A TRAJETÓRIA DA ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL NO BRASIL: REVISÃO HISTÓRICA Rosimar Serena Siqueira Esquinsani Universidade de Passo Fundo / UPF [email protected] Palavras-chave: tempo integral - escola pública – trajetória histórica A sinopse resgata, através de uma revisão bibliográfica sobre o tema, a trajetória histórica das experiências de escolarização pública em tempo integral no Brasil. Partindo da experiência pioneira desenvolvida por Anísio Teixeira (1900-1971), no Centro Educacional Carneiro Ribeiro (Escola Parque) na Bahia (anos 1950), o texto evoca diferentes épocas históricas, citando os Ginásios Vocacionais, em São Paulo (década de 1960); passando pelos famosos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), no Rio de Janeiro do governo Leonel Brizola (década de 1980) e chega ao projeto dos Centros de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Ciacs), programa este implantado em vários estados brasileiros pelo governo Fernando Collor de Mello (década de 1990). Também incorre através dos distintos níveis administrativos da federação, lembrando que experiências de escolas públicas organizadas em tempo integral, ocorrem sazonalmente tanto em nível federal, quanto estadual, passando por experiências regionalizadas, focalizadas em diversos municípios brasileiros. Destarte o texto, fruto de uma pesquisa concluída, objetiva assinalar a escola em tempo integral como uma possibilidade de política qualitativa para a escola pública, fazendo a revisão histórica de experiências desta organização, discutindo ainda as diferentes formas (tempos e espaços) tomadas pela escola em tempo integral. Fruto de uma demanda história, o processo de universalização do acesso ao ensino fundamental desencadeado no Brasil ao longo do século XX, obrigou as redes escolares sobretudo as públicas, a (re) pensar formas de organização e distribuição de recursos (espaciais, financeiros e humanos) que atentassem para a absorção (quantitativamente falando) dos alunos que procuravam por vagas na educação formal. Tal situação levou a maior parte das escolas a operar no limite de sua capacidade, a fim de atender a uma demanda crescente por vagas, estas distribuídas muitas vezes em dois ou até mesmo em três turnos regulares de trabalho (manhã, tarde e noite), seguindo princípios de racionalização financeira e de um aproveitamento quase milimétrico das estruturas físicas das escolas. Desta sorte, a discussão emergente no século XX, perdurando igualmente no início do século XXI, vem ao encontro de outra demanda: a qualidade da educação. Já não basta mais colocar todas as crianças na escola. A equação qualidade X quantidade passa a ser a nova demanda da educação nacional. No contrapasso da situação de esvaziamento da qualidade da escola pública, vem um processo reativo de discussão e proposição de alternativas para tais instituições. Tal processo vem acompanhado da urgência, segundo Rios, de “qualificar a qualidade, refletir sobre a significação de que ela se reveste no interior da prática educativa” (2001, p.21). A reação, encampada por educadores, sindicatos, setores da sociedade civil organizada, também se fez acompanhar por políticas educacionais encetadas por este ou aquele governo, políticas ora inadequadas, ora carentes de uma elaboração mais coletiva, mas que se mostraram, em determinados casos, eficientes no apelo à expansão qualitativa de redes e sistemas de ensino. Neste contexto de redimensionamento do próprio papel da escola pública, a questão da qualidade parece emergir como elemento da democratização do saber. Não basta colocar todos na escola, mas sim discutir e procurar formas qualitativas de atender a expansão da escolarização. A ampliação das funções da escola, de forma a melhor cumprir um papel sócio-integrador, vem ocorrendo por urgente imposição da realidade, e não por uma escolha político-educacional deliberada. Entretanto, a institucionalização do fenômeno pelos sistemas educacionais [...] envolverá escolhas, isto é, envolverá concepções e decisões políticas. Tanto poderão ser desenvolvidos os aspectos inovadores e transformadores embutidos numa prática escolar rica e multidimensional, como poderão ser exacerbados os aspectos reguladores e conservadores inerentes às instituições em geral (CAVALIERE, 2002, p.250) Dentro deste debate, algumas políticas educacionais voltadas para a qualidade da escola pública basearam-se em experiências educacionais desenvolvidas acerca de um tema recursivo na história das idéias e práticas pedagógicas: a escolarização em tempo integral. Pode-se buscar a gênese da escolarização em turno integral no Brasil junto ao movimento escolanovista, influenciado pelo pragmatismo e pelo pensamento de John Dewey (1859-1952). Ainda dentro da leitura pragmatista de Dewey e da escola nova, o primeiro educador brasileiro a defender a idéia da escola de turno integral como possibilidade qualitativa da escola pública foi o baiano Anísio Spínola Teixeira. O nome de Anísio Teixeira como um aporte da história da educação para olhar políticas educacionais que objetivem a escolarização em tempo integral vem de sua estreita vinculação com os princípios do escolanovismo, sendo, inclusive, por sua projeção histórica até os dias atuais, “...considerado o maior educador brasileiro participante do movimento renovador da educação nacional”. (Pinto, 1986, p. 89), além de ter sido Anísio o primeiro educador a discutir a possibilidade (e concretizar tal proposta) de escolas em turno integral para educar a população. Otávio Mangabeira, então governador da Bahia em fins da década de 1940, solicitou ao seu Secretário de Educação e Cultura, Anísio Spínola Teixeira, que elaborasse um sistema escolar para resolver a crescente demanda por vagas nas escolas públicas. A solicitação coincide com a necessidade de (re) pensar a escola aos moldes do que a sociedade urbana e industrial nascente precisava, o que evolvia novos currículos, novos programas e novos docentes. Anísio respondeu à solicitação do governador com os olhos voltados para um projeto novo, apresentando a primeira célula do Centro de Educação Popular (o modelo de Salvador) (TEIXEIRA, 1994). Para ele, este Centro, denominado Centro Educacional Carneiro Ribeiro – CECR, deveria ser a primeira demonstração da passagem da escola de poucos para a escola de todos. Tal centro deveria oferecer à criança, ao longo do ano letivo regular, dias inteiros em atividades divididos em dois períodos: um de instrução seguindo o currículo escolar, nas chamadas Escolas Classe; e o outro período em trabalhos, educação física, atividades sociais e artísticas, na chamada Escola Parque. A idéia era de que o Centro funcionasse como um semi-internato, recebendo os alunos às sete e meia da manhã e devolvendo-os às famílias às quatro e meia da tarde. O projeto capitaneado por Anísio Teixeira constitui-se na primeira experiência brasileira de educação pública em escolas de turno integral, sendo que, ao longo da história da educação brasileira, outras experiências foram vivenciadas no Brasil. Também mereceram destaque, como experiências de escolarização em tempo integral, os Ginásios Vocacionais organizados em São Paulo (década de 1960). Os Ginásios Vocacionais duraram 8 anos, de 1962 a 1969, sendo que ao longo do período foram implantadas seis unidades, sendo uma na capital (São Paulo) e em cinco cidades do interior: Americana, Batatais, Rio Claro, Barretos e São Caetano do Sul. Os Ginásios Estaduais Vocacionais foram instituições de ensino em tempo integral para jovens de ambos os sexos, com idade de ingresso entre 11 e 13 anos (ROVAI, 2005). Retomando a figura e o legado de Anísio Teixeira, importa dizer que o educador baiano marcou de forma indelével o cenário educacional brasileiro e, entre seus sucessores intelectuais, figura Darcy Ribeiro, mentor das escolas de tempo integral, projetadas e executadas em diferentes momentos e em diferentes esferas por governos liderados pelo partido de Leonel Brizola, para o qual Darcy fora figura de forte influência. Os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) por exemplo, foram construídos e implantados no estado do Rio de Janeiro nas duas gestões do governador Leonel Brizola, através do Programa Especial de Educação (I PEE, de 1983 a 1986, e II PEE, de 1991 a 1994). Em dois governos (1983-1986 e 1991-1994) foram constituídas 507 unidades (RIBEIRO, 1995). Na década de 1990, o governo de Fernando Collor de Mello (primeiro presidente eleito pelo voto direto, após um longo período de exceção), edificou como projeto de escola pública em tempo integral os chamados CIACs. Os Centros de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Ciacs), programa federal implantado em vários estados brasileiros a partir de 1991 (DI GIOVANI: SOUZA, 1999). Os CIACs foram instituídos em 1991 pelo governo Collor como parte do “Projeto Minha Gente”, inspirados no modelo dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), do Rio de Janeiro, implantados na gestão de Leonel Brizola. O objetivo era prover a atenção à criança e ao