UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E BIOLÓGICAS DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA MAÍRA KELLY DA SILVA PEREIRA ENSINO DE GEOMETRIA PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL: ANÁLISE DE UMA PROPOSTA DE ENSINO ENVOLVENDO O USO DE MATERIAIS MANIPULATIVOS E A EXPRESSÃO ORAL E ESCRITA Ouro Preto 2012 UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E BIOLÓGICAS DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA MAÍRA KELLY DA SILVA PEREIRA ENSINO DE GEOMETRIA PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL: ANÁLISE DE UMA PROPOSTA DE ENSINO ENVOLVENDO O USO DE MATERIAIS MANIPULATIVOS E A EXPRESSÃO ORAL E ESCRITA Dissertação apresentada à Banca de Qualificação, como exigência parcial à obtenção do Título de Mestre em Educação Matemática pelo Mestrado Profissional em Educação Matemática da Universidade Federal de Ouro Preto, sob orientação da Profa. Dra. Ana Cristina Ferreira. Ouro Preto 2012 ii P436e Pereira, Maíra Kelly da Silva. Ensino de geometria para alunos com deficiência visual [manuscrito] : análise de uma proposta de ensino fundamentada na manipulação de materiais e na expressão oral e escrita / Maíra Kelly da Silva Pereira – 2012. 186 f.: il., color.; tabs. Orientadora: Profª Dra. Ana Cristina Ferreira. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Exatas e Biológicas. Departamento de Matemática. Programa de Mestrado Profissional em Educação Matemática. Área de concentração: Educação Matemática. 1. Geometria - Estudo e ensino - Teses. 2. Deficientes visuais - Teses. 3. Ensino fundamental - Teses. 4. Objetos de aprendizagem - Materiais manipulativos - Teses. 5. Vygotsky, Lev Semenovich, 1896-1934 - Teses. I. Universidade Federal deCatalogação: Ouro Preto. II. Título. CDU: 514:376-056.262 Catalogação: [email protected] UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E BIOLÓGICAS DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA ENSINO DE GEOMETRIA PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL: ANÁLISE DE UMA PROPOSTA DE ENSINO ENVOLVENDO O USO DEMATERIAIS MANIPULATIVOSE A EXPRESSÃO ORAL E ESCRITA Autora: Maíra Kelly da Silva Pereira Orientadora: Profa. Dra. Ana Cristina Ferreira Este exemplar corresponde à redação parcial da dissertação apresentada por Maíra Kelly da Silva Pereira e aprovada pela Banca Examinadora do Exame de Qualificação. Data: ___/___/___ _______________________________________________ Profa. Dra. Ana Cristina Ferreira – UFOP (Orientadora) _______________________________________________ Profa. Dra. Teresinha Fumi Kawasaki – UFMG (Examinadora) _______________________________________________ Profa. Dra. Siobhan Victoria Healy – UNIBAN (Examinadora) Ouro Preto 2012 Todos são iguais perante a lei, perante os homens, perante Deus... E todos são iguais na capacidade de aprender, de sonhar e de amar... AGRADECIMENTOS Se eu citasse nome a nome todas as pessoas que gostaria de agradecer neste momento tão especial pra mim e que contribuíram de alguma forma para a execução deste trabalho, precisaria de várias páginas. Sem esquecer ninguém, agradeço a todos que participaram dessa história de alguma forma. De maneira especial, agradeço a Deus que me deu força nos momentos difíceis e me carregou em seus braços quando eu não podia mais caminhar. Agradeço aos meus pais, Edson e Zenilia, que sempre estiveram do meu lado e ensinaram-me tudo o que hoje sei. Agradeço às minhas irmãs que me mostraram que ser professor antes de tudo é uma dádiva e uma graça e ao meu irmão, que, mesmo à distância, esteve sempre ao meu lado torcendo por mim. Agradeço a Fernando, meu amor, meu amigo. O homem mais compreensivo do mundo, entendendo meus horários loucos e meus momentos de histeria. Também não posso deixar de agradecer a meu amigo Mário, meu apoio desde início e especialmente no final e ao meu grande amigo Dárcio, pelo exemplo de educador que é e pelo constante incentivo. À minha orientadora Ana Cristina, meu exemplo de trabalho e dedicação, meu suporte em todos os momentos (principalmente os mais difíceis) e a minha maior incentivadora nas práticas inovadoras e nas ideias ousadas. Obrigada pelas orientações! Às professoras Lulu e Teresinha por terem aceitado compartilhar seus conhecimentos comigo e pelas valiosas contribuições para este trabalho. Aos meus queridos do Instituto São Rafael, coordenadores, professores e funcionários, o meu muito obrigada! Em especial à professora e aos alunos do 7º ano: vocês brilharam! Agradeço aos professores da UFOP que contribuíram para a minha formação ao longo desses dois anos e meio. Às amigas da República Sedução, que me receberam de braços abertos e me deram um lar todas as semanas. Aos meus colegas de mestrado, especialmente a Davidson, Débora e Fernanda, vocês são especiais pra mim. Cada linha desta dissertação, cada ideia, cada análise foram feitas por todos nós. Muito obrigada!! RESUMO A inserção de pessoas com deficiência visual é fato em muitas escolas do país, porém, isso nem sempre se dá por meio de uma efetiva inclusão (MANTOAN, 2006). Diversos são os obstáculos: ausência do tema na formação de professores, inadequação dos espaços físicos, carência de recursos e materiais apropriados, etc.. Nesse cenário, o ensino da Matemática e, principalmente da Geometria, constitui um grande desafio. Buscamos na presente pesquisa, construir, desenvolver e analisar uma proposta de ensino de Geometria para alunos cegos e com baixa acuidade visual. Tal proposta foi construída tendo como base os estudos de Vygotsky com crianças cegas e a premissa de que a manipulação e a construção de objetos, aliada à expressão oral e escrita são estratégias essenciais no trabalho com esse grupo. Consideramos ainda os trabalhos desenvolvidos por Valsiner e Veer (1996), Fernandes (2004; 2008), Lirio (2006), Mantoan (2006) e Santos (2007), além das políticas educacionais brasileiras, principalmente àquelas ligadas pela Secretaria de Educação Espacial (SEESP/MEC, 2003; 2008; 2009). Nesse sentido, realizamos a pesquisa em um instituto educacional especializado situado em Belo Horizonte (MG), envolvendo todos os sete alunos de uma classe de 7º ano do Ensino Fundamental. Esses alunos e sua professora de Matemática colaboraram com o processo ao vivenciar e avaliar as atividades desenvolvidas, permitindo, quando necessário, sua reformulação. A análise dos dados evidencia o desenvolvimento do pensamento geométrico dos alunos, bem como da linguagem geométrica. Os alunos se mostraram interessados e participaram ativamente das atividades, auxiliando no aprimoramento de alguns instrumentos de medida confeccionados para eles (transferidor, ângulos, reta, etc.). Verificamos ainda o potencial dos materiais manipulativos e da expressão oral e escrita no desenvolvimento do pensamento geométrico dos participantes. Um livreto com sugestões de atividades comentadas, destinado a professores, futuros professores e formadores foi construído a partir dessa pesquisa. Palavras-chave: Educação Matemática; Ensino de Geometria; alunos cegos e/ou com baixa acuidade visual; material manipulativo. ABSTRACT The inclusion of visually impaired people is now a fact in many schools across the country, but does not always occurs through an effective process (MANTOAN, 2006). There are several obstacles: the absence of the subject in teacher training, inadequate physical space, lack of technological resources and materials to work with these students, etc... In this scenario, the teaching of Mathematics and especially Geometry, is a major challenge. We seek in this research build, develop and analyze a proposal for teaching geometry to blind and visually empaired students, based on Vygotsky's studies with blind children and the premise that construction and manipulation of objects, combined with oral expression and writing are essential strategies in working with this group. We also consider the work developed by Valsiner and Veer (1996), Fernandes (2004, 2008), Lirio (2006), Mantoan (2006) and Santos (2007), besides the Brazilian educational policies, especially those connected by the Secretary of Space Education (SEESP / MEC, 2003, 2008, 2009). One of our objectives was to build a booklet based on research that could be made available for teachers, future teachers and trainers. Thus, we carred out the research in a specialized educational institute located in Belo Horizonte (MG), involving all seven members of a class of 7th grade of elementary school. These students and their Mathematics teacher collaborated with the process of experiencing and evaluating the developed activities, allowing, when necessary, their reformulation. The data analysis shows the development students’ geometric thinking as well as the geometric language. Keywords: Mathematics Education, Teaching of Geometry, students with visual impairments; manipulative material. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Visão frontal do ISR ....................................................................................... 50 Figura 2: Adaptação do ambiente para locomoção. ....................................................... 50 Figura 3: Sala de aula. .................................................................................................... 61 Figura 4: Avaliação Diagnóstica: figuras simples, contorno e elementos primitivos. ... 70 Figura 5: Bejota aproxima a folha em seus olhos para identificar as figuras com o auxílio da visão periférica......................................................................................... 70 Figura 6: Resposta de Chuck para a letra E da atividade 1 (figura 4). ........................... 71 Figura 7: Resposta de Cat para a letra F da atividade 1 (figura 4). ................................ 71 Figura 8: Sólidos geométricos em acrílico e isopor. ...................................................... 73 Figura 9: Dicionário de Geometria. As capas foram confeccionadas pelos próprios alunos. ....................................................................................................................... 74 Figura 10: Resposta de Samuca para a letra A da figura 8. ............................................ 76 Figura 11: Bejota, Chuck e Samuca caminham de braços dados pela escola. ............... 78 Figura 12: Quadra poliesportiva do ISR. ........................................................................ 78 Figura 13: Ângulos notáveis (com valores registrados em Braille) em chapas de alumínio para manipulação. ...................................................................................... 80 Figura 14: Transferidor. As medições com menores traços representam ângulos de 45º e as maiores, 30º. ......................................................................................................... 83 Figura 15: Transferidor em acrílico, como é comercializado em papelarias.................. 83 Figura 16: Embalagens de produtos do cotidiano, como chocolates e leite. .................. 84 Figura 17: Bejota lê as indicações presentes na caixa que explora. ............................... 84 Figura 18: Atividade designada para Samuca (à esquerda) e Bejota (à direita) ............. 86 Figura 19: Resposta de Bejota: “obtuso – 120º” e “agudo – 30º”. ................................. 86 Figura 20: Resposta de Samuca: “agudo – 30º” e “reto – 90º”. ..................................... 86 Figura 21: Figuras geométricas cortadas em papelão para a construção de sólidos diversos. .................................................................................................................... 87 Figura 22: Sólidos construídos pelos alunos utilizando pedaços de papelão. ................ 88 Figura 23: Objeto utilizado de molde para a construção de embalagens. ...................... 89 Figura 24: Embalagens construídas pelos alunos para acoplar o objeto da figura 23. ... 90 Figura 25: Sorteio do sólido que deveria ser construído utilizando massa de modelar. 93 Figura 26: Sólidos construídos pelos alunos utilizando massa de modelar. ................... 94 Figura 27: Figuras semelhantes e não semelhantes. ....................................................... 95 Figura 28: Régua confeccionada para os alunos com marcações em centímetros. Extensão: 20cm......................................................................................................... 97 Figura 29: Triângulos semelhantes com ângulos internos iguais a 45º, 60º e 75º. ......... 98 Figura 30: Atividade diagnóstica de semelhança de polígonos. Os retângulos e os triângulos apresentados são semelhantes de razões dois e três, respectivamente. Já os romboides não são semelhantes. (Atividade adaptada do ENEM 2009) ................ 101 Figura 31: Respostas de Samuel à atividade de semelhança. ....................................... 102 Figura 32: Respostas de MG à atividade de semelhança.............................................. 102 Figura 33: Respostas de Bejota à atividade de semelhança.......................................... 103 Figura 34: Respostas de Joca à atividade de semelhança. ............................................ 103 Figura 35: Objeto analisado na tarefa final. (Atividade adaptada da Prova Brasil 2009 – 9º Ano) .................................................................................................................... 104 Figura 36: Respostas de MG, Chuck e Cat para a pergunta “qual o número de faces?” refente ao sólido da figura 35. ................................................................................ 104 Figura 37: Resposta de Samuca, Bejota e Degê para a pergunta “qual o número de arestas?” referente ao sólido da figura 35. .............................................................. 104 Figura 38: Resposta de Chuck à pergunta “qual a medida das arestas da base desse prisma?” (figura 35)................................................................................................ 105 Figura 39: Resposta de Samuca à pergunta “o que podemos dizer sobre a base, agora que conhecemos seus lados?” (figura 35)............................................................... 105 Figura 40: Figuras planas sugerindo planificação de sólidos. (Atividade adaptada da Prova Brasil 2009 – 9º Ano) ................................................................................... 106 Figura 41: MG toma a bola em suas mãos e da pequenos socos [1], pequenos tapas [2], bate-a sobre a carteira [3], balança-a próximo ao seu ouvido [4] e, em seguida, registra as observações que fez a partir do objeto manuseado [5].......................... 109 Figura 42: Samuca inicia a medição sentado, mas finaliza em pé. .............................. 111 Figura 43: Samuca parte o macarrão ao meio a partir de seus extremos...................... 112 Figura 44: Ambos manuseiam os instrumentos, um auxiliando o outro na atividade. . 112 Figura 45: MG sobrepõe dois hexágonos a fim de comprar seus ângulos. .................. 113 Figura 46: Samuca mostra para Bejota como mexer com o transferidor. .................... 114 Figura 47: Paralelepípedo construído por MG. ............................................................ 123 Figura 48: Manipulação de uma chapa de ângulo obtuso apoiada sobre a carteira...... 129 Figura 49: Samuca toma duas chapas contendo aberturas de 30º e 60º e tenta sobrepor a de menor abertura sobre a de maior abertura [1]. Como não consegue, inverte as placas [2] sobrepondo agora a maior em cima da menor [3]. Verifica que o espaço vazio representa 30º [4] e vai mostrar aos colegas [5]. .......................................... 