XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABET – 2015 – CAMPINAS
GT 13: TRABALHO E ECONOMIA SOLIDÁRIA
ECONOMIA SOLIDÁRIA: ORIGENS, REFLEXOS E TENDÊNCIAS NA
SOCIEDADE BRASILEIRA A PARTIR DOS ANOS 90
Claudia Satie Hamasaki
Caukeb Rasxid
ECONOMIA SOLIDÁRIA: ORIGENS, REFLEXOS E TENDÊNCIAS NA
SOCIEDADE BRASILEIRA A PARTIR DOS ANOS 90
RESUMO
Este artigo analisa a ampliação da importância da Economia Solidária (ES) no Brasil,
como alternativa relevante de geração de trabalho e renda, no enfrentamento do
problema do desemprego, da desigualdade e da pobreza, como uma resposta a favor da
inclusão social. O objetivo deste trabalho é, portanto, o de analisar como vem se dando
o desenvolvimento e crescimento de atividades sob a forma de cooperativas,
associações e gestionárias, bem como o papel das políticas públicas que fomentam as
ações através das atividades da ES no Brasil. As modificações das condições de trabalho
a partir dos anos 90, diante das reformas liberalizantes, aprofundaram as desigualdades
no mercado de trabalho, e a relação capital-trabalho. O artigo contribui na discussão da
importância da economia solidária na reversão das condições econômicas e sociais das
famílias que foram (ou permanecem) excluídas do sistema, por meio de organizações
autogestionárias e solidárias. Assim, é possível identificar o importante espaço que a ES
tem ocupado na sociedade brasileira, no que concerne à geração de renda e ampliação
da ocupação e de trabalho no Brasil. Além disso, o artigo traz também os limites
internos e externos a esses empreendimentos que acabam mitigando essas
potencialidades, mas que podem ser superados.
Palavras-chaves: Economia Solidária; Mercado de Trabalho; Políticas Públicas;
Emprego e Renda.
Introdução
A Economia Solidária surge como modo de produção e distribuição alternativo
ao capitalismo, criado e recriado periodicamente pelos que se encontram marginalizados
no mercado de trabalho. A economia solidária casa o princípio da unidade entre posse e
uso dos meios de produção e distribuição com o princípio da socialização destes meios
(LECHAT, 2002).
Apesar da multiplicidade de conceitos, podemos caracterizar a economia
solidária como o conjunto de empreendimentos produtivos de iniciativa coletiva, com
um certo grau de democracia interna e que remuneram o trabalho de forma privilegiada
em relação ao capital, seja no campo ou na cidade (TAUILE e DEBACO, 2002). A
presença de experiências associativas e autogestionárias de cunho econômico,
orientadas por princípios de equidade e participação, é um traço que não se pode apagar
1
no atual cenário social do Brasil. Nos empreendimentos de Economia Solidária estão
atividades de cunho social e educativo, cuja base está nos valores do solidarismo e da
reciprocidade. Segundo Gaiger (2000), a economia solidária assume uma racionalidade
econômica própria, e seus investimentos conciliam a cooperação no trabalho e a
rentabilidade econômica. Beneficiando-se de maior estabilidade, assumem o papel de
agentes geradores de trabalho e renda com efeito econômico não negligenciável, além
de contribuírem para a formação de indivíduos e grupos de ação, num processo
irradiador e multiplicador benefícios econômicos e sociais.
Nos empreendimentos populares e solidários o que mais tem direcionado a
organização é a autogestão, pressupondo a participação de todos os envolvidos no
empreendimento, em que discutem e realizam todos os processos que envolvem a
organização e produção do trabalho, seja ela prestação de serviços ou produção de bens,
conduzindo-os a uma condição em que deixam de ser empregados ou trabalhadores
assalariados, e passam a gestores de seus empreendimentos. É necessário recuperar o
saber acumulado dos trabalhadores, dando um novo significado aos processos de
trabalho que até então estavam ou estão nas mãos dos gerentes e, agora, sob outra ótica:
a do trabalho coletivo, cooperado e solidário (CORRÊA, 2002). Observa-se, entre
outros fatores, benefícios econômicos, autonomia e a conquista de direitos cidadãos
para os trabalhadores, sendo estes importantes resultados, decorrentes da aplicação desta
nova perspectiva econômica, a qual está sendo avaliada.
A manifestação
e
ampliação das
formas de Economia Solidária 1,
principalmente, das cooperativas, podem ser observadas em momentos históricos
intersticiais, ou seja, momentos de crise econômica e principalmente de reestruturação
1
Há o uso comum do termo Economia Social e Solidária, que segundo Morais (2007), é uma neolocução, que busca abranger os diversos conceitos desses coletivos autogestionários e solidários: aqueles
que os classificam como Economia Social e os da Economia Solidária. No que se refere à primeira, o
conceito contempla, as “organizações socioeconômicas criadas para resolver necessidades comuns de
determinados coletivos sociais” (MORAIS, 2007, p. 08), de modo que tais estruturas passaram a ser
vistas, para seus pesquisadores, como alternativa de correção dos atuais efeitos socioeconômicos, com
base na justiça social. Já a ideia de Economia Solidária contempla organizações “de caráter plural em suas
formas, atuações e atividades econômicas, objetivando a busca de ‘utilidade social’ em prol dos coletivos
mais desfavorecidos” (MORAIS, 2007, p. 09), e ressaltando a ideia de “solidariedade” como forma de
contrastar o individualismo presente nas estruturas da grande empresa capitalista. Assim, é importante
ressaltar que esses conceitos estão presentes ao longo da história dessas organizações e decorrem da
análise que cada pesquisador desenvolve ao busca entender esse fenômeno de coletivos, autogestão e
solidariedade, contrastando aos avanços das forças capitalistas rumo a uma maior concentração e
centralização, além do fato de que as interpretações também variam de acordo com a região de análise,
isso porque existe diferenças entre as organizações de uma região com as de outra (por exemplo, a
conceitualização varia de país para país).
2
do mercado de trabalho, o que torna necessário compreender o contexto em que começa
a apresentar maior intensidade o surgimento e fortalecimento desses empreendimentos.
Sendo assim, o objetivo deste artigo é o de analisar como vem se dando o
desenvolvimento e crescimento de experiências de economia solidária, cooperativista,
associativista e gestionária no Brasil, como alternativas de solução para o problema do
desemprego e da exclusão social. Neste sentido, há uma preocupação em discutir a
relação entre o surgimento da chamada economia solidária e os projetos de combate ao
desemprego, favorecendo os que estão à margem do mercado de trabalho, assim como o
papel das políticas públicas que fomentam a geração de trabalho e renda através das
atividades da Economia Solidária.
Para que se atinja o objetivo proposto, são usados dados sobre o que se tem de
informações sobre as principais experiências da economia solidária no Brasil, em
especial para os anos 2000. Tem-se como principal referência os dados obtidos junto à
SENAES (Secretaria Nacional de Economia Solidária) no MTE (Mnistério do Trabalho
e do Emprego) sobre os Empreendimentos de Economia Solidária (EES) assim como os
resultados obtidos nas CONAES’s (Conferência Nacional de Economia Solidária) já
realizadas. As informações permitem avaliar as razões que levam ao surgimento dos
EES, analisando-se informações por regiões, contrastando com dados sobre
(des)emprego e desigualdades, perspectivas dos projetos, ao longo dos anos que se
seguem aos 90’s. A análise explora os resultados já consolidados da base de dados e
informações disponível no SENAES, que permita discutir o que caracteriza e orienta os
EES.
