precisa. Afinal, nunca houve, na Antigüidade,
um Estado grego unificado. O que chamamos de
Grécia nada mais é que o conjunto de muitas cidades-Estado gregas (pólis), independentes umas
das outras, e muitas vezes rivais.
No vasto mundo grego, a filosofia teve como berço a cidade de Mileto, situada na Jônia,
litoral ocidental da Ásia Menor. Caracterizada
por múltiplas influências culturais e por um rico comércio, a cidade de Mileto abrigou os três
primeiros pensadores da história ocidental a
quem atribuímos a denominação filósofos. São
eles: Tales, Anaximandro e Anaxímenes.
Destaca-se, entre os objetivos desses primeiros filósofos, a construção de uma cosmologia (explicação racional e sistemática das características do universo) que substituísse a antiga
cosmogonia (explicação sobre a origem do universo baseada nos mitos).
Por isso, tentaram descobrir, com base na razão e não na mitologia, o princípio substancial
ou substância primordial (a arché, em grego)
existente em todos os seres materiais. Isto é,
pretendiam encontrar a "matéria-prima" de que
são feitas todas as coisas.
Tales de Mileto
Tudo é água.
Tales
Tales (623-546 a.C., aproximadamente) costuma ser considerado o primeiro pensador grego, "o pai da filosofia". Na condição de filósofo,
buscou a construção do pensamento racional em
diversos campos do conhecimento que, hoje,
não são considerados especialidades filosóficas.
Foi astrônomo e chegou a prever o eclipse total
do Sol ocorrido em 28 de maio de 585 a.C. Na
área da geometria demonstrou, por exemplo,
que todos os ângulos inscritos no meio círculo
são retos e que em todo triângulo a soma de seus
ângulos internos é igual a 180°.
Procurando fugir das antigas explicações
mitológicas sobre a criação do mundo, Tales
queria descobrir um elemento físico que fosse
constante em todas as coisas. Algo que fosse o
princípio unificador de todos os seres.
Inspirando-se provavelmente em concepções egípcias, acrescidas de suas próprias observações da vida animal e vegetal, concluiu que a
água é a substância primordial, a origem única
de todas as coisas. Para ele, somente a água
permanece basicamente a mesma, em todas as
transformações dos corpos, apesar de assumir
diferentes estados - sólido, líquido e gasoso.
Anaximandro de Mileto
Nem água nem algum doselementos, mas alguma substância diferente, ilimitada, e que dela nascem os céus e os mundos neles
contidos.
Anaximandro
Anaximandro (610-547 a.C.) procurou aprofundar as concepções de Tales sobre a origem única de todas as coisas . Em meio a tantos elementos
observáveis no mundo natural - a água , o fogo,
o ar etc. -, ele acreditava não ser possível eleger
uma única substância material como o princípio primordial de todos os seres, a arché.
Anaxímenes de Mileto
E assim como nossa alma,
que é ar, nos mantém unidos,
da mesma maneira o vento envolve todo o mundo.
Anaxímenes
Para Anaximandro, esse princípio é algo que
transcende os limites do observável, ou seja, não
se situa numa realidade ao alcance dos sentidos.
Por isso, denominou- o ápeiron , termo grego
que significa "o indeterminado", "o infinito". O
ápeiron seria a "massa geradora" dos seres, contendo em si todos os elementos contrários.
Anaxímenes (588-524 a.C.) admitia que a
origem de todas as coisas é indeterminada. Entretanto, recusava-se a atribuir-lhe o caráter
oculto de elemento situado fora dos limites da
observação e da experiência sensível.
Tentando uma possível conciliação entre
as concepções de Tales e as de Anaximandro,
concluiu ser o ar o princípio de todas as coisas.
Isso porque o ar representa um elemento "invisível e imponderável, quase inobservável e, no
entanto, observável: o ar é a própria vida, a
força vital, a divindade que "anima" o mundo,
aquilo que dá testemunho à respiração" Z.
Pitágoras de Samos:
o culto da matemática
Todas as coisas são números.
Pitãgoras
Pitágoras (570-490 a.C., aproximadamente) nasceu na ilha de Samos, na costa jônica, não
distante de Mileto. Por volta de 530 a.C., sofreu
perseguição política por causa de suas idéias,
sendo obrigado a deixar sua terra de origem.
Instalou-se, então, em Crotona, sul da Itália, região conhecida como Magna Grécia.
Em Crotona, fundou uma poderosa sociedade de caráter filosófico e religioso e de acentuada ligação com as questões políticas. Depois
de exercer, por longos anos, considerável influência política na região, a sociedade pitagórica foi dispersada por opositores, e o próprio Pitágoras foi expulso de Crotona.
Para Pitágoras, a essência de todas as coisas reside nos números, os quais representam a
ordem e a harmonia. Segundo o historiador de
filosofia norte-americano Thomas Giles, "pela
primeira vez se introduzia um aspecto mais for-
mala na explicação da realidade, isto é, a ordem
e a constância". Assim, a essência dos seres, a
arché, teria uma estrutura matemática da qual
derivariam problemas como: finito e infinito,
par e ímpar, unidade e multiplicidade, reta e
curva, círculo e quadrado etc.
Pitágoras dizia que no "fundo de todas as
coisas" a diferença entre os seres consiste, essencialmente, em uma questão de números (limite
e ordem das coisas).
As contribuições da escola pitagórica podem ser encontradas nos campos da matemática
(lembre-se do célebre teorema de Pitágoras), da
música e da astronomia. A essas contribuições
junta-se uma série de crenças místicas relativas à
imortalidade da alma, à reencarnação dos pecadores, à prescrição de rígidas condutas morais etc.
2. BERNHARDT, Jean. O pensamento pré-socrãtico: de Tales aos sofistas. In: CHÃTELET, op. cit., v. 1, p. 28.
3. Formal : que considera as relações existentes entre os termos de uma operação do entendimento, independentemente da
matéria ou conteúdo dessa operação.
Heráclito de Éfeso:
o movimento perpétuo
do mundo
Tudo flui, nada persiste, nem
permanece o mesmo.
0 ser não é mais que o vir-a-ser.
(guerra) é a mãe, rainha e princípio de todas
as coisas". É pela luta das forças opostas que o
mundo se modifica e evolui.
Atribuem-se a Heráclito frases marcantes,
de sentido simbólico, utilizadas para ilustrar sua
concepção sobre o fluxo e a movimentação das
coisas, o constante vir-a-ser, a eterna mudança,
também chamada devir:
Herãclito
Não podemos entrar duas vezes no mesmo
rio, pois suas águas se renovam a cada instante. Não tocamos duas vezes o mesmo ser,
pois este modifica continuamente sua condição.
Assim, Heráclito imaginava a realidade dinâmica do mundo sob a forma de fogo, com
chamas vivas e eternas, governando o constante
movimento dos seres.
Os pensadores eleáticos:
Reflexões sobre o ser e
o conhecer
Nascido em Éfeso, cidade da região jônica, Heráclito é considerado um dos mais importantes filósofos pré-socráticos. A data de seu
nascimento e a de sua morte não são conhecidas.
Há referências históricas de que, por volta do
ano 500 a.C., estava em plena "flor da idade".
Heráclito é considerado o primeiro grande
representante do pensamento dialético. Concebia a realidade do mundo como algo dinâmico, em permanente transformação. Daí sua
escola filosófica ser chamada de mobilista (de
movimento). Para ele, a vida era um fluxo constante, impulsionado pela luta de forças contrárias: a ordem e a desordem, o bem e o mal, o
belo e o feio, a construção e a destruição, a justiça e a injustiça, o racional e o irracional, a alegria e a tristeza etc. Assim, afirmava que "a luta
As diversas cosmologias que acabamos de
estudar despertaram, na época, uma nova questão. Por que tanta divergência? Por que tantas
opiniões contrárias?
Heráclito de Éfeso, como vimos, acreditava
que a luta dos contrários formava a unidade do
mundo. Já para os pensadores da cidade de Eléia,
a partir de seu principal expoente, Parmênides,
os contrários jamais poderiam coexistir. Os dois
pensadores representam, portanto, pólos extremos do pensamento filosófico.
Foi a partir dessa discussão sobre os contrários, sobre o ser e o não-ser, que se iniciaram a
lógica (os estudos sobre o conhecer) e a ontologia (os estudos sobre o ser) e suas relações recíprocas, conforme veremos a seguir.
Parmênides de Eléia
0 ente é; pois é ser e nada não é.
Parmênides
Nascido em Eléia, na Magna Grécia, litoral oeste da península Itálica, Parmênides (5 10470 a.C.), aproximadamente) tornou-se célebre
por ter feito oposição a Heráclito. Platão o chamava de Grande Parmênides.
Parmênides defendia a existência de dois
caminhos para a compreensão da realidade. O
primeiro é o da filosofia, da razão, da essência.
0 segundo é o da crendice, da opinião pessoal,
da aparência enganosa, que ele considerava a
"via de Heráclito".
Segundo Parmênides, o caminho da essência nos leva a concluir que na realidade:
a) existe o ser, e não é concebível sua nãoexistência;
b) o ser é; o não-ser não é.
Em vista disso, Parmênides é considerado
o primeiro filósofo a formular os princípios lógicos de identidade e de não-contradição, desenvolvidos depois por Aristóteles.
Ao refletir sobre o ser, pela via da essência,
o filósofo eleático concluiu que o ser é eterno,
único, imóvel e ilimitado. Essa seria a via da verdade pura, a via a ser buscada pela ciência e pela filosofia . Por outro lado, quando a realidade
é pensada pelo caminho da aparência, tudo se
confunde em função do movimento, da pluralidade e do devir (vir-a-ser).
Assim, na concepção de Parmênides, Heráclito teria percorrido o caminho das aparências
ilusórias. Essa via precisava ser evitada para não
termos de concluir que "o ser e o não-ser são e
não são a mesma coisa". Parmênides teria descoberto, assim, os atributos do ser puro: o ser
ideal do plano lógico. E negou-se a reconhecer
como verá 'Ieiros os testemunhos ilusórios dos
sentidos e a constatar a existência do ser-nomundo: o ser que se exprime de diversos modos, os seres múltiplos e mutáveis.
Mas o filósofo sabia que é no mundo da
ilusão , das aparências e das sensações que os
homens vivem seu cotidiano. Então, "o mundo
da ilusão não é uma ilusão de mundo", mas
uma manifestação da realidade que cabe à razão
interpretar, explicar e compreender, até que alcance a essência dessa realidade. Não podemos
confiar nas aparências, nas incoerências, na visão enganadora. Pela razão, devemos buscar a
essência, a coerência e a verdade. "O esforço de
toda sabedoria é, pois, para Parmênides, sistematizar isso, tornar pensável o caos, introduzir
uma ordem nele."{
Para Parmênides, o mundo sensível é feito apenas de aparências e ilusões, inaugurando a escola eleática de pensamento, que
centraria sua discussão no confronto entre o conhecimento racional e o sensível.
4. JERPHAGNON , Lucien . História das grandes filosofias, p. 15.
Zenão de Eléia
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0 que se move sempre está no
mesmo agora.
Zenão
Discípulo de Parmênides, Zenão de Eléia
(488-430 a.C.) elaborou argumentos para defender a doutrina de seu mestre. Com eles pretendia demonstrar que a própria noção de movimento era inviável e contraditória.
Desses argumentos, talvez o mais célebre
seja o paradoxo de Zenão , que se refere à corrida de Aquiles com uma tartaruga. Dizia Zenão:
a) Se, na corrida, a tartaruga saísse à frente
de Aquiles, para alcançá-la ele precisaria percorrer uma distância superior à metade da distância inicial que os separava no começo da
competição.
b) Entretanto, como a tartaruga rnntinuaria
se locomovendo, essa distância, por menor que
fosse, teria se ampliado. Aquiles deveria percorrer, então, mais da metade dessa nova distância.
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Os paradoxos de Zenão foram debatidos durante séculos por filósofos, físicos e matemáticos. E hoje já existe um cálculo que
demonstra que Aquiles encontra a tartaruga.
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