A RELAÇÃO ENTRE OS ESTILOS DE APRENDIZAGEM DE
RICHARD FELDER E OS TIPOS PSICOLÓGICOS DE CARL
JUNG
Cláudia M. S. Senra
Geraldo F. C. A. de Lima
Fábio W. O. da Silva
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
RESUMO: Discute-se a relação entre os estilos de aprendizagem de Felder e a teoria dos tipos
psicológicos de Jung, destacando os pontos de convergência e de divergência. Os estilos de
Felder, criados para auxiliar o professor em sua prática educativa, compreendem as seguintes
dimensões: visual/verbal, sensorial/intuitivo, indutivo/dedutivo, ativo/ reflexivo e
seqüencial/global. Uma das teorias que lhe serviram de base foi a de Myers-Briggs,
fundamentada na teoria de Jung sobre os tipos de personalidade, por sua vez inspirada na
experiência clínica e exemplos históricos. Os tipos de Jung seriam introvertido e o extrovertido,
combinados com quatro funções psicológicas fundamentais: pensamento, sentimento, sensação
e intuição. Entre os pontos de convergência, além das características comuns, os dois autores
consideram suas categorias complementares. Entre os pontos de divergência, enquanto Jung
defende o equilíbrio entre as funções, Felder afirma a necessidade de indivíduos com as diversas
combinações possíveis.
PALAVRAS-CHAVE: Estilos de aprendizagem; Tipos de personalidade; Ensino de ciências.
Introdução
O processo de aprendizagem é extremamente complexo, não se restringindo à
aquisição de respostas ou mesmo de conhecimentos. Vários estudos foram propostos
sobre o tema e diversas teorias surgiram a partir daí. Um ponto em comum a todos esses
estudos é a indicação de que cada indivíduo teria um ritmo e uma forma característica
de aprender, ou seja, os indivíduos não aprenderiam de uma forma homogênea.
Fatores de diversas naturezas, como físico, ambiental, cognitivo, afetivo, cultural
e sócio-econômico, influenciam o processo de aprendizagem. Felder e seus
colaboradores, que realizaram estudos com alunos da engenharia, sugerem que o ensino
deva ser centrado no estudante (FELDER, 1988). Para isso os educadores, ao planejar
as aulas, devem levar em consideração à forma como os estudantes aprendem. Essa
afirmativa indica que o conhecimento para Felder se processa de forma construtiva. A
partir daí, Felder e Silverman (1988) desenvolveram um modelo de estilos de
aprendizagem que teve como objetivo principal contribuir para que os educadores dos
cursos de engenharia da Universidade do Estado da Carolina do Norte (EUA)
compreendessem melhor as formas de aprendizagem de seus estudantes. Esse
conhecimento poderia auxiliá-los a definir metodologias de ensino mais adequadas para
a aprendizagem, aumentando a eficácia das aulas, um dos principais fatores
responsáveis pelo baixo rendimento escolar e insatisfação nos estudantes que desistiam
dos cursos de engenharia.
O modelo de Felder e Silverman é baseado em estudos já existentes sobre estilos
de aprendizagem e na teoria da personalidade de Carl Jung e seus tipos psicológicos, o
tipo introvertido e o extrovertido, além dos tipos funcionais, pensativo, o sentimental, o
intuitivo e o perceptivo. Além dos estilos de aprendizagem, Felder propõe também um
Índice de Estilos de Aprendizagem, que propicia ao educador descobrir os estilos de
aprendizagem de seus alunos, instrumento esse que já foi investigado e validado em
alguns trabalhos (KARINE, 2005; LOPES, 2002).
O presente estudo pretende esclarecer em que a teoria de Jung mais influenciou
os estilos de aprendizagem de Felder, com que profundidade e que outras influências de
teorias psicológicas estariam presentes em seu trabalho.
