A África do Sul Pós-Apartheid: entre a Ortodoxia da Política Econômica e a Afirmação de uma Política Externa “Soberana” Alexandre de Freitas Barbosa e Ângela Cristina Tepassê São Paulo, 30 de novembro de 2009 Estrutura da Apresentação A Pesada Herança do Apartheid; A Ortodoxia da Política Econômica Sul-Africana: Adaptações ou Mudanças do Modelo? Um País Intermediário em Busca de uma Política Externa Diferenciada; Mercado de Trabalho e Desigualdade Social na África do Sul; Principais problemas e desafios pós-Apartheid; O contexto pós-eleitoral; Cenários econômicos pós-crise. A Pesada Herança do Apartheid Apartheid: A partir de 1948 – segregação explícita: expropriação econômica e política mais exclusão social e jurídica; 1970’s – Sinais de esgotamento do “capitalismo racista” e instabilidade política; 1976 – Massacre de Soweto, crescente instabilidade política; 1980’s – Fortes pressões internacionais para o fim do Apartheid e crescente organização da sociedade civil no plano interno; A Pesada Herança do Apartheid Desafios a serem enfrentados no pósapartheid: Construção de uma democracia; Combate à exclusão social e racial; Ampliação do acesso a políticas sociais e direitos para a população negra; Modernização e desenvolvimento Econômico; Ruptura com o isolacionismo externo; Em busca de um projeto econômico (1994 – 1996) Freedom Charter (1955); Depois de 1990: Pressões do Banco Mundial, FMI e capital privado nacional; Cautela dos economistas do ANC – a “nacionalização” sai da agenda; Resultado: Reconstruction and Development Programme (RDP): lema “crescimento via distribuição”; 1996 – Substituição do RDP pelo GEAR, invertemse os termos da política econômica. Em busca de um projeto econômico (1994 – 1996) Reconstruction and Development Programme (RDP) Objetivo: Controlar a inflação e manter um câmbio competitivo, mas sem desvalorização exagerada. Medidas Políticas fiscal e monetária rígidas; Liberalização da conta de capitais; Independência do Banco Central; Elevação dos juros; Resultados Redução do investimento privado; Entrada expressiva de investimentos em carteira; Desvalorização do Rand; 1996 – Substituição do RDP pelo GEAR. O GEAR: uma Política Ortodoxa feita em casa? Growth, Employment and Redistribution (GEAR) Medidas: Redução do déficit fiscal; Privatizações (implementadas de forma gradual); Avanço na redução de controles cambiais; Redução das tarifas industriais; Juros mantidos em níveis elevados; Adoção do programa de metas de inflação (apenas em 2002). Resultados: Entrada de capitais de curto prazo, mas não de IED’s; Enfraquecimento do investimento interno devido aos juros altos e forte pressão competitiva; Baixo dinamismo do consumo e do mercado de trabalho; Crescimento econômico reduzido (2,5% ao ano); Inflação abaixo da meta estabelecida. O GEAR: uma Política Ortodoxa feita em casa? 20 Taxa de juros reais (média) Déficit orçamentário (% do PIB) 0 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 15 -2 10 5 -4 0 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 52 50 48 46 44 42 40 Dívida Pública (% do PIB) -6 Taxa efetiva real de câmbio (média para o período) 10 5 0 -5 1995 1996 1997 1998 -10 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 -15 Fonte: Republic of South Africa - Development Indicators, 2008 & SARB. Elaboração: Própria 1999 2000 2001 2002 O GEAR: uma Política Ortodoxa feita em casa? 1 Déficit em conta corrente (% do PIB) 0 -1 10 8 6 4 2 0 Inflação (CPI) 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 -2 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 5 4 3 2 1 0 Crescimento do PIB 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Fonte: Republic of South Africa - Development Indicators, 2008. Elaboração: Própria 2000 2001 2002 O AsgiSA: Mudança do Modelo ou Adaptação a uma Nova Realidade Externa? Mudanças no plano interno e externo: 2000-2002: Crise internacional e fuga de capitais Desvalorização do Rand; 2002-2003: Superávit comercial; Reversão do déficit em conta corrente; Elevação da inflação e da taxa de juros reais; A partir de 2003: Recuperação da economia internacional e dos fluxos de capital; Apreciação do Rand; Contenção da inflação; Redução mais pronunciada dos juros. Recuperação do crescimento econômico. O AsgiSA: Mudança do Modelo ou Adaptação a uma Nova Realidade Externa? 