Abordagens Teóricas Da Migração Internacional ABORDAGENS TEÓRICAS DA MIGRAÇÃO INTERNACIONAL Alessandra Gomes de Castro1 RESUMO No presente artigo discute-se, como alguns autores e estudiosos analisam a questão da migração internacional. Entendese que devido à complexidade deste fenômeno, o estudo acerca dessa temática necessita ser realizado através da interdisciplinaridade. Dessa forma, o trabalho esta dividido em duas partes, a primeira apresenta algumas teorias que procuram explicar o início dos fluxos migratórios e a segunda discorre sobre as teorias que tratam da continuidade dos mesmos. PALAVRAS-CHAVE: Migração internacional; Teorias da migração; Fluxo migratório; Migrantes. ABSTRACT: In this article it is argued how some writers and scholars examine the issue of international migration. It is understood that due to the complexity of this phenomenon, the study about this thematic needs to be done through interdisciplinary. Thus, the work is divided into two parts: the first presents some theories that attempt to explain the beginning of migration flows and the second discusses the theories that deal with the continuity of the same. KEYWORDS: International migration; Theories of migration; Migratory flow; Migrants. ________________________ 1 Assistente Social, Mestre em Serviço Social pela Universidade Católica Portuguesa (UCP) – Centro Regional das Beiras, pólo de Viseu, Professora do Curso de Serviço Social das Faculdades Unidas do Vale do Araguaia (UNIVAR). E-mail: [email protected]. INTRODUÇÃO O estudo da migração internacional, enquanto campo teórico e empírico de investigação foi ao longo do tempo alvo de inquietação de estudiosos de diversas ciências. Estes pesquisadores, procurando compreender esse fenômeno complexo, elaboraram um conjunto diversificado de leis, teorias e explicações. Dessa forma, não existe uma teoria única capaz de explicar a migração internacional, pois esta é complexa, de natureza multifacetada, de origens diversificadas, causas e motivos abrangentes, o que há é “apenas um conjunto fragmentado de teorias que se desenvolveram em grande parte isolada uma das outras” (MASSEY et al. 1993, p.432). Assim, esse artigo tem como objetivo discorrer sobre os argumentos teóricos dos diferentes autores acerca da migração internacional. Uma vez que as diversas perspectivas são de suma importância para a compreensão dos fluxos migratórios. EXPLICAÇÕES SOBRE O INÍCIO DOS FLUXOS MIGRATÓRIOS Uma das abordagens utilizada nos estudos das migrações é conhecida como o modelo de repulsão-atração. De acordo com esta teoria as migrações são estimuladas por um conjunto de fatores de repulsão (desempreOn –line http://revista.univar.edu.br/ ISSN 1984-431X go, baixos salários, entre outros) existentes no país de origem e, estes ao serem comparados com as vantagens do país de destino (salários elevados, possibilidade de obter melhores condições de vida, etc.), motivariam os indivíduos a decidirem racionalmente pela mobilidade geográfica. Isto é, os fatores de repulsão empurrariam o indivíduo para fora da sua área de origem e os fatores de atração existentes na sociedade de destino atuariam como alternativas atrativas aos mesmos (GEORGE, 1977; PORTES E BÖRÖCZ, 1998; MATEOS, 2004). Numa perspectiva de ordem econômica, a teoria neoclássica, segundo Marques (2008, p.62) é a “principal herdeira dos modelos de atração e repulsão”. Essa teoria possui duas formas de abordagem: a versão macroeconômica e a microeconômica. Na versão macroeconômica, os fluxos internacionais são influenciados pelos mecanismos do mercado de trabalho, ou seja, a migração internacional é causada pelas diferenças salariais e as condições de trabalho entre os países com baixos e altos salários (MASSEY et al., 1993, 2006). Na abordagem microeconômica a migração internacional é considerada uma forma de investimento em capital humano, onde os indivíduos são racionais e decidem migrar porque, ao calcularem os custos e os benefícios, criam a expectativa de que com a migração existe a possibilidade de obter na sociedade de destino Interdisciplinar – Revista Eletrônica da Univar (2011) n.5 p.23-29 24 Abordagens Teóricas Da Migração Internacional um retorno líquido positivo, normalmente financeiro. (idem). Apesar