130 Figura 50: Samuca manuseando o transferidor na chapa de alumínio. ........................ 131 Figura 51: Pesquisadora auxiliando Joca no manuseio do transferidor para medir ângulos. ................................................................................................................... 133 Figura 52: Base para construção do sólido (à esquerda) e o sólido pronto e fechado (à direita), conforme pensado pelo aluno Samuca. ..................................................... 134 Figura 53: Réguas construídas sem as marcações de 0 e 20cm (A) e com as marcações (B), mais aceita pelos alunos. ................................................................................. 136 Figura 54: Régua adaptada por Chuck. ........................................................................ 137 Figura 55: Embalagem criada por Degê. Sua tampa é composta por aberturas triangulares. ............................................................................................................ 138 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Conteúdos e objetivos das atividades trabalhadas com os alunos do 7º ano. . 66 Tabela 2: Medidas dos lados de três triângulos distintos encontradas pelos alunos. ..... 99 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8 CAPÍTULO 1: O ALUNO CEGO OU COM BAIXA ACUIDADE VISUAL E O ENSINO DA MATEMÁTICA ............................................................................................... 14 1.1. O cego e a pessoa de baixa acuidade visual ....................................... 14 1.2. O ensino do deficiente visual.............................................................. 16 1.3. O ensino de Matemática/Geometria para deficientes visuais ............. 21 CAPÍTULO 2: CONSTRUINDO UM OLHAR TEÓRICO PARA O ESTUDO: A TEORIA DE VYGOTSKY .................................................................................................... 31 2.1. Vygotsky e a construção da teoria histórico-cultural .............................. 31 2.2. A importância da linguagem e da fala no desenvolvimento cognitivo .... 35 2.3. Zona de Desenvolvimento Proximal ....................................................... 37 2.4. As contribuições de Vygotsky para a educação de alunos cegos ............ 39 2.5. Algumas considerações acerca das leituras sobre Vygotsky ................... 45 CAPÍTULO 3: METODOLOGIA.................................................................................................... 47 3.3. Contexto: O Instituto São Rafael (ISR) ................................................... 49 3.4. Participantes da pesquisa ......................................................................... 51 3.4.1. Samuca .............................................................................................. 53 3.4.2. Joca ................................................................................................... 54 3.4.3. Chuck ................................................................................................ 55 3.4.4. Bejota ................................................................................................ 55 3.4.5. Cat ..................................................................................................... 57 3.4.6. MG .................................................................................................... 58 3.4.7. Degê .................................................................................................. 59 3.4.8. Pesquisadorase professora regente da classe estudada ..................... 59 3.5. Procedimentos.......................................................................................... 60 3.6. Encontros ................................................................................................. 62 3.7. Coleta de Dados ....................................................................................... 66 3.8. Análise dos dados .................................................................................... 68 CAPÍTULO 4 DESCRIÇÃO DO PROCESSO VIVIDO ............................................................... 69 4.1. Avaliação Diagnóstica ........................................................................ 69 4.2. Atividade 1: Formalizando conceitos geométricos a partir da exploração tátil e da fala dos alunos ........................................................................... 74 4.3. Atividade 2: Reconhecendo o espaço escolar..................................... 77 4.4. Atividade 3: Ângulos e suas relações ................................................. 80 4.5. Atividade 4: Construindo ângulos ...................................................... 82 4.6. Atividade 5: Construindo superfícies de sólidos com papelão ........... 87 4.7. Atividade 6: Construindo sólidos com massa de modelar.................. 91 4.8. Atividade 7: Semelhança de figuras planas ........................................ 94 4.9. Atividade 8: Medindo segmentos com o auxílio de uma régua ......... 97 4.10. Atividades Diagnósticas: verificação da aprendizagem ................... 100 CAPÍTULO 5: ANALISANDO O PROCESSO VIVIDO............................................................. 108 5.1. Uso de estratégias e recursos durante a mediação ............................ 108 5.2. Diálogo ............................................................................................. 115 5.3. Contribuições do material manipulativo utilizado nas atividades .... 129 5.4. Dificuldades enfrentadas no processo .............................................. 137 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 141 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 144 APÊNDICES ......................................................................................................... 149 INTRODUÇÃO A motivação para a elaboração e execução desta pesquisa surgiu no ano de 2000 quando fazia parte de uma equipe de professores e monitores de um curso pré-vestibular na parte central da cidade de Belo Horizonte. Todo monitor que ali se ingressava, deveria executar trabalhos voluntários ministrando aulas e atividades em uma escola para alunos com deficiência visual, chamada Instituto São Rafael (ISR). O ISR atendia exclusivamente a alunos cegos e de baixa visão. Aos alunos era ministrado o mesmo currículo escolar regular, utilizando-se métodos educativos diferenciados por professores especializados. Além disso, os alunos tinham aulas paradidáticas1, dentre elas, atividades da vida diária (AVD2). No contraturno3, os alunos participavam de outras atividades, como práticas esportivas, encontro com os colegas para interação social, datilografia, aprendizagem da escrita Braille, clube de leitura, além de monitorias para complemento de estudos, sendo uma delas, a Matemática em todo o seu âmbito. Geralmente as aulas transcorriam em uma sala de aula comum, com uma mesa para o professor e carteiras para os alunos, contendo materiais especiais para a educação deles, como reglete4 (também chamada de ‘pauta’), punção5, formas geométricas em madeira, livros em Braille, entre outros. A orientação em Matemática no contraturno acontecia, em média, duas vezes por semana, com duração de duas horas cada encontro. A participação dos alunos era voluntária. Eles costumavam procurar a monitoria quando encontravam dificuldade em algum conceito estudado em classe ou nas vésperas das avaliações. Além de atender aos alunos que estão regularmente matriculados, o instituto também apoiava deficientes visuais vinculados a outras escolas. Algumas pessoas já 1 Atividades que geralmente não constam nos currículos oficiais recomendados pelo MEC ou por secretarias de educação e que têm objetivos educacionais. 