15 Taxa de juros reais (média) Déficit orçamentário (% do PIB) 2 1 10 0 5 -1 0 -2 2000 50 40 30 20 10 0 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 -3 Taxa efetiva real de câmbio (média para o período) Dívida Pública (% do PIB) 30 20 10 0 -10 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2001 2002 2003 2004 -20 Fonte: Republic of South Africa - Development Indicators, 2008 & SARB. Elaboração: Própria 2005 2006 2007 O AsgiSA: Mudança do Modelo ou Adaptação a uma Nova Realidade Externa? Déficit em conta corrente (% do PIB) 5 0 -5 Inflação (CPI) 10 8 6 4 2 0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2006 2007 -10 2006 Crescimento do PIB 2007 6 4 2 0 2000 2001 2002 Fonte: Republic of South Africa - Development Indicators, 2008. Elaboração: Própria 2003 2004 2005 O AsgiSA: Mudança do Modelo ou Adaptação a uma Nova Realidade Externa? Accelerating and Shared Growth Initiative (ASgiSA) Objetivo: obter média de crescimento de 6% e reduzir a pobreza e o desemprego pela metade até 2014; Medidas Aumento do gasto público principalmente por obras de infra-estrutura; Incentivo ao investimento privado; Investimento em educação; Redução da “segunda economia”; Condução de uma política de desenvolvimento industrial; O Padrão de Inserção Externa e o Baixo Dinamismo Econômico Baixa diversificação produtiva; Taxa de investimento em patamar muito baixo; Fluxo de investimento externo direto volátil e em volume reduzido. Participação do complexo mineral na economia Crescimento do PIB e Formação Bruta de Capital Fixo - FBKF (% do PIB) 40 35 6 30 5 25 20 25 4 15 20 3 15 10 2 10 5 5 1 0 Participação da mineração no valor adicionado Participação da mineração na FBKF Participação da mineração nas exportações totais 0 0 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Crescimento do PIB % FBKF (% do PIB) Fonte: Department of Minerals and Energy, 2006/2007: p.10. & STATSSA. Elaboração: Própria. O Padrão de Inserção Externa e o Baixo Dinamismo Econômico 80 60 40 20 Exportação Importação 20 07 20 06 20 05 20 04 20 03 20 02 20 01 20 00 19 99 -40 19 98 -20 19 97 0 19 96 Balança Comercial (em US$ bilhões) 100 19 95 Exportações concentradas em produtos de baixo valor agregado; Importações concentradas em produtos com alto valor agregado; Dinamismo no comércio internacional limitado; Tarifas reduzidas além do acordado na OMC. 19 94 Saldo Tarifas e importações por grupo de produtos Tarifa Consolidada MFN* Tarifa Aplicada Importações Média Isentos Max Média Isentos Max Participação Isentos Grupo de Produtos Máquinas e equipamentos Têxteis e confecções; Couro e calçados Outros produtos não agrícolas Total de produtos não agrícolas Produtos agrícolas Fonte: Comtrade & OMC. Elaboração: Própria. Em % 15,0 29,4 14,5 18,7 59,1 20,8 1,3 18,7 14,5 13,6 Em % 36,7 35,0 32,8 34,5 203,7 4,3 23,1 3,7 8,7 9,6 73,0 16,7 71,4 58,1 45,8 Em % 28,3 41,5 26,2 29,5 45,1 Em % 37,5 6,5 50,4 94,4 5,4 59,1 12,2 75,3 55,5 31,0 Um País Intermediário em Busca de uma Política Externa Diferenciada A Política Externa Pós-Mandela: Fim do isolacionismo; Múltiplas aproximações com países do Norte e Sul, sem deixar de ressaltar a prioridade para o continente africano; Multilateralismo e Bilateralismo são vistos como convergentes; Críticas ao “apartheid global” Norte/Sul; Promoção da democracia e dos direitos humanos; O legado de Mbeki: política externa mais “realista”; NEPAD (2001); União Africana (2002); SACU (2004) e SADC (2008); Participação no G-20 da OMC e no G-20 Financeiro; Expansão dos acordos bilaterais com países do Norte e do Sul; Relação complexa com Zimbábue; Um País Intermediário em Busca de uma Política Externa Diferenciada A Estratégia dos Acordos Bilaterais: Diferenciação entre parceiros estratégicos, países estratégicos e países prioritários (ordem decrescente de importância); Norte: estratégicos Estados Unidos, UE e Japão; Sul: “butterfly strategy” – continente africano é o corpo, América Latina a asa ocidental (Brasil) e a Ásia oriental (Índia); Principais Resultados: Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação com a UE (2000); Interrupção das negociações com os Estados Unidos (2004); Acordos preferenciais da SACU com o Mercosul (2004) e a Índia, ainda em fase de negociação; Resistências a um acordo preferencial com a China; Risco de consolidação de uma estratégia de dependência com a Europa, enquanto o poderio econômico na região é crescentemente disputado pela China; Internacionalização espontânea das empresas sul-africanas na região; Alguns Dilemas Estruturais Falta de coerência entre as políticas econômica, comercial, externa e industrial; Forte dependência do complexo mineral e do setor financeiro; Elevados déficits comerciais com a União Européia e a China em produtos industriais; Exportações de alto valor agregado concentradas