Os Estilos de Aprendizagem de Felder
Richard Felder, professor de Engenharia Química da Universidade do Estado da
Carolina do Norte (EUA), incomodado com a desistência e repetência dos alunos nas
séries iniciais do curso de engenharia, decidiu pesquisar sobre alternativas para atingir
esses estudantes. A partir de um estudo sobre ensino universitário de ciências, a
pesquisadora Sheila Tobias levantou os pontos negativos nessas disciplinas, que são:
o fracasso em motivar os estudantes para ciências, ao não estabelecer sua relevância para a vida
e interesses pessoais dos estudantes; deixar os estudantes em quase total passividade nas salas
de aula; a ênfase por competição por notas, em vez de aprendizagem cooperativa; o enfoque em
resolução algorítmica de problemas, em vez de compreensão conceptual.
A partir dessa pesquisa, verificou-se que os estudantes são caracterizados por
estilos de aprendizagem significativamente diferentes: enfocam diferentes tipos de
informações, tendem a operar sobre a informação percebida de maneiras diferentes, e
atingem a compreensão do assunto ensinado a velocidades diferentes. Além disso,
verificou-se que estudantes cujos estilos de aprendizagem são compatíveis com os
métodos de ensino do professor da disciplina tendem a reter a informação por mais
tempo.
Então, Felder e Silverman, baseados em diversas pesquisas de outros autores,
formularam um modelo de estilos de aprendizagem com dimensões relevantes para a
educação científica. São cinco as dimensões de estilos de aprendizagem: visual/verbal,
sensorial/intuitivo, indutivo/dedutivo, ativo/reflexivo, e seqüencial/global. Essas
dimensões trabalham como pólos opostos, mas isso não quer dizer que a pessoa deva
pertencer exclusivamente a um deles, pois há uma gradação, podendo cada pessoa ser
classificada em escala de forte, moderada ou fraca, mudar com o tempo sua posição na
escala, e variar nessa classificação, dependendo do assunto ou do ambiente de ensino.
Visual ou verbal referem-se à forma de captação da informação. Estudantes
visuais obtêm informação preferencialmente a partir de imagens visuais como figuras,
diagramas, gráficos e esquemas, enquanto os verbais têm mais facilidade em fixar
informação através de material escrito como palavras escritas e faladas e fórmulas
matemáticas.
Sensorial e intuitivo estão ligados à percepção das informações do ambiente, ou
seja, pelos sentidos (o que é tocado, ouvido ou visto), ou intuitiva, favorecendo as
informações que surgem internamente através de memória, reflexão e imaginação.
As formas como os estudantes organizam a informação, segundo Felder, pode
ser indutiva ou dedutiva. Os indutivos preferem partir de casos específicos e ir
construindo até chegar aos princípios e teorias fundamentais por inferência; já os
estudantes dedutivos preferem começar com princípios e regras gerais e então deduzir
as conseqüências e as aplicações.
Estudantes ativos são os que processam a informação fazendo alguma atividade,
ou
seja,
testando
o
conteúdo,
os
reflexivos
já
processam a
introspectivamente, pensando muito mais nas coisas antes de testá-las.
informação
Quanto à compreensão os estudantes são seqüenciais ou globais, os seqüenciais
absorvem informações na medida em que ela é apresentada, de forma linear. Já os
globais têm que ter um conhecimento mais completo do conteúdo para que ocorra a
aprendizagem, eles dão saltos holísticos em sua compreensão.
A partir dessa classificação, Felder propõe aos professores, não que verifiquem
os estilos de aprendizagem de seus estudantes, mas que adaptem sua aula, ou seja, seu
estilo de ensino para os diversos estilos de aprendizagem, com algumas modificações
nas atividades propostas aos alunos para que todos os estilos sejam contemplados. O
que se verifica é que nas aulas tradicionais apenas algumas categorias são trabalhadas,
como por exemplo os estudantes verbais, intuitivos, dedutivos, reflexivos e seqüenciais.
Ele afirma que, com pequenas adaptações nas tarefas propostas aos estudantes, todas as
categorias dos estilos de aprendizagem poderiam ser atingidas, como também as
necessidades de todos os estudantes. Felder propõe também que as habilidades de cada
uma das categorias estabelecidas podem ser desenvolvias pelos estudantes na medida
em que são trabalhadas em sala de aula, ou seja, os estilos de aprendizagem são
desenvolvidos ao longo de sua vida acadêmica. Então aconselha atividades que
estimulem todas as dimensões dos estilos de aprendizagem, pois elas ampliam as
habilidades de todos os estudantes e futuramente os profissionais da área de ciências.