2 AVD (Atividade de Vida Diária) tem como objetivo proporcionar à criança com deficiência visual condições para que, dentro de suas potencialidades, possa formar hábitos de autosuficiência que lhe permite participar ativamente do ambiente em que vive, como espetar alimentos com o garfo, cortar unhas regularmente, identificar seus sapatos entre vários outros pares, cuidar de pequenos arranhões e ferimentos, fazer pequenas compras utilizando diferentes cédulas monetárias, entre outros. Vale lembrar que são atividades simples e fáceis de executar para pessoas de visão normal, mas extremamente elaboradas para aquelas pessoas que têm dificuldades visuais. (JESUS, 1994) 3 Turno contrário das aulas regulares na escola estadual com a qual o instituto tem parceria. 4 Reglete é uma placa de metal dobrável que é encaixada a uma tábua de madeira de aproximadamente 30x20 cm, onde é preso o papel.Ela contém quatro linhas com 27(vinte e sete) pequenos retângulos vazados cada. Esses retângulos são chamados de celas e neles estão os seis pontos do sistema Braille, que são impressos no papel sulfite 40, com um objeto chamado punção. (MARUCH, 2009, p.9) 5 Objeto que contém uma ponta de ferro para ser manuseado com a reglete. 8 adultas participavam dessas monitorias. Apesar de existirem alguns alunos que nos procuravam para complementar seus estudos com o objetivo de ingressar-se em uma universidade, a grande maioria participava dessas aulas extras visando prestar exames supletivos6 ofertados pelas Secretarias de Educação nos estados do Brasil para obterem uma certificação do Ensino Médio e assim poderem se candidatar a concursos públicos ou melhorarem suas atividades remuneradas. Em minha experiência como monitora de Matemática no ISR, percebi que muitos de nós, monitores, exercíamos atividade voluntária e estávamos tendo contato com este tipo de aluno pela primeira vez. Nossa inexperiência e falta de preparo dificultava – e muito – os processos de ensino e aprendizagem. Nas aulas de Geometria, por mais que utilizássemos materiais manipulativos, nossa linguagem e prática docente em nada diferiam das empregadas em escolas regulares para alunos videntes7. Era claro e evidente para todos os monitores que nenhum de nós tinha qualquer formação para lidar com alunos que possuem dificuldades para enxergar e em nada estávamos contribuindo para melhorar a aprendizagem que tinham desenvolvido durante as aulas corriqueiras, fato que se tornou bem claro no exercício de algumas atividades com alunos no ISR, como o ensino de quadriláteros, por exemplo. Falávamos em vértices, lados, diagonais, ângulos e, mesmo utilizando objetos manipuláveis para identificação das figuras, associá-las à Geometria Plana era bem difícil. Ao solicitar aos alunos que planificassem objetos tridimensionais (Geometria Espacial), eles confundiam os conceitos que tentávamos construir, dificultando ainda mais o processo. Infelizmente, não compreendíamos como se processava a aprendizagem para esses alunos, nem sabíamos como explorar o senso tátil de modo adequado. Além disso, percebíamos que alguns pré-requisitos essenciais para o estudo de figuras planas não tinham sido bem compostos e aqui se confundiam, como posição de segmentos (horizontal e vertical). Ferronato (2002), ao observar situações semelhantes, corrobora nossas suspeitas. Em seus estudos nesta área, o autor verifica a dificuldade de se trabalhar o estudo de 6 São exames oferecidos pelas Secretarias de Educação no Brasil. Os alunos que por algum motivo não fizeram exames regulares na fase escolar prestar esses exames para receber os certificados de ensino Fundamental ou Médio. A idade mínima para realizar os exames supletivos é 15 (quinze) anos para o Ensino Fundamental e 18 (dezoito) anos para o Ensino Médio. O aluno pode fazer o exame para uma ou mais disciplinas de cada vez. Nesse caso, ele irá recebendo atestados de aprovação que ficarão arquivados na Secretaria de Educação. Quando tiver os atestados de todas as disciplinasnecessárias, ele receberá o certificado de conclusão do ensino para o qual os exames foram prestados. 7 Utilizamos o termo com o mesmo sentido atribuído pelo Dicionário Aurélio: “Pessoa que tem o uso da vista (em oposição aos cegos)” (FERREIRA, 1975, p. 1.492). 9 gráficos utilizando métodos convencionais e instrumentos comuns como se ensina para alunos de visão normal. Segundo ele, “aqueles alunos não estavam aprendendo não porque tivessem o cognitivo menos desenvolvido e sim porque o que estava sendo passado não estava em consonância com sua realidade e, por conseguinte, não tinha sentido pra eles” (FERRONATO, 2002, p. 34). Essa situação evidencia a dissonância existente entre a prática docente realizada com alunos videntes e a desenvolvida com alunos cegos ou com baixa acuidade visual. O contato, a comunicação, o ensino e a aprendizagem que envolvem esses últimos precisam ser repensados. O relato dos próprios alunos nas pesquisas de Casarin e Oliveira (2008), Ferronato (2002), Lirio (2006), Maruch e Steinle (2009) e Santos, Ventura e César (2008) indicam que muitos professores encontram dificuldade para ensinar. Casarin e Oliveira (2008) destacam dificuldades no ensino de História e os outros autores citados acima têm a Matemática como disciplina central. Para estes autores, o fato dos professores não saberem utilizar a linguagem e os materiais/recursos pedagógicos adequados no ensino contribuem para o fracasso escolar de alunos com deficiência visual. A maioria dos docentes não recebeu, em sua formação acadêmica, uma capacitação necessária para lidar com as diferenças (CASARIN e OLIVEIRA, 2008). Um dos participantes do estudo de Casarin e Oliveira (2008) exemplifica essa questão. Segundo ele, “na Matemática, o professor geralmente quando vai explicar ele diz ‘você multiplica este por este’, é bem comum o professor falar isso, aí que pedi que quando ele fosse falar para multiplicar este por este, que ele dissesse ‘você multiplica X por Y’, por exemplo” (CASARIN e OLIVEIRA, 2008, p. 16). Essa discussão se torna mais complexa ao considerarmos que a atual política de inclusão proposta pelo governo prevê que os alunos cegos e com baixa acuidade visual sejam matriculados em classes regulares (SEESP/MEC, 20088; SEESP/MEC, 20099). Porém, o Estado não consegue atender a todas as necessidades exigidas por uma educação especializada dentro das salas de aula em regime de educação regular, principalmente no que condiz à formação dos profissionais da educação. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), o aluno deve ser preparado para a vida social e cultural, num mundo diversificado e heterogêneo. E essa preparação passa 8 Secretaria de Educação Especial/Ministério da Educação: Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). 9 Secretaria de Educação Especial/Ministério da Educação: Educação Inclusiva: Direito à Diversidade (2009). 