no continente africano; Investimentos externos sul-africanos em muitos setores também dependem da África; Alta concentração dos investimentos externos diretos em minérios, petróleo e setor financeiro; A política externa reformista e os intentos de política industrial são podados pela elevada abertura comercial, financeira e produtiva; Estratégia Econômica, Mercado de Trabalho e Desigualdade Social na África do Sul 1996-2000: Elevação do desemprego restrito de 19,3% para 25,8%; Eliminação de 600 mil empregos formais; 2001-2007: Desemprego baixa de 29,3% para 23,6%; Desemprego cai mais para os brancos do que para os negros; Emprego informal cresce à frente do emprego formal; 2001 Negros Mestiços Brancos Total Restrito Total Amplo Oficial 28,4 22,6 7,6 24,6 ... 2002 32,3 25,6 7,3 27,7 40,4 2006: Discussões: herança do Apartheid e tendência de fuga de “cérebros” Lançamento do Joint Initiative on Priority Skills Acquisition (JIPSA); Peculiaridade do mercado de trabalho: Combina “desemprego elevado” com “informalidade baixa”; 2003 34,6 23,8 7,8 29,3 42,5 2004 31,7 19,8 5,4 26,4 40,8 2005 2006 28,6 20 5,7 24,2 39,5 27,1 20,2 5,8 23,1 37,9 2007 27,6 21,4 4,4 23,6 37,1 Nota: desemprego restrito – Número de pessoas que não foram empregadas nas duas últimas semanas, mas não procuraram emprego ativamente. desemprego amplo - Número de pessoas procurando emprego nas últimas duas semanas mais as pessoas que foram desencorajadas de procurar trabalho. Fonte: STATSSA e Republic of South Africa - Development Indicators, 2008. Elaboração: Própria. Estratégia Econômica, Mercado de Trabalho e Desigualdade Social na África do Sul Medidas de desigualdade Porcentagem da população vivendo com menos de R 367* por mês 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 07 06 07 20 06 05 20 04 20 03 20 20 02 01 20 00 20 99 20 19 98 97 19 96 19 95 19 19 94 20 05 20 04 20 03 02 20 00 01 20 20 Theil entre raças 1995 – 2000: Theil nas raças 50% da população abaixo da linha da pobreza; 10% mais ricos detinham 53% da renda (2000); A partir de 2000: Programas de transferência de renda e obras públicas; Queda da pobreza e manutenção da desigualdade; Aumento da desigualdade intra-racial e queda da desigualdade inter-racial Política de ação afirmativa (BEE). 15 Assistência Social - Total de beneficiados em milhões 10 5 0 19 96 19 /199 97 7 / 19 199 98 8 19 /199 99 9 / 20 200 00 0 20 /200 01 1 / 20 200 02 2 20 /200 03 3 / 20 200 04 4 20 /200 05 5 / 20 200 06 6 20 /200 07 7 /2 00 8 20 99 Coeficiente de Gini 20 98 19 97 19 96 19 95 19 19 19 94 0,2 55% 50% 45% 40% 35% 30% 25% 20% 19 0,8 *Nota: R367 era equivalente, em 2007, a aproximadamente, US$ 53. Fonte: Republic of South Africa - Development Indicators, 2008. Elaboração: Própria. Principais problemas e desafios da África do Sul pós-Apartheid Problemas: Racha interno no ANC; Crescente perda de confiança da classe trabalhadora, dos pobres e dos negros no ANC; Estrutura social híbrida: “incluídos cada vez mais desracializados e excluídos predominantes negros”; Crise internacional aguça debilidades estruturais; Limitações do atual modelo: a expansão econômica não reduz a desigualdade e está fundada na dependência externa; Desafios: Gestar um modelo de desenvolvimento que supere a herança deixada pelo Apartheid; Cenário político pós-eleitoral Eleição de Jacob Zuma; Primeira recessão em 17 anos; Mudanças no ministério da Fazenda; Tensões entre a central sindical (COSATU) e o governo; Desafio: O novo presidente terá que atender às demandas dos seus aliados e eleitores de distintos grupos sociais e políticos em meio à crise econômica. Cenários econômicos pós-crise Previsões para o crescimento do PIB 6 5,1 4 3,1 3,1 1,9 2 -1,1 0 -2 2007 2008 2009 -1,8 -3 -4 FMI The Economist 2010 OCDE Indicadores 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Crescimento Real do PIB (%) 3.1 -1.8 3.1 3.6 3.7 3.2 Inflação – CPI (av; %) 11.3 6.6 5.7 5.0 4.5 4.0 Déficit orçamentário (% do PIB) -1.1 -4.0 -3.5 -2.4 -2.1 -1.6 Déficit em Conta Corrente (% do PIB) -7.6 -5.6 -5.4 -5.8 -6.1 -5.9 Bancos Comerciais taxa prime (av; %) 15.1 11.8 11.6 12.0 12.2 12.5 Taxa de câmbio R:US$ (av) 8.26 10.20 11.50 10.70 10.30 10.00 Fonte: FMI (WEO) Abril 2009, OCDE & The Economist. Elaboração: Própria. África do Sul e Brasil Dilemas semelhantes; Aprendizado mútuo; Amplas possibilidades de cooperação na área científica, tecnológica e nas políticas sociais; Acordo preferencial Mercosul/SACU bastante limitado; Pode-se aumentar a complementaridade produtiva; Espaço para atuação conjunta em fóruns internacionais.