5 ZERO HORA SEXTA-FEIRA, 28 DE MARÇO DE 2014 Confira as declarações, p or vezes contraditórias, do coronel reformado Paulo Malhães, hoje com 76 anos. ● ● ● ● ● Na terça-feira, revelou à Comissão Nacional da Verdade (CNV) que participou de torturas, execuções e ocultação de cadáveres de presos políticos, na década de 1970. No dia 21, desta vez falando à Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, declarou que jogara os restos mortais do ex-deputado Rubens Paiva no mar fluminense, depois de os desenterrar de uma praia, onde fora sepultado clandestinamente em 1971. Rubens Paiva foi morto sob tortura no DOI-Codi do Rio de Janeiro. Em novembro de 2012, Zero Hora (reportagem acima) divulgou documentos provando que o exdeputado estivera preso no DOI-Codi, o que sempre fora negado pelos militares. Na terça-feira, no depoimento à CNV, Malhães negou que tivesse escondido o corpo de Rubens Paiva. Disse que falou apenas para conformar a família do parlamentar. O coronel Malhães disse que a Casa da Morte, no Rio, servia de modelo para outros Estados, inclusive o Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, o equivalente era A Fossa, uma sala do Dops no Palácio da Polícia, onde ele deu aulas de tortura. O agente do Centro de Informações do Exército (CIE), então major Paulo Malhães, também interveio em Caxias do Sul e Três Passos,para debelar focos de guerrilha. Foi rápido e inclemente ao deter, torturar e meter na cadeia os envolvidos. A ação foi pequena em Caxias do Sul, onde prendeu um jovem que tinha planos suspeitos numa pasta. Em Três Passos, no entanto, chegou a improvisar um centro de tortura no quartel da Brigada Militar para interrogar membros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) que organizavam uma unidade tática no noroeste gaúcho, próximo à fronteira com a Argentina. Naquele maio de 1970, um dos torturados por Malhães e sua equipe foi o vereador de Três Passos pelo MDB (atual PMDB), Reneu Geraldino Mertz. Uma das filhas, Clarissa Mertz, 35 anos, conta que o pai ficou com sequelas e surdo de um ouvido, de tanto apanhar. Morreu aos 50 anos,em 1991. – A família como um todo foi atingida.A mãe teve problemas psi- cológicos. O pai saiu da cadeia com 20 quilos a menos – diz Clarissa. Depois dos choques elétricos e dos “telefonemas” – pancadas no ouvido com a mão em concha –, Reneu Mertz foi enviado para Santa Maria. Ficou preso até 30 de agosto de 1971. Abandonou a política, só voltando com o fim da ditadura,para se eleger prefeito de Três Passos. O ex-VPR Antônio Alberi Maffi, hoje com 64 anos, também foi torturado por Malhães e seu parceiro, o sargento Clodoaldo Cabral. Lembra que a dupla trouxe a “maricota” – aparelho de aplicar choques elétricos, cuja intensidade é regulada por uma manivela. – Era o mais sádico de todos – relata Maffi. Além de cinco integrantes daVPR, a repressão capturou agricultores da região, suspeitos de fornecer esconderijos na zona rural. Maffi recorda que o mais visado foi o comandante do grupo, o italiano naturalizado brasileiro Roberto de Fortini. Em agosto de 2012, o Comitê Popular Memória, Verdade e Justiça PAULO MALHÃES Ao admitir à Comissão da Verdade o envolvimento em mortes, torturas e ocultação de corpos. Militar deixou um sucessor na Capital ‘‘ O Dops estava localizado no prédio do Palácio da Polícia. Lá funcionava “A Fossa”, a sala de tortura ARQUIVO PESSOAL Malhães atuou também em Três Passos SILÊNCIO ROMPIDO Naquela época, não existia DNA. Quando você vai se desfazer de um corpo, quais as partes podem determinar quem é a pessoa? Arcada dentária e digitais. Quebravam os dentes e cortavam os dedos. As mãos, não. E aí, se desfazia do corpo. ADRIANA FRANCIOSI, BD 24/05/2013 Em julho de 1970, quando foi preso por integrar a Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR-Palmares), Calino Pacheco Filho não encontrou Paulo Malhães e o sargento Clodoaldo Cabral nos porões do Dops.A dupla já zarpara para outra tarefa pelo país. Calino sabia o que lhe esperava se deparasse com o especialista em choque elétrico, mas não teve moleza nos interrogatórios. É que Malhães, antes de partir, formara discípulos e deixara um sucessor: o delegado Pedro Seelig, que seria aclamado o “Fleury dos Pampas”, em alusão ao mais famigerado repressor brasileiro, Sérgio Paranhos Fleury,que atuou em São Paulo. João Carlos Bona Garcia, exVanguarda Popular Revolucionária (VPR), conta que a equipe de Malhães elogiava Pedro Seelig, na estratégia de projetar um líder em condições de atemorizar os grupos de esquerda. Quando foi preso, Bona percebeu que o delegado gaúcho mudou a atitude, passando a ostentar a escuderia da caveira e a portar uma pistola à mostra. – Eles vieram fazer escola, não do Rio Grande do Sul realizou um ato público em Três Passos. Um dos presentes, Calino Pacheco Filho, ressalta que houve referência ao coronel Paulo Malhães, o “mesmo monstro” que montou a Casa da Morte,no Rio de Janeiro. – Em Três Passos,ele fez uma sessão coletiva de tortura – diz Calino. ZH tentou entrevistar Malhães. A informação é de que o ex-agente do CIE,atualmente morando no Rio,prefere não se manifestar por enquanto. só desbaratar – diz Bona, 67 anos. O ex-preso político lembra que a polícia gaúcha era incipiente, não se aperfeiçoara em conduzir interrogatórios e arrancar informações.O melhor dos alunos de Malhães, o mais entusiasmado,era Pedro Seelig. – Ele começou a pensar que estava no mesmo nível, a fazer pose – destaca o ex-militante. Paulo de Tarso Carneiro, da VARPalmares, diz que havia um certo desprezo pelos métodos do Dops. Quando esteve preso, viu quando o major Átila Rohrsetzer – fazia a ligação entre o III Exército (depois Comando Militar do Sul) e os agentes civis – pediu um interrogador “competente” para esclarecer o assalto à agência do Banco do Brasil de Viamão. No caso, Malhães e Cabral. Depois, debochou dos prisioneiros que relutavam em falar, apesar das torturas: – Agora vocês vão ver. ZH tentou ouvir Pedro Seelig, via Associação dos Delegados de Polícia do Rio Grande do Sul (Asdep), mas não conseguiu o contato. O extitular do Dops tem guardado silêncio nos últimos anos. O ex-prefeito de Três passos Reneu Mertz passou pelas torturas da equipe de Malhães