10 pela escola. O professor precisa saber trabalhar com essa diferença para contribuir com a formação de cada um deles (FERRONATO, 2002; LIRIO 2006). Além disso, a diversidade nas salas de aula pode enriquecera troca de experiências e concepções. Para Gil (apud FERRONATO, 2002, p. 40) “crianças que convivem com a diversidade desde pequenas tendem a crescer com menor carga de preconceitos e a aceitar com naturalidade as diferenças”. Dessa forma, defende-se que Conviver com a diferença propicia ao aluno o desenvolvimento de sadios sentimentos de respeito, de cooperação e de solidariedade. O viver com os outros permite dar significados e significação a tudo o que os cerca. Dessa forma, acentua-se o sentimento de pertencer e o desejo de participar, em detrimento do possível sentimento de inferioridade, que pode afetar na motivação da criança para aprender, tendendo a retardar seu desenvolvimento educacional e mental (FERRONATO, 2002, p. 29). Todas essas ideias são válidas e importantes. Porém, como desenvolvê-las de modo adequado sem que os docentes, funcionários e gestores das escolas estejam preparados? Como contribuir para uma aprendizagem matemática que leve em consideração as experiências, as capacidades e as necessidades especiais desses alunos? Durante muito tempo, a Geometria foi ensinada na sua forma dedutiva. Com o Movimento da Matemática Moderna10, a Geometria Euclidiana foi praticamente desprezada e consequentemente cortada dos currículos escolares da época. Somente a partir da década de 1970, com um novo movimento de resgate dos conceitos geométricos, ela passou a ser vista com um novo olhar. Sendo assim, o ensino de Geometria sofreu forte influência com os movimentos educacionais da Matemática e vem sofrendo modificações a fim de se aproximar cada vez mais do cotidiano do aluno em geral (VIEIRA e SILVA, 2007). A Geometria está presente em todos os lugares: na escola, na casa, na rua. Os alunos cegos ou com baixa acuidade visual, assim como nós, vivenciam e sentem as formas geométricas ao seu redor, tocando-as e reconhecendo o espaço que ocupam. Segundo Silva e Vieira (2008), o professor encontra certa dificuldade em ensinar Geometria a esses alunos por possuírem a necessidade de utilização de recursos metodológicos que não utilizem a visão como principal fonte de aprendizagem. Além disso, os autores afirmam que o despreparo do professor em relação ao conteúdo desta área devido a uma formação deficiente é um dos fatores que gera e agrava o quadro. O ensino de Geometria envolve conhecimentos além dos próprios conceitos que o cerca. 10 Foi um projeto de internacionalização do ensino da Matemática em meados do século XX que pretendia aproximar a Matemática trabalhada na escola básica com a Matemática produzida pelos pesquisadores da área, como estruturas algébricas e transformações geométricas (WIELEWSKI, 2002) 11 “Para se resolver problemas geométricos não adianta apenas ser conhecedor da álgebra, aritmética [...]. O aluno necessita ter noções espaciais que permitam interpretar imagens” (VIEIRA e SILVA, 2008, p. 2). Toda essa problemática nos acompanha há algum tempo e, com o ingresso no Mestrado, decidimos torná-la centro de nosso estudo. Nesse sentido, definimos um recorte – o ensino de Geometria para alunos sem e com acuidade visual– e nos debruçamos sobre a seguinte questão norteadora: Quais são as possíveis contribuições de uma proposta de ensino envolvendo o uso de materiais manipulativos para a aprendizagem de conceitos geométricos de alunos cegos ou com baixa acuidade visual do 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola especializada de Belo Horizonte (MG)? No presente estudo, visando contribuir – mesmo que modestamente – para a construção de propostas de ensino mais sintonizadas com as necessidades e especificidades do ensino e da aprendizagem da Matemática (e da Geometria) para alunos cegos e com baixa acuidade visual, nos propusemos a investigar o potencial de algumas atividades envolvendo conceitos de Geometria. Nesse sentido, construímos, desenvolvemos e analisamos atividades nas quais o uso de materiais manipulativos ocupou papel central e a expressão oral e escrita por parte dos alunos foi estimulada constantemente. Isso aconteceu com um grupo de alunos cegos e/ou com baixa acuidade visual do 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola especializada de Belo Horizonte (MG). Para elaborar cada atividade, debruçamo-nos sobre as pesquisas voltadas a essa temática, realizadas em nosso país, bem como para a literatura na área. Dessa forma, privilegiamos a utilização de materiais manipulativos e a relação com as experiências cotidianas do grupo de modo a envolvê-los em um ambiente de aprendizagem que lhes parecesse estimulante e significativo. Além disso, como as atividades eram voltadas para alunos com deficiência visual, formamos uma parceria na elaboração delas, juntamente com os sujeitos envolvidos na pesquisa. À medida que elas foram sendo desenvolvidas, prontamente os alunos se manifestavam, sugerindo, propondo adaptações e comentando sobre suas possibilidades e limitações. Um de nossos propósitos foi elaborar, a partir da análise dos resultados obtidos com a aplicação das atividades, um produto educacional que pudesse servir de material de apoio para professores de Matemática. Essa proposta poderia ser aplicada tanto em 12 escolas regulares quanto em escolas especializadas, uma vez que as atividades poderiam se mostrar de interesse também para alunos videntes. As ideias aí expressas representam um aprimoramento da proposta inicial com base na colaboração dos participantes (para saber mais acesse o Produto Educacional na página do Programa www.ppgedmat.ufop.br). Essa Dissertação está organizada em cinco capítulos: no primeiro apresentamos uma síntese de nossas leituras acerca do ensino de alunos cegos e/ou com baixa visão no Brasil e das pesquisas sobre o ensino de Matemática e especificamente de Geometria para esses alunos. Manifestamos ainda nossa concordância com a ideia de uma Educação Inclusiva no sentido defendido por Mantoan (2006). No segundo capítulo apresentando algumas considerações acerca dos estudos de Vygotsky e suas contribuições para o entendimento da aprendizagem de alunos com deficiência visual. As ideias desse autor constituem-se no principal referencial teórico da presente pesquisa. O terceiro capítulo apresenta nossas opções metodológicas, bem como o contexto do estudo, os participantes, os procedimentos e as técnicas de coleta de dados utilizadas. No capítulo 4, descrevemos o processo vivenciado junto aos alunos e professora, detalhando cada tarefa de modo a evidenciar em contexto e com que dinâmica a mesma se desenvolveu. Procuramos dar especial destaque às falas e comportamentos dos alunos. O capítulo seguinte tem como foco a análise dos dados – e o fazemos por meio de categorias, buscando simultaneamente dialogar com a literatura revisada e com nosso referencial teórico. Finalmente, apresentamos algumas considerações finais sobre todo o processo vivido e em seguida, Referências e Apêndices. 13 CAPÍTULO 1: O ALUNO CEGO OU COM BAIXA ACUIDADE VISUAL E O ENSINO DA MATEMÁTICA Nesse capítulo, apresentamos uma síntese das leituras realizadas até o momento. Elas nos permitiram compreender um pouco melhor o campo no qual adentramos, bem como organizar as atividades desenvolvidas e, esperamos que também proporcionem subsídios para a análise dos dados. Nesse momento, sua organização reflete o próprio processo vivenciado ao longo da pesquisa: uma etapa inicial de familiarização com o campo, formalmente falando, na qual buscamos compreender como legalmente é percebido o aluno cego ou com baixa acuidade visual, depois, procuramos identificar a produção brasileira sobre o tema, acessando o banco de teses da CAPES e finalmente, com o propósito de construir um olhar teórico mais profundo, iniciamos um estudo das ideias de Vygotsky. 