adolescente, envolvendo a educação fundamental em tempo integral, programas de assistência à saúde, lazer e iniciação ao trabalho, entre outros.1 Em 1991 foi inaugurado o primeiro prédio, em Paranoá. Em 1992, os Centros Integrados de Apoio à Criança - CIACs passam a se chamar Centros de Atenção Integral à Criança e aos Adolescentes - CAICs. sendo que o que era para ser uma rede de 5 mil estabelecimentos de ensino e assistência se limitou a 444 escolas2 que, em tese, pouco diferiram de uma escola regular. Experiências de escolarização em tempo integral também ocorrem sazonalmente tanto em nível federal, quanto estadual, passando por experiências regionalizadas, focalizadas em diversos municípios brasileiros, como Apucarana/PR (adm, 2005-2008) e Pato Branco/PR (adm. 1997-2000); Chapecó/SC (adm. 2005-2008); Canela/RS (adm. 2001-2004 e adm. 2005-2008); Passo Fundo/RS (adm.2005-2008). Via de regra estas experiências locais têm em comum a referência aos Cieps (que acabaram por receber o status de experiência mais conhecida), bem como a idéia de que educação em tempo integral caracteriza-se, basicamente, pela dilatação do tempo de permanência do aluno na escola. Por uma conclusão prévia... Sazonalmente ganha destaque no cenário dos debates educacionais um tema recursivo: a tentativa de qualificar a escola pública através de escolas organizadas em tempo integral. A revisão histórica da (ou das) experiência (s) tem mostrado a crença dos defensores da escola em tempo integral nas suas possibilidades qualitativas. Por outro lado, as experiências históricas não tiveram fôlego para sobreviver a queda de um administrador ou a troca de comando em um governo. Diante deste quadro e à revelia do que prevê a LDB 9.394/96 em seu artigo 34 - a ampliação da permanência da criança na escola, com progressiva extensão do horário escolar -, experiências de escolas organizadas em tempo integral têm esbarrado em questões práticas e contextuais, das quais é possível destacar duas: a) a forte cultura de turnos únicos (ou regulares) que assola o sistema escolar público pautado, em grande medida, por um paradigma de racionalização de gastos com a educação e, b) a idéia de que escolas em tempo integral são sempre uma experiência (nunca uma permanência), portanto atreladas aos seus idealizadores que, saindo do espaço de poder, levam consigo suas criações. Parece que se for feita uma aposta na escola em tempo integral, que seja feita no modelo de escola, e não em partidos políticos ou gestores. Justo por esta razão, a escola em tempo integral precisa deixar de ser uma experiência para ser uma política educacional, cercada por uma legislação regulamentadora e desafiada a responder pela consecução do seu maior objetivo histórico: a qualidade da escola pública. Referências Bibliográficas CAVALIERE, Ana Maria Villela. Educação integral: uma nova identidade para a escola brasileira? In: Educação e Sociedade, Campinas, vol.23, n.81, p.247-270, dez.2002. DI GIOVANNI, Geraldo e SOUZA, Aparecida Neri de. Criança na escola? Programa de Formação Integral da Criança. In: Educação e Sociedade, Campinas, vol.20, n.67, p.70111, ago. 1999. PARO, Vitor Henrique [et.al]. Escola de tempo integral: desafio para o ensino público. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1988. PINTO, Fátima Cunha Ferreira. Filosofia da escola nova: do ato político ao ato pedagógico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Niterói: Eduff, 1986. RIBEIRO, Darcy. Carta 15: O novo livro dos CIEPs. Brasília: Senado Federal, 1995. RIOS, Terezinha Azeredo Rios. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2001 ROVAI, Esméria (org.). Ensino Vocacional – uma pedagogia atual. São Paulo: Cortez Editora, 2005. TEIXEIRA, Anísio. Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.31, n.73, jan./mar. 1959. p.78-84. __________. Uma experiência de educação primária integral no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.38, n.87, jul./set. 1962. p.21-33. __________. A Escola Parque da Bahia. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.47, n.106, abr./jun. 1967. p.246-253. __________. Educação não é privilégio. 5.ed. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1994. __________. Educação é um direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1996. 1 MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos."CIACs (Centros Integrados de Atendimento à Criança)" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002. 2 Correio Braziliense “Educação integral: uma idéia abandonada”, 02 de junho de 2002.