Uma primeira seção é dedicada à breve análise do contexto socioeconômico e
político da sociedade brasileira, a partir da segunda metade da década de 90, dos
resultados das políticas econômicas, inseridas nos 90’s da economia mundial. A seção 2
é destinada a apresentar as origens da Economia Solidária (ES) no Brasil, apontando
seus reflexos sobre o trabalho e a renda ao longo dos anos 2000, quando a ES ganha
importância enquanto alternativa para os problemas do desemprego, pobreza e exclusão
social da economia brasileira. Na terceira seção, buscou-se analisar as potencialidades e
limitações da ES, objetivos e metas enquanto mecanismos de promoção de um projeto
de desenvolvimento econômico e social, como política que deve ser de Estado e não de
governo. Por fim, as considerações finais, que incorporam uma reflexão sobre possíveis
medidas e metas que possam reduzir os entraves para o avanço da ES no Brasil.
3
1. Economia Solidária no contexto socioeconômico e político no Brasil dos anos 90
A década de 90, nos países da América Latina como um todo, foi marcada pelo
que, segundo o mainstram da época, seria a revolução técnico-financeira do mundo
desenvolvido. Dessa maneira, com o objetivo de promover mudanças nas economias
periféricas, que há tempos apresentavam constantes crises e vulnerabilidades aos
choques internacionais, os grandes players (com destaque para os EUA, que reforçava
sua posição hegemônica através do grande capital transnacionalizado) exportaram,
juntamente com seus parques industriais, os ideais de liberdade, flexibilidade e
financeirização para economias que tão pouco havia conseguido internalizar o capital
produtivo.
Desse modo, os países periféricos, em especial o Brasil, passaram por um
processo de reestruturação econômica e política, além de modificações sociais, em
especial suas repercussões sobre o trabalho. Esse período de reestruturação é
fundamental para se entender as transformações da sociedade brasileira ainda na década
de 90 e que vai se modificando ao longo dos primeiros anos dos 2000 (mais
precisamente, a partir de 2003), com destaque para o fortalecimento e o avanço dos
empreendimentos de ES no Brasil. Assim, busca-se analisar, ainda que sem se
aprofundar, as implicações das principais transformações no âmbito financeiro,
industrial e, com maior ênfase, social, para a ES no Brasil.
O início dos anos 90 representou um intenso processo de transformações em
todos os âmbitos da sociedade brasileira. O Brasil sai dos anos 80, a chamada década
perdida, com alta concentração de renda, altos níveis de desemprego e queda do
crescimento, bem como enfraquecimento da indústria e alto endividamento privado e do
Estado. Assim, diante dessas circunstâncias, a América Latina recebe a cartilha do
Consenso de Washington, cujas bases neoliberais advogavam em prol do capital
financeiro do centro, que se encontrava num momento de expansão e busca de novas
áreas para acumulação. Este ideário de “modernização e desenvolvimento” estava
pautado na flexibilização produtiva e cambial, abertura e desregulamentação comercial
e financeira, colocadas como a única via de recuperação das economias periféricas,
como o Brasil, e de reinserção num contexto de progresso técnico-financeiro de maneira
competitiva diante dos novos desafios do capitalismo, o que contribuiu para a
desestruturação do mercado de trabalho, gerando uma intensa crise social.
4
[...] nota-se [desde a década de 80] o aprofundamento de uma combinação
perversa entre o ciclo de financeirização da riqueza e a inserção passiva e
subordinada do Brasil na economia mundial, o que o torna dependente da
produção e exportação de produtos primários. Os efeitos regressivos dessa
combinação são expressivos no interior do mercado nacional de trabalho
(POCHMANN, 2004, p. 23).
As modificações na estrutura econômica do país levaram a uma
desestruturação social, refletida na crise do mercado de trabalho brasileiro, até meados
dos primeiros anos da década 2000 (mais precisamente, até 2002). Segundo Pochmann
(2001), as primeiras reformas neoliberais promovidas iniciaram-se ainda em fins da
década de 80, com o início do processo de privatização de empresas, que se intensifica a
partir de 90 até os primeiros anos dos anos 2000. Somadas à abertura comercial e
financeira, com a entrada do capital externo no país, na forma de investimento externo
direto (IED) e de capital financeiro do centro, grandes transnacionais passaram a ocupar
setores importantes do mercado, como na “indústria de alimentos, automobilísticos,
informática, farmácia, higiene, limpeza, plástico, borracha” (POCHMANN, 2001, p. 4).
Também houve crescimento do terciário, que combinou alta quantidade com
baixa qualidade das ocupações, pois esteve concentrado em serviços pessoais e
comércio ambulante, todos de baixíssima produtividade, baixos rendimentos médios,
alta rotatividade e informalidade, logo, pequena vinculação com os sistemas formais de
proteção social (laboral e previdenciária) existentes. Outro traço do contexto
socioeconômico dos anos 90 é a da informalidade, dada a sobreposição entre os
movimentos setoriais de reestruturação produtiva e organizacional forçados pela
abertura ao exterior, e as políticas econômicas domésticas de orientação recessiva, que
geraram um quadro de aprofundamento da heterogeneidade do mercado de trabalho,
fato este que se traduziu em deterioração das condições de inserção ocupacional para a
maior parte da classe trabalhadora no Brasil (CARDOSO Jr. e HAMASAKI, 2014)
Medidas de abertura comercial, somadas à política de ancoragem cambial,
permitiram maior entrada de produtos importados em detrimento da empresa nacional,
bem como o reflexo disso na pauta exportadora e importadora brasileira. Intensifica, a
partir de 1995, a dependência brasileira da exportação de bens primários, baixo valor
agregado, e, portanto, tendem a ser altamente dependente da demanda externa. Além
disso, as políticas de redução das taxas alfandegárias incentivaram a importação de bens
5
com alto valor agregado, inicialmente para causar o choque de oferta, no sentido de
estimular a competitividade interna, com vistas a reduzir a inflação, mas que também
levou a sucessivas falências de pequenas e médias empresas, diante da entrada de bens
importados mais baratos e com maior competitividade, o que levou à tomada do
mercado pela oferta internacional (POCHMANN, 2001). Ou seja:
[...] a abertura comercial drástica e desacompanhada de políticas industriais e
agrícolas adequadas levou à desarticulação de algumas cadeias produtivas,
provocando a substituição de produtos nacionais por importados, o que
aumentou ainda mais a dependência externa do país. Com a presença de
medidas governamentais voltadas para a valorização cambial, as exportações
encontraram uma barreira adicional, sem falar no estímulo acrescido às
importações de bens e serviços e gastos com serviços no exterior
(POCHMANN, 2001, p. 47).
Após as reformas instituídas, a taxa de desemprego aberto passou de 3,4%, em
1989, para 7,8%, em 1999 (MATTOSO, 1999, p. 12) e, em quantidade de
desempregados, Pochmann (2001, p.48) mostra que em 1989 havia 1,8 milhão de
desempregados, enquanto em 1999, esse número saltou para 7,6 milhões.
Acompanhando esses números, a desarticulação no mercado de trabalho é acentuada
quando se observa os números com relação à situação do emprego formal, ou seja,
aquele que garante por lei os direitos mínimos dos trabalhadores, não apenas durante a
relação contratual, como também com um possível rompimento desse contrato.