1.1. O cego e a pessoa de baixa acuidade visual Deficiência visual é uma redução da acuidade visual central ou a uma perda subtotal do campo visual, devida a um processo patológico ocular ou cerebral (BARRAGA, 1985). É uma situação irreversível da diminuição da resposta visual, podendo ela ser congênita, hereditária ou acidental. O uso de óculos convencionais também não é eficiente para suprir essa necessidade. A diminuição dessa resposta visual pode ser leve, moderada, severa, profunda ou ausência total da visão. Segundo Barraga (1985) e seus estudos sobre esta deficiência e a aprendizagem, há várias formas de expressá-la levando-se em consideração o grau de dificuldade da pessoa em enxergar objetos. Alguns termos utilizados por ele especificam o nível da deficiência e nos ajudam a classificar e a compreender a acuidade visual. − Cego: pessoa que possui percepção de luz sem projeções ou que são totalmente desprovidas da visão. Segundo Barraga (1985, p. 13), “a criança cega [...] não pode usar sua visão para adquirir algum conhecimento, embora a percepção da luz possa ajudar na orientação de seus movimentos.” − Baixa visão: pessoa que é limitada em visões de longa distância, mas consegue utilizá-la a poucos centímetros de si. Para Barraga (1985, p. 13), “crianças com 14 baixa visão podem usá-la para muitas atividades escolares, como a leitura e a aprendizagem visual e devem complementar com objetos em alto relevo.” − Visão reduzida: pessoa que possui algum tipo de limitações na visão, como necessidade de que o objeto esteja em movimento ou de incidência de luminosidade. Para Barraga (1985), essas crianças devem ser consideradas de visão comum para fins educacionais. Para Espinosa e Ochaíta (2004), a cegueira é uma deficiência sensorial que prejudica o sistema visual de coleta de informações parcial ou por inteiro. O termo ‘cego’ geralmente é utilizado quando se deseja referir a uma pessoa que possui algum tipo de deficiência na visão e não somente a pessoas que não enxergam em absoluto. Na verdade, não se há um consenso na definição funcional de cegueira. A ONCE (Organização Nacional de Cegos), situada na Espanha e referência mundial no estudo de pessoas desse perfil e seu comportamento educacional e social, considera cega “aquelas pessoas que com a melhor correção possível, têm menos de um décimo de visão nos dois olhos, desde que tal limitação visual seja de caráter permanente e incurável” (ESPINOSA e OCHAÍTA, 2004, p. 151). Em pesquisas mais recentes, datadas de 2004 até a atualidade, têm-se utilizado as expressões ‘cego’ conforme especificado por Barraga (1985) e pela ONCE e ‘baixa acuidade visual’ para pessoas que possuem baixa visão ou visão reduzida, ou seja, aquelas que possuem resíduo visual. Sendo assim, utilizaremos essas duas expressões no decorrer do texto, já que, conforme veremos no capítulo metodológico, a pesquisa contou com participantes heterogêneos quanto ao nível da acuidade visual. A ausência parcial ou total da visão provoca nos cegos e nas pessoas de baixa acuidade a necessidade de se fazer uso de outros sentidos sensoriais para poder perceber o mundo ao seu redor. O tato é um dos principais recursos utilizados por elas, pois permite coletar bastantes informações sobre objetos próximos, ainda que mais lentamente que a visão. Se o objeto for grande, não é possível de se obter todas as informações presentes nele de uma só vez. É necessário tocá-lo diversas vezes de forma sequencial e fragmentada, para, em seguida, juntar as informações coletadas (ESPINOSA e OCHAÍTA, 2004). O tato é um dos principais canais de exploração para os deficientes visuais. Assim para favorecer a efetiva participação e integração dos deficientes visuais são necessárias: a seleção, a adaptação e a utilização de recursos materiais tanto para desenvolver habilidades perceptivas táteis como para construção de estratégias de conhecimento a fim de desenvolver o processo cognitivo desses sujeitos (FERNANDES, 2004, p. 38). 15 Outro sentido utilizado é a audição, muito importante para o desenvolvimento e a aprendizagem dos cegos. Objetos que emitem sons podem ser facilmente reconhecidos e identificados por eles. A audição também auxilia no contato com as pessoas e na comunicação. O olfato, pouco utilizado por nós videntes, é ideal para o reconhecimento de pessoas e ambientes, auxiliando os demais sistemas sensoriais, numa rede complexa de informações e inferências. Dentre as diversas formas em que a cegueira (ou a ausência parcial da visão) influencia na vida daquele que a possui, devemos considerar o momento em que ela ocorreu, pois essa diversificação de sua presença provoca uma alteração significativa no desenvolvimento do ser. O momento da aparição dos problemas visuais, a forma como surgiu a deficiência e o grau da perda da visão tem influência relevante no desenvolvimento e no comportamento da pessoa. Uma criança que nasceu cega e convive com a ausência desta função sensorial tem um comportamento diferente daquela que veio a se tornar na fase adulta (ESPINOSA e OCHAÍTA, 2004). A primeira desenvolveu-se sem resíduos visuais e de forma independente do sentido da visão. Já a segunda, deverá aprender um novo esquema complexo e denso de reconhecimento do meio e mobilidade no espaço utilizando as outras funções sensoriais. Outro fator de influência no desenvolvimento do deficiente visual é a sua relação com o meio e com as pessoas que fazem parte de seu círculo social. Conforme Espinosa e Ochaíta (2004, p. 152), as características do desenvolvimento de uma determinada criança cega ou deficiente visual e as indicações de intervenção educacional dependerão [de][...]: seu ambiente familiar, sua escola, o trabalho e o nível de instrução de seus pais ou as conotações que a deficiência tem no âmbito microcultural. 1.2. O ensino do deficiente visual A preocupação com o ensino para estes alunos teve início no final de século XVIII e em 1784 foi criado o Institute Nacionale dês Jeunes Aveugles (Instituto Nacional de Jovens Cegos) em Paris por Valetin Haüy que já usava letras em relevo para o registro e identificação da escrita por alunos com deficiência visual, despertando a atenção da Academia de Ciências de Paris e marcando o início de suas atividades com bastante sucesso (MATTOS, 2011). Rapidamente sua história se estendeu por vários países da Europa. No Brasil, o impulso da educação para pessoas sem ou com baixa acuidade visual se deu com a chegada, em 1850, do sistema Braille vindo da França através de 16 José Álvares de Azevedo, cego que estudou na França e trouxe o sistema inovador criado por Louis Braille em 1829, aluno do Instituto Nacional de Jovens Cegos (SANTOS, 2007). Braille é um sistema de leitura e escrita tátil universalmente utilizada por pessoas com deficiência visual. Consta de seis pontos em relevo, dispostas em duas colunas de seis pontos (cela) (ESPINOSA e OCHAÍTA, 2006). As diferentes marcações e sequências representam diferentes símbolos. Apesar de ser o melhor sistema disponível, ele possui vários problemas. Dentre eles, podemos citar as letras que utilizam pontos próximos causando confusão na identificação (como x [x ] e y [y ], perceba a pequena diferença entre eles: um ponto no centro da cela à direita) e a leitura sequencial através do tato, feita letra por letra. Outro problema que podemos destacar é a dupla aprendizagem do Braille11: uma para a leitura e outra para a escrita. José Álvares foi o primeiro cego a exercer a profissão de professor no Brasil e, o Imperador D. Pedro II, comovido com a sua história e após assistir sua demonstração de leitura por esse sistema, fundou o “Imperial Instituto dos Meninos Cegos”, em 1854,na cidade do Rio de Janeiro/RJ, tornando-se futuramente o Instituto Benjamin Constant, sendo a única instituição destinada a aprendizagem especializada nesta área até o ano de 1926, quando foi criado o Instituto São Rafael, em Belo Horizonte, entre outras instituições. Segundo Santos (2007), na década de 1950 ocorreram as primeiras experiências da inserção de alunos sem acuidade visual em escolas regulares no Rio de Janeiro e em São Paulo, surgindo a necessidade de, na década de 1960, buscar serviços de apoio especializado ao ensino desses alunos. Porém, nesta época, a chamada Educação Especial atendia a um modelo médico-patológico no qual os alunos eram caracterizados segundo uma escala de deficiência. Dependendo da sua classificação, tinha-se o apoio educacional especializado separado dos demais fatores, dentre eles, do próprio contexto escolar. Segundo o pensamento vigente, pessoas com deficiência não conseguiriam se beneficiar dos sistemas comuns de ensino. 