do modelo repulsão-atração e a teoria neoclássica serem importantes nos estudos da migração internacional, os seus principais pressupostos tornam-se questionáveis. A começar pelo fato de que, embora o modelo repulsão-atração possua dispositivos heurísticos satisfatórios, estes não constituem um quadro teórico e tão pouco é capaz de classificar e ordenar os determinantes da migração no espaço. Outro ponto é que, este modelo também se torna insuficiente à medida que não consegue explicar o porquê de um determinado grupo de indivíduos emigrarem para um determinado país em detrimento de outro (CASTLES E MILLER, 2009). No que se refere à teoria neoclássica, esta tem sido criticada por supor que o indivíduo possui conhecimentos exatos do país de destino. O que, de fato, não acontece, pois na verdade, ele possui informações limitadas, estas podem ser contraditórias e não corresponderem à realidade encontrada no destino. Além disso, os indivíduos não podem decidir livremente sobre o destino da migração, pois “estão sujeitos a uma série de restrições, principalmente a falta de poder face aos empregadores e governos” (CASTLES E MILLER, 2009, p.23). Outro pressuposto questionável dessa teoria, de acordo com Massey et al. (2006), é o que afirma que com a migração, os salários nas sociedades de origem aumentariam e na sociedade de destino diminuiriam de forma que os movimentos migratórios deveriam continuar até os salários serem equiparados em ambas as sociedades, porém: “A experiência histórica revela, contudo, que as diferenças salariais transnacionais raramente desaparecem. E, se isso acontecesse, seria através de uma variedade de mecanismos, entre os quais a migração não seria necessariamente a mais importante. Se o mundo funcionasse realmente como previsto pela teoria, muito mais pessoas moveriam e as migrações internacionais continuariam a crescer até produzir um salário de equilíbrio em todo o mundo [...]. A migração não terminaria com a igualdade de salários, mas com a realização de melhorias nas condições de vida nos países de origem” (MASSEY et al. 2006, p.09). Com a insuficiência teórica do modelo repulsão-atração e as lacunas da teoria neoclássica, os estudos sobre as migrações desenvolveram-se com base nas formulações e interpretações da chamada nova economia da migração. Uma das principais contribuições dessa abordagem consiste em afirmar que a decisão de migrar não é concebida no âmbito individual, mas sim no coletivo. Ou seja, as decisões são concebidas tendo por base as unidades maiores de pessoas relacionadas que, para além das famílias ou dos domicílios, incluem a comunidade “que agem coletivamente, não apenas para maximizar os rendimentos esperados, mas também para minimizar os On –line http://revista.univar.edu.br/ riscos e os constrangimentos associados a uma variedade de mercados de trabalho” (MASSEY et al. 1998, p.21). Essa teoria, também introduz nos estudos da migração internacional um leque variado de condicionantes que acabam por influenciar o movimento migratório, como por exemplo, os sistemas públicos e privados de aposentadoria, que são rudimentares, incompletos na sua cobertura ou em alguns casos, inexistentes. Tal problemática ocasiona graves dificuldades para os indivíduos e as famílias que procuram garantir a sua aposentadoria. Assim, uma das soluções apontada para este problema, seria a migração internacional, pois esta geraria um fluxo adicional de rendimentos que poderiam ser investidos em bens produtivos e estes bens no futuro proporcionariam uma renda familiar suficiente para assegurarem um apoio financeiro na velhice (idem). Massey et al., (1998) observam ainda que, as falhas existentes nos mercados de crédito constituem uma importante causa da migração internacional. Por outras palavras, as famílias que geralmente não possuem recursos financeiros para a aquisição de determinados bens de consumo ou não conseguem ter acesso aos financiamentos bancários para tal, criam a expectativa de adquirirem esses bens através da migração para o exterior. Isto porque, os rendimentos acumulados pela migração internacional ou as remessas enviadas pelos membros da família que estão no estrangeiro podem ser destinados para a compra de tais bens. E por fim, os autores argumentam que a noção de privação relativa influencia a migração internacional, pois “a comunidade envia os seus membros para trabalhar no estrangeiro, não só para melhorarem os seus rendimentos em termos absolutos, mas também para reduzir a sua privação relativa em relação a outro grupo de referência” (MASSEY et al. 1998, p.26). Para Castles e Miller (2009), embora a nova economia da migração tenha por base as decisões coletivas e apresente uma gama maior de fatores que influenciam a migração internacional, esta abordagem é semelhante à teoria neoclássica, na medida em que se concentra do lado da procura e nos motivos que levam os indivíduos a migrarem principalmente à procura de trabalho. Dessa forma, é relevante considerar a teoria do mercado de trabalho segmentado, a qual define a migração internacional, não como resultado de decisões tomadas por indivíduos ou famílias, mas sim pela procura de trabalhadores para ocuparem os espaços de trabalho que os nativos geralmente não preenchem ou desprezam. Segundo esta teoria, os mercados de trabalho caracterizam-se por possuírem dois segmentos principais: primário e secundário. Os trabalhadores nativos teem preferência pelo sector primário, pois os empregos são mais seguros, a remuneração é maior e existe a possibilidade de ascensão na hierarquia social. Ao contrário Interdisciplinar – Revista Eletrônica da Univar (2011) n.5 p.23-29 25 Abordagens Teóricas Da Migração Internacional do que ocorre no sector secundário, onde os salários são baixos, as condições de trabalho são instáveis e não há a perspectiva de mobilidade social. Assim, ocorre a procura permanente de trabalhadores com pouca ou nenhuma qualificação que aceitem tais condições (MASSEY et al., 1993, 1998,; MATEOS, 2004; CASTLES E MILLER, 2009). Nesse sentido, os Governos e os empregadores possuem dificuldades em recrutar os trabalhadores nativos, para as ocupações do sector secundário. Com isso, desenvolvem práticas para a importação de trabalhadores estrangeiros, que não se importem com as condições impostas pelo segundo sector. Massey et al., (1998), em referência aos estudos de Piore (1979), afirmam que os imigrantes recémchegados na sociedade de destino, procuram uma forma de ganhar dinheiro para melhorar o seu bem-estar e consequentemente, o seu status social no país de origem, com isso acabam por aceitarem as ofertas de trabalhos provenientes do sector secundário. Os imigrantes aceitam tais condições segundo os autores pelo fato que, “A disjunção dos padrões de vida entre países desenvolvidos e as sociedades em desenvolvimento significa que os salários baixos, mesmo no estrangeiro parecem ser generosos para os padrões da comunidade de origem; e apesar de um migrante perceber que o trabalho executado por estrangeiros é de baixo status no exterior, ele não se vê como uma parte da sociedade de destino. Ao contrário, ele vê-se como um membro da sua comunidade de origem, dentro da qual trabalhar no estrangeiro e enviar remessas é considerado honra e prestígio” (MASSEY et al., 1998, p.30). Porém, na sociedade de destino os trabalhadores imigrantes pertencentes ao sector secundário, por um lado, além de realizarem trabalhos de baixa qualificação profissional, de estarem muitos às vezes desprovidos de proteção social e expostos a vários tipos de exploração laboral, durante o período de recessão ou de crise estrutural que gere desemprego, podem ter os seus salários reduzidos ou até mesmo serem demitidos sem custo adicional para os empregadores. Por outro lado, os Governos também possuem autonomia para reduzir os postos de trabalho ou através de acordos interestatais enviarem estes trabalhadores para os seus respectivos países de origem (NIKOLINAKOS, 1975). Para Wilson e Portes (1980 apud Marques, 2008), além destes dois sectores de trabalho defendidos pela teoria do mercado de trabalho segmentado existe um terceiro, semelhante aos outros dois, que é o sector de enclaves étnicos. No entender de Massey et al. (1998), esse terceiro sector surge porque existem imigrantes são empresários e ao perceberem a procura por produtos especializados e serviços da mesma origem cultural por parte da população de co-étnicos, criam empresas destinadas a suprir esta procura e preferem contratar imigrantes do mesmo grupo étnico, porque além de pagarem baixos salários, ainda, os On –line http://revista.univar.edu.br/ coloca em posição de privilégio quando concorrem com empresas que não pertencem ao enclave. As críticas dirigidas a esta teoria consideram que ao privilegiar a importância da procura por trabalhadores como causa da migração internacional, tal teoria acaba por menosprezar os fatores que se encontram do lado da oferta. Dessa forma, “é a teoria do sistema-mundo que procura ultrapassar esta deficiência ao ligar as regiões de origem com as regiões de destino (MARQUES, 2008, p.76). A teoria do sistema-mundo possui como referência a concepção marxista-estruturalista e, procura diferenciar-se das abordagens anteriores, ao explicar as migrações “como parte da dinâmica interna de um sistema único, o mundo econômico capitalista” (MATEOS, 2004, p.91). Neste sentido, Malgesini (1998, p.22), acrescenta que “a penetração do capitalismo nas regiões periféricas na procura de riquezas, matérias primas e benefícios ilimitados, criou uma população propensa à mobilidade geográfica”. Assim, a mesma economia capitalista que cria os migrantes nas regiões periféricas também os atrai para os países desenvolvidos. Nesta fase do processo migratório ocorre não somente a migração do trabalhador, mas também do capital, pois, as empresas de países capitalistas também estabelecem linhas de montagem nos países em desenvolvimento para tirarem proveito dos salários mais baixos (MASSEY et al., 1993). Desta forma, a migração internacional é vista “como parte da dependência dos países centrais, junto com outros fatores econômicos, políticos e sociais” (Malgesini, 1998:23) Ainda nesta perspectiva teórica do sistemamundo, Mateos (2004) citando Saskia Sassen (1991) argumenta que a globalização econômica contribuiu para a definição de uma nova geografia da economia e da estrutura social, na qual o investimento estrangeiro é administrado a partir de um pequeno número de cidades denominadas por cidades globais, tais como: Nova Iorque, Tokio, Londres, São Paulo, Hong Kong, Sidney, Toronto e Miami. Estas cidades, ao concentrarem as atividades financeiras e administrativas de serviços e de produção de alta tecnologia, acabam por atraírem um grande quantitativo de imigrantes, o que contribui para que o seu espaço urbano seja composto por uma multiplicidade de culturas e identidades diversificadas. Nestas cidades globais, a incorporação dos trabalhadores imigrantes, ocorre não somente no segundo sector, como afirma a teoria do mercado de trabalho segmentado, mas também no primeiro sector. Isto acontece porque, as atividades concentradas nestas cidades, necessitam tanto de trabalhadores imigrantes com baixas qualificações (empregado de mesa, jardineiros, empregadas domésticas, entre outros), como de trabalhadores imigrantes altamente qualificados para a indústria de alta tecnologia em eletrotécnica, informática, telecomunicações, entre outras (MASSEY et al., 1993, 1998). Interdisciplinar – Revista Eletrônica da Univar (2011) n.5 p.23-29 26 Abordagens Teóricas Da Migração Internacional Para Malgesini (1998), embora a teoria do sistema-mundo reconheça que as estruturas econômicas e políticas entre as nações contribuam para a definição dos sistemas migratórios, esta teoria não explica por que uma determinada pessoa que pertença a um conjunto de indivíduos com características semelhantes, pode tornarse migrante e as outras não. EXPLICAÇÕES SOBRE A CONTINUAÇÃO DOS FLUXOS MIGRATÓRIOS De acordo com Massey, et al. (1993) a migração internacional pode começar por uma série de fatores, tais como um desejo de aumentar o rendimento individual ou um programa de recrutamento para atender às exigências do empregador no exterior, entre outros. Mas, as causas que contribuem para a sua continuação são independentes das que a origina. Recentemente, os estudos desenvolvidos sobre a migração internacional, contribuem com estruturas conceituais abrangentes para a compreensão deste processo. Entre as explicações que possibilitam apreender a continuidade das migrações, encontra-se a teoria dos sistemas migratórios. Ainda segundo os autores, os sistemas migratórios são constituídos por dois ou mais países que trocam migrantes entre si. Sendo que, “os movimentos migratórios em geral, decorrem da existência de uma relação prévia entre países emissores e receptores e têm por base a colonização, a influência política, o comércio, o investimento ou laço cultural” (CASTLES E MILLER, 2009, p.27). De acordo com esta teoria, o movimento migratório pode ser apreendido como o resultado da interação entre duas estruturas, ou seja, as macro-estruturas e as micro-estruturas. A primeira são os fatores institucionais, tais como a economia política do mercado mundial, as relações interestatais, as leis, as estruturas e práticas estabelecidas pelos Estados dos países de origem e de destino, entre outros. E, a segunda são as redes sociais desenvolvidas pelos próprios migrantes (CASTLES E MILLER, 2009). Neste sentido, Portes e Böröcz, (1989, p.614), defendem que a “migração deveria ser conceitualizada como um processo progressivo de redes, que ligam indivíduos e grupos distribuídos em diferentes locais, maximizando as suas oportunidades económicas através de deslocamentos múltiplos”. Para Marques (2008, p.90), “a aplicação do conceito de rede social à abordagem dos movimentos migratórios é realizada através da teoria das redes migratórias”. Segundo esta teoria, as redes sociais servem como pontes que ligam migrantes, ex-migrantes e não migrantes nas sociedades de origem e de destino. Ou seja, depois da migração do primeiro migrante, este constrói um conjunto de estruturas e laços sociais na sociedade de destino que podem favorecer os futuros migrantes (familiares, parentes, amigos, conhecidos, integrantes da mesma comunidade ou grupo étnico). On –line http://revista.univar.edu.br/ Entende-se por redes sociais, “Conjuntos de associações recorrentes entre grupos de pessoas ligadas por laços ocupacionais, familiares, culturais ou afetivos. As redes sociais são importantes na vida econômica, na medida em que são meios de aquisição de recursos escassos, como o capital e a informação, e porque impõem simultaneamente constrangimentos eficientes à prossecução ilimitada dos interesses pessoais” (Portes, 1999, p. 12-13). Outro aspecto importante referente às redes sociais, abordado por Gurak e Caces (1998), consiste em dizer que estas redes, ao servirem de vinculação e transmissão de recursos, podem determinar a escolha do local de destino e, de certa forma, quem são os indivíduos e as famílias do local de origem que migram. As redes também oferecem suporte para a adaptação e a integração dos migrantes recém-chegados na sociedade de destino. Porém, os autores ressaltam que a disponibilidade dos recursos são fatores determinantes para o desenvolvimento da assistência oferecida pelas redes, por exemplo, quando uma rede de migrantes está concentrada em trabalhos precários, isso poderá contribuir para a concentração de novos migrantes nessas mesmas condições. E, consequentemente, a integração dos mesmos na sociedade de destino será dificultada. Outra questão, que os autores chamam à atenção, refere-se às informações transmitidas pelas redes aos indivíduos que nem sempre são fidedignas. Dessa forma, a confiança e a afinidade podem tanto atrair as pessoas para a migração, bem como para a permanência na sua sociedade de origem. Assim, o papel desempenhado pelas redes sociais contribui para que o processo migratório seja mais seguro e viável para os migrantes e as suas famílias. Com isso, as redes aumentam a probabilidade de circulação internacional, porque além de garantirem segurança, contribuem para a redução dos custos e os riscos do processo migratório e podem ainda aumentar o retorno líquido esperado (MASSEY et al., 1993; MATEO, 2004). Para Marques (2008, p.93), “a participação dos indivíduos numa rede migratória constitui uma fonte de capital social que pode ser utilizado na concretização de projetos migratórios específicos”. Entre as inúmeras definições de capital social, adota-se a defendida por Portes (1999, p.16), ou seja, “capital social refere-se à capacidade dos indivíduos para mobilizar recursos escassos em virtude da sua pertença a redes ou a estruturas sociais mais amplas”. O autor afirma, ainda, que os recursos do ponto de vista dos mercados são gratuitos para os beneficiários e estes ao serem adquiridos por meio do capital social, gera, em muitos casos, a expectativa de que no futuro possa ocorrer uma reciprocidade, isto é, troca de favores. Para Mateos (2004), as pessoas possuem acesso ao capital social por pertencerem a uma rede social. Para a autora, a riqueza fundamental do capital social é Interdisciplinar – Revista Eletrônica da Univar (2011) n.5 p.23-29 27 Abordagens Teóricas Da Migração Internacional a sua capacidade de conversão noutras formas de capital e de ser um recurso, no qual os indivíduos podem ter acesso para conseguirem, entre outras coisas, um emprego no estrangeiro. De acordo com Fusco (2005) embora os benefícios derivados do capital social possam ser usados individualmente, este é um bem coletivo que inclui todos aqueles recursos que as pessoas necessitam para realizarem os seus objetivos, agindo no interior de grupos ou de redes. Segundo o autor, o capital social também contribui para ligar as pessoas a redes, grupos e organizações através dos laços sociais, simbólicos e de solidariedade, bem como para a manutenção da integridade dos grupos, por meio dos códigos sociais que permeiam esses mesmos laços. Outra contribuição teórica ao estudo da migração internacional refere-se à teoria institucional. De acordo com esta teoria, com o crescimento do movimento migratório, os Governos teriam dificuldade em controlar as entradas dos migrantes nos seus países. Assim, como forma de estabelecer o controle e a restrição destas entradas, os Governos instituem cotas de visto. Contudo, as disparidades entre a oferta e a procura por visto de entrada resulta na criação de um mercado ilegal constituído por empresários e instituições que promovem a migração internacional de forma ilícita (MASSEY et al., 1993, 2006). Este mercado ilegal é composto por pessoas que podem ser tanto ajudantes, como exploradores dos migrantes. Nos casos de situações de migração ilegal, o papel de exploração pode predominar. Isto acontece porque muitos migrantes são aliciados com falsas promessas de trabalho no estrangeiro e ao chegarem à sociedade de destino, percebem que foram enganados e que não possuem trabalho ou recursos num país estranho (CASTLES & MILLER, 2009). As explorações e atrocidades cometidas por este mercado clandestino despertam Organizações de ajuda humanitária, que passam a intervir a favor dos direitos dos imigrantes, quer estes estejam em situação legal ou ilegal. Ao longo do tempo, essas Organizações tornam-se conhecidas pelos migrantes, constituindo formas de capital social que estes passam a dispor para acederem ao mercado de trabalho no estrangeiro ou outros serviços (MASSEY et al., 1993, 2006). A partir dos anos 90 do século XX, outra abordagem teórica foi introduzida nos estudos sobre a migração. Esta teoria é conhecida como a teoria transnacional ou comunidade transnacional. De acordo com Góis (2006), “o transnacionalismo emergiu da constatação que os imigrantes mantêm os (seus) contatos entre o estrangeiro e o seu país de origem e fazem de ambos um território único de ação social. A partir de uma análise transnacional, os imigrantes já não estão desenraizados, ao contrário movem-se livremente de um lado para o outro através de fronteiras internacionais e/ou entre culturas e sistemas sociais diferentes. Estes migrantes influenciam a On –line http://revista.univar.edu.br/ mudança (em ambas) as comunidades ou locais de pertença não só através das suas remessas econômicas, mas igualmente através de remessas sociais” (GÓIS, 2006, p. 152). Nesse sentido, Marques (2008, p.99), enfatiza que esta perspectiva teórica além de fornecer explicações sobre a perpetuação dos movimentos migratórios, também “evidencia o desenvolvimento de diferentes modelos migratórios e de formas de interação dos migrantes com a sociedade de acolhimento”. De acordo com Portes (1999), uma das mudanças introduzidas pela teoria transnacional consiste no fato dos, então, considerados imigrantes passarem a ser visto como transmigrantes, ou seja, indivíduos que mantêm atividades transnacionais e práticas transnacionais com dois países ou mais. Para Castles (2005, p.81), “o termo transmigrante pode ser utilizado para identificar pessoas cuja existência é moldada através da participação