O que se observa é que Felder e colaboradores estavam realmente interessados e
empenhados em mudar é a prática didática do professor com seus alunos, dentro da
visão vigente na época, do ensino centrado no aluno, introduzido pela pedagogia
cognitiva. Felder propõe uma série de recursos didáticos e atividades a serem
desenvolvidas com os alunos inovadoras e, segundo o próprio autor, com resultados
promissores para os alunos, com ganhos reais em desempenho teóricos e de
aprendizagem, e avaliações positivas dos próprios. Outro aspecto trabalhado por ele é a
relação professor-aluno, em que apresenta pesquisas sobre o tipo de professor mais
aprovado pelos alunos, qual professor produz resultados mais eficientes em relação à
aprendizagem dos alunos e o envolvimento com a matéria.
Para criar sua teoria, Felder baseou-se em estudos desenvolvidos por outros
pesquisadores, entre eles o de Myers-Briggs, que defendem a idéia de que a
aprendizagem é conseqüência da personalidade do indivíduo, enfim, de seus tipos
psicológicos. Os tipos psicológicos de Carl Jung, então, são utilizados na definição dos
estilos de aprendizagem dessas autoras e no de Felder. Essas autoras criaram um teste
chamado MBTI – “Myers-Briggs Type Indicator” que se relacionam com os tipos de
personalidade de Jung, para auxiliar em testes vocacionais.
Os Tipos Psicológicos de Jung
Carl Jung elaborou seus tipos psicológicos a partir de sua prática clínica e
também de análise dos tipos psicológicos da História. Ele analisou teóricos desde a
Grécia antiga, traçando paralelos de opostos em todos os grandes temas de discussão do
pensamento ocidental, na filosofia, na literatura, e ainda analisou trabalhos de
classificação de tipos de personalidade por outros psiquiatras, como, por exemplo, o do
médico Galeno na Antigüidade.
Jung dividiu os indivíduos em dois tipos de personalidade: o extrovertido e o
introvertido. O extrovertido seria orientado para o objeto, ou seja, para o exterior,
enquanto o introvertido seria orientado por fatores subjetivos, ou seus processos
internos. Além desses dois tipos, ele identificou quatro funções psicológicas que
chamou de fundamentais: pensamento, sentimento, sensação e intuição. Cada uma
dessas funções pode ser vivenciada tanto de maneira introvertida quanto extrovertida.
Por sensação, entendem-se percepções dos órgãos sensoriais; pensamento é o
conhecimento intelectual e a lógica de formação de conclusões; sentimento é uma
função que nos indica o que é apropriado ou não; e intuição seria a percepção latente ou
inconsciente.
O ideal para Jung seria que todas essas funções se manifestassem
equilibradamente, o que na maioria das vezes não acontece. Geralmente uma ou outra
dessas funções ocupa o primeiro plano enquanto as outras ficam no segundo plano.
Dessa forma existem pessoas que estão mais no tipo sensação, que percebem mais a
realidade que estão vivendo sem refletir sobre ela e sem considerar os sentimentos a ela
relacionados. Outras são do tipo pensamento, determinadas exclusivamente pelo que
pensam, não conseguindo se adaptar a situações que não têm conhecimento intelectual.
Outras ainda deixam-se guiar pelo sentimento, experimentando somente vivencias que
lhe são agradáveis e evitando as que não são. Julgando unicamente suas impressões
sentimentais, são os tipos sentimento. Há ainda aqueles que não se preocupam nem com
a realidade, nem com as idéias e nem tão pouco com os sentimentos relacionados, e sim
se atraem exclusivamente pelas possibilidades, esses são os tipos intuitivos.
Segundo Jung, quando uma dessas funções predomina, as outras atuam de forma
inconsciente, sem serem percebidas ou controladas. Assim também ocorre com a outra
unilateralidade apresentada, presente em todos os tipos de função, que são a atitude
introvertida e extrovertida: quando uma prevalece, a outra se contrabalança de forma
inconsciente no indivíduo.