11 Para a escrita, as pessoas com deficiência visual e os cegos utilizam “pauta” ou a “máquina Perkins”. Como ela se deve à marcação de relevos em folha de papel, a leitura é feita de forma espelhada à forma escrita, sendo necessário aprender as duas formas do Braille: a leitura e a escrita. Devido a isso, deve-se explorar ao máximo a visão funcional do deficiente visual com a escrita a tinta. Caso seja aconselhável a aprendizagem do Braille, ele deve ser feito associado a estímulos táteis e visuais. O mesmo vale para professores e pais: aqueles que se relacionam a alunos cegos devem aprender o Braille (ESPINOSA e OCHAÍTA, 2006). 17 A partir da década de 1980, com os princípios da política de direitos humanos veiculados pela ONU12, UNESCO13 e UNICEF14, mudanças na Educação Especial foram provocadas, transitando da segregação para a integração e inclusão desses alunos. Várias leis que amparam a educação de crianças e jovens com deficiência visual em escolas comuns foram criadas. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996): Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; [...] professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; [...] acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular (LDB, Art. 59, §1º, 3º e 5º). Dessa forma, é garantido ao cidadão com deficiência visual o direito à escolarização, competindo ao governo proporcionar-lhe as condições necessárias para garantir esse acesso em todos os níveis educacionais, desde o fundamental até o superior. A Constituição da República de 1988, em seu artigo 208, prevê o pleno desenvolvimento dos cidadãos e garante o direito à escola para todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) criado em 1990 garante o direito à igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola e o direito educacional especializado quando este se faz necessário. A Declaração de Salamanca (1994),uma resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que trata dos princípios, da política e da prática da educação especial, é considerada atualmente um dos mais importantes documentos que tem como principal objetivo a inclusão social. Mesmo sem efeito de lei, esta declaração é um fator diretor para que nações saibam como inserir e incluir pessoas com necessidades especiais de qualquer natureza na sociedade, no cotidiano e, especialmente, na escola. No âmbito da Educação, ela ressalta que o cidadão com deficiência (seja ela qual for) tem direito ao ensino, à participação nas aulas e à adequação da instituição para melhor recebê-lo e deve ser atendido no mesmo ambiente de ensino que todos os demais. 12 Organização das Nações Unidas. Organização Educacional Científica e Cultural das Nações Unidas (United Nations Educational Scientificand Cultural Organization) 14 Fundo das Nações Unidas para a Infância (United Nations Children's Fund) 13 18 Apesar de a inserção de alunos em escolas normais ser interessante ao promover a troca de experiências e a sociabilização dos envolvidos, sem uma adequada atenção do professor e da entidade de ensino e sem a participação efetiva desta escola e da família, pode ser prejudicial ao desenvolvimento acadêmico do aluno com deficiência visual. Segundo Lirio (2006, p.3): [Alunos com deficiência visual] consideravam importante estarem matriculados em escolas de ensino regular, porém em seus depoimentos ressaltavam diversas dificuldades enfrentadas por ele, tais como: a falta de silêncio nas salas de aula; dificuldades que os professores têm de trabalhar com os alunos deficientes visuais e a inexistência de livros em Braille nas bibliotecas das [...] escolas do ensino fundamental. Diante de uma escola repleta de formalismos15, a Educação Inclusiva16 é uma nova proposta que vem modificar e retraçar o novo paradigma escolar. As diversas diferenças culturais, étnicas, religiosas, entre outros, está cada vez mais sendo destacada e se fazendo presente em nosso cotidiano, o que auxilia a entendermos como aprendemos, como entendemos o mundo e a nós mesmos. Dessa forma, a escola não pode ignorar o que acontece ao seu redor, com as pessoas inseridas nela e suas diversidades ideológicas e culturais. Afinal de contas, ela é formada por essas pessoas, presentes nesse mundo externo e acaba se tornando um fator interno, por atuarem nele. Mantoan (2006) acredita que a escola, ignorando esta nova concepção da Educação Inclusiva, marginaliza e anula as diferenças existentes dentro de si mesma, num saber estagnado e segregado. Essa reviravolta exige, em nível institucional, a extinção das categorizações e das oposições excludentes – iguais/diferentes, normais/deficientes – e em nível pessoal, que busquemos articulação, flexibilidade, interdependência entre as partes que se conflitavam nos nossos pensamentos, ações, sentimentos (MANTOAN, 2006, p. 9). Assim como aconteceu com uma das pesquisadoras em sua prática escolar no Instituto São Rafael, professores do ensino regular consideram-se incapazes de atender às exigências necessárias aos alunos que a isso exigem e tendem a deixar o cargo para as professoras especializadas, que acabam se tornando mantenedoras do conhecimento educacional exclusivo para eles, sem conseguir realizá-lo incluindo a todos. Para Mantoan (2006), esta é uma visão errônea de inclusão. 15 Entendemos formalidade como o cumprimento de normas na instituição escolar tais como notas, planos de aula, relatórios semanais, fichas de cadastro, entre outros. 16 Uma “educação para todos”, onde as ideias sobre o ensinar e o aprender se encaixam na convivência entre as diferenças (num âmbito sociocultural) resultando numa maior independência e competência pessoal, contribuindo para o desenvolvimento do respeito, da equidade e da solidariedade (MANTOAN, 2006). 19 Integração é a inserção de alunos especiais em escolas normais ou mesmo o agrupamento de alunos especiais em escolas especiais ou grupos de apoio. Ela ocorre dentro da escola num sistema de trânsito entre a escola normal e a escola especial, ou seja, uma inserção parcial, porque, apesar de presente na escola regular, recebe serviço educacional segregado nos grupos especiais (MANTOAN, 2006). Essa perspectiva perante a recolocação da pessoa especial na escola regular é questionada por educadores e pesquisadores que possuem outra visão acerca da inclusão. Mantoan (2006, p.11) “prevê a inserção escolar de forma radical, completa e sistemática” para que todos os alunos, sem exceção, frequentem as salas de aula regulares e somente a ela. Enquanto a integração insere alunos que já foram anteriormente excluídos, a inclusão mantém esses alunos na escola regular desde o início da escolaridade. As escolas inclusivas propõem um molde organizacional de forma que as necessidades de todos os alunos, especiais ou não, são levados em consideração na elaboração das funções escolares, sem distinção. Sendo assim, a nova estruturação da escola que tem a inclusão como foco vem apresentar a inserção de todos os alunos, sem olhar-se de modo especial aos que apresentam dificuldades para aprender, mas atendendo as necessidades de todos. A inclusão é o produto de uma educação plural, democrática e transgressora. Ela provoca uma crise [...] de identidade institucional que [...] abala a identidade dos professores e faz com que seja ressignificada a identidade do aluno (MANTOAN, 2006, p. 16). No presente estudo, adotamos a perspectiva de Mantoan (2006) em relação à inclusão. Acreditamos no aprender coletivo, na exploração de objetos e na interação entre as pessoas, respeitando a diversidade existente no ambiente escolar e fora dele, cultivando valores éticos e morais, desenvolvendo o respeito para com outro, a igualdade de direitos entre todos e a solidariedade para com os demais. O que se deve oferecer são recursos especiais de aprendizagem e tempo necessário para ela. Embora concordemos com as ideias de Mantoan, o presente estudo foi desenvolvido no Instituto São Rafael, uma escola especializada. Isso se deve ao propósito do mesmo, pois, planejamos desenvolver e analisar atividades de Geometria para alunos cegos ou com baixa acuidade visual, contando com sua participação ativa e crítica em relação às mesmas. Para esse fim, contar com um grupo de alunos cegos de uma mesma classe favoreceria o desenvolvimento do estudo e, particularmente, a construção das tarefas. Assim, visando contribuir para a melhoria do ensino de Matemática para alunos cegos em escolas regulares, procuramos compor uma parceria com um grupo de alunos 20 cegos de modo a tornar possível uma avaliação da proposta antes de sua efetiva implementação em escolas regulares. Nesse sentido, preocupamos com a formação do professor como um dos obstáculos ao desenvolvimento de propostas inclusivas. Entre elas, a formação do professor. Prieto (2006) afirma que na maioria dos cursos de formação de professores, as discussões sobre a pedagogia da inclusão17 (educação especial e políticas de inclusão) manteve-se restrita a disciplinas optativas e a continuidade de estudos. Ainda, segundo a autora, o conhecimento desses professores se restringe a acreditar que a sala de aula para o aluno com necessidades especiais se restringe na socialização e não se estende também ao conhecimento. Esse pressuposto indicado por Prieto (2006) supracitado é claramente visto nos relatos dos alunos coletados em pesquisas educacionais com deficientes visuais conforme veremos a seguir. 1.3. O ensino de Matemática/Geometria para deficientes visuais Para o desenvolvimento desta pesquisa e complementando os conhecimentos adquiridos na prática escolar, realizamos uma pesquisa no banco de teses e dissertações da CAPES18 utilizando os termos ‘matemática, cego’, ‘matemática, deficiente visual’, ‘matemática, baixa acuidade visual’, ‘ensino, geometria, cego’, ‘ensino, geometria, deficiente visual’, ‘ensino, geometria, baixa acuidade visual’. Tal pesquisa se realizou nos dias 04, 05 e 06 de julho de 2010 e foram localizadas apenas oito pesquisas contemplando o ensino de Geometria para alunos cegos ou com baixa acuidade visual (OLIVEIRA, 1995; SOUZA, 2000; LIMA, 2001; FERNANDES, 2004, 2008; LÍRIO, 2006; BRITO, 2007; SANTOS, 2007). Dentre as oito pesquisas encontradas no banco de teses da CAPES, apenas quatro delas foi possível obter em sua totalidade: Fernandes (2004), Lirio (2006), Santos (2007) e Fernandes (2008). Não foi possível obter a localização das outras quatro pesquisas realizadas além do resumo, mesmo após consultas em periódicos e em bibliotecas virtuais ou mesmo no contato efetuado pelo e-mail sugerido em cada texto deste banco de teses. 17 Para Kadow(2006, p. 24) “o ponto principal da pedagogia da inclusão é que todos os indivíduos podem aprender uma vez que nós, professores, identificamos o que esses indivíduos sabem, planejamos em torno desse prévio conhecimento e conhecemos o estilo de aprender as necessidades individuais dos nossos alunos”. 18 http://capesdw.capes.gov.br/capesdw/Teses.do - busca realizada no dia 12 de outubro de 2010. 21 Analisando o resumo apresentado por Oliveira (1995) em sua pesquisa, podemos observar que seu trabalho enfoca a formação de professores especializados no ensino de alunos com deficiência visual que se encontram em classes regulares de ensino. Seu objetivo era instrumentalizar esses professores com técnicas e metodologias de ensino que pudessem favorecer a integração de alunos com deficiência visual, tanto socialmente neste ambiente escolar quanto na formação acadêmica. Souza (2000), em seu resumo, apresenta uma discussão do uso de metáforas em todas as disciplinas curriculares (Português, Matemática, Ciências...) como um caminho para a inclusão de alunos com deficiência visual na rede regular de ensino e Brito (2007), na perspectiva da Educação Inclusiva, analisa as metodologias e estratégias de ensino utilizadas nas aulas de Matemática e Ciências Sociais de classes que possuem alunos com deficiência visual. Voltada especificamente para o ensino de Geometria, no resumo de Lima (2001) está proposta a exploração de outros sentidos no processo de ensino e aprendizagem (o tátil, no contato com o relevo de figuras e a audição, pelas instruções verbais e na localização de objetos, por exemplo). As pesquisas que se seguem foram lidas na íntegra. Fernandes (2004) traça um histórico da educação especial no Brasil e suas mudanças ao longo do tempo, da forma como a sociedade vê e recebe o deficiente visual. Ela vê a educação especial como aquela voltada para a formação do cidadão atuante e independente, com atitudes de cooperação e de solidariedade (conforme indicado nos PCN’s), mas, sobretudo, capaz de construir seus próprios conhecimentos. A autora traz a visão de Vygotsky em relação ao ensino de crianças com deficiência visual e a importância da Zona de Desenvolvimento Proximal19 na apropriação de conceitos e na formação do conhecimento. Trabalhando com simetria e transformações geométricas, Fernandes (2004) utiliza o método da dupla estimulação20 de Vygotsky através de entrevistas e tarefas aplicadas aos participantes da pesquisa: dois cegos (um portador de cegueira congênita e 19 “É a distância entre o nível de desenvolvimento real da criança, característico das habilidades que ela já havia dominado (resultados do passado) e o nível de seu desenvolvimento potencial, quando a criança realiza tarefas com a cooperação de indivíduos mais capazes” (FERNANDES, 2004, p. 45). 20 Para Fernandes (2004) o método da dupla estimulação consiste em colocar o sujeito diante de “uma situação estruturada e o [...] este recebe (além da atividade proposta inicialmente) uma orientação ativa, por parte do pesquisador, no sentido de construção de uma estratégia (que ainda não existia para o sujeito) para a realização da tarefa”. Em sua pesquisa, Fernandes (2004), a primeira série de estímulos são as tarefas propostas aos participantes e o segundo estímulo é proporcionado por suas intervenções. 22 outro portador de cegueira adquirida). Em sua análise, a pesquisadora verifica se o conceito matemático de reflexão, tão presente em experiências visuais, é acessível a pessoas sem acuidade visual. Para isso, buscou em sua fundamentação teórica os subsídios necessários e concluiu que é possível a partir das atividades propostas pela pesquisadora. Ela apontou para a importância da “voz matemática” na formação de conceitos e na interação com seus conhecimentos pré-formados, emergidos de uma Zona de Desenvolvimento Proximal. Lirio (2006) apresenta uma proposta de ensino de Geometria utilizando a tecnologia informática, neste caso o programa DOSVOX21. A autora iniciou sua pesquisa relatando alguns diálogos informais ocorridos levantando as principais dificuldades encontradas por eles nas salas de aula das escolas regulares. Dentre os citados, destacamos a falta de silêncio, a falta de formação especializada dos professores e a inexistência de livros em Braille nas bibliotecas de acesso desses alunos. A autora levanta a importância do Braille para o aluno cego e as ferramentas existentes para o ensino e a aprendizagem em Matemática, como o Cubaritmo22 e Tangram23, destacando que nem todas as escolas dispõem desses recursos para o ensino. Lirio (2006) apresenta várias ferramentas tecnológicas que auxiliam cegos na utilização de computadores e toma os estudos de Valente (1991) para a fundamentação teórica. A pesquisa apresentada, de abordagem qualitativa, contou com a participação de duas alunas cegas que se encontravam no 8º ano do Ensino Fundamental, escolhidas por terem familiaridade com teclