, não poderemos, por exemplo, saciar nossa fome com ela. No entanto, se tivermos uma maçã com as mesmas características da maçã pensada e que, de fato, existe, poderemos com ela saciar nossa fome. Logo, a maçã pensada será menos perfeita que a maçã existente. O que falta, então à maça pensada? Falta, dirá Anselmo, a existência. Seguindo a coerência do raciocínio, Anselmo deduz que, portanto, a existência é uma perfeição. E, se a existência é uma perfeição. Um ser que tenha todas as perfeições (Deus) tem necessariamente que existir. Alguém, pensa Anselmo, poderá objetar afirmando que pode pensar em várias coisas que não existem e nem por isso elas devem existir. No entanto, diz o filósofo, o caso de Deus é especial, já que a posse de TODAS as perfeições (inclusive a existência) é parte integrante da ideia do que ele é. Tomemos, por exemplo, um triângulo. Eu não posso pensar um triângulo que tenha e não tenha três lados. Se eu pensar isso, estou cometendo uma contradição, pois é da própria definição de triângulo a existência de três lados. Ao pensar em Deus, portanto, ou seja, em um ser que tem todas as perfeições (inclusive a existência). Esse ser tem que existir. Caso contrário, estaria pensando em um ser que existe e não existe, o que é impossível. Logo, diz Anselmo, a existência de Deus é logicamente necessária, já que nós temos a ideias de um ser perfeito. 01- Em que consiste o argumento ontológico de Santo Anselmo? 02- Qual o pensamento de Tomás de Aquino a respeito do argumento ontológico de Santo Anselmo? 03- (para pesquisar) Por que o argumento de Santo Anselmo é chamado Argumento Ontológico? 04- Qual a opinião de Descartes a respeito do argumento de Santo Anselmo? 05- Que objeção, segundo Anselmo, alguém pode colocar à sua tese? Como ele refuta tal objeção? No século XIII, Santo Tomás de Aquino assume outro suporte filosófico. Em lugar de Platão, é Aristóteles quem vai fundamentar as teorias políticas do Aquinata. Preocupado com a natureza do poder e com a questão de definir qual o melhor governo, Santo Tomás afirma que o homem só se realiza plenamente na cidade, na relação política com os seus semelhantes. Continua considerando que todo poder vem de Deus, mas admite que a atividade política faz parte das necessidades naturais do homem, enquanto ser social (vemos aí a forte influência de Aristóteles). Portanto, o estudo da política exige o uso da razão natural, embora a política não seja fator absoluto da conduta do homem, pois, nos limites das possibilidades do Estado, é a Igreja quem se ocupa da dimensão sobrenatural do destino humano. Dessa forma, Tomás ameniza consideravelmente a oposição posta entre Igreja e Estado, além de atenuar a hegemonia daquela diante deste. Vemos, portanto, que em Tomás de Aquino começa a se esboçar uma teoria política que se aproxima cada vez mais da visão laica de poder, isto é, da visão do poder como totalmente desvinculado da religião. Tomás de Aquino foi o filósofo mais producente de toda a Idade Média. Tomando Aristóteles como parâmetro de sua investigação metafísica, o Aquinata não deixou de se preocupar com a tese mais central do cristianismo e da filosofia medieval: a prova racional da existência de Deus. O filósofo entende que não é possível provar a existência de Deus diretamente. Para ele, só podemos falar de Deus por analogia, já que de Deus não podemos ter a evidência dos sentidos. Recusando a proposta de Santo Anselmo, Santo Tomás recorre ao pensamento de Aristóteles e apresenta em sua obra mais famosa – A Summa Theológica – uma série de cinco argumentos que podem levar à compreensão da necessidade da existência de Deus. Esses cinco argumentos ficaram conhecidos na tradição filosófica como: As cinco vias 1. Primeiro motor imóvel: esta primeira via supõe a existência do movimento no universo. Porém, um ser não move a si mesmo, só podendo, então, mover outro ou por outro ser movido. Assim, se retroagirmos ao infinito, não poderemos explicar o movimento se não encontrarmos um primeiro motor que move todos os outros; 2. Primeira causa eficiente: a segunda via diz respeito ao efeito que este motor imóvel acarreta: a percepção da ordenação das coisas em causas e efeitos permite averiguar que não há efeito sem causa. Dessa forma, igualmente retrocedendo ao infinito, não poderíamos senão chegar a uma causa eficiente que dá início ao movimento das coisas; 3. Ser Necessário e seres contingentes: a terceira via afirma que tudo o que conhecemos é contingente, ou seja, não existia antes e não existirá depois de algum tempo. Mas, se considerarmos que tudo que existe, um dia não existiu, seremos obrigados a admitir que houve um tempo em que nada existia. Mas do nada, nada provém e, por isso, somos obrigados a admitir a existência de, pelo menos, um ser que não seja contingente. O que não é contingente, nós chamamos em filosofia de necessário. Necessário, portanto, é todo ser que NECESSARIAMENTE existe, ou seja, sempre existiu e sempre existirá. 4. Graus de Perfeição: a quarta via trata dos graus de perfeição. Quando dizemos que alguma coisa é mais perfeita que outra, devemos ter um padrão de perfeição. Esse Pedrão deve possuir o grau máximo de perfeição. Portanto, deve existir um ser que possui o grau máximo de perfeição: Deus. 5. Ordem no mundo: a quinta via fala da questão da ordem no mundo. Se olharmos para qualquer animal, por exemplo, veremos que tudo nele faz sentido: os olhos, as pernas, a estrutura esquelética, etc. É como se tudo estivesse em ordem, como se tudo tivesse sido pensado para funcionar como funciona, para que o animal exista do seu melhor modo. Ora, se tudo parece ter sido pensado, então somos obrigados a admitir que há um ser que pensa todas as coisas que existem. 01- Qual o filósofo antigo em que Tomás de Aquino fundamenta sua filosofia? 02- Por que, para Tomás de Aquino, só podemos falar de Deus por analogias? 03- Em que consiste a via do contingente e do necessário? 04- Em que consiste a via da ordem no mundo? 05- Em que consiste a via da causa primeira? 06- Em que consiste a via do movimento? 07- Em que consiste a via da perfeição? 08- A via da perfeição de Tomás de Aquino é a mesma via da perfeição proposta por Santo Anselmo? (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 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Maquiavel, a lógica da força. São Paulo, Moderna, 1993. CASSIRER, Ernst. O mito do Estado. São Paulo, Perspectiva, 1972. CHÂTELET, Francois e outros. História das ideias políticas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985. CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Rio de Janeiro, Agir, 1976. ______________. História do pensamento político, tomo 1, da Cidade-Estado ao apogeu do Estado-Nação monárquico.Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 1982. COSTA, José Silveira da. Tomás de Aquino, a razão a serviço da fé. São Paulo: Moderna, 1993. FARIA, Maia do Carmo Bettencourt. Aristóteles, a plenitude como horizonte do ser. São Paulo: Moderna, 1994. LUCE, John Victor. Curso de filosofia grega. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994. Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, na Itália, no ano de 1469. Sua obra só pode ser compreendida se considerarmos que sua grande preocupação era a unificação da Itália que, assim como a Alemanha, ainda se encontrava profundamente fragmentada, numa época em que os países se organizavam em Estados nacionais, estados que possuíam a prerrogativa do uso da força, da cunhagem de moedas, da cobrança de impostos. Profundamente engajado na política de sua cidade, Maquiavel via em César Bórgia, condottiere ocupado na ampliação dos territórios do Vaticano, o modelo do Príncipe. Tendo trabalhado como segundo chanceler do governo de Soderini, opositor da família Médici, Maquiavel caiu em desgraça quando os Médici voltaram ao poder, após dez anos de governo de Soderini. É nesse período que Maquiavel escreve os seus dois principais textos sobre política: “O Príncipe” e “Comentários à primeira década de Tito Lívio”. Inteligentemente, Maquiavel, dedicou o texto de O Príncipe a Lourenço de Médici, que, infelizmente, não lhe atribuiu muito valor, tendo morrido pouco tempo depois de ter recebido o presente. No entanto, conta-se que Henrique VIII e Catarina de Médici, filha de Lourenço, teriam sido duas das pessoas que souberam utilizar os ensinamentos contidos no pequeno livro: trata-se de uma série de conselhos sobre como governar eficientemente um Estado. A interpretação deste livro, porém, tem provocado inúmeros debates dividindo seus leitores quanto à questão das reais pretensões da obra. Para alguns, trata-se de um livro que defende o Absolutismo e uma completa ausência de moralidade. Essa visão é responsável pela criação do termo “maquiavelismo” como característica daqueles que não têm escrúpulos e que fazem qualquer coisa para obterem o que desejam. Para outros, o livro é uma denúncia, como o afirma Jean-Jacques Rousseau, que, respaldando-se na leitura de “Comentários à primeira década de Tito Lívio”, conclui que O Príncipe é uma sátira cuja verdadeira intenção é colocar à luz o modo como os reis de sua época agiam, ensinando, assim, o povo a se defender dos maus governantes. Segundo Aranha e Martins (1995, p. 204), Modernamente, no entanto, rejeita-se a visão romântica de Rousseau, e a aparente contradição entre as duas obras é interpretada como fruto de dois momentos diferentes da ação política. Em um primeiro estádio, representado pela ação do príncipe, o poder deve ser conquistado e mantido, e para tanto justifica-se o poder absoluto. Posteriormente, alcançada a estabilidade, é possível e desejável a instalação do governo republicano. Esse modo novo de abordar o pensamento de Maquiavel tem como base a leitura dos dois livros principais de sua obra, embora uma leitura atenta do livro O príncipe, já nos permita encontrar, no capítulo IX, a afirmação de que o governante deve contar mais com o apoio do povo que dos grandes que, para Maquiavel, podem ser traiçoeiros, o que já nos dá a pista de uma compreensão do governo como algo que deve ser feito a partir do consenso. A ética proposta por Maquiavel em sua obra é diferente daquela proposta pela moral cristã medieval. O conceito de Virtude, por exemplo (virtù, em Italiano), diferentemente do que se possa imaginar, não se refere a bons modos, compaixão, honestidade, lealdade. Para Maquiavel, o homem de virtù era alguém capaz de fazer as coisas que precisam ser feitas, identificando, assim, virtù a força, virilidade. Um outro conceito de Maquiavel que precisa ser bem compreendido é o de Fortuna, que para ele significa a “ocasião”. Desse modo, o príncipe ideal é aquele que sabe usar da força para aproveitar a ocasião. Isso, porém, não significa valer-se da oportunidade à força. Significa não ser fraco a ponto de perder as boas oportunidades de fazer o que deve ser feito. E o que deve ser feito é o que for melhor para o povo (que não necessariamente é o que o povo mais deseja). Essa ética de Maquiavel funda uma moral laica, típica da Modernidade nascente. Essa moral laica afasta a política da religião e propõe uma avaliação ética de resultados em que os valores abstratos já não são considerados senão quanto à validade de seus efeitos práticos. Em outras palavras, a ética de Maquiavel considera boa qualquer ação que tenha como resultado o bom governo, ou seja, o bem-estar do cidadão, não importando se está de acordo ou não com os ditames da Igreja. É preciso lembrar, também, que Maquiavel parte de suas experiências pessoais baseadas nas pequenas tiranias do século XVI, bastante diferentes das monarquias absolutas do século seguinte, e mais distantes, ainda, das nossas ditaduras modernas. Esse distanciamento nos faz ler a obra de Maquiavel com olhos que não são apropriados para entendê-la, levando-nos a colocar em Maquiavel valores e contra-valores típicos de nossa contemporaneidade ou, como diz o filósofo alemão Cassirer, vendo “o maquiavelismo através de uma lente de aumento”. Entre as características do pensamento de Maquiavel, podemos, esquematicamente, dizer que ele era: Realista, pois analisava como o homem age de fato, e não como o homem deveria idealmente agir; Utilitarista, já que seu interesse era dar pistas para uma ação que obtivesse resultados eficazes. É nesse sentido que se fala de uma Ciência Política; Laica, uma vez que desvinculava os valores da política dos valores da moral cristã; Não normativa, porque não se preocupava em definir as normas do bom regime nem do bom governante. Nesse sentido, estava afastado tanto dos gregos (lembremo-nos de que Platão chegou a criar uma cidade utópica) quanto dos medievais (lembremo- nos de obras como a Cidade do Sol, de Campanella , ou a Utopia, de Thomas Morus). É claro que Maquiavel também oferece conselhos e dá pistas para um bom governo. A diferença é que as pistas de Maquiavel e seus conselhos são circunstanciais, de forma que um bom ato, em determinada circunstância, pode ser um péssimo ato em circunstância diversa. É nesse sentido que dizemos que Maquiavel não dá normas a serem seguidas obedientemente, mas convida o candidato a príncipe a observar nas circunstâncias históricas do momento, e em comparação aos exemplos da história, quais as indicações para a ação mais eficaz em favor do bem estar coletivo. A seguir, algumas fontes para quem deseje conhecer melhor o pensamento de Maquiavel: ARANHA, Maria Lúcia de A. Maquiavel, a lógica da força. São Paulo, Moderna, 1993. CASSIRER, Ernst. O mito do Estado. São Paulo, Perspectiva, 1972. CHÂTELET, François e outros. História das ideias políticas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985. CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Rio de Janeiro, Agir, 1976. ESCOREL, Lauro. Introdução ao pensamento político de Maquiavel. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1979. MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Col. Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1999. 01- Sublinhe as ideias principais do texto sobre Maquiavel 02- Situe a obra de Maquiavel, considerando época e situação política em que O Príncipe foi escrito. 03- O texto fala de “uma completa ausência de moralidade”. A que moralidade o texto se refere? Qual a moralidade proposta por Maquiavel? 04- Qual a ideia de Rousseau a respeito da obra O príncipe? Em que obra obra Rousseau baseia sua opinião sobre O Príncipe? 05- Qual a opinião atual sobre o conjunto da obre política de Rousseau? 06- O que significam, respectivamente, os conceitos de Virtú e Fortuna em Maquiavel? 07- O texto cita quatro características do pensamento de Maquiavel. Explique-as. (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 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_________________________________________________________________________ 01 – (UEL_2004) “O maquiavelismo é uma interpretação de O Príncipe de Maquiavel, em particular a interpretação segundo a qual a ação política, ou seja, a ação voltada para a conquista e conservação do Estado, é uma ação que não possui um fim próprio de utilidade e não deve ser julgada por meio de critérios diferentes dos de conveniência e oportunidade.” (BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant.Trad. de Alfredo Fait. 3.ed. Brasília: Editora da UNB, 1984. p. 14.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, para Maquiavel o poder político é: a) Independente da moral e da religião, devendo ser conduzido por critérios restritos ao âmbito político. b) Independente da conveniência e oportunidade, pois estas dizem respeito à esfera privada da vida em sociedade. c) Dependente da religião, devendo ser conduzido por parâmetros ditados pela Igreja. d) Dependente da ética, devendo ser orientado por princípios morais válidos universal e necessariamente. e) Independente das pretensões dos governantes de realizar os interesses do Estado. 2 – (UEL-2005) “A escolha dos ministros por parte de um príncipe não é coisa de pouca importância: os ministros serão bons ou maus, de acordo com a prudência que o príncipe demonstrar. A primeira impressão que se tem de um governante e da sua inteligência, é dada pelos homens que o cercam. Quando estes são eficientes e fiéis, pode-se sempre considerar o príncipe sábio, pois foi capaz de reconhecer a capacidade e manter fidelidade. Mas quando a situação é oposta, pode-se sempre dele fazer mau juízo, porque seu primeiro erro terá sido cometido ao escolher os assessores”. (MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 136.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre Maquiavel, é correto afirmar: a) As atitudes do príncipe são livres da influência dos ministros que ele escolhe para governar. b) Basta que o príncipe seja bom e virtuoso para que seu governo obtenha pleno êxito e seja reconhecido pelo povo. c) O povo distingue e julga, separadamente, as atitudes do príncipe daquelas de seus ministros. d) A escolha dos ministros é irrelevante para garantir um bom governo, desde que o príncipe tenha um projeto político perfeito. e) Um príncipe e seu governo são avaliados também pela escolha dos ministros. (FUVEST 2008) Texto para as questões 03 e 04 No início do século XVI, Maquiavel escreveu O Príncipe – uma célebre análise do poder político, apresentada sob a forma de lições, dirigidas ao príncipe Lorenzo de Médici. Assim justificou Maquiavel o caráter professoral do texto: Não quero que se repute presunção o fato de um homem de baixo e ínfimo estado discorrer e regular sobre o governo dos príncipes; pois assim como os [cartógrafos] que desenham os contornos dos países se colocam na planície para considerar a natureza dos montes, e para considerar a das planícies ascendem aos montes, assim também, para conhecer bem a natureza dos povos, é necessário ser príncipe, e para conhecer a dos príncipes é necessário ser do povo. (Tradução de Lívio Xavier, adaptada) 03 – Ao justificar a autoridade com que pretende ensinar um príncipe a governar, Maquiavel compara sua missão à de um cartógrafo para demonstrar que a) o poder político deve ser analisado tanto do ponto de vista de quem o exerce quanto do de quem a ele está submetido. b) é necessário e vantajoso que tanto o príncipe como o súdito exerçam alternadamente a autoridade do governante. c) um pensador, ao contrário do que ocorre com um cartógrafo, não precisa mudar de perspectiva para situar posições complementares. d) as formas do poder político variam, conforme sejam exercidas por representantes do povo ou por membros da aristocracia. e) tanto o governante como o governado, para bem compreenderem o exercício do poder, devem restringir-se a seus respectivos papéis. 04 – Está redigido com clareza, coerência e correção o seguinte comentário sobre o texto: a) Temendo ser qualificado de presunçoso, Maquiavel achou por bem defrontar sua autoridade intelectual, tipo um cartógrafo habilitado a desenhar os contrastes de uma região. b) Maquiavel, embora identificando-se como um homem de baixo estado, não deixou de justificar sua autoridade diante do príncipe, em cujos ensinamentos lhe poderiam ser de grande valia. c) Manifestando uma compreensão dialética das relações de poder, Maquiavel não hesita em ministrar ao príncipe, já ao justificar o livro, uma objetiva lição de política. d) Maquiavel parece advertir aos poderosos de que não se menospreze as lições de quem sabe tanto analisar quanto ensinar o comportamento de quem mantenha relações de poder. e) Maquiavel, apesar de jamais ter sido um governante em seu livro tão perspicaz, soube se investir nesta função, e assim justificar-se diante de um príncipe autêntico. fonte: spinalfitness.com Contexto histórico Ao final da Idade Média, muitas mudanças haviam ocorrido na Europa, provocando uma série de reflexões a respeito de temas como a vida em sociedade, as verdades da religião, as certezas do conhecimento. A admissão de que o conhecimento produzido por filósofos como Aristóteles e Platão estava agora precisando ser revisto, obrigou os espíritos mais curiosos a colocar em xeque também as novas conclusões a que chegavam (afinal, se os grandes espíritos erraram e seus erros se mantiveram como verdades inquestionáveis por tantos séculos, como garantir que os novos paradigmas também não estavam carregados de erros?). Por outro lado, a própria Religião que tantas vezes foi porta-voz dos erros cometidos pelos filósofos (por exemplo, a afirmação de que a Terra estava imóvel no centro do universo), voltava-se agora contra a razão na figura dos reformadores que, tentando retomar o cristianismo dos primeiros séculos, afirmavam que só a fé poderia levar ao verdadeiro conhecimento, sendo a razão o caminho mais rápido para o afastamento da verdade. É nesse clima de ceticismo que Descartes tentará empreender um projeto de estabelecimento a respeito do que seria uma verdade indubitável, ou seja, uma verdade que não pudesse ser questionada sob nenhuma instância e que tivesse valor universal. Esta ideia, única que fosse, seria, então, a pedra de fundamento do edifício do conhecimento, erguido a partir de alicerces firmes e indestrutíveis. Dados biográficos Nascido na França do século XVII, Descartes estudou numa escola jesuíta e foi um aluno brilhante, embora de saúde frágil. Ao terminar seus estudos com os jesuítas, resolveu viajar pelo mundo para aprender no “livro do mundo” como costumava dizer. O projeto de Descartes, portanto, não pode ser estudado sem se levar em consideração o ambiente em que viveu, a escola em que estudou e as viagens que realizou. Temos em Descartes, portanto, era um homem com sólida formação acadêmica tradicional, conhecedor de diversas culturas e conectado com as discussões do seu tempo. A dúvida metódica ou hiperbólica fonte: robsonsilos.wordpress.com Segundo a maioria dos estudiosos – e isso podemos perceber de muitos dos seus escritos – Descartes não era um cético radical. O seu método, denominado Dúvida Metódica ou Dúvida Hiperbólica, pretenderia, portanto, não afirmar a impossibilidade do conhecimento, mas, ao contrário, mostrar a inconsistência do ceticismo produzido no período pósmedieval. Para enfrentar o ceticismo de seu tempo, que afirmava a impossibilidade do conhecimento, Descartes adota a seguinte atitude: admitir essa impossibilidade o mais radicalmente possível, duvidando de tudo. Caso não fosse possível contestar o ceticismo, então, ele teria que ser aceito como um princípio universalmente válido. Do contrário, os céticos seriam obrigados a admitir a inconsistência de suas teses. As três substâncias Descartes começa admitindo que não podemos ter certeza das coisas que percebemos quando estão distantes de nós no tempo e no espaço (um fato que ocorreu há muito tempo ou um objeto que está muito distante de nós são, em geral, causas de muitos equívocos); em seguida, Descartes, apelando para o fenômeno dos sonhos, afirma que mesmo os fatos e objetos próximos a nós no tempo e no espaço podem não ser confiáveis (quando sonhamos, temos a certeza de que as coisas e fatos que ocorrem são inteiramente confiáveis, embora, de fato, não o sejam); destruídas essas possibilidades de certeza, Descartes entende que em relação ao nosso corpo, mesmo estando acordados, cometemos equívocos, como no caso de pessoas que tiveram algum dos membros amputado e que, no entanto, continuam tendo sensações como se o tal membro ainda fizesse parte do seu corpo. Como podemos perceber, Descartes assume integralmente o argumento dos céticos, colecionando exemplos de nossa incapacidade de afirmar de forma clara e distinta a validade de qualquer percepção da realidade. No entanto, pensa o filósofo, há as realidades matemáticas. Mesmo em sonho, sei que a soma, por exemplo, de 3 mais 2 resulta em 5. Portanto, as verdades da matemática seriam absolutamente claras e distintas, sendo, portanto, indubitáveis. Ocorre – diz-nos Descartes – que mesmo esta certeza matemática poderia estar sendo incutida em nós por um ente maligno, uma espécie de Deus perverso que se contentasse em criar um mundo fictício, com sensações fictícias e conceitos matemáticos igualmente fictícios, pelo puro prazer de se divertir com a nossa confusão. Nesse caso, haveria algo que fosse indubitável? Descartes diz que sim. Para Descartes o fato de estar sendo enganado, caso haja esse deus maligno, não pode ser negado. Ou seja: se eu chegar ao ponto de duvidar de tudo o que existe, não poderei duvidar de que estou duvidando, o que significa que estou pensando, o que significa que existo. É desse raciocínio que surgirá a célebre frase: “Cogito, ergo sum”, que em Latim quer dizer “Penso, logo existo.” O que significa isso? Significa que, para Descartes, a única certeza indubitável, a única ideia clara e distinta é a ideia do eu pensante, ou seja, o eu enquanto pensa algo, não importa o que esteja sendo pensado. A esse “eu pensante” Descartes dará o nome de “res cogitans”, coisa que pensa. A hipótese do ente maligno, no entanto, é um grande problema, pois, se não elimina a existência do eu, por um lado, por outro lado coloca em dúvida todo o resto. Como resolver esse problema?Descartes, para afirmar algo que esteja indubitavelmente presente ao mundo e para além de sua “res cogitans”, resolve investigar os conteúdos do seu eu pensante, única certeza até então confirmada. Observando suas próprias ideias, Descartes as distingue em três tipos: ideias inatas (que “parecem ter nascido comigo”); ideias adventícias (que parecem ter vindo de fora); ideias factícias (forjadas por mim mesmo). De todas as ideias, as inatas seriam as mais confiáveis, dada a sua natureza. O cogito, por exemplo, não deriva de nenhum raciocínio, nenhuma imaginação, nenhuma percepção dos sentidos. Sua apreensão é imediata, ou seja, sem qualquer mediação. Haveria, no conjunto das ideias, alguma outra que tivesse as mesmas características? Para Descartes, a ideia de Deus seria uma delas. Isso porque a ideia de Deus encerra alguns elementos que são muitos especiais e muito próprios: “Pelo nome de Deus entendo uma substância infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente e pela qual eu próprio e todas as coisas que são (se é verdade que há coisas que existem) foram criadas e produzidas.”(Descartes, Discurso do Método) Ora, uma ideia assim não poderia ter sido produzida por mim porque possui elementos que não me pertencem. Por exemplo, a onisciência: se eu fosse onisciente, não teria dúvidas quanto à existência ou não das coisas. Outra característica peculiar da ideia de Deus é a perfeição. Do mesmo modo que não sou onisciente, não sou, também, perfeito, já que se fosse perfeito, não duvidaria. Portanto, pensa Descartes, essa ideia só pode ser inata, já que não chegou a mim nem por imaginação nem pelos sentidos. A ideia de Deus é um problema para Descartes, e isso é fácil de perceber pelo seu empenho em amealhar justificativas plausíveis para a sua admissão de que essa é uma ideia clara e distinta. Entre as “provas” da existência de Deus, Descartes chega a apresentar o clássico argumento de Santo Anselmo, segundo o qual, a ideia de Deus encerra a posse de todas as perfeições, o que torna Deus necessariamente existente, já que, por ser perfeito Deus tem que ter todas as perfeições, inclusive a da existência. Nota-se a necessidade de Descartes em afirmar a existência de Deus até para estabelecer as bases do conhecimento. Como vimos no início do texto, a hipótese do gênio maligno colocaria todo o edifício do conhecimento abaixo, ou melhor, o inviabilizaria antes mesmo de ser iniciada a sua construção. No entanto, ao mostrar a possibilidade, ou melhor, o caráter indubitável da ideia de Deus, Descartes já pode dispensar de uma vez por todas a hipótese do gênio maligno, uma vez que um Deus perfeito não permitiria a existência de um ente cuja função fosse induzir ao erro. Dessa forma, Descartes, tendo primeiro garantido uma primeira substância, a “res cogitans” (eu), parte para a identificação de uma segunda substância, a “res infinita” (Deus), que garantirá as condições de existência das demais realidades, já que, não existindo um ente que nos engana, e sendo a hipótese de existência desse ente substituída pela certeza da existência de um Deus, verdadeiro, criador e bom, então, tudo o que existe é criado, de fato, por este Deus. De fato, Descartes declara: "Depois que reconheci que há um Deus – porque ao mesmo tempo também reconheci que todas as coisas dependem dEle, e que ele não é um enganador, e disso inferi que o que percebo clara e distintamente não pode deixar de ser verdade – nenhuma razão contrária pode ser apresentada que me faça duvidar da verdade de algo que clara e distintamente percebi, desde que me lembre tê-lo clara e distintamente percebido (mesmo que no momento não tenha em mente as razões que levaram a julgá-lo verdadeiro), e, assim, posso dizer que tenho conhecimento verdadeiro e certo dessa coisa" (Medit III, HR 184). Mas como explicar, uma vez garantida e existência do mundo fora de nós, que nós nos enganemos com tanta frequência? Descartes atribui a origem dos nossos erros à falha dos sentidos. Segundo o pensador, a razão conhece com clareza e distinção, mas os sentidos são falhos. Então, o que podemos considerar como objeto seguro de conhecimento claro e distinto? Para o fundador da filosofia moderna, apenas a extensão dos objetos, uma vez que qualidades como cor, sabor, som, temperatura são aspectos obscuros da realidade. É por esse motivo que Descartes chamará a terceira substância a ser identificada pelo nome de “res extensa”. Dessa forma, da dúvida metódica cartesiana surge a afirmação de três substâncias: res cogitans (coisa pensante = eu) res infinita (coisa infinita = Deus) res extensa (coisa =extensa = mundo) Entenda-se por mundo tudo o que se refere aos objetos físicos, ou seja, tudo o que é objeto das ciências, mas visto, agora, a partir de uma perspectiva puramente matemática. Em outras palavras, Descartes elimina da pesquisa científica qualquer aspecto do real que não possa ser reduzido a uma representação matemática, quantitativa. É por esse motivo que, a partir de Descartes, “a física será [doravante] físico-matemática”. (Franklin Leopoldo e Silva, Descartes, a metafísica da Modernidade) O método Na tentativa de dar prosseguimento à sua tarefa de reconstrução do edifício do conhecimento ameaçado pelo ceticismo pós-medieval, Descartes estabeleceu um método para conduzir o espírito que, segundo Gilberto Cotrim (Fundamentos da Filosofia) pode ser assim resumido: Regra da evidência – só aceitar algo como verdadeiro desde que seja absolutamente evidente por sua clareza e distinção. Estas ideias claras e distintas, Descartes as encontra na sua própria atividade mental, independentemente das percepções sensoriais externas. Isso faz Descartes propor a existência das ideias inatas (ideias cujas estruturas já trazemos ao nascer), que são plenamente racionais. Exemplo dessas ideias: as ideias matemáticas, as noções gerais de extensão e movimento, a ideia de infinito, etc. o exemplo mais célebre de ideia inata cartesiana está expresso na fórmula: Penso, logo existo. Regra da análise – dividir cada uma das dificuldades surgidas em tantas partes quantas forem necessárias para resolvê-las melhor. Regra da síntese – ordenar o raciocínio indo dos problemas mais simples para os mais complexos. Regra da enumeração – realizar verificações completas e gerais para ter absoluta segurança de que nenhum aspecto do problema foi omitido. As regras do método (trecho do Discurso do método) Eu estudara um pouco, sendo mais jovem, entre as partes da filosofia, a lógica, e, entre as matemáticas, a análise dos geômetras e a álgebra, três artes ou ciências que pareciam dever contribuir com algo para o meu desígnio. Mas, examinando-as, notei que, quanto à lógica, os seus silogismos e a maior parte de seus outros preceitos servem mais para explicar a outrem as coisas que já se sabem, ou mesmo, como a arte de Lúlio, para falar, sem julgamento, daquelas que se ignoram, do que para aprendê-las. E embora ela contenha, com efeito, uma porção de preceitos muito verdadeiros e muito bons, há, todavia, tantos outros misturados de permeio que são ou nocivos ou supérfluos, que é quase tão difícil separá-los quanto tirar uma Diana ou uma Minerva de um bloco de mármore que nem sequer está esboçado. Depois, com respeito à análise dos antigos e à álgebra dos modernos, além de se estenderem apenas a matérias muito abstratas, e de não parecerem de nenhum uso, a primeira permanece sempre tão adstrita à consideração das figuras que não pode exercitar o entendimento sem fatigar muito a imaginação; e esteve-se de tal forma sujeito, na segunda, a certas regras e certas cifras que se fez dela uma arte confusa e obscura que embaraça o espírito, em lugar de uma ciência que o cultiva. Por essa causa, pensei ser mister procurar algum outro método que, compreendendo as vantagens desses três, fosse isento de seus defeitos. E, como a multidão de leis fornece amiúde escusas aos vícios, de modo que um Estado é bem melhor dirigido quando, tendo embora muito poucas, são estritamente cumpridas; assim, em vez desse grande número de preceitos de que se compõe a lógica, julguei que me bastariam os quatro seguintes, desde que tomasse a firme e constante resolução de não deixar uma só vez de observá-los. O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida. O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las. O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir. Em longas cadeias de razões todas simples e fáceis, de que os geômetras costumam servirse para chegar às suas mais difíceis demonstrações, haviam-me dado ocasião de imaginar que todas as coisas possíveis de cair sob o conhecimento dos homens seguem-se umas às outras da mesma maneira e que, contanto que nos abstenhamos somente de aceitar por verdadeira qualquer que não o seja, e que guardemos sempre a ordem necessária para deduzi-las umas das outras, não pode haver quaisquer tão afastadas a que não se chegue por fim, nem tão ocultas que não se descubram. As três substâncias de Descartes (coletânea de trechos das Meditações metafísicas, onde Descartes apresenta sua tese sobre a existência dele mesmo, de Deus e do mundo) Sobre o Eu (Res cogitans) Arquimedes, para tirar o globo terrestre de seu lugar e transportá-lo para outra parte, não pedia nada mais, exceto um ponto de que fosse fixo e seguro. Assim, terei o direito de conceber altas esperanças, se for bastante feliz para encontrar somente uma coisa que seja certa e indubitável. Suponho, portanto, que todas as coisas que vejo são falsas. Persuado-me de que jamais existiu de tudo quanto minha memória referta de mentiras me representa. Penso não possuir nenhum sentido; creio que o corpo, a figura, a extensão, o movimento e o lugar são apenas ficções de meu espírito. O que poderá, pois, ser considerado verdadeiro? Talvez nenhuma outra coisa a não ser que nada há no mundo de certo. Mas que sei eu, se não há nenhuma outra coisa diferente das que acabo de julgar incertas, da qual não se possa ter a menor dúvida? Não haverá algum Deus, ou alguma outra potência, que me ponha no espírito tais pensamentos? Isso não é necessário; pois talvez seja eu capaz de produzi-los por mim mesmo. Eu, então, pelo menos, não serei alguma coisa? Mas já neguei que tivesse qualquer sentido ou qualquer corpo. Hesito, no entanto, pois que se segue daí? Serei de tal modo dependente do corpo e dos sentidos que não possa existir sem eles? Mas eu me persuadi de que nada existia no mundo, que não havia nenhum céu, nenhuma terra, espíritos alguns, nem corpos alguns; não me persuadi também, portanto, de que eu não existia? Certamente não eu existia, sem dúvida, se é que eu me persuadi, ou, apenas, pensei alguma coisa. Mas já algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua indústria em enganar-me sempre. Não há, pois, dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, não poderá jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter pensado bastante nisso e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu, sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito. Sobre Deus (Res Infinita) A luz natural me faz conhecer evidentemente que as ideias são em mim como quadros, ou imagens, que podem na verdade facilmente não conservar a perfeição das coisas de onde foram tiradas, mas que jamais podem conter algo de maior ou de mais perfeito. E quanto mais longa e cuidadosamente examino todas essas coisas, tanto mais clara e distintamente reconheço que elas são verdadeiras. Mas, enfim, que concluirei de tudo isso? Concluirei que, se a realidade objetiva de alguma de minhas ideias é tal que eu reconheça claramente que ela não está em mim nem formal nem eminentemente e que, por conseguinte, não posso, eu mesmo, ser-lhe a causa, daí decorre necessariamente que não existo sozinho no mundo, mas que há ainda algo que existe e que é a causa dessa ideia; ao passo que, se não se encontrar em mim uma tal ideia, não terei nenhum argumento que me possa convencer e me certificar da existência de qualquer outra coisa além de mim mesmo; pois procurei-os a todos cuidadosamente e não pude, até agora, encontrar nenhum. Ora, essas ideias, além daquela que me representa a mim mesmo, sobre a qual não pode haver aqui nenhuma dificuldade, há uma outra que me representa um Deus; outras, as coisas corporais e inanimadas; outras, os anjos; outras, os animais; outras, enfim, que me representam homens semelhantes a mim. Mas, no que se refere às ideias que me representam outros homens ou animais, ou anjos, concebo facilmente que podem ser formadas pela mistura e composição de outras ideias que tenho das coisas corporais e de Deus, ainda que não houvesse, fora de mim, no mundo, outros homens, nem quaisquer animais ou anjos. E quanto às ideias das coisas corporais, nada reconheço de tão grande nem de tão excelente que não me pareça poder provir de mim mesmo; pois, se as considero de mais perto, e se as examino da mesma maneira como examinava, há pouco, a ideia da cera, verifico que pouquíssima coisa nela se encontra que eu conceba clara e distintamente; a saber, a grandeza ou a extensão em lonjura, largura e profundidade. A figura que é formada pelos termos e pelos limites dessa extensão; a situação que os corpos diferentemente figurados guardam entre si; e o movimento ou a modificação dessa situação; aos quais podemos acrescentar a substância, a duração e o número. Quanto às outras coisas, como a luz, as cores, os sons, os odores, os sabores, o calor, o frio e as outras qualidades que caem sob o tato, encontram-se em meu pensamento com tanta obscuridade e confusão que ignoro mesmo se são verdadeiras ou falsas e somente aparentes, isto é, se as ideias que concebo dessas qualidades são com efeito, as ideias de algumas coisas reais ou se não me representam apenas seres quiméricos que não podem existir. Quanto às ideias claras e distintas que tenho das coisas corporais, há algumas dentre elas que, parece, pude tirar da ideia que tenho de mim mesmo, como a que tenho da substância, da duração, do número e de outras coisas semelhantes. Pois, quando penso que a pedra é uma substância, ou uma coisa que é por si capaz de existir, e em seguida que sou uma substância, embora eu conceba de fato que sou uma coisa pensante e não extensa. E que a pedra, ao contrário, é uma coisa extensa e não pensante, e que, assim. Entre essas duas concepções há uma notável diferença, elas perecem, todavia, concordar na medida em que representam substâncias. Da mesma maneira, quando penso que sou agora e me lembro, além disso, de ter sido outrora e concebo mui diversos pensamentos, cujo número conheço, então adquiro em mim as ideias da duração e do número que, em seguida, posso transferir a todas as outras coisas que quiser. Quanto às outras qualidades de cujas ideias são compostas as coisas corporais, a saber, a extensão, a figura, a situação e o movimento de lugar, é verdade que elas não estão formalmente em mim, posto que sou apenas uma coisa que pensa; mas já que são somente certos modos da substância, e como que as vestes sob as quais a substância corporal nos aparece e que sou, eu mesmo, uma substância, parece que elas podem estar contidas em mim eminentemente. Portanto, resta tão-somente a ideia de Deus, na qual é preciso considerar se há algo que não possa ter provindo de mim mesmo. Pelo nome de Deus entendo uma substancia infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente e pela qual eu próprio e todas as coisas que são (se é verdade que há coisas que existem) foram criadas e produzidas. Ora, essas vantagens são tão grandes e tão eminentes que quanto mais atentamente as considero, menos me persuado de que essa ideia possa tirar sua origem de mim tão-somente. E, por conseguinte, é preciso necessariamente concluir, de tudo o que foi dito antes, que Deus existe; pois, ainda que a ideia da substância esteja em mim, pelo próprio fato de ser eu uma substância, eu não teria, todavia, a ideia de uma substância infinita, eu que sou um ser finito, se ela não tivesse sido colocada em mim por alguma substância que fosse verdadeiramente infinita. E não devo imaginar que não concebo o infinito por uma verdadeira ideia, mas somente pela negação do que é finito, do mesmo modo que compreendo o repouso e as trevas pela negação do movimento e da luz; pois ao contrário, vejo manifestamente que há mais realidade na substância infinita que na substância finita e, portanto, que, de alguma maneira, tenho em mim a noção do infinito anteriormente à do finito, isto é, de /deus antes que de mim mesmo. Pois, como seria possível que eu pudesse conhecer que duvido e que desejo, isto é, que me falta algo e que não sou inteiramente perfeito, se não tivesse em mim nenhuma ideia de um ser mais perfeito que o meu, em comparação ao qual eu conheceria as carências de minha natureza: A moral fonte: str.com.br Franklin Leopoldo e Silva no seu livro Descartes, a metafísica da Modernidade, explica que Descartes “elabora uma moral provisória constituída por três máximas, isto é, três regras de caráter geral que deverão orientar sua conduta enquanto prossegue na busca do saber, ao fim do qual poderá talvez formular metodicamente uma moral científica e definitiva. [...]” “A primeira máxima consiste em obedecer as leis e costumes do país em que se vive e respeitar a religião na qual se foi educado. Para tanto, há que seguir as opiniões mais sensatas, ou seja, as mais moderadas, aquelas que se situam no meio-termo entre duas posições extremas, e que são professadas pelos homens mais equilibrados com os quais se tem que conviver. [...]” “A segunda máxima consiste em, uma vez adotada uma opinião, segui-la constantemente como se estivesse absolutamente seguro dela. Pois o bom senso me indica que provavelmente é mais adequado manter a constância de uma opinião do que variar a todo momento, ainda que a opinião adotada seja apenas provável.[...]” “a terceira máxima consiste em procurar sempre dominar a si mesmo, e não o destino. Isso significa: é mais sensato tentar vencer os meus próprios desejos do que procurar modificar a ordem do mundo. Melhor adaptar a minha vontade à realidade, visto que o inverso dificilmente acontecerá. [...]”. O esforço de Descartes, se não resolveu todos os problemas da filosofia, pelo menos propôs novos desafios, tornando-o famoso por fundar uma filosofia calcada no racionalismo, na predileção pelo método dedutivo e na instauração do dualismo psicofísico. 01 – Qual o significado da expressão “dúvida metódica”? 02 – Qual o significado da expressão “dúvida hiperbólica”? 03 – Descartes era, de fato, um cético? 04 – O que são ideias adventícias, para Descartes? 05 – O que são ideias inatas, para Descartes? 06 – Como Descartes chega à afirmação da res cogitans? 07 – O que são ideias factícias, para Descartes? 08 – Como Descartes chega à afirmação da res infinita? 09 – Por que a res infinita é fundamental para a afirmação da existência do mundo? 10 – Em que consistia a moral provisória de Descartes? 11 – Explique os quatro preceitos propostos por Descartes como método de investigação dos problemas. (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 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_________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ fonte: evolvingcomplexityii.wordpress.com O iniciador do empirismo é Francis Bacon. Enalteceu ele a experiência e o método indutivo de tal modo, que o transcendente e a razão acabam por desaparecer na sombra. Falta-lhe, no entanto, a consciência crítica do empirismo, que foram aos poucos conquistando os seus sucessores e discípulos, até Hume. A filosofia de Bacon, apesar de seu conteúdo empirista, ainda afirma em grande medida os princípios transcendentes e cristãos, o que, afinal, é uma característica de todo o pensamento do século XVII; nesse sentido, é fácil perceber que o pensador continua a considerar a filosofia como esclarecedora da essência da realidade, das formas, sustentáculo e causa dos fenômenos sensíveis. É uma posição filosófica que apela para a metafísica tradicional, grega e escolástica, aristotélica e tomista, o que nos permite afirmar que o empirismo de Francis Bacon é ainda um empirismo incipiente. Vida e Obras Francis Bacon nasceu no dia 22 de janeiro de 1561 na York House, Londres, residência de seu pai sir Nicholas Bacon, que nos primeiros vinte anos do reinado de Elizabeth tinha sido o Guardião do Sinete, uma função que lhe conferia uma particular posição entre os nobres ingleses. A mãe de Bacon foi lady Anne Cooke. O pai dela tinha sido o tutor-chefe do rei Eduardo VI; ela mesma era linguista e teóloga, e não tinha dificuldade em se corresponder em grego com bispos. Lady Anne Cooke não poupou esforços para que o filho recebesse a mais fina instrução tivesse instrução. Bacon frequentou a Universidade de Cambridge, e viveu também em Paris. Começou a sua carreira de homem político e jurista, antes sob a rainha Isabel, e, depois, sob Jaime I, subindo até aos mais altos cargos: advogado geral em 1613, membro do Conselho particular em 1616, chanceler do reino em 1618. Foi agraciado por Jaime I com os títulos de Barão de Verulamo e Visconde de S. Albano. Entretanto, foi acusado de concussão e condenado pelo Parlamento a uma multa vultosa. Perdoado pelo rei, retirou-se para as suas terras, dedicando-se inteiramente aos estudos. Faleceu em 1626. Teve uma inteligência muito esclarecida, convencido da sua missão de cientista, segundo o espírito positivo e prático da mentalidade britânica. A obra principal de Bacon é a Instauratio magna scientiarum, vasta síntese que deveria ter compreendido seis grandes partes. Mas terminou apenas duas, deixando sobre o resto esboços e fragmentos. As duas partes acabadas são precisamente: I - De dignitate et argumentis scientiarum (Sobre a dignidade e argumentos das ciências); II - Novum organum scientiarum(Novo instrumento das ciências). Como se vê pelos títulos, e mais ainda pelo conteúdo, trata-se de pesquisas gnosiológicas (ligadas ao modo como podemos conhecer as coisas), críticas e metodológicas, para lançar as bases lógicas da nova ciência, da nova filosofia, que deveria dar ao homem o domínio da realidade. Os Ensaios Sua ascensão parecia tornar realidade os sonhos de Platão de um rei-filósofo. No entanto, acreditava que se vivia melhor na vida oculta - bene vixit qui bene latuit. Não conseguia chegar a uma conclusão sobre se gostava mais da vida contemplativa ou da ativa. Sua esperança era de ser filósofo e estadista, também, como Sêneca; embora desconfiasse de que essa dupla direção de sua vida fosse encurtar o seu alcance e reduzir suas realizações. "É difícil dizer", escreve ele, "se a mistura de contemplações com uma vida ativa ou o retiro inteiramente dedicado a contemplações é o que mais incapacita ou prejudica a mente." Achava que os estudos não podiam ser um fim em si mesmos, e que o conhecimento não aplicado em ação era uma pálida vaidade acadêmica. "Dedicar-se em demasia aos estudos é indolência; usá-los em demasia como ornamento é afetação; fazer julgamentos seguindo inteiramente suas regras é o capricho de um scholar. (...) Os homens astutos condenam os estudos, os homens simples os admiram, e os homens sábios se utilizam deles..." Eis uma nova nota que marca o fim da escolástica - isto é, o divórcio entre o conhecimento e o uso e a observação - e coloca aquela ênfase na experiência e nos resultados que distingue a filosofia inglesa, e culmina no pragmatismo. Não que Bacon tivesse, por um instante, deixado de amar os livros e a meditação; em palavras que lembram Sócrates, ele escreve: "sem filosofia, não quero viver", e descreve a si mesmo como, afinal de contas, "um homem naturalmente mais propenso à literatura do que a qualquer outra coisa, e levado por algum destino, contra a inclinação de seu gênio" (isto é caráter), "à vida ativa". Quase que a sua primeira publicação recebeu o título de O Elogio do Conhecimento (1592); observemos um trecho dessa obra em que fica claro o amor do filósofo pelo conhecimento: "Meu elogio será dedicado à própria mente. A mente é o homem, e o conhecimento é a mente; um homem é apenas aquilo que ele sabe. (...) Não são os prazeres das afeições maiores do que os prazeres dos sentidos, e não são os prazeres do intelecto maiores do que os prazeres das afeições? Não se trata, apenas, de um verdadeiro e natural prazer do qual não há saciedade? Não é só esse conhecimento que livra a mente de todas as perturbações? Quantas coisas existem que imaginamos não existirem? Quantas coisas estimamos e valorizamos mais do que são? Essas vãs imaginações, essas avaliações desproporcionadas, são as nuvens do erro que se transformam nas tempestades das perturbações. Existirá, então, felicidade igual à possibilidade da mente do homem elevarse acima da confusão das coisas de onde ele possa ter uma atenção especial para com a ordem da natureza e o erro dos homens? De contentamento e não de benefício? Será que não devemos perceber tanto a riqueza do armazém da natureza quanto a beleza de sua loja? Será estéril a verdade? Não poderemos, através dela, produzir efeitos dignos e dotar a vida do homem com uma infinidade de coisas úteis?" No ensaio"Da Juventude e da Idade"ele condensa um livro em um parágrafo. "Os jovens são mais aptos para inventar do que para julgar, mais aptos para a execução do que para o assessoramento, e mais aptos para novos projetos do que para atividades já estabelecidas; porque a experiência da idade em coisas que estejam ao alcance dessa idade os dirige; mas em coisas novas, os maltrata. (...) Os jovens, na conduta e na administração dos atos, abraçam mais do que podem segurar, agitam mais do que podem acalmar; voam para o fim sem consideração para com os meios e os graus; perseguem absurdamente alguns princípios com que toparam por acaso; não se importam em "(isto é, em como)" inovar, o que provoca transtornos desconhecidos. (...) Os homens maduros fazem objeções demais, demoram-se demais em consultas, arriscam-se muito pouco, arrependem-se cedo demais e raramente levam o empreendimento até o fim, mas se contentam com uma mediocridade de sucesso. Não há dúvida de que é bom forçar o emprego de ambos (...), porque as virtudes de qualquer um deles poderão corrigir os defeitos dos dois." Bacon acha, apesar de tudo, que a juventude e a infância podem ter uma liberdade demasiada e, assim, crescer desordenadas e relaxadas. "Que os pais escolhem cedo as vocações e os cursos que pretendem que seus filhos sigam, pois é nessa fase que eles são mais flexíveis; e que não se concentrem demais no pendor dos filhos, pensando que estes irão dedicar-se melhor àquilo para que estejam mais inclinados. É verdade que se os pendores ou a aptidão dos filhos forem extraordinários, é bom não contrariá-los; mas em geral, é bom o preceito" dos pitagóricos: "Optimum lege, suave et facile illud faciet consuetudo" - escolha o melhor; o hábito irá torná-lo agradável e fácil. Porque "o hábito é o principal magistrado da vida do homem." A política dos Ensaios prega um conservantismo natural em que aspira ao governo. Bacon quer um forte poder central. A monarquia é a melhor forma de governo; e em geral, a eficiência de um Estado varia com a concentração do poder. "Deve haver três pontos essenciais nas atividades" do governo: "a preparação; o debate, ou exame; e a conclusão" (ou execução). "Se quiserdes presteza, que só o do meio fique a cargo de muitos, com o primeiro e o último ficando a cargo de uns poucos." Ele é um militarista confesso; deplora o crescimento da indústria por considerar que isso deixa os homens despreparados para a guerra, e lamenta uma paz prolongada, por aplacar o guerreiro que existe no homem. Apesar disso, reconhece a importância das matérias-primas: "Sólon disse a Creso (quando, por ostentação, Creso lhe mostrou o seu ouro): "Senhor, se chegar qualquer outro que tenha melhor ferro do que vós, ele será dono de todo esse ouro." O Pensamento: A "Instauratio Magna" A Instauratio magna scientiarum deveria ter precisamente representado a reforma do saber, deveria ter constituído a summa philosophica dos tempos novos, e lançado o fundamento do regnum hominis, tão audazmente iniciado pela ciência e pela política da Renascença. Essa obra deveria ter abraçado a enciclopédia das ciências e compreendido também as técnicas, segundo o novo ideal humano e prático e imanentista. Começa-se, portanto, com a classificação geral das disciplinas humanas, baseada no respectivo predomínio das três faculdades que presidem à organização do saber: memória, fantasia, razão. Essa classificação é baseada não no objeto do conhecimento, e sim no sujeito que conhece. 1) História tanto civil quanto natural, que registra (memória) os dados de fato; 2) Poesia, elaboração imaginativa desses dados; 3) Ciência ou filosofia, isto é, conhecimento racional de Deus, do homem e da natureza. A teologia natural de Bacon não exclui, mas prescinde da revelação cristã e da religião positiva. A ciência do homem divide-se em ciência do homem individual (philosophia humanitatis), e em ciência da sociedade humana (philosophia civilis). A primeira diz respeito ao homem todo, espírito e matéria. A segunda diz respeito à arte de governar e às relações sociais e aos negócios. A filosofia natural ou física, divide-se em especulativa e operativa. A primeira, por sua vez, se divide em física especial ("que procura a causa eficiente e material"), e em metafísica ("que procura a causa final e a forma"). Pertencem pois à física operativa as artes mecânicas. Acima das ciências filosóficas particulares, Bacon põe uma ciência filosófica comum, denominando-a philosophia prima. Esta não é a ontologia tradicional, a ciência do ser em geral, mas a ciência dos princípios comuns às várias ciências. O "Novum Organum" Entretanto, o que interessa mais a Bacon não é esta ciência dos princípios comuns, e sim a ciência da natureza, e, portanto, o Novum organum, que deveria conter precisamente as regras para a construção da ciência da natureza. Como é sabido, Bacon reivindica, contra Aristóteles e a Escolática, o método indutivo. Aristóteles e Tomás de Aquino afirmaram claramente este método, e até o reconheceram como único procedimento inicial do conhecimento humano; entretanto a eles interessavam muito mais as causas do que a experiência, o que transcende a experiência do que a experiência; muito mais a metafísica do que a ciência. Segundo Bacon, o verdadeiro método da indução científica compreende uma parte negativa ou crítica, e uma parte positiva ou construtiva. A parte negativa consiste, antes de tudo, em alertar a mente contra os erros comuns, quando procura a conquista da ciência verdadeira. Na sua linguagem imaginosa Bacon chama as causas destes erros comuns, fantasmas idola - e os divide em quatro grupos fundamentais. 1) Idola tribus(ídolo da tribo), a saber, os erros da raça humana "fundamentados em a natureza como tal" , ou seja, falsas noções que todos os humanos naturalmente possuem, não importa seu grau de conhecimento; 2) Idola specus(ídolo da caverna), ou seja, falsas noções determinados pelas disposições subjetivas de cada um, como limitações em um dos sentidos, ou desvios de formação intelectual ou cultural; 3) Idola fori (ídolo do mercado), erros provenientes da linguagem imperfeita, do mau uso de palavras e conceitos não unívocos; 4) Idola theatri (ídolo do teatro), isto é, os erros provenientes das noções equivocadas das escolas filosóficas, que substituem o mundo real por um mundo fantástico, por um jogo cênico. Desembaraçado o terreno destes erros, Bacon passa a tratar da natureza positiva, construtiva, da genuína interpretação da natureza para dominá-la. Mas, para tanto, é mister conhecer as que Bacon chama de formas, isto é, os princípios imanentes, causa e lei da ação e da ordem das naturezas. As naturezas são precisamente os fenômenos experimentais, objeto da física especial (luz, calor, peso, etc.); as formas são leis genéticas e organizadoras das naturezas, as essências ou causas formais, objeto da metafísica de Bacon. Esta pesquisa, esta passagem das naturezas às formas, dos fenômenos às essências - bem conhecida pela filosofia tradicional - é determinada por Bacon, segundo um método preciso, desconhecido dos predecessores, nas famosas tabulae baconianas. Para determinar de um modo certo as causas e as leis dos fenômenos - isto é, as formas das naturezas Bacon recolhe, antes de tudo, o maior número possível de exemplos, em que um determinado fenômeno aparece; depois enumera os casos que mais se assemelham às primeiras, em que, porém, o mesmo fenômeno não aparece. Enfim registra o aumentar ou o diminuir do fenômeno em questão, quer no mesmo objeto, quer em objetos diferentes. Têm-se, desta maneira, três espécies de registros ou tabelas: 1) tabelas de presença; 2) tabelas de ausência; 3) tabelas de gradações. É evidente que nos casos onde uma determinada natureza ou fenômeno aparecem, aí se encontrará também a sua causa e lei; nos casos em que o fenômeno não se manifesta, aí faltará também a sua causa e lei; e nos casos onde o fenômeno aumenta ou diminui, aí aumentará ou diminuirá também a sua causa e lei. A causa (forma) dos fenômenos (naturezas) será procurada, portanto, com base nos fenômenos presentes na primeira tabela; não sendo fácil, a princípio, ter-se tabelas completas e isolar as naturezas simples, e desta maneira pôr em evidência a causa, é mister estabelecê-la por hipótese, que será, em seguida, averiguada pelas experimentações. Essa gnosiologia, metodologia (empírica) é baseada em uma metafísica, uma física materialista e, mais precisamente, atomista, bastante semelhante à de Demócrito. O mundo material é constituído de corpúsculos, qualitativamente idênticos, diversos apenas por grandeza, forma e posição. Estes corpúsculos são animados por uma força, em virtude da qual se agrupam em determinados complexos, que constituem as formas baconianas. Adaptado a partir de: www.mundodosfilosofos.com.br 01 – Em que consiste o empirismo de Francis Bacon? 02 – Cite aspectos do pensamento de Francis Bacon que coincidem com o pensamento de John Locke. 03 – Qual a importância de conhecer e evitar os ídolos de Bacon? 04 – Quais são os ídolos de Bacon? 05 – Qual o significado de cada ídolo de Bacon ? 06 – Qual a importância de Francis Bacon para a ciência contemporânea? 07 – Em que consiste o método indutivo? 08- Em que consiste o método dedutivo? (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 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_________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ fonte: pauloelienay.blogspot.com David Hume nasceu na Escócia, em Edimburgo em 1711. Hume pertencia a uma família abastada. Fez bons estudos no colégio de Edimburgo - um dos melhores da Escócia, em seguida transformado em universidade -, cujo professor de "filosofia", isto é, de física e ciências naturais, Stewart, era um cientista discípulo de Newton. O jovem Hume, que sonha tornar-se homem de letras e filósofo célebre, rapidamente renuncia aos estudos jurídicos e comerciais, passando alguns anos na França, notadamente em La Flèche, onde compõe, aos vinte e três anos, seu Tratado da Natureza Humana, editado em Londres, em 1739. A obra, diz-nos o autor, "já nasceu morta para a imprensa". Esse fracasso deu a Hume a idéia de escrever livros curtos, brilhantes, acessíveis ao público mundano. Seus Ensaios Morais e Políticos (1742) conhecem vivo sucesso. Hume se esforça por simplificar e vulgarizar a filosofia de seu tratado e publica então os Ensaios Filosóficos sobre o Entendimento Humano (1748), cujo título definitivo surgirá em edição seguinte (1758): Investigação (Inquiry) sobre o Entendimento Humano. A obra obtém sucesso, mas não deixa de inquietar os cristãos, e Hume vê lhe recusarem uma cadeira de filosofia na Universidade de Glasgow. Ele acabará por fazer uma bela carreira na diplomacia. De 1763 a 1765 ele é secretário da Embaixada em Paris e festejado no mundo dos filósofos. Em 1766, hospeda Rousseau na Inglaterra, indispondo-se com ele em seguida. Em 1768, é nomeado Secretário de Estado em Londres. Nesse meio tempo, publicou uma Investigação sobre os Princípios Morais (1751), uma volumosa História da Inglaterra (1754-1759) e uma História Natural da Religião (1757). Somente após sua morte (1776) é que foram publicados, em 1779, seus Diálogos sobre a Religião Natural. O Método de Hume Hume quis ser o Newton da psicologia. O subtítulo de seu Tratado da Natureza Humana é, nesse sentido, bastante esclarecedor: "Uma tentativa de introdução do método de raciocínio experimental nas ciências morais”. A análise psicológica do entendimento operada por Hume parece, à primeira vista, muito próxima da de Locke. Ele parte do princípio de que todas as nossas "ideias" são cópias das nossas "impressões", isto é, dos dados empíricos: impressões de sensação, mas, também, impressões de reflexão (emoções e paixões). Para Hume, ir da ideia à impressão consiste em apenas perguntar qual é o conteúdo da consciência que se oculta sob as palavras. Fala-se de substância, de princípios, de causas e efeitos etc. Que existe verdadeiramente no pensamento quando se discorre sobre isso? A quais impressões vividas correspondem todas essas palavras? A Análise da Ideia de Causa Aos olhos de Hume, a noção de causalidade é muito enigmática porque, em nome desse princípio de causalidade, a todo momento afirmamos mais do que vemos, não cessamos de ultrapassar a experiência imediata. Por exemplo, em nome do princípio de causalidade (as mesmas causas produzem os mesmos efeitos ou o aquecimento da água é causa da ebulição), afirmo que a água que acabo de pôr no fogo vai ferver; prevejo a ebulição dessa água, portanto, tiro "de um objeto uma conclusão que o ultrapassa". Todo raciocínio experimental, pelo qual do presente se conclui o futuro (a água vai ferver, a barra de metal vai se dilatar, amanhã o sol nascerá etc.), repousa nesse princípio de causalidade. De onde me vem esse princípio? A qual impressão corresponde essa ideia? A "investigação" filosófica vai se apresentar aqui como uma pesquisa em todas as direções: "Nós devemos proceder como essas pessoas que, ao procurarem um objeto que lhes está oculto e quando não o encontram no lugar que esperavam, vasculham todos os lugares vizinhos sem visão nem propósitos determinados, na esperança de que sua boa sorte irá orientá-las no sentido do objeto de suas buscas". Vejamos para onde nos conduzirá essa busca filosófica. Hume não encontrará, em nenhum setor da experiência, uma impressão concreta de causalidade que torne legítima essa ideia de causa que pretendemos ter: a) Consideremos, de início, a experiência externa: vejo que o movimento de uma bola de bilhar é seguido do movimento de outra bola com que a primeira se chocou, assim como vejo que o aquecimento é seguido da ebulição: vejo, então, que o fenômeno A é seguido do fenômeno B . Mas o que não vejo é o porquê dessa sucessão. É certo que posso repetir a experiência e que, cada vez em que a repito, o fenômeno B se segue ao fenômeno A. Mas isto não esclarece nada. A repetição constante de um enigma não é o mesmo que sua solução. Vejo bem que, entre os fenômenos A e B , há uma conjunção constante, mas não vejo conexão necessária. Constato que A se mostra e que, depois, B aparece. Mas não constato que B aparece porque A se mostra. A experiência externa apenas me fornece o e depois, não me dá a origem do porquê. b) Examinemos agora essa experiência, simultaneamente interna e externa, que faço a todo momento em que sinto o poder da minha consciência sobre meu corpo. Não terei aqui a chave do princípio de causalidade. Se quero levantar o braço, levanto-o. Não é evidente que minha vontade é a causa do movimento de meu corpo? Mas, se refletirmos bem, essa experiência não é menos clara do que a precedente. Constato duas coisas: inicialmente, que quero levantar o braço, em seguida, que ele se levanta. Não sei absolutamente por meio de que engrenagem neuromuscular complexa se opera o movimento de meu braço. Um paralítico, como eu, quer levantar o braço e, para surpresa sua, constata que nenhum movimento se segue ao seu desejo. E eu, cuja língua ou cujos dedos se movem segundo minha vontade, não tenho o menor poder sobre meu coração ou sobre meu fígado. Lembramo-nos como a sucessão de meu querer e de meus movimentos espantava Malebranche a tal ponto que ele via em minha vontade apenas uma ocasião a partir da qual Deus produzia o movimento de meu corpo. Aos olhos de Hume, filósofo do século XVIII, essa hipótese é extravagante, mas ele retém a análise psicológica do grande filósofo francês. Ainda aqui, constato com surpresa que quero efetuar certos movimentos e depois que esses movimentos se realizam. Mas não constato o porquê, não tenho experiência de uma conexão necessária. Permanece enigmática a ação da alma sobre o corpo: "Se tivéssemos o poder de afastar as montanhas ou controlar os planetas, esse poder não seria mais extraordinário". c) Que dizer, enfim, da experiência puramente interior da sucessão de minhas próprias ideias? Devo admitir que minha reflexão atenta é causa das ideias que me ocorrem? Mas, de saída, segundo os casos ou os momentos, as ideias ocorrem ou não. Pela manhã, elas ocorrem melhor do que à tarde (em alguns) e melhor antes da refeição do que após. Ainda aqui constato a existência de uma sucessão entre meu esforço de atenção e minhas ideias, mas não vejo conexão necessária entre os dois fatos. Por conseguinte, a conclusão se impõe. Não existe nenhuma impressão autêntica da causalidade. O que acontece é que eu acredito na causalidade e Hume explica essa crença, partindo do hábito e da associação das ideias. Por que será que espero ver a água ferver quando a aqueço? É porque, responde Hume, aquecimento e ebulição sempre estiveram associados em minha experiência e essa associação determinou um hábito em mim. Coloco a água no fogo e afirmo, em virtude de poderoso hábito: vai ferver. Se estabeleço "uma conclusão que projeta no futuro os casos passados de que tive experiência", é porque a imaginação, irresistivelmente arrastada pelo peso do costume, resvala de um evento dado àquele que comumente o acompanha. Aparento antecipar a experiência quando, na verdade, cedo a uma tendência criada pelo hábito. Por conseguinte, a necessidade causal não existe realmente nas coisas."A necessidade é algo que existe no espírito, não nos objetos." O Ceticismo de Hume O empirismo de Hume surge então como um ceticismo; explicar psicologicamente a crença no princípio de causalidade é recusar todo valor a esse princípio. De fato, não existe, na ideia de causalidade, senão o peso do meu hábito e da minha expectativa. Espero invencivelmente a ebulição da água que coloquei no fogo. Mas essa expectativa não tem fundamento racional. Em suma, poderia ocorrer - sem contradição - que essa água aquecida se transformasse em gelo! "Qualquer coisa, diz Hume, pode produzir qualquer coisa." No domínio das proposições lógicas, A não pode ser não-A . Mas na experiência concreta, tudo pode acontecer. O ceticismo de Hume, portanto, surge-nos, dirá Hegel mais tarde, como um ceticismo absoluto. Para Hegel, ao ceticismo antigo, que duvida, sobretudo, dos sentidos para preparar a conversão do espírito ao mundo das verdades eternas, opõe-se um ceticismo moderno - de que Hume seria o corifeu - que nega apenas as afirmações da metafísica e fundamenta, solidamente, as verdades da ciência experimental. Na realidade, o ceticismo de Hume, ao abolir o princípio de causalidade, lança a suspeita em toda ciência experimental. Em todos os princípios do conhecimento ele descobre as ilusões da imaginação e do hábito. Até a unidade do eu - que se nos apresenta ingenuamente como uma evidência - é ilusória para ele. Só que Hume é o primeiro a reconhecer que seu ceticismo, por mais absoluto que seja, é artificial. Hume, como todo mundo, quando coloca a água no fogo, está persuadido de que ela vai ferver. Quando reflete como filósofo, em seu gabinete, ele é cético. Quando mergulha na vida corrente, suas "conclusões filosóficas parecem desvanecer-se como os fantasmas da noite ao nascer do dia". Se, diz ele curiosamente, "após três ou quatro horas de diversão, eu quisesse retornar às minhas especulações, estas me pareceriam tão frias, tão forçadas e ridículas que não poderia encontrar coragem e retomá-las por pouco que fosse". A crença no princípio de causalidade, absurda no plano da reflexão, é natural, instintiva. A teoria de Hume, por conseguinte, é simultaneamente um dogmatismo instintivo e um ceticismo reflexivo. Ceticismo e dogmatismo não se apresentam nele segundo os domínios do saber, mas segundo os níveis do pensamento. Ninguém mais do que ele separou filosofia e vida. Ele filosofa ceticamente segundo uma reflexão rigorosa e dissolvente. Hume e o Problema da Religião Essa complexidade da filosofia de Hume torna mais difícil a elucidação de sua filosofia religiosa. Consideremos, por exemplo, o célebre Ensaio Sobre os Milagres. Ele parece ter sido escrito sob a ótica da filosofia das luzes: o milagre é impossível porque contraria a experiência, as leis da natureza. Em compensação, a crença popular nos milagres perfeitamente explicável pelas leis que governam a imaginação crédula dos homens - é muito natural! "A velhacaria e a idiotice humanas são fenômenos tão correntes, que eu antes acreditaria que os acontecimentos mais extraordinários nascem do seu concurso, ao invés de admitir uma inverossímil violação das leis da natureza". Em suma, Hume se apoia no determinismo físico para rejeitar a realidade do milagre e no determinismo psicológico para explicar sua ilusão tenaz. Mas como Hume pode apoiar-se no determinismo, uma vez que sua crítica da causalidade fez desse próprio determinismo uma ilusão psicológica? Pascal, fundamentava-se precisamente numa crítica análoga à de Hume para afirmar a possibilidade do milagre. Ressuscitar, dizia, não é mais misterioso do que nascer. "O costume torna um fácil, sua falta torna o outro impossível: popular maneira de julgar" Quando Hume rejeita o milagre, não estará pensando ao nível da imaginação e do costume, não estará julgando "popularmente"? Seu combate pelas luzes situar-se-ia então no plano da reflexão filosófica que justamente anula o prestígio do costume e do bom-senso indutivo. Os Diálogos sobre a Religião Natural são difíceis de interpretar porque se trata de verdadeiros diálogos, em que cada personagem sustenta seu ponto de vista com argumentos sérios; o próprio Hume afirma ter "querido evitar esse erro vulgar que consiste em só colocar absurdos na boca dos adversários". Os três personagens são: um deísta racionalista, Cleanto, que demonstra a existência de Deus partindo das maravilhas do universo; Demea, místico anti-racionalista, e o cético Filon. Ao fim da obra, Hume afirma que está mais próximo de Cleanto. Mas, numa carta de 1751 a Gilbert Elliot of Minto, ele declara que, no momento da redação de seus Diálogos, o papel de Filon e Demea estão sempre de acordo quando se trata de demolir o racionalismo, o antropomorfismo e o otimismo de Cleanto. Enquanto muitos filósofos do século das luzes reservam sua ironia crítica para a religião revelada e encontram na ordem do mundo, na finalidade, argumentos para a religião natural, tem-se a impressão de que Hume multiplica suas críticas "céticas" à religião natural. A noção de um Deus-Providência parece-lhe pouco compatível com os sofrimentos e os males de que os homens são vítimas neste mundo. Por outro lado, observa Hume sutilmente, se a verdade do sofrimento humano é, para o filósofo, um argumento decisivo contra a Providência, é precisamente esse sofrimento que conduz o povo a buscar as consolações da religião. O mesmo fato, que para o filósofo é uma objeção maior à religião, surge, no povo, como a forca essencial da crença! Finalmente, a crítica da razão teológica tem, portanto, em Hume, o mesmo sentido que a crítica da razão experimental. Em ambos os casos, ele substitui a pesquisa de um fundamento lógico - que se apresenta impossível pela pesquisa de origem psicológica da crença. O ceticismo de Hume é um psicologismo. Adaptado de: www.mundodosfilosofos.com.br 01 - Qual a importância do ceticismo de Hume para ciência contemporânea? 02 – O que são causa e efeito, para Hume? 03 – Como Hume divide as ideias? 04 – Como Hume explica a possibilidade de imaginar coisas que não conhecemos? 05 – Qual a fonte das ideias, para Hume? 06 – Como Hume via os milagres? 07 – Como Hume via o próprio ceticismo? (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 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_________________________________________________________________________ Vida e Obras Immanuel Kant nasceu, estudou, lecionou e morreu em Koenigsberg. Jamais deixou essa grande cidade da Prússia Oriental, cidade universitária e também centro comercial muito ativo para onde afluíam homens de nacionalidade diversa: poloneses, ingleses, holandeses. A vida de Kant foi austera (e regular como um relógio). Levantava-se às 5 horas da manhã, fosse inverno ou verão, deitava-se todas as noites às dez horas e seguia o mesmo itinerário para ir de sua casa à Universidade. Duas circunstâncias fizeram-no perder a hora: a publicação do Contrato Social de Rousseau, em 1762, e a notícia da vitória francesa em Valmy, em 1792. Segundo Fichte, Kant foi "a razão pura encarnada". Kant sofreu duas influências contraditórias: a influência do pietismo, protestantismo luterano de tendência mística e pessimista (que põe em relevo o poder do pecado e a necessidade de regeneração), que foi a religião da mãe de Kant e de vários de seus mestres, e a influência do racionalismo: o de Leibnitz, que Wolf ensinara brilhantemente, e o da Aufklärung (a Universidade de Koenigsberg mantinha relações com a Academia Real de Berlim, tomada pelas novas idéias). Acrescentemos a literatura de Hume que "despertou Kant de seu sono dogmático" e a literatura de Rousseau, que o sensibilizou em relação do poder interior da consciência moral. A Ciência e a Metafísica O método de Immanuel Kant é a "crítica", isto é, a análise reflexiva. Consiste em remontar do conhecimento às condições que o tornam eventualmente legítimo. Em nenhum momento Kant duvida da verdade da física de Newton, assim como do valor das regras morais que sua mãe e seus mestres lhe haviam ensinado. Não estão, todos os bons espíritos, de acordo quanto à verdade das leis de Newton? Do mesmo modo todos concordam que é preciso ser justo, que a coragem vale mais do que do que a covardia, que não se deve mentir, etc... As verdades da ciência newtoniana, assim como as verdades morais, são necessárias (não podem não ser) e universais (valem para todos os homens e em todos os tempos). Mas, sobre que se fundam tais verdades? Em que condições são elas racionalmente justificadas? Em compensação, as verdades da metafísica são objeto de incessantes discussões. Os maiores pensadores estão em desacordo quanto às proposições da metafísica. Por que esse fracasso? Os juízos rigorosamente verdadeiros, isto é, necessários e universais, são a priori, isto é independentes dos azares da experiência, sempre particular e contingente. À primeira vista, parece evidente que esses juízos a priori são juízos analíticos. Juízo analítico é aquele cujo predicado está contido no sujeito. Um triângulo é uma figura de três ângulos: basta-me analisar a própria definição desse termo para dizê-lo. Em compensação, os juízos sintéticos, aqueles cujo atributo enriquece o sujeito (por exemplo: esta régua é verde), são naturalmente a posteriori; só sei que a régua é verde porque a vi. Eis um conhecimento sintético a posteriori que nada tem de necessário (pois sei que a régua poderia não ser verde) nem de universal (pois todas as réguas não são verdes). Entretanto, também existem (este enigma é o ponto de partida de Kant) juízos que são, ao mesmo tempo, sintéticos e a priori! Por exemplo: a soma dos ângulos de um triângulo equivale a dois retos. Eis um juízo sintético (o valor dessa soma de ângulos acrescenta algo à idéia de triângulo) que, no entanto, é a priori. De fato eu não tenho necessidade de uma constatação experimental para conhecer essa propriedade. Tomo conhecimento dela sem ter necessidade de medir os ângulos com um transferidor. Faço-o por intermédio de uma demonstração rigorosa. Também em física, eu digo que o aquecimento da água é a causa necessária de sua ebulição (se não houvesse aí senão uma constatação empírica, como acreditou Hume, toda ciência, enquanto verdade necessária e universal, estaria anulada). Como se explica que tais juízos sintéticos e a priori sejam possíveis? Eu demonstro o valor da soma dos ângulos do triângulo fazendo uma construção no espaço. Mas por que a demonstração se opera tão bem em minha folha de papel quanto no quadro negro... ou quanto no solo em que Sócrates traçava figuras geométricas para um escravo? É porque o espaço, assim como o tempo, é um quadro que faz parte da própria estrutura de meu espírito. O espaço e o tempo são quadros a priori, necessários e universais de minha percepção (o que Kant mostra na primeira parte da Crítica da Razão Pura, denominada Estética transcendental. Estética significa teoria da percepção, enquanto transcendental significa a priori, isto é, simultaneamente anterior à experiência e condição da experiência). O espaço e o tempo não são, para mim, aquisições da experiência. São quadros a priori de meu espírito, nos quais a experiência vem se depositar. Eis por que as construções espaciais do geômetra, por mais sintéticas que sejam, são a priori, necessárias e universais. Mas o caso da física é mais complexo. Aqui, eu falo não só do quadro a priori da experiência, mas, ainda, dos próprios fenômenos que nela ocorrem. Para dizer que o calor faz ferver a água, é preciso que eu constate. Como, então, os juízos do físico podem ser a priori, necessários e universais? É porque, responde Kant, as regras, as categorias, pelas quais unificamos os fenômenos esparsos na experiência, são exigências a priori do nosso espírito. Os fenômenos, eles próprios, são dados a posteriori, mas o espírito possui, antes de toda experiência concreta, uma exigência de unificação dos fenômenos entre si, uma exigência de explicação por meio de causas e efeitos. Essas categorias são necessárias e universais. O próprio Hume, ao pretender que o hábito é a causa de nossa crença na causalidade, não emprega necessariamente a categoria a priori de causa na crítica que nos oferece? "Todas as intuições sensíveis estão submetidas às categorias como às únicas condições sob as quais a diversidade da intuição pode unificar-se em uma consciência". Assim sendo, a experiência nos fornece a matéria de nosso conhecimento, mas é nosso espírito que, por um lado, dispõe a experiência em seu quadro espacio-temporal (o que Kant mostrará na Estética transcendental) e, por outro, imprime-lhe ordem e coerência por intermédio de suas categorias (o que Kant mostra na Analítica transcendental). Aquilo a que denominamos experiência não é algo que o espírito, tal como cera mole, receberia passivamente. É o próprio espírito que, graças às suas estruturas a priori, constrói a ordem do universo. Tudo o que nos aparece bem relacionado na natureza, foi relacionado pelo espírito humano. É a isto que Kant chama de sua revolução copernicana. Não é o Sol, dissera Copérnico, que gira em torno da Terra, mas é esta que gira em torno daquele. O conhecimento, diz Kant, não é o reflexo do objeto exterior. É o próprio espírito humano que constrói - com os dados do conhecimento sensível - o objeto do seu saber. Na terceira parte de sua Crítica da Razão Pura, na dialética transcendental, Kant se interroga sobre o valor do conhecimento metafísico. As análises precedentes, ao fundamentar solidamente o conhecimento, limitam o seu alcance. O que é fundamentado é o conhecimento científico, que se limita a por em ordem, graças às categorias, os materiais que lhe são fornecidos pela intuição sensível. No entanto, diz Immanuel Kant, é por isso que não conhecemos o fundo das coisas. Só conhecemos o mundo refratado através dos quadros subjetivos do espaço e do tempo. Só conhecemos os fenômenos e não as coisas em si ou noumenos. As únicas intuições de que dispomos são as intuições sensíveis. Sem as categorias, as intuições sensíveis seriam "cegas", isto é, desordenadas e confusas, mas sem as intuições sensíveis concretas as categorias seriam "vazias", isto é, não teriam nada para unificar. Pretender como Platão, Descartes ou Spinoza que a razão humana tem intuições fora e acima do mundo sensível, é passar por "visionário" e se iludir com quimeras: "A pomba ligeira, que em seu voo livre fende os ares de cuja resistência se ressente, poderia imaginar que voaria ainda melhor no vácuo. Foi assim que Platão se aventurou nas asas das ideias, nos espaços vazios da razão pura. Não se apercebia que, apesar de todos os seus esforços, não abria nenhum caminho, uma vez que não tinha ponto de apoio em que pudesse aplicar suas forças". Entretanto, a razão não deixa de construir sistemas metafísicos porque sua vocação própria é buscar unificar incessantemente, mesmo além de toda experiência possível. Ela inventa o mito de uma "alma-substância" porque supõe realizada a unificação completa dos meus estados d'alma no tempo e o mito de um Deus criador porque busca um fundamento do mundo que seja a unificação total do que se passa neste mundo... Mas privada de qualquer ponto de apoio na experiência, a razão, como louca, perde-se nas antinomias, demonstrando, contrária e favoravelmente, tanto a tese quanto a antítese (por exemplo: o universo tem um começo? Sim pois o infinito para trás é impossível, daí a necessidade de um ponto de partida. Não, pois eu sempre posso me perguntar: que havia antes do começo do universo?). Enquanto o cientista faz um uso legítimo da causalidade, que ele emprega para unificar fenômenos dados na experiência (aquecimento e ebulição), o metafísico abusa da causalidade na medida em que se afasta deliberadamente da experiência concreta (quando imagino um Deus como causa do mundo, afasto-me da experiência, pois só o mundo é objeto de minha experiência). O princípio da causalidade, convite à descoberta, não deve servir de permissão para inventar. Adaptado de: www.mundodosfilosofos.com.br 01 – O que são juízos a priori, para Kant? 02 – O que são Juízos a posteriori, para KANT? 03 – O que é o tempo, para Kant? 04 – O que é o espaço, para Kant? 05 –Qual a opinião de Kant a respeito de Hume? 06 – Qual a opinião de Kant a respeito de Deus e da religião? (espaço reservado inferências...) para inquietações, dúvidas, questões, sugestões, digressões, _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ As transformações ocorridas no cenário político e econômico da Europa a partir do século XIII levaram vários pensadores e se interrogar sobre a origem do poder e sobre sua função. Tratava-se de questionar o direito divino dos reis, isto é, mostrar que não havia uma intervenção direta de Deus na escolha de quem deveria governar ou de como tal governo deveria ser exercido. Tratava-se, também, de desmistificar a idéia de que o poder fosse algo natural, buscando-se as razões históricas e sociais que tornaram tal instância necessária para a vida das sociedades. Os séculos XVII e XVIII forneceram vários pensadores que tiveram fundamental importância na construção da teoria política moderna. Entre eles, destacam-se Hobbes, Locke, Montesquieu e Rousseau. Thomas Hobbes “(...) conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade (...) é como se cada homem dissesse a cada homem (...) transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este Homem, ou a esta Assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações.” (Hobbes, Leviatã, p. 105) Para entender o pensamento de Thomas Hobbes, é preciso antes lembrar que sua obra está situada no contexto de uma crítica severa ao Absolutismo. Esse Absolutismo, aliado dos burgueses, que garantiu as estruturas de um estado centralizado com leis e moedas que facilitavam o intercâmbio comercial, já não aparecia como um parceiro tão útil. Agora a burguesia buscava as vantagens de uma economia livre. É preciso entender, também, que Thomas Hobbes é um homem de origem humilde que conseguiu se tornar um homem culto graças à sua criação, que se deu no âmbito da nobreza (na verdade, Hobbes deveu sua formação a um tio que tinha ligações com a nobreza e que custeou seus estudos). Dessa forma, o filósofo trazia em sua história uma dívida de gratidão à nobreza que lhe proporcionara sair do estado de pobreza em direção a uma vida de privilégios e de contatos com homens do calibre de Descartes, Francis Bacon e Galileu Galilei. Embora Hobbes defenda o Absolutismo, suas teses apresentam uma novidade característica do processo de laicização em curso no século XVII: a justificação do poder a partir de análises não ligadas à religião, ou seja, a negação da origem divina do poder. Ao estabelecer suas indagações sobre a origem do Estado, Hobbes está muito mais interessado em refletir sobre os fundamentos dessa instituição que sobre sua origem histórica. Para Hobbes, o homem em seu estado natural não conhecia limites para o uso de sua força, criando uma situação insustentável para todos e para cada um. A afirmação de que o homem é lobo do homem (homo homini lupus) sintetiza a idéia hobbesiana segundo a qual os homens, em sua origem, eram destituídos de respeito uns pelos outros, o que gerava um clima de insegurança e medo, quando não levava a conflitos, ou, como diz Hobbes à “guerra de todos contra todos” (bellum omnium contra omnes), causando o prejuízo de toda e qualquer iniciativa humana, seja na área da indústria, da agricultura ou do comércio. A solução para tal estado de coisas teria sido, portanto, a decisão coletiva de abrir mão de todo poder em nome de um rei ou de uma assembleia de governantes. A garantia de que essa decisão seria respeitada derivada do fato, segundo Hobbes, de o homem, naturalmente (ou seja, quando ainda estava no estado de natureza) conhecer uma regra interna segundo a qual o homem na pode desfazer os acordos feitos. Esse soberano concentraria em si todo o poder do qual a população abriu mão. Tal poder torna o soberano terrível, daí seu nome: Leviatã. Como sabemos, o Leviatã era o monstro bíblico de que falam vários livros da Bíblia. Hobbes entende que, tendo sido o poder transferido para o soberano, este não pode destituído, punido ou morto. Cabe a ele decidir o que é certo e o que é errado, sendo impossível, portanto, que o soberano possa ser injusto, já que a injustiça consiste em não cumprir a lei e a lei é sempre a vontade do soberano. O soberano teria, segundo Hobbes, algumas obrigações (que não devem ser confundidas com deveres, pois assim teríamos a contrapartida dos direitos do povo, o que é incompatível com o contrato estabelecido pelo qual todos já tinham colocado seus direitos nas mãos do soberano): manter intactos seus poderes e suas prerrogativas; proporcionar segurança aos súditos; promover a prosperidade; assegurar a todos, igualdade de tratamento; fazer boas leis. É sintomático que Hobbes, na obra intitulada “De Cive”, mesmo defendendo o direito do soberano, não abra mão de propor a lei como “as margens feitas para conduzir as águas para o seu curso, e não para oferecer obstáculos a este”. Ainda preocupado com as evidentes consequências do abuso de poder por parte de um soberano absoluto, Hobbes apresenta algumas ações a que o súdito não está obrigado mesmo que o soberano ordene: renunciar a se defender contra quem venha executá-lo, mesmo que legalmente; aceitar fazer mal a si mesmo, mutilar-se ou eliminar a própria vida; ultrajar a Deus. tratar o soberano como a um Deus. Vemos, portanto, que, mesmo no Absolutismo proposto por Hobbes, já são visíveis os sinais do pensamento burguês liberal, como o individualismo, a propriedade privada, a preservação da paz e a segurança, fatores indispensáveis para o desenvolvimento dos negócios da burguesia em ascensão. (Espaço reservado para anotações, reflexões, questões, dúvidas, etc.) _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ “Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, porque abrirá ele mão dessa liberdade, por que abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e controle de qualquer outro poder? Ao que é obvio responder que, embora no estado de natureza tenha tal direito, a fruição do mesmo é muito incerta e está constantemente exposta à invasão de terceiros porque, sendo todos reis tanto quanto ele, todo homem igual a ele, na maior parte pouco observadores da justiça e da equidade, a fruição da propriedade que possui nesse estado é muito insegura, muito arriscada. Estas circunstâncias obrigam-no a abandonar uma condição que, embora livre, está cheia de temores e perigos constantes, e não é sem razão que procura de boa vontade juntar-se em sociedade com outros que estão já unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de ‘propriedade’.” (LOCKE, Segundo tratado sobre governo, p. 88) Para Locke, era necessário respeitar a liberdade de cada indivíduo e praticar a tolerância quanto às crenças. No entanto, o próprio Locke acreditava que a escravidão perpétua de guerra era legítima. Como entender essa contradição? Primeiro, devemos ter presente que Locke, consciente ou inconscientemente, está a serviço da classe burguesa. Em segundo lugar, é preciso lembrar que, para ele, todos nascemos em igualdade de condições, ou seja, tendo um corpo. Assim, no caso das guerras, os homens vencidos poderiam perder seus corpos, seu bem mais precioso, ou mantê-los, o que só poderia ocorrer mediante um contrato estabelecido entre vencido e vencedor. Desse modo, o escravo de guerra o seria por contrato, como modo de manter-se com vida. O filósofo afirmava, também, o direito natural à propriedade privada, como um direito que deveria ser garantido pelo Estado ao indivíduo. O conceito de propriedade, porém, é muito amplo em Locke. Para ele, tudo o que pertence ao homem é sua propriedade, incluindo o seu corpo, suas ideias, sua liberdade, seus bens, sua vida. Ora, se seu corpo lhe pertence, o fruto do trabalho realizado por seu corpo também lhe pertence, criando o direito ao patrimônio e aos bens decorrentes desse trabalho (direito de propriedade em sentido estrito). No entanto, no caso da escravidão, o indivíduo abriria mão do fruto do trabalho, transferindo seu patrimônio para seu senhor. É interessante observar o caráter ideológico dessa teoria de Locke, pois seu discurso acaba legitimando a diferença de posses entre as pessoas, sem considerar que as pessoas não são, realmente, proprietárias de seu trabalho quando, por exemplo, trabalham para alguém. Essa distinção entre os que enriquecem com o próprio trabalho e os que não o conseguem, vai desembocar numa outra forma de distinção. Para Locke a classe proletária não pode participar da sociedade civil, senão como subordinada a ela, por não ter fortuna. Portanto, os homens participam todos como membros da sociedade civil, mas as coisas ficam assim divididas: os ricos governam e os pobres são governados. Em outras palavras, para Locke só os proprietários são plenamente cidadãos. O Estado, portanto, seria uma instituição criada pelos homens com a finalidade de assegurar, através da garantia da observância das leis, os direitos individuais. Segundo a opinião de Locke, o Estado deveria se omitir de interferir nos assuntos econômicos, deixando que as leis de mercado e os homens de livre iniciativa cuidassem dessa regulação. Crítico do Absolutismo, Locke entende que todo poder que não der conta de assegurar os direitos do cidadão abre espaço para a insurreição, criando assim um pensamento em que o Parlamento, legítimo canal de representação da sociedade, serve como instrumento regulador do poder Executivo. Nesse sentido, Locke é o primeiro pensador moderno a pensar a divisão de poderes. Para ele, deveria haver um poder Legislativo, encarregado do Estabelecimento das leis; o poder Executivo, encarregado da execução das leis; e o poder Federativo, encarregado das relações do país com outras nações. A concepção de Locke é fruto de uma reflexão que se fundamenta na ideia de que os homens viviam em estado de natureza antes de constituírem um Estado. Esse estado de natureza era marcado pela defesa de seus interesses individuais, sendo cada homem juiz de sua própria causa. E sendo juiz de sua própria causa, os homens, naturalmente, possuíam o direito de guerra, isto é, o direito de vingar ou punir qualquer agressão sofrida. Ocorre que, sendo um direito natural, não havia qualquer normatização que estabelecesse uma proporção racional entre os crimes e as punições. Ora, tal situação criava, inevitavelmente, crises de coexistência que levaram os homens a um ponto em que se tornou impossível garantir a própria sobrevivência sadia, o que foi resolvido criando-se leis e estabelecendo um sistema de regulação e cumprimento a essas mesmas leis. Dessa forma, liberdade e propriedade estariam asseguradas a todos os membros da sociedade civil. Por esse motivo, Locke é considerado um defensor do Estado Liberal. (Espaço reservado para anotações, reflexões, questões, dúvidas, etc.) _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Montesquieu “Quando os poderes legislativo e executivo focam reunidos numa mesma pessoa ou instituição do Estado, a liberdade desaparece (...). Não haverá também liberdade se o poder judiciário se unisse ao executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. E tudo estaria perdido se uma mesma pessoa ou instituição do Estado exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de ordenar a sua execução e o de julgar os conflitos entre os cidadãos.” (Montesquieu. O espírito das leis, p.168) Nascido em 1689, Montesquieu já é um típico pensador do século XVIII, época em que suas ideias vão florescer. Crítico de um absolutismo moribundo e decadente, Montesquieu acreditava que só o poder freia o poder. É nesse sentido que propõe a divisão do poder em três instâncias distintas e representadas por pessoas diferentes. Segundo Montesquieu, os poderes legislativo, executivo e judiciário, mais que poderes em conflito, deveriam ser poderes parceiros, buscando viver em harmonia, embora não em conivência. Trata-se de um delicado equilíbrio, já que os poderes devem ao mesmo tempo manter uma certa independência, sem que isto os torne inimigos, e manter uma certa harmonia, sem que isto os torne cúmplices. Sendo de família nobre, Montesquieu não estava tão interessado em defender os interesses do liberalismo burguês como pode parecer à primeira vista. Na verdade, sua proposta estava mais voltada para uma aristocracia liberal, com o desejo de coibir os excessos dos despotismos em função do estabelecimento de uma monarquia moderada. Portanto, é um equívoco acreditar que Montesquieu desejava ver o povo assumindo o poder, o que, de resto, não era desejo de nenhum dos pensadores liberais, à exceção de Jean-Jacques Rousseau. (Espaço reservado para anotações, reflexões, questões, dúvidas, etc.) _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Jean-Jacques Rousseau “O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditálo. Quantos crimes, guerras, assassínio, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!’.” (ROUSSEAU, Discurso sobre a origem da desigualdade, p. 275) Rousseau (1712-1778) não era rico. Nasceu na Suíça e, aos trinta anos foi para Paris. Pensador polêmico, sempre se colocou contra o progresso das ciências e contra a propriedade privada. A tese de Rousseau está baseada, como Locke e Hobbes, no princípio do estado de natureza, embora suas conclusões sejam bastante divergentes em relação aos seus dois antecessores, já que, para Rousseau, a soberania e o governo não eram realidades que se confundissem. Para Rousseau, o governo podia ser exercido por um grupo qualquer, mas isso não tirava do povo o direito de soberania. Ao examinar as origens do Estado, Rousseau conclui que houve um tempo em que os homens viviam em harmonia e paz. Este seria o estado de natureza dos homens. Nesse estado, os homens possuiriam, basicamente, duas qualidades: a piedade e a perfectibilidade. A piedade garantiria as ações mais nobres, como ajudar o próximo, não ser agressivo, etc. Agir bem seria algo natural no homem. A perfectibilidade, porém, teria sido a responsável por nossa decadência. Como os homens já nasciam com a tendência a melhorar suas práticas, após longo período vivendo isolados uns dos outros, encontrando-se apenas para fins de procriação, os homens foram percebendo as vantagens da vida em grupo, princípio para enfrentar feras, depois para pequenos trabalhos coletivos. Em seguida, os homens constituíram famílias, as famílias desenvolveram técnicas e as técnicas evoluíram em diferenças de posses. Notem a divergência em relação às ideias de Locke (cada homem legislando em causa própria) e de Hobbes (os homens em estado de guerra de todos contra todos). Para Rousseau, os homens viveram felizes até que alguém disse “isso é meu”, gerando assim a propriedade privada que trouxe consigo a miséria e a escravidão, legitimadas pela lei do mais forte. É nesse sentido que Rousseau denuncia: “O homem nasce livre e, por toda a parte encontra-se a ferros” (Discurso sobre a origem da desigualdade). Para Rousseau, o contrato que se estabeleceu pela força dos proprietários é um contrato falso, cruel, que precisa ser substituído por um contrato verdadeiro e legítimo. Nesse novo contrato social cada homem deve abrir mão de todos os seus direitos em função do bem-estar da comunidade. A vantagem desse contrato é que, como todos abrem mão de tudo igualmente, então, ninguém perde nada e, pelo contrário, todos saem ganhando. A lei, portanto, ao representar a vontade geral da população, torna todos os homens livres e soberanos e o governo, por essa mesma lógica, nunca pode ser superior à vontade popular, sendo, ao contrário, seu subordinado com a função precípua de fazer cumprir as leis. Rousseau faz uma distinção sutil entre vontade geral e vontade de todos. Para o pensador, a vontade que deve predominar é a vontade geral, cuja expressão é a lei. A vontade de todos seria o somatório das vontades individuais. Ocorre que as vontades individuais costumam ser egoístas e visam, portanto, a interesses particulares. A vontade geral trata dos interesses comuns e a vontade de todos trata dos interesses particulares de todos. Por esse motivo é preocupante atender aos interesses da maioria, pois nem sempre o que a maioria quer é o que é melhor para a coletividade. Obras consultadas: ARANHA, M. Lúcia de A. e MARTINS, M. Helena P. Filosofando; introdução à filosofia. São Paulo, Moderna, 1986. _______________ Temas de filosofia. São Paulo, Moderna, 1995. CHEVALIER, Jean-Jaccques. História do pensamento político. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1982. CORDI, Cassiano (org.). Para filosofar. São Paulo, Scipioni, 2000. COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo, Saraiva, 2000. HOBBES, Thomas. Leviatã. Col. Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1974. LOCKE, John. Carta acerca da tolerância; Ensaio sobre o entendimento humano. Col. Os pensadores. São Paulo, Abril, 1973. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social; Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e outros. Col. Os pensadores. São Paulo, Abril, 1973. 01 – Em que sentido podemos afirmar que Hobbes se coloca contra as teorias que afirmavam a origem divina do poder? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ________________________________________________________ 02 – Qual o significado da expressão “o homem é o lobo do homem”? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ___________________________________________________________ 03 – Por que motivo Hobbes chama o soberano de Leviatã? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ___________________________________________________________ 04 – Quais as obrigações do soberano, segundo Hobbes? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ___________________________________________________________ 05 – Como Locke via a propriedade privada? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________ 06 – Como Locke via o Absolutismo? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ___________________________________________________________ 07 – Para Montesquieu, como deveria ser exercido o poder? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ________________________________________________________ 08 – Para Jean-Jacques Rousseau, como era o homem em estado de natureza? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ________________________________________________________ 09 – Qual a opinião de Rousseau a respeito da propriedade privada? 10- É correto afirmar que os pensadores liberais eram a favor do poder nas mãos do povo? Argumente. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________ 11- Como explicar a postura escravista de Locke, considerando que ele afirma a igualdade entre os homens? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _____________________________________________________ 1) (UFU 09/2002/adaptada) Segundo Hobbes (1588-1679), podemos definir estado de natureza como sendo o lugar onde A) todos são bons por natureza, mas a vida em sociedade os corrompe. B) os homens são bons, “bons selvagens inocentes”, vivendo em estado de felicidade original. C) todos são proprietários de suas vidas, de seus corpos, de seus trabalhos, portanto, todos são proprietários. D) reina o medo entre os indivíduos, que temem a morte violenta, que vivem isolados e em luta permanente, guerra de todos contra todos. 2) (UEL-2005) “Hobbes realiza o esforço supremo de atribuir ao contrato uma soberania absoluta e indivisível [...]. Ensina que, por um único e mesmo ato, os homens naturais constituem-se em sociedade política e submetem-se a um senhor, a um soberano. Não firmam contrato com esse senhor, mas entre si. É entre si que renunciam, em proveito desse senhor, a todo o direito e toda liberdade nocivos à paz”. (CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Trad. de Lydia Cristina. 7. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1995. p. 73.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre o contrato político em Hobbes, considere as afirmativas a seguir. I. A renúncia ao direito sobre todas as coisas deve ser recíproca entre os indivíduos e implica em que o rei tenha deveres. II. A renúncia aos direitos, que caracteriza o contrato social, significa a renúncia de todos os direitos em favor do soberano. III. Os procedimentos necessários à preservação da paz e da segurança competem aos súditos cidadãos. IV. O contrato que funda o poder político visa pôr fim ao estado de guerra que caracteriza o estado de natureza. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e II. b) II e IV. c) II e III. d) I, III e IV. e) II, III e IV. 03 – (UEM 2009/ adaptada) De acordo com o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), em seu estado natural, os seres humanos são livres, competem e lutam entre si. Mas como têm em geral a mesma força, o conflito se perpetua através das gerações, criando um ambiente de tensão e medo permanentes. Para Hobbes, criar uma sociedade submetida à lei e na qual os seres humanos vivam em paz e deixem de guerrear entre si, pressupõe que todos os homens renunciem a sua liberdade original e deleguem a um só deles (o soberano) o poder completo e inquestionável. Assinale a modalidade de governo que desempenhou importante papel na Filosofia Política Moderna e que é associada à teoria política de Hobbes. A Monarquia censitária B Monarquia absoluta C Sistema parlamentar D Despotismo esclarecido E Sistema republicano 04 – (UEM – 2009/ adaptada) “(...) com exceção de Rousseau, o pensamento liberal do século XVIII permanece restrito aos interesses dos proprietários e portanto elitista.” “Embora o pensamento de Montesquieu tenha sido apropriado pelo liberalismo burguês, as suas convicções dão destaque aos interesses de sua classe e portanto o aproximam dos ideais de uma aristocracia liberal.” (ARANHA, Maria L. de Arruda e MARTINS, Maria H. Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. 3ª ed. São Paulo: Moderna, 2003, p. 249). Assinale o que for correto. 01) Para Rousseau, o soberano é o povo entendido como vontade geral, pessoa moral coletiva livre e corpo político de cidadãos, portanto o governante não é o soberano, mas o representante da soberania popular. 02) Montesquieu fundamenta-se na teoria política do contrato social de Rousseau para elaborar sua teoria da formação da sociedade civil e do Estado. 03) O Estado republicano, para Montesquieu, permite a melhor forma de governo, pois possibilita ao povo exercer um controle eficaz sobre os governantes eleitos, limitando seu poder. 04) Na sua obra O Espírito das Leis, Montesquieu trata das instituições e das leis e busca compreender a diversidade das legislações existentes em diferentes épocas e lugares, mostrando sua simpatia pelo Absolutismo. 05) Montesquieu elabora uma teoria do governo fundamentada na separação e não cooperação dos poderes, isto é, do poder legislativo, do poder executivo e do poder judiciário, cada um desses três poderes deve manter sua autonomia; é dessa forma que se pretende evitar o abuso do poder dos governantes. 05 – (UEM 2009/adaptada) Thomas Hobbes explica a origem da sociedade e do Estado mediante a ideia de um pacto ou acordo entre os indivíduos para regulamentar o convívio social e garantir a paz e a segurança de todos. Sobre a teoria política de Thomas Hobbes, assinale o que for correto. 01) Segundo Thomas Hobbes, no estado de natureza, o comportamento dos homens é pacífico, o que é condição para instauração do pacto de respeito mútuo às liberdades individuais. 02) Segundo Thomas Hobbes, no estado de natureza, o homem dispõe de toda liberdade e poder para realizar tudo quanto sua força ou astúcia lhe permitir. No entanto, alguns são mais astuciosos que outros, o que gera a desigualdade e a escravidão. 03) Segundo Thomas Hobbes, o Estado é a unidade formada por uma multidão de indivíduos que concordaram em transferir seu direito de governarem a si mesmos à pessoa ou à assembleia de pessoas que os represente e que possa assegurar a paz e o bem comum. 04) Na obra Leviatã, para caracterizar o Estado, Thomas Hobbes utiliza a figura do Novo Testamento, o Leviatã, cuja função é salvar os homens do poder despótico dos reis. 05) Segundo Thomas Hobbes, o Estado não dispõe de poder absoluto algum. É ilegítimo o uso da força pelo soberano para constranger os súditos, pois o controle do poder instituído, como o próprio poder, deve assentar-se no acordo e no convencimento.