Discussão
Para Felder, o equilíbrio defendido por Jung não é necessário. A sociedade e o
mercado de trabalho teriam necessidade das diversas combinações possíveis. Ele
preconiza a estimulação e o desenvolvimento dos diversos estilos para que os
indivíduos possam trabalhar em equipe, apoiando-se mutuamente, de forma
colaborativa, e para que cada um possa explorar melhor o seu potencial, mas não há um
julgamento de valor pelo fato de se pertencer a um extremo ou outro da escala.
Diante disso, podemos afirmar que os tipos psicológicos de Jung são
complementares, assim como os estilos de aprendizagem de Felder, já verificando então
uma similaridade entre as teorias, mas há também pontos de divergência.
Como ponto de convergência, podemos começar citando a própria origem de
cada teoria. Já que a teoria de Jung foi criada a partir de sua vivencia prática em
consultório, enquanto a teoria de Felder foi criada para auxiliá-lo em sua prática como
professor, a diferença é que Jung criou uma teoria de personalidade enquanto Felder
criou uma teoria de aprendizagem, sendo apenas influenciada pelas características de
personalidade de cada indivíduo.
Jung dividiu sua classificação em dois tipos principais de personalidade –
introvertidos e extrovertidos, e para dar maior detalhamento às características de
personalidade estabelece quatro subdivisões, as quais chamaram funções básicas –
pensamento, sentimento, sensação e intuição, que darão origem aos tipos
correspondentes. Cada um desses tipos podendo ser introvertido ou extrovertido,
dependendo de seu comportamento em relação ao objeto, ou seja, ao que está externo ao
indivíduo. Estabelecendo oito tipos de personalidade.
Estas classificações estariam bem similares às de Felder que seriam também
subdivididas em pólos complementares entre si, porém Felder estabelece cinco
dimensões: visual/verbal, ativo/reflexivo, sensorial/intuitivo, seqüencial/global e
intuitivo/dedutivo. Igualmente influenciados pelas características de personalidade de
cada indivíduo, porém focadas na resolução de problemas acadêmicos e processamento
de informações, ou seja, voltada para a vivência escolar de cada um, seu desempenho
em relação à aprendizagem. Por isso elas são subdivididas em cinco, para contemplar
aspectos específicos de compreensão de informações.
Conclusão
Quando Richard Felder escreveu sua teoria sobre estilos de aprendizagem, ele se
baseou em outros estudos já existentes para fazer uma adaptação ao que precisava ao
que lhe era mais apropriado para o seu trabalho na engenharia. Nestes estudos
fundamentados por ele a teoria dos tipos psicológicos de Carl Jung foi fundamental para
a criação dos estilos de aprendizagem. Até mesmo para a classificação dos estilos, a
primeira seleção de Jung serviu de inspiração para várias classificações, dentre elas a
classificação dos estilos de aprendizagem. Cada uma das dimensões dos estilos de
aprendizagem tem um paralelo com outros modelos de estilos de aprendizagem. A
dimensão dos estilos de ativo/ reflexivo é análoga à mesma dimensão no modelo de
estilo de aprendizagem de Kolb, e ainda o aprendiz ativo e o aprendiz reflexivo são
respectivamente relacionados com o extrovertido e o introvertido da classificação de
tipos feita por Myers-Briggs, baseada nos Tipos Psicológicos de Jung. A dimensão
sensitivo/ intuitivo foi tirada diretamente do MBTI e provavelmente tem uma
contrapartida com a dimensão concreta abstrata do modelo de Kolb. As dimensões
ativo/reflexiva e visual/verbal são análogas à formulação visual- auditiva- cinestésica
teoria modal e a programação neurolinguística, e a distinção visual/verbal é também
relacionada em estudos cognitivos de processo de informação. A dimensão
seqüencial/global tem numerosas analogias. Estudantes que têm características de
aprendizes seqüenciais são considerados como indivíduos que tem o lado esquerdo do
cérebro dominante. Já os globais têm o lado direito como dominante. (FELDER- 2004)
Richard Felder preocupado com a aprendizagem de seus alunos e com as
freqüentes desistências no curso básico, partiu para a investigação de soluções
pedagógicas para sanar essas dificuldades dos alunos.
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