A modificação do emprego formal ao longo da década de 90, com acentuada
queda do emprego formal no setor da indústria a partir de 1994 e também no setor de
serviços, pode ser explicado, pelo lado da indústria, tanto pelo intenso processo de
privatização (que promoveu o aumento do investimento externo, porém que vem na
forma de compra das empresas estatais, o que não significa novos investimentos e,
portanto, não houve geração de mais empregos), quanto pelo fato de que os incentivos
da política monetária, voltada para a valorização do câmbio, levaram ao aumento da
importação. E a indústria brasileira, pouco preparada para a concorrência que se cria no
momento e sem nenhum incentivo ou proteção, acaba sucumbindo à competição.
Essa situação desemboca não apenas na precarização do trabalho, mas também,
na intensificação da concentração da riqueza nas mãos da pequena elite financeira
(nacional e, principalmente, internacional), na dificuldade de organização dos
6
trabalhadores e na perda da participação dos sindicatos na defesa dos direitos dos
trabalhadores (MATOSSO, 1999).
Dessa maneira, o mercado de trabalho tornou-se um refletor das contradições
promovidas pelo discurso liberal e pela expansão do capitalismo. A busca pelo aumento
da produtividade e do crescimento econômico foi revertida na precarização da mão-deobra com intensificação da exclusão social, bem como o enfraquecimento da
organização dos trabalhadores. Mais acentuado ainda foi o nível de concentração de
renda, que se tratando de um país subdesenvolvido, acabou por intensificar a situação de
pobreza e miséria, bem como negligenciando as potencialidades do mercado interno que
poderiam ser aproveitadas para o desenvolvimento nacional.
Em primeiro lugar, a manutenção de um peso elevado de trabalhadores em
mercados de trabalho pouco estruturados que, marcados pela ausência de
amplos movimentos sindicais organizados e políticas públicas de
transferências de renda e proteção social, reproduzem distanciamento
permanente entre ganhos de produtividade e repasses reais aos salários. Em
segundo lugar, como reflexo do tipo de crescimento econômico que é
imposto pela dinâmica capitalista no Brasil, o ritmo insuficiente de absorção
de população ativa nos segmentos mais organizados do mercado de trabalho
dá origem a uma massa reduzida de remunerações, tanto para os segmentos
assalariados (com e sem carteira) como para os autônomos (CARDOSO Jr. e
HAMASAKI, 2014, p. 12).
Assim, esse contingente de mão de obra desempregada (tanto por falta de
oportunidades, como por demissão, devido a falências) e/ou ocupando postos de
trabalhos precários e intensos (como, terceirizados, sem contrato formal, com contrato
definido, por tempo parcial – modalidades de empregos surgidas com a flexibilização
das normas trabalhistas e da produção) passa a receber cada vez menos parte do produto
gerado pela atividade econômica do país, já que a maior parte do produto passa a ser
apropriada pelo capital (transnacionais que trouxeram o ideal de focar nos ganhos dos
shareholders). Consequentemente, esses trabalhadores tornam-se excluídos e são
mantidos, em níveis cada vez maiores, fora da proteção social que acompanha o
trabalhador formal.
Como
consequência,
em
ambiente
macroeconômico
marcado
por
sobrevalorização cambial e diferencial positivo e elevado entre as taxas de juros
domésticas e internacionais, as principais variáveis do mercado de trabalho nacional
sofreram processo intenso de deterioração. Os níveis absoluto e relativo de desemprego
aumentaram, bem como a informalidade das relações contratuais e a desproteção
previdenciária para amplos segmentos do mercado de trabalho urbano, enquanto os
7
níveis reais médios de renda do trabalho e a sua distribuição pioraram (CARDOSO Jr. e
HAMASAKI, 2014).
Dessa maneira, uma consequência do processo de desenvolvimento e avanço
das forças capitalistas no Brasil é a de geração de um excedente de mão de obra, que
acaba ficando sem oportunidades de emprego, o que fomentava a atuação desses
trabalhadores num segmento não organizado, como, empresas familiares, trabalhadores
por conta própria, etc. No entanto, vale mencionar que há uma diferença na
característica da antiga mão de obra excedente (até meados de 80) e esse novo
desemprego: a questão é que esse novo excedente de mão de obra não é um excedente
devido ao intenso êxodo rural e, portanto, formado por pessoas analfabetas, sem
instrução, pelo contrário, é uma força de trabalho formada por indivíduos com passado
assalariado, que na maioria possui treinamento profissional, pessoas instruídas e com
histórico de carteira assinada (POCHMANN, 2004, p. 24).
Com isso, a partir desse contexto econômico e social do Brasil, será possível
discutir de que modo as organizações coletivas da ES, no âmbito do segmento não
organizado, vão surgindo e reinventando o modo e organização da produção, apontando
para o fato de que elas podem apresentar possibilidades de melhorias na condição de
vida desse contingente excluído do sistema econômico formal, apresentando-se como
uma das possíveis alternativas de enfrentamento desses problemas estruturais do
subdesenvolvimento, intensificados com a adoção das reformas neoliberais. No entanto,
também será possível observar que ainda há muito a que se avançar em termos de
políticas públicas direcionadas para esse setor, devido a importância que ele vai
ganhando como possiblidade de desenvolvimento local. A próxima seção será dedicada
à discussão sobre a importância da ES, na geração de ocupação, emprego e renda, e no
esforço de tornar os empreendimentos em um mecanismo de inclusão social e
econômica.
2. A Economia Solidária no Brasil: alternativa para os problemas do desemprego,
pobreza e exclusão social da economia brasileira
Diante das transformações no mundo do trabalho no Brasil, diversas inciativas
comunitárias no âmbito do segmento não organizado foram se fortalecendo ainda na
década de 90, mas que ganharam maior importância, não apenas na sociedade, como
8
também no Governo Federal, nos anos 2000. Essas iniciativas caracterizam-se pelo
avanço e fortalecimento da ES no Brasil, na agenda das políticas públicas do governo
federal e sua representação para as comunidades locais, onde os empreendimentos têm
sido desenvolvidos. Nos anos 90, segundo a Senaes, a ES “foca mais no caráter
emancipatório de sua proposta, a partir da articulação com outras lutas populares” e será
nos anos 2000 que “ganha forma e força política a partir do FSM, da criação do FBES,
SENAES e CNES”2.
Ainda existe um controverso e extenso debate3 acerca de uma definição geral
para a Economia Solidária, e, dessa maneira, optou-se pela definição dada pela
Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), no âmbito do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) do Brasil. A SENAES reconhece que estas organizações
coletivas solidárias “tem sido uma resposta importante de trabalhadores e trabalhadoras
às transformações no mundo do trabalho” (BRASIL, 2011) e as define como
...um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso
para viver. Sem explorar os outros, sem querer levar vantagem, sem destruir
o ambiente. Cooperando, fortalecendo o grupo, cada um pensando no bem de
todos e no próprio bem.
A economia solidária vem se apresentando, nos últimos anos, como
inovadora alternativa de geração de trabalho e renda e uma resposta a favor
da inclusão social. Compreende uma diversidade de práticas econômicas e
sociais organizadas sob a forma de cooperativas, associações, clubes de troca,
empresas autogestionárias, redes de cooperação, entre outras, que realizam
atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias,
trocas, comércio justo e consumo solidário (BRASIL, 2014).
Dessa maneira, a ES, em fins da década de 90 e início dos 2000, ganha forma
de alternativa aos problemas da economia brasileira, de modo que passa a representar
um meio de sobrevivência à crise. Assim, ela passa a ser vista como uma das
“alternativas de geração de trabalho e renda pela via do trabalho” (BRASIL, 2011) e
combinando princípios completamente diferentes daqueles promovidos pela grande
empresa transnacional. A forma de organizar as relações de seus participantes se
2
http://portal.mte.gov.br, sendo FSM - Fórum Social Mundial; FBES - Fórum Brasileiro de Economia
Solidária; CNES - Conselho Nacional de Economia Solidária e a SENAES – Secretaria Nacional de
Economia Solidária.
3
Vale ressaltar que este debate sobre a definição de Economia Solidária ou Economia Social e Solidária
se dá, não apenas em âmbito nacional, como também internacional, no qual a OIT é a principal
organização na esfera das Nações Unidas que tem buscado uma definição universal na tentativa de
aproximar as pesquisas nacionais e facilitar o intercâmbio de conhecimento entre as próprias organizações
de ES de cada país e também entre governos no que se refere a essas organizações.
9
distingue das empresas tradicionais, uma vez que essas organizações coletivas são
fortalecidas na ampliação de relações de autogestão, cooperação e solidariedade.
Embora o setor a que pertencem não esteja perfeitamente delimitado, muitas
vezes considerado como Terceiro Setor, essas organizações possuem algumas
características comuns. Segundo a OIT (2014), podem-se identificar seis características
comuns entre tais empreendimentos, a saber. A participação, o que aponta para o fato
de que todos “os membros, utilizadores ou beneficiários de OESS [organizações de
economia social e solidária] têm oportunidade de serem proprietários da organização ou
de participar ativamente no processo de decisão” (OIT, 2014). A solidariedade e
inovação, o que apresenta o caráter inclusivo dessas organizações, não tendo como
objetivo primordial o acúmulo de capital, nem gerar lucros (e/ou dividendos), assim, se
dedicam a buscar soluções e satisfazer necessidades de seus membros como um todo. O
envolvimento voluntário, ou seja, seus membros não são obrigados a participar da
organização, sendo, portanto, uma decisão única, exclusiva e voluntária de cada um.
A quarta característica é a dimensão coletiva, que representa a origem e base
fortalecedora dessas organizações, pois elas só são formadas pela “vontade de pessoas
e/ou de grupos de juntar forças para satisfazer as necessidades próprias ou de terceiros
[caso das fundações]” (OIT, 2014), embora isso não signifique que não possa haver uma
liderança individual, no sentido de ter alguém que coordene as atividades, mas que não
possui poder individual sobre as decisões. Por fim, a autonomia e a fundação
econômica e social, uma vez que esse caráter está associado à maneira como os
membros das organizações decidem os objetivos do grupo e de que forma eles serão
alcançados, assim, “as pessoas podem optar por combinar objetivos (econômicos,
sociais, ambientais ou outros), por não maximizar o retorno financeiro sobre o
investimento e por definir uma governança participativa” (OIT, 2014). Vale ressaltar
que estas características são comuns às OESS, no entanto, isso não significa que todas
elas estejam presentes na mesma intensidade em todas as organizações.
Assim, o fortalecimento desses empreendimentos, cujas características
nitidamente são distintas da empresa tradicional capitalista, levou diversos estudiosos a
buscar explicações para esse fenômeno no Brasil, e com mais intensidade tentar
entender os impactos gerados pelos empreendimentos de economia solidária (EES) para
essas populações que passaram a participar com mais intensidade desse tipo de
empreendimento.
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O conjunto dessas organizações, que vão surgindo em meio às necessidades
advindas com a crise do mercado de trabalho, passa a representar meios de
complementação de renda e, até mesmo, geradores de ocupação, emprego e renda para
aqueles desempregados e excluídos da formalidade. Dessa maneira, esse novo modo de
produção, de caráter não capitalista (ou até pseudocapitalistas – caso das cooperativas),
passou a reunir pessoas que compartilham a mesma realidade, a de instabilidade
econômica, de modo que as novas organizações se tornaram um dos meios de
sobreviver à crise, mas reformulando a forma de relação econômica, social e política
entre os participantes desses empreendimentos coletivos.
Em síntese, reconhece-se que no rastro da crise do desenvolvimento
capitalista progridem, simultaneamente, modos de produção distintos.
Especialmente no interior do segmento não-organizado do trabalho há sinais
do desenvolvimento de uma fase embrionária da economia solidária, para
além dos estágios da economia doméstica, popular e pré-capitalista
(POCHMANN, 2004, p. 23)
É importante esclarecer que, ainda nos anos 80, já existiam iniciativas coletivas
e de autogestão, os chamados Empreendimentos Econômicos Solidários e as Entidades
de Apoio e Fomento, que, segundo Freitas (2012), foram os responsáveis por
impulsionar o desenvolvimento da economia solidária no Brasil em meio à crise
ocupacional dos anos 80. No entanto, a dimensão que vão ganhando esses
empreendimentos com os altos índices de desemprego e pobreza com a crise dos anos
90, a Economia Solidária passou a ganhar o caráter de alternativa a esses problemas da
sociedade brasileira, que intensificou questões históricas, como, a desigualdade, a
heterogeneidade do mercado de trabalho e a concentração de renda.
Assim, as potencialidades vistas nesses empreendimentos levaram o Governo
Federal a olhar com mais atenção para esse setor emergente. Isso só aconteceu a partir
de 2003, quando a ES passou a ser utilizada para incentivar a inclusão de diversos
trabalhadores desempregados nas relações de trabalho, mas com uma realidade
diferente. Essa nova perspectiva acerca dessas iniciativas só foi possível com a
modificação do cenário político brasileiro.
A eleição de Luiz Inácio “Lula” da Silva à presidência representou um marco
fundamental no que concernem, principalmente, às políticas públicas voltadas para a
promoção do combate às desigualdades e pobreza, bem como a recuperação do mercado
de trabalho formal. Houve uma transfiguração das políticas públicas de incentivo a estes
11
empreendimentos, que desde a década de 80, estavam localizadas nos municípios, para
a pauta do Governo Federal com a criação da SENAES, em 2003:
A Economia Solidária iniciou suas primeiras experiências de Políticas
Públicas em nível municipal no final dos anos 1980, após quase uma década
do surgimento e multiplicação de cooperativas e associações nas periferias
urbanas e rurais do Brasil. Posteriormente, estas iniciativas de apoio se
ampliaram para mais prefeituras e para governos estaduais, no final dos anos
1990 e começo dos anos 2000, para por fim, em 2003, se tornar uma política
nacional (FREITAS, 2012, p. 7).
Dessa maneira, as iniciativas de ES vistas no âmbito do Governo Federal,
como potenciais geradoras de emprego e renda, permitiram que políticas públicas
fossem criadas voltadas para incentivar a população desempregada, com baixa renda a,
voluntariamente, participar desses coletivos como forma de serem reinseridas no mundo
do trabalho. A seção 3 trata das potencialidades e dos limites desses empreendimentos.
3. As potencialidades da Economia Social e Solidária no Brasil.
A partir dos anos 2000, a ES passou a ganhar maior importância na pauta de
políticas públicas, na área social, ganhando novos rumos em função das potencialidades
que os empreendimentos de economia solidária apresentam. O Atlas da Economia
Solidária de 2005 mostrava a expansão do número de EES por ano de início por
Regiões, havendo forte crescimento a partir do final dos anos 2000, como mostra a
figura 1.
Figura 1 – Empreendimentos de Economia Solidária por ano de início, segundo
Regiões
12
Fonte: Atlas da Economia Solidária, 2005. MTE, 2005.
Um primeiro elemento a ser destacado é quantidade de EES contabilizados no
Brasil em 2007, e em seguida em 2014. A partir da Tabela 1, observa-se que a ES
possui um peso muito importante para a localidade onde se encontram. Embora, com
uma queda entre 2007 e 2014, observa-se, por exemplo, a elevada quantidade desses
empreendimentos na região mais pobre e com menor índice de emprego do Brasil, o
Nordeste. Essa região encontra-se, disparadamente, na frente das demais, com 8.040
empreendimentos contabilizados pelo Atlas da Economia Solidária de 2014. Isso pode
significar que esse novo setor tem grande importância na superação de dificuldades
locais, contribuindo para a melhoria de vida dos participantes, ao incentivar o
desenvolvimento inclusivo local.
Tabela 1 - Quantidade de EES no Brasil e Números de
Participantes, por Região: Brasil 2007 e 2014
Região
2007
2014
No. de
No. de
No. de
No. de
EES
Participantes
EES
Participantes
dos EES
dos EES
Centro-oeste
Nordeste
Norte
Sudeste
Sul
Brasil
2.210
9.498
2.656
3.912
3.583
21.859
195.721
645.504
177.137
542.300
126.834
1.687.496
2.021
8.040
3.127
3.228
3.292
19.708
111.384
533.787
279.352
119.362
379.746
1.423.631
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do SIES, 2007 e 2014.
13
Como segundo elemento, a partir do Gráfico 1, é possível verificar os
principais motivos que levaram grupos de pessoas a se reunirem e criarem um
empreendimento coletivo e autogestionário, destacando como segunda potencialidade a
razão pela qual as pessoas optaram por este tipo de trabalho coletivo.
Segundo os dados do Atlas da Economia Solidária da SENAES de 2007, foram
constatados 21.638 empreendimentos de economia solidária, cujo nascimento, em sua
maioria, data entre 1991 e 2007 (cerca de 90% dos empreendimentos foram criados
nesse período, vide Tabela 1), enquanto em 2014, houve uma queda desses
empreendimentos para 19.708 (BRASIL, 2007 e 2014). No entanto, é interessante notar
que os principais motivos de criação desses empreendimentos, tanto na pesquisa
realizada em 2007, como na de 2014, permanecem sendo o desemprego,
complementação de renda e obtenção de maiores ganhos em associação.
No gráfico 1, o principal motivo de criação de empreendimentos de economia
solidária (EES), em 2007, foi o de desemprego, com cerca de 31% dos
empreendimentos em relação ao total dos empreendimentos criados; em seguida tem-se
o motivo de obtenção de maiores ganhos em Associação, com 15% e, por fim, como
fonte de complementação de renda, com 14% do total. Enquanto em 2014, o principal
motivo foi o de complementação de renda, com 9.624, contra 3.060 da pesquisa
anterior. Em seguida vem o motivo do desemprego e, por fim, o de obtenção de maiores
ganhos em associação.
Gráfico 1 - Motivos de criação de EES, 2007 e 2014
10.000
quantidade
8.000
6.000
4.000
2.000
0
Desemprego
Obtenção de
maiores
ganhos em
Associação
Fonte
complementar
de renda
Desenv. De
atividades
onde todos
são donos
Condição para
ter acesso a
financiamento
2007
6.746
3.339
3.060
1.571
2.870
89
2014
9.106
8.471
9.624
8.024
4.130
601
Empresas
recuperadas
Fonte: Elaboração própria, dados do SIES, 2007 e 2014.
14
Considerando-se os motivos pelos quais os empreendimentos de economia
solidária foram criados, em 2007, dos 21.638 empreendimentos, mais de 90% deles
(cerca de mais de 19.620) haviam sido criados entre 1990 e 2007, segundo dados do
Atlas de Economia Solidária de 2007 (MTE, 2007). Esses números indicam que o
motivo de criação “por desemprego” é compatível com os dados do período de altas
taxas de desemprego no país, de modo que aponta a para a possibilidade de essas
organizações carregarem elementos capazes de auxiliar seus participantes a superarem
os problemas da época.
Tendo por base ainda a Tabela 1, podemos considerar algumas hipóteses sobre
o comportamento dos empreendimentos de economia solidária e seus reflexos na
sociedade brasileira. Um primeiro elemento a ser destacado é o fato de que no ano de
2007. Do total de empreendimentos registrados, estes foram responsáveis pela geração
de mais de 1.670 mil postos de trabalho, pessoas empregadas por essas organizações
locais. Assim, essa característica de inclusão social pelas vias do trabalho, indica uma
potencialidade importante que esses empreendimentos são capazes de fornecer para
regiões com poucas oportunidades quando se trata da economia capitalista. Basta
observar o local com maior número de participantes, que representa também aquele com
maior número de empreendimentos, o Nordeste, região esta que, historicamente, sofre
com a falta de oportunidades de empregos e pela presença de postos de trabalho
precários. Entre 2007 e 2014, houve uma queda no número de organizações de ES no
Brasil, assim como uma queda no número de participantes desses empreendimentos, ou
seja, redução do número de pessoas empregadas nesta atividade coletiva. Esse
comportamento pode estar associado ao bom momento do mercado de trabalho no
período (de 2003-2014), que é marcado pela queda do desemprego, chegando em 2013
às menores taxas de desemprego já observadas no Brasil e, principalmente, pela queda
do trabalho informal e aumento do trabalho formal. Segundo Cardoso Jr. e Hamasaki
(2014, p. 09), “na primeira década de 2000, as tendências se revertem e o país
experimenta uma fase de taxas de desocupação e desemprego bastante baixas, tanto se
comparadas internacionalmente, como se comparadas às suas próprias taxas históricas”.
Dessa maneira, as melhorias ocorridas no mercado de trabalho, o que permitiu
maior margem de manobra ao governo para adotar políticas pró-indústria e incentivar
melhorias no mercado de trabalho, podem ter afetado o desempenho desses
empreendimentos. Isso decorre do fato, como aponta diversos pesquisadores da ES no
15
Brasil, de que esses empreendimentos servem como um meio alternativo, porém não
definitivo, de superação das contradições geradas pela lógica do mercado. Isso significa
que quando melhorias ocorrem no mercado “tradicional” (o da grande empresa), os
trabalhadores optam pela reinserção via mercado de trabalho tradicional abandonando
as práticas coletivas e autogestionárias, o que pode ser ainda mais incentivado pelos
limites presentes nesses empreendimentos e que serão discutidos no próximo tópico.
Ainda assim, a partir desses dados, de modo geral, é importante o potencial de
geração de emprego por meio da organização coletiva, solidária e de autogestão, uma
vez que é possível observar que esses empreendimentos possuem grande potencial
enquanto gerador de emprego, por serem tomados como opções à falta de emprego
(basta observar que grande parte dos EES surgem em virtude do desemprego), problema
que foi intensificado com a adoção das reformas neoliberais. Os números para a região
Norte na Tabela 1 mostra que esta foi a única região em que o número de EES e de
participantes cresce entre 2007 e 2014, o que pode ser explicado pelas características da
economia local da região, com menor participação do setor industrial e importante
presença de arranjos de produtores em cooperativas nas atividades dos arranjos
produtivos ligados à agricultura e extrativismo, com importância da organização de
EES.
No entanto, não é apenas essa potencialidade que se pode notar. Juntamente
com a capacidade de geração de empregos, muitos desses empreendimentos são
responsáveis pela geração de renda para seus participantes, não à toa um dos motivos de
criação é o fato de que esses empreendimentos permitem a complementação da renda
familiar dos participantes, ou até mesmo, ser a única fonte de renda. Nesse caso, a ES
apresenta-se como uma possível alternativa ao problema precarização das relações
contratuais, de baixa remuneração ou baixa qualidade dos postos de trabalho (como
contratos temporários ou de tempo parcial). Dessa maneira, a queda da renda das
famílias devido a essas novas modalidades de postos de trabalhos (com flexibilização
do mercado de trabalho) pode ter incentivado uma parte da população a trabalhar em
coletivo como forma de aumentar a renda e, consequentemente, melhorar as condições
de vida.
A potencial capacidade de gerar renda dos EES está no fato de que esses
empreendimentos são organizados a partir do trabalho coletivo local, sendo, portanto,
capaz de gerar riqueza nova e, consequentemente, gerar renda para seus trabalhadores.
16
A Tabela 2 permite, a partir dos dados divulgados pela SENAES (2007)4, analisar o
faturamento médio mensal dos empreendimentos de economia solidária.
Tabela 2 - Faturamento médio mensal dos EES.
Faixas de Faturamento
EES
% EES
Total (R$)
mensal
Sem faturamento
6.479
30,02
Até R$ 1.000,00
3.628
16,81
1.888.535,00
de R$ 1.001,00 a R$ 5.000,00
5.412
25,07
13.489.199,00
de R$ 5.001,00 a R$ 10.000,00
2.031
9,41
14.551.018,00
de R$ 10.001,00 a R$ 50.000,00
2.789
12,92
61.387.900,00
de R$ 50.001,00 a R$ 100.000,00
522
2,42
36.722.203,00
Mais de R$ 100.000,00
723
3,35
524.990.592,00
Total
21.584
100,00
653.029.447,00
Média (R$)
520,54
2.492,46
7.164,46
22.010,72
70.349,05
726.128,07
43.232,00
Fonte: MTE - http://portal.mte.gov.br
Até 2007, ainda que cerca de 30% dos empreendimentos não possuíssem
faturamento, deve-se destacar que 25% desses apresentavam faturamento médio mensal
de R$ 2.492,46 e 12,9% de mais de R$ 22 mil. Isso indica a capacidade que as
organizações de ES, potencialmente, de geração de renda para os participantes.
No que se refere à remuneração média dessas organizações, Bacic (2014)
chama a atenção para o fato de que mais de 37% dos EES ainda geram uma
remuneração média de até 1 SM (salário mínimo), sendo que, do total, 22% chegam
apenas até ½ SM. Mais de 50% dos EES não auferem remuneração ainda, enquanto
somente 12,4% dos EES auferem uma remuneração superior a 1 SM.
Por fim, segundo a Rede Brasil Atual (RBA, 2014), os empreendimentos da
economia solidária são responsáveis por 8% do PIB nacional. Isso mostra o potencial
que esses empreendimentos possuem se receberam os incentivos corretos do governo
com o intuito de promover o avanço dessas práticas, principalmente, nas regiões mais
afetadas com baixos índices de emprego, altos índices de pobreza e deficiência em
infraestrutura. Isso mostraria as potencialidades dos empreendimentos solidários, não
apenas no âmbito social, através da inclusão social, étnica e de gênero, como também
no aspecto econômico e sustentável.
No entanto, embora se reconheça a importância da ES atendendo a uma
necessidade local e em períodos intersticiais, os reflexos gerados para seus
colaboradores, bem como para a economia como um todo, pode indicar brechas, nas
4
É necessário ressaltar que a variável Faturamento não é disponibilizada pelo Atlas da Economia
Solidária de 2014. Portanto, os dados utilizados nessa análise será apenas o da pesquisa realizada em
2007.
17
quais o Governo poderia atuar de modo a intensificar suas potencialidades e,
consequentemente, tornar esses empreendimentos mais que uma segunda opção para os
trabalhadores, uma via de fato de recuperar condições de trabalho mais inclusivas.
Dessa maneira, as potencialidades da ES só poderão ser ampliadas e melhor
aproveitadas, quando forem supridos os limites que barram sua expansão e também
quando se buscar reestruturar a proteção do trabalho em relação ao capital. Segundo
Bacic (2014, p. 60):
Do ponto de vista do faturamento dos EES, o faturamento médio mensal é de
R$ 30 mil por EES, o que corresponde a um faturamento médio mensal por
participante de R$ 386,98 (considerando os 1.687.496 participantes
informados pelo atlas). Esse valor permite pensar que existe certo potencial
para que os EES sejam vistos como um caminho para retirar da situação de
extrema pobreza uma parte da população que vive com menos de ¼ de
salário mínimo (SM) per capita, uma vez que esse valor de faturamento
equivale a algo mais que 1 SM da época, R$ 380,00.
3.1. Os limites e dificuldades da Economia Solidária no Brasil.
Embora essas potencialidades estejam presentes nessas iniciativas, ainda é
possível observar diversos limites que dificultam a expansão dos empreendimentos
solidários e, acima de tudo, acabam por mitigar tais potencialidades. A partir da Tabela
3, observamos que os participantes da ES reconhecem os desafios que acabam
colocando em cheque as potencialidades econômicas, sociais e políticas dos
empreendimentos. Nota-se, como já foi dito antes, que grande parte dos
empreendimentos considera a geração de renda um desafio a ser superado.
Tabela 3 - Maiores desafios dos empreendimentos de economia solidária, segundo no. de
participantes dos EES, por região
Região
Viabilizar
Gerar renda
economicamente o adequada
empreendimento aos sócios
Centro-Oeste
1.338
Nordeste
5.383
Norte
2.180
Sudeste
2.214
Sul
1.993
Total
13.108
Fonte: Atlas da Economia Solidária, 2014.
1.668
5.672
2.373
2.404
2.386
14.503
Manter a
união do
grupo
1.415
3.837
1.925
1.892
1.979
11.048
Promover a
articulação com
Garantir
outros
proteção social
empreendimentos e para os sócios
com o mov. de ES.
947
3.270
1.326
1.557
1.357
8.457
877
3.216
1.585
1.247
830
7.755
18
Embora os empreendimentos sejam capazes de auferir algum faturamento (ver
Tabela 2), essa capacidade ainda está muito concentrada. “[...] observa-se uma forte
concentração do faturamento em poucos EES, visto que 3,3% deles concentram 80,4%
do faturamento.” (BACIC, 2014, p. 60). Além disso, como já apontado na seção
anterior, a possibilidade de geração de renda também é muito limitada nesses
empreendimentos, uma vez que apenas 12,4% dos EES são capazes de gerar
remuneração superior a 1 salário mínimo. Assim, diante desse fato, faz-se necessário
entender o que dificulta o avanço desses empreendimentos em se tornar um possível
meio de incentivo ao desenvolvimento local via inclusão social, inclusão no mercado de
trabalho, geração de postos de trabalho decente e melhoria das condições de vida da
população.
Segundo Bacic (2014), a grande razão “encontra-se nas características do
empreendedor dos EES e nas limitações institucionais, tanto das políticas de apoio
como dos agentes encarregados dos processos de incubação” (BACIC, 2014, p. 60).
Neste caso, o autor refere-se a questão da falta de qualificação e instrução dos criadores
dessas organizações para conseguir gerir com qualidade o empreendimento.
A maior fraqueza dos EES encontra-se no baixo perfil das competências, seja
na educação formal, seja na falta de experiência prévia, o que impede a
percepção de uma oportunidade de negócio única, o que possibilita
estratégias de diferenciação que levam a certo isolamento da concorrência.
Esta falta de competências, leva a definir negócios de forma genérica
(reciclagem, artesanato, costura, alimentação), o que os condena a uma
pressão competitiva forte sancionado preços baixos de produtos e baixas
retiradas. A falta de competências pode inclusive dificultar o
desenvolvimento posterior dos EES (BACIC, 2014, p. 62).
Com isso, encontra-se aqui um limite aos EES, que acabam por dificultar a
administração do grupo na busca por melhores resultados. Na presença dessas
limitações, torna-se cada vez mais difícil fazer do empreendimento um projeto eficaz de
geração de renda, pois as empresas solidárias acabam tendo que enfrentar a
competitividade das empresas tradicionais, cuja capacidade de gestão é altamente
eficiente, o que reduz as capacidade de geração de rendimentos mais adequados. Além
disso, tal característica dos participantes desses empreendimentos acaba por colocar o
segundo desafio apresentado na Tabela 3, dificuldade de tornar o empreendimento
viável. Nesse caso, a dificuldade de se alcançar a eficiência5 também dificulta a geração
5
“Conforme Gaiger (2008) a eficiência dos EES diz respeito à capacidade de preservar-se e consolidar-se
em resultado de seu funcionamento, ou seja, “refere-se a aspectos da operação econômica que garantem a
sobrevivência do empreendimento no presente e não o comprometem no futuro próximo” (Gaiger, 2008,
p. 66). A sustentabilidade dos EES deve ser entendida como sua capacidade de gerar condições de
19
de faturamento necessário para manter o negócio funcionando, bem como dificulta os
investimentos, tanto em tecnologia como em especialização dos associados. Assim, a
falta de recursos para investimento torna a atividade econômica cada vez menos eficaz,
além de conduzir à queda da produtividade do trabalho, reduzindo assim a
competitividade da organização.
Um outro aspecto a considerar é a inserção dos EES dentro do tecido
produtivo e seu apoio as ações inovadoras. Os EES não podem ficar restritas
ao desenvolvimento de atividades simples e desarticuladas do tecido
produtivo local. Deve-se procurar atividades de maior agregação de valor que
os evidentes modelos de seleção de lixo, de desenvolvimento de produtos
simples, artesanais, alimentícios (BACIC, 2014, p. 63).
Outro elemento conectado que limita a inserção dos EES desse setor no tecido
industrial é a dificuldade de tomada de crédito, cuja importância é fundamental para a
continuação e evolução das atividades de qualquer empresa e/ou negócio. De acordo
com os dados divulgados pela SENAES, através do Atlas da Economia Solidária de
2007, 76,39% dos empreendimentos contabilizados tinham demanda por crédito. Já no
Atlas de 2014, a porcentagem foi de 69,84% dos empreendimentos contabilizados pela
pesquisa (BRASIL, 2014). Embora a redução, que pode ser resultado até pela queda de
empreendimentos (ver Tabela 1), é evidente que ainda se tem uma alta necessidade e,
também, dificuldade de acesso ao crédito por esses empreendimentos.
Adiciona-se a isso que, de acordo com o Atlas da Economia Solidária de 2014,
dos 19.708 empreendimentos, apenas 2.189 empreendimentos buscaram crédito e o
obtiveram e 2.401, buscaram crédito e não obtiveram6 (BRASIL, 2014). Dessa maneira,
é possível notar que ainda há barreiras que dificultam o acesso ao crédito e,
consequentemente, o sucesso e evolução dessas organizações.
Esse problema pode estar relacionado a outras circunstâncias limitantes desse
setor. Por um lado, pode-se destacar a existência de poucas instituições financeiras que
se dedicam a oferecer linhas de crédito para pequenos empreendimentos e com taxas e
prazos acessíveis, principalmente quando se trata de atividades econômicas como a
desses empreendimentos, cuja prioridade é a cooperação, autogestão e solidariedade.
viabilidade e prosseguir funcionando a médio e longo prazo, o que envolve aspectos internos e externos e
requer um conjunto de ações, tais como autossuficiência econômica e financeira, capacidade de
investimento, incremento produtivo, educação e qualificação permanentes, ampliação social do
empreendimento, preservação de parceiros estratégicos, emprego de tecnologias limpas etc.” (BACIC,
2014, p. 64).
6
Segundo a pesquisa de 2014, 15.118 empreendimentos desse setor não buscaram crédito ou
financiamento (ATLAS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA, 2014).
20
Uma segunda lacuna diz respeito ao padrão de financiamento apropriado ao
desenvolvimento da economia solidária. Em certo sentido, parte-se do
pressuposto de que o sistema bancário tradicional encontra-se distante dos
princípios éticos da economia solidária, exigindo, por pressuposto, uma linha
nacional de financiamento própria, estruturada por agentes de créditos
populares e cooperativas comunitárias adequadas ao modo de produção não
capitalista (POCHMANN, 2004, p. 31).
No entanto, ainda há caminhos para que essa barreira seja reduzida. Segundo a
pesquisa de 2007, a fonte de recursos da maior parte dos empreendimentos era bancos
públicos. Dessa maneira, fortalecer políticas públicas voltadas para o âmbito do
financiamento seria uma maneira de o Estado incentivar o mercado de trabalho,
injetando recursos na ampliação das atividades dessas organizações e melhorando suas
condições produtivas. No entanto, essa medida pode não ter bons resultados se não
houver incentivos em outros âmbitos, por exemplo, o da educação cooperativa dessas
organizações.
Isso significa que muitas desses empreendimentos têm vida curta em virtude da
dificuldade de manter a coordenação das atividades e dos interesses de todos os
componentes do grupo. Além disso, quanto maior vai se tornando um grupo, cuja
atividade de pende de todos, coletivamente, mais difícil torna conciliar os interesses de
cada. Dessa maneira, políticas públicas de fornecimento de crédito, sem um apoio
educacional e de conscientização dos associados, não será capaz de lidar com os outros
limites desses empreendimentos.
Por fim, há a questão já discutida que diz respeito à conceituação desse novo
setor, dessa nova atividade também aparece como um limite para esses
empreendimentos. Em primeiro lugar, porque na ausência de um conceito formal e
universal torna mais difícil o desenvolvimento de pesquisas que englobe, de verdade,
todos os empreendimentos, cuja atividade se caracterize pela cooperação, autogestão e
solidariedade. Em segundo lugar, não havendo um conceito claro, a atuação do governo,
por meio de políticas públicas, torna-se um tanto vazia e com menor intensidade, uma
vez que é possível (e isso já existe) organizações que “burlam” suas estruturas com o
intuito de se aproveitar das poucas políticas públicas destinadas ao incentivo das
atividades da ES. Desse modo, torna necessária a criação de um aparato jurídico e de
um marco regulatório que regimente esse novo setor e o inclua na pauta, não apenas do
governo, mas principalmente do Estado, ou seja, dadas suas potencialidades de inclusão
social, de geração de emprego e renda, sua prioridade deve estar no âmbito do Estado.
21
Falta ainda desenvolver um contexto legal (p. ex. a lei de economia solidária)
a aprimorar a atuação dos agentes de forma a reconhecer as limitações e
especificidades dos EES e desenhar políticas e ações coerentes para sua
superação (BACIC, 2014, p. 64).
Dessa maneira, inserir a ES num contexto de desenvolvimento local torna-a
uma estratégia importante para esse desafio, uma vez que ela carrega consigo a
capacidade de promover “a inserção de ampla parcela da população dentro do tecido
sócio produtivo” (BACIC, 2014, p. 65). No entanto, ainda há um longo caminho para
que esses empreendimentos se tornem eficientes enquanto eficazes na promoção do
desenvolvimento local. Com isso, ainda há esforços a se fazer no âmbito do processo de
formalização desse tipo de trabalho, com a priorização da atuação do Estado na proteção
dos direitos trabalhistas desses coletivos, uma vez que, embora conseguindo continuar
empregados e ganhando renda, ainda que pequena, essa população permanece na
condição de trabalhadores e, consequentemente necessitam de um apoio estatal no que
se refere à garantia do acesso aos direitos trabalhistas básicos
Considerações Finais
O trabalho discute as potencialidades da ES, enquanto possível meio para a
promoção de um projeto de desenvolvimento econômico e social regional e os limites,
que se apresentam, principalmente, na falta de canalização de recursos para essas
organizações, falta de informação e educação “solidária”.
Como apresentado no Portal do Ministério do Trabalho e Emprego (2014), “no
Brasil, ela [ES] ressurge no final do século XX [década de 90] como resposta dos
trabalhadores às novas formas de exclusão e exploração no mundo do trabalho”
(BRASIL, 2014). De fato, ao final deste artigo, pretendeu-se entender a relação entre o
contexto de crise (principalmente, no mercado de trabalho) e o aumento de
empreendimentos autogestionários, que buscam consolidar, mesmo que localmente,
uma nova maneira de organização social do trabalho, da produção e das trocas.
Ao analisar as origens da Economia Solidária no Brasil, é a partir da discussão
inicial sobre a conjuntura econômica, política e social brasileira que se pode entender o
porquê da expansão desses empreendimentos no Brasil. Os altos níveis de desemprego e
a queda dos salários da população trabalhadora, resultado da adoção das reformas
liberais, com o processo de abertura comercial, financeira, flexibilização do mercado de
22
trabalho, levou ao aumento de postos de trabalho precários e intensificação do trabalho
e, consequentemente, à queda nas condições de vida dessa camada da população.
Em decorrência desse ambiente, os empreendimentos de economia solidária, que
já existiam na sociedade brasileira, passaram a ser uma das alternativas de trabalho e
geração de renda, seja como uma única fonte ou como complemento de renda. Dessa
maneira, como aponta a tabela 3, os empreendimentos de ES “sofrem” um boom de
expansão ao longo da década de 90 e início dos anos 2000, atingindo em 2007 uma
quantidade de 21.859 e, em 2014, indo para 19.708. Diante desse cenário, no qual
empreendimentos, cujo funcionamento difere da empresa tradicional, passaram a ser
vistos como potenciais geradores de emprego e renda, no ano de 2003, o governo
Federal, já na administração Lula, cria a Secretaria da Economia Solidária, no âmbito do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com o intuito de aproximar esses
empreendimentos das políticas públicas que vão nascendo para o combate à pobreza, a
fome e na busca pela reinserção dessa gigante camada de desempregados e/ou
trabalhadores temporários e informalizados.
Desse modo, o artigo apontou as potencialidades geradas por esses
empreendimentos, não apenas no que se refere à capacidade de inclusão social, racial e
de gênero, mas principalmente, a capacidade de gerar emprego e fornecer algum tipo de
renda aos sócios. Com isso, é necessário ressaltar que essas organizações de economia
solidária são capazes de gerar brechas, que, se bem aproveitadas, podem ser
potencializadas e permitir o avanço dessa prática para outras comunidades,
principalmente locais com maiores índices de desemprego, permitindo a inclusão no
mercado de trabalho.
No entanto, ainda há limites que dificultam o avanço e ampliação dessa prática.
Dentre os limites elencados no artigo, destaca-se a dificuldade de gerar melhores
condições de renda aos associados. Nesse caso, muitos elementos estão envolvidos. Em
primeiro lugar, pode ser apontado o fato de esses empreendimentos terem grande
dificultar na gestão eficiente das atividades, principalmente, em virtude da falta de
qualificação e treinamento dos associados. Existe um gap educacional e profissional que
acaba por barrar a melhoria da atividade desses empreendimentos diante de seus
concorrentes: as grandes empresas transnacionais capitalistas. Em segundo lugar, está a
dificuldade de acesso ao crédito. Nesse caso, a própria estrutura de organização dos
empreendimentos, baseada no coletivo, na autogestão e, principalmente, na
solidariedade (o que pode ser que muitos empreendimentos não visem lucro), torna a
23
tomada de crédito cada vez mais difícil. Com isso, os empreendimentos ficam cada vez
mais direcionados para atividades que envolvam baixo valor agregado, menor
capacidade produtiva, menor geração de renda e, consequentemente, maiores riscos de
se dissolverem.
Em terceiro lugar, está o fato de que, como essas organizações são baseadas na
cooperação, fica cada vez mais difícil conciliar os interesses de seus integrantes quanto
maior vão se tornando. Desse modo, a falta de cultura de cooperação e a própria falta de
instrução dos associados torna difícil gerir o empreendimento na busca por objetivos
comuns, uma vez que a cooperação depende da capacidade mútua de seus envolvidos de
buscarem alcançar objetivos comuns ao grupo. Como aponta Bacic (2014), a falta de
competências e recursos da maior parte dos participantes dessas organizações aparece
como o principal problema para ‘a construção do “espaço emancipador” ou do “espaço
de autonomia”’.
Assim, diante desses desafios e diante das potencialidades já demonstradas pelos
ES, é possível apontar para o fato de que, embora já tenham sido implantadas, as
políticas públicas continuam sendo um grande instrumento capaz de abrir caminhos
para esses empreendimentos rumo a uma melhor inserção na sociedade. No entanto,
como coloca Freitas (2012), essas políticas ainda são muito frágeis para que permita aos
empreendimentos ganharem maior autonomia diante das forças do mercado, bem como
tornarem-se atraentes para a permanência de seus participantes.
Numa sociedade heterogênea como a brasileira, ainda existem desafios
relevantes para a consolidação dos empreendimentos de ES. Assim, pode-se apontar,
com base em Bacic (2014), que buscar alternativa, ainda que local, à lógica capitalista
atual por meio dos empreendimentos de economia solidária é “eticamente correta e
aceitável”, uma vez que, como apresentado, permite a inserção sociolaboral de uma
população excluída de forma produtiva, promovendo melhorias das condições
econômicas, sociais, raciais e de gênero de muitas famílias. Ainda há um longo caminho
a se percorrer para alcançar melhores resultados e estruturar melhor esse fenômeno, e
isso depende, majoritariamente, da prioridade dada pelo governo à Economia Social e
Solidária, começando pela mudança da sua prioridade política, ou seja, tornar a ES uma
prioridade de Estado não apenas de governo.
Referências Bibliográficas
24
BACIC, Miguel Juan. Da oportunidade de pensar no desenvolvimento de um
ecossistema empreendedor para os empreendimentos de economia solidária em
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Compilação de artigos. 2014.
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