em comunidades transnacionais estribadas na imigração”. Contudo, o autor ressalta que nem todos os imigrantes podem ser caracterizados como tal. Ou seja, os imigrantes que trabalham num determinado país estrangeiro, mas possuem como referência o seu país de origem e pretendem um dia retornar para o mesmo, assim como, os imigrantes que criaram vínculos com o país de destino e não desejam regressar ao país de origem, não são considerados transmigrantes. Outro aspecto desta abordagem consiste na introdução do termo comunidades transnacionais que “podem ser definidas como grupos, baseados em dois ou mais países, envolvidos em atividades transfronteiriças significativas, recorrentes e duradouras, que podem ser de natureza econômica, política, social ou cultural” (CASTLES, 2005, p.80). Neste sentido, a melhoria nas tecnologias de transporte e comunicação, por um lado possibilitaram maior interconexão entre o imigrante e o seu país de origem, por outro contribuiu “para o crescimento da mobilidade circular ou temporária, em que, as pessoas migram repetidamente entre dois ou mais lugares onde elas têm ligações econômicas, sociais ou culturais” (CASTLES E MILLER 2009, p.30). CONSIDERAÇÕES FINAIS Através da explanação sucinta foi possível entender como alguns estudiosos abordaram a migração internacional. Algumas teorias contribuem não somente para a compreensão dos fatores que deram origem aos fluxos migratórios, bem como para a sua continuidade. Assim, a migração pode ser apreendida por meio de diferentes aspectos, tais como: a violência, o desemprego e as péssimas condições de trabalho vivenciadas no país de origem constituem fatores de repulsão e estes ao serem comparados com as oportunidades de trabalho, segurança, qualidade de vida Interdisciplinar – Revista Eletrônica da Univar (2011) n.5 p.23-29 28 Abordagens Teóricas Da Migração Internacional no país de destino motivam os indivíduos a migrarem como afirma a teoria da repulsão-atração. Os teóricos neoclássicos com base na interpretação micro e macro da teoria neoclássica consideram que os indivíduos são movidos pelas diferenças de ganho salarial, estes ao realizarem os cálculos entre os valores gastos no processo migratório e os possíveis rendimentos que serão obtidos na sociedade de destino, agem racionalmente e optam pela migração à procura de melhores oportunidades de trabalho. Para os teóricos que se baseiam na segmentação do mercado de trabalho, os países de destino por meio dos seus governantes e empresários estão à procura de trabalhadores estrangeiros para ocuparem vagas de trabalho no sector secundário desprezadas pelos nativos. Já a teoria das redes migratórias, acrescenta que o envolvimento e o apoio da família é um fator fundamental na tomada de decisão do migrante a respeito da migração, isto porque são os membros da família, os amigos e os conhecidos que já migraram que apoiam, emprestam dinheiro e contribuem com informações, ou seja, constituem as redes sociais que servem de suporte e incentivo para os futuros migrantes. Sendo que, o capital social veiculado nestas redes ainda colabora para a migração e a integração do migrante recém chegado ao local de destino. Enfim, todas as concepções teóricas aqui elucidadas colaboram para a compreensão de que as abordagens teóricas que propõem explicar a origem e a continuidade dos fluxos migratórios não são necessariamente contraditórias entre si, mas antes complementares. Assim, é importante a realização da investigação sob o enfoque interdisciplinar, isto porque esta permite a interpretação da mobilidade dos indivíduos sob diferentes aspectos e perspectivas, ou seja, por meio da interdisciplinaridade, é possível uma compreensão abrangente do complexo fenômeno migratório (CASTLES E MILLER, 2009). 4. GEORGE, Pierre. As migrações internacionais. Lisboa: Dom Quixote, 1977. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 12. MATTEOS, Natalia. R.. Una Invitación a La Sociologia de Las Migraciones. Barcelona: Bellaterra, 2004. 1. CASTLES, Stephen. Globalização, transnacionalismo e novos fluxos migratórios. Dos trabalhadores convidados às migrações globais. Trad. Frederico Ágoas. Lisboa: Fim de século, 2005. 2. 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