Detecção precoce do cancro do colo do útero Cheila Batista RESUMO 1 A detecção precoce do HPV é fundamental para um tratamento eficaz e pode ser feita directa ou indirectamente. Na detecção directa, é possível reconhecer a existência do vírus antes de qualquer manifestação morfológica e sintomática, através de técnicas de diagnóstico molecular. Na detecção indirecta, a presença do vírus é revelada pela existência de alterações morfológicas, através de análises citológicas. Para uma detecção mais eficaz, sensível e específica, é recomendada a utilização conjunta dos dois tipos de técnicas. DESENVOLVIMENTO O Vírus do Papiloma Humano O objectivo do rastreio é detectar alterações cervicais (HPV) é o principal factor de risco para o surgimento do antes da manifestação de quaisquer sintomas, antes do Cancro do Colo do Útero. Sendo um vírus que cancro se desenvolver, e até mesmo a presença do apresenta vários tipos e subtipos, pode conduzir a vírus, antes de qualquer alteração celular, permitindo diferentes patologias de maior ou menor risco, e não um tratamento com sucesso. Nem todas as lesões apenas a este cancro. São chamados os tipos de HPV evoluem para cancro, essa evolução depende do tipo de baixo ou de alto risco, sendo que os de alto risco de HPV, sendo que a maioria regride espontaneamente. (carcinogénicos) incluem HPV 16, HPV 18, HPV 31, Também é possível a co-existência de mais que um tipo HPV 33 e HPV 45, entre outros, apesar de que os tipos de vírus no organismo humano. responsáveis pela maioria dos cancros são HPV 16 e Os testes seguintes baseiam-se na morfologia das 18. Para prevenir uma posterior infecção pelo HPV, é necessário conhecer as formas de transmissão do mesmo e factores que aumentam a probabilidade de contrair tal infecção, de modo a evitá-los. No entanto, no caso de um indivíduo estar já infectado, um diagnóstico precoce e o conhecimento dos sintomas mais comuns têm a maior importância. Quando detectado precocemente, este cancro é um dos que tem maior sucesso no tratamento. Actualmente, uma forma eficaz de prevenir diferentes patologias associadas a infecções pelo HPV é a vacinação. células, pelo que são muito dependentes do tipo de amostra e da preservação da mesma. São testes limitados devido à sua baixa sensibilidade, ao facto de requererem interpretação correcta das lâminas e de não detectarem a presença do vírus mas sim alterações celulares, sendo, portanto, métodos de detecção indirecta. Estes não permitem uma tipificação do vírus e uma conclusão acerca da possível evolução para cancro a partir de alterações celulares observadas, podendo ainda originar falsos negativos (o organismo está já infectado mas o vírus não é detectado pois não há qualquer alteração celular). A nível mundial, este é o segundo tipo de cancro mais frequente nas mulheres e o segundo mais mortal, a seguir ao cancro da mama. Portugal tem a maior incidência da Europa, com 900 novos casos por ano. Papanicolau: Consiste na colheita de células do colo do útero, com um espéculo, para análise citológica. É o teste mais comum, sendo simples e indolor. No entanto, deve ser evitado em grávidas e a mulher deve evitar 1 Estudante de Ciências Farmacèuticas – Estágiária no LAC Cruz de Celas relações sexuais e usar medicamentos locais nos 3 dias transcrito em mRNA. Estas sequências virais integradas anteriores ao exame. ocorrem em lesões mais avançadas. Pelo contrário, no Os testes que se seguem são usados como início da lesão pré-neoplásica, os genomas de HPV complemento do Teste de Papanicolau, quando há um persistem como epissomas e o mRNA resultante possui resultado anormal. exclusivamente sequências virais, não integradas no genoma das células do hospedeiro. Compreende-se Inspecção com ácido acético a 5%: A utilização desta assim que a etapa de incorporação no genoma é solução auxilia os métodos Colposcopia e Biopsia uma fundamental para o estabelecimento da neoplasia vez que facilita a identificação de lesões e aumenta a invasiva. sensibilidade da citologia. Também são usados como indicadores de prognóstico, em combinação com o Teste de Papanicolau, de modo Colposcopia: Método feito com um aparelho (colposcópio), que permite uma melhor visualização da vagina e do colo do útero, uma vez que possibilita um aumento de 10 a 40 vezes do tamanho normal. Assim, as imagens obtidas são de grande ampliação, permitindo verificar pequenas alterações impossíveis de serem vistas a olho nu. Ao contrário do Teste de Papanicolau, a Colposcopia permite localizar a lesão. Indolor, sem efeitos secundários, possível de ser realizado em grávidas, é, porém, reservada a casos de existência de lesões celulares ou suspeita das mesmas. a avaliar a possível evolução para cancro de alterações celulares e na avaliação pós-tratamento, para confirmar a ausência do vírus (mesmo após a "cura" das lesões, os testes de diagnóstico molecular ainda são positivos até o organismo eliminar totalmente o vírus). Contudo, em mulheres na casa dos 20 anos, cujas infecções tendem a regredir espontaneamente, os resultados deste tipo de testes não são tão significativos como em mulheres mais velhas. Em termos de colheita, procede-se do mesmo modo que para o Teste de Papanicolau, podendo até ser usada Biopsia: A biopsia consiste na recolha de tecido do colo do útero, e avaliação histológica das células com base no aspecto e localização. Em alternativa à biopsia podese realizar a biopsia em cone que consiste na recolha de uma maior área de tecido. Se a biopsia revelar a presença de cancro, será realizado um exame pélvico completo e poderá ser ainda necessário recolher tecido adicional para determinar a extensão da doença. O estadio de evolução revela se o tumor invadiu tecidos adjacentes, se o cancro se disseminou e, em caso afirmativo, para que regiões. a mesma amostra, ou utiliza-se material proveniente de uma biopsia, quando necessário. A localização da infecção depende do local de colheita, uma vez que, por exemplo, material proveniente da vagina pode conter células da vulva e do colo uterino e vice-versa, não sendo possível então a localização. No entanto, e porque a infecção por HPV se trata de uma DST, a colheita deverá ser feita o mais amplamente possível. No entanto, são testes que podem ser morosos, dispendiosos e tecnicamente exigentes. Na prática, os testes de diagnóstico molecular mais utilizados são PCR (Reação em Cadeia da Polimerase), Captura Os testes seguintes são métodos de diagnóstico molecular, que permitem detecção directa do vírus Híbrida e Hibridização In Situ, que permitem a detecção de DNA (genoma) do vírus. ainda que não haja alteração celular (minimizam o risco de doença não detectada), assim como a sua tipificação (vírus mais ou menos carcinogénico), através da visualização do seu genoma, proteínas específicas e Detecção de imuno/citohistoquimica, proteínas microscopia do HPV: electrónica, western blot mRNA. Isto é possível pois quando em contacto com o organismo, o genoma do vírus é integrado nos cromossomas das células hospedeiras, sendo depois Página | 2 Detecção do genoma do HPV: - Amplificação direccionada: PCR - Métodos directos: HIBRIDIZAÇÃO IN SITU A reacção de PCR consiste na amplificação de A hibridização in situ permite a detecção de ácidos nucléicos dentro das células, baseando-se no emparelhamento complementar de sondas marcadas com biotina (ou outro material), específicas para cada estirpe viral. Tem como vantagem a possibilidade de detectar não apenas o tipo de vírus e os locais infectados mas também o estado físico do vírus (integrado no genoma do hospedeiro ou, pelo contrario, epissomal). É a técnica mais sensível de detecção da sequências homólogas de DNA viral utilizando-se para o efeito uma enzima capaz de sintetizar DNA (DNA polimerase, resistente às altas temperaturas do processo) e sequências específicas conservadas de um determinado tipo de HPV, que servem de iniciadores/primers, com posterior hibridização. Quando o DNA é detectado, possibilita a identificação do genótipo do HPV por meio da amplificação de regiões específicas para cada um dos vírus. Esta técnica tem a vantagem de ser menos dependente da amostra pois é infecção pelo HPV. possível executá-la em diferentes tipos de material. - Amplificação de sinal: CAPTURA HÍBRIDA Detecção de anticorpos anti-HPV: ELISA, VLP, Fused Método de amplificação de sinal, muito sensível, que E6/E7 associa o método de hibridização in situ com os anticorpos monoclonais. As sondas de RNA capazes de hibridizar com o DNA alvo (ou seja, complementares a áreas específicas do genoma do vírus) às quais vão ser ligados anticorpos conjugados com a enzima fosfatase alcalina, vão permitir a leitura por quimioluminescência (as sondas não ligadas são removidas por lavagem e é adicionado um substrato quimioluminescente da fosfatase alcalina). A intensidade de luz é proporcional à quantidade de HPV na amostra. Reconhecem-se assim sequências de HPV de baixo e de alto risco. A sensibilidade desta técnica é comparável à da PCR. Este método é útil para determinar a carga viral, no entanto esta não possui grande valor, pois não representa um factor preditivo para o surgimento de lesões de alto grau. Detecção de mRNA de E6 / E7: expressão dos oncogenes E6/E7; HPV 16, 18, 31, 33, 45; Esta técnica permite avaliar a actividade oncogénica viral, cuja expressão desregulada irá provocar o desenvolvimento de células tumorais: as proteínas codificadas pelos genes E6 e E7 ligam-se a proteínas reguladoras do ciclo celular, bloqueando a apoptose. Deste modo, as proteínas E6 e E7 desempenham um papel importante nos processos que culminam na transformação celular neoplásica. A detecção das proteínas E6 e E7 de HPV aumenta a especificidade e sensibilidade dos testes usados no rastreio, indicando as lesões com maior probabilidade de progressão para cancro. O sistema actual de tipificação do HPV é baseado em diferenças nas regiões de E6/E7 e L1 do genoma do vírus. Página | 3 CONCLUSÃO: Apesar das várias formas de prevenção e rastreio disponíveis, este continua a ser o 2º cancro de maior incidência nas mulheres, sendo que o Papiloma Vírus Humano, foi identificado em 99,7% dos casos de cancro registados – principal responsável pelo desenvolvimento do Cancro do Colo do Útero. e actualmente prevenção duas deste vacinas vírus, existindo profiláticas que desempenham essa função: Gardasil® e Cervarix®. No entanto, é importante reter que este tipo de vacinas apresenta alguma fragilidade: apenas protege o indivíduo de posteriores infecções e não de outras já adquiridas e protege apenas para alguns tipos de vírus. É então de salientar o interesse que os rastreios e métodos de diagnóstico têm na prevenção e detecção precoce deste cancro. Normalmente prevenção e evitam a triagem de células anormais que não são possuidoras do vírus (a citologia é reservada para mulheres em que os testes anteriores dão positivo, sendo esta de maior qualidade). Actualmente está disponível no mercado um kit de auto- Torna-se assim fundamental desenvolver formas de protecção colposcopia, permitem uma actuação mais ampla na as lesões provocadas pela infecção não causam sintomas e por isso são detectadas somente através do exame médico. Assim, é recomendada a realização regular de exames preventivos. colheita para detecção/tipificação do HPV (rastreio de tipos de HPV de alto risco) que permitem aliar a comodidade da colheita com a elevada sensibilidade que o teste apresenta (cerca de 90%): Infogene® - Kit auto-colheita para HPV. Este novo conceito torna-se promissor na área do diagnóstico preventivo uma vez que, pelos métodos tradicionais, seriam necessários cerca de 8-12 meses para que surja qualquer alteração citologicamente detectável. Assim, de acordo com as Guidelines deve-se fazer primeiro, em escala temporal, a detecção do HPV e tipos de alto risco e só depois a exame citológico. A análise conjunta dos vários métodos acrescenta valor diagnóstico. A introdução de técnicas de diagnóstico molecular, associadas à citologia cervical (Papanicolau) e BIBLIOGRAFIA: Cervical Cancer (Cancer of the Cervix). Acedido em 10 de I. C. Scarinci, F. A.R. Garcia, E. Kobetz, et al (2010). Cervical Agosto de 2011, em: Cancer Prevention - New Tools and Old Barriers. Acedido em http://www.medicinenet.com/cervical_cancer/page4.htm 15 de Agosto de 2011, em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/cncr.25065/pdf American Cancer Society (2010) Cervical Cancer: Prevention M. Bringhenti et al (2010). Prevenção do Câncer Cervical: and Early Detection. Acedido em 10 de Agosto 2011, em: Associação da Citologia Oncótica a Novas Técnicas de http://www.cancer.org/acs/groups/cid/documents/webcontent/0 Biologia Molecular na Detecção do Papilomavírus Humano 03167-pdf.pdf (HPV). Acedido em 15 de Agosto de 2011, em: http://www.dst.uff.br/revista22-3- R. Klaes, S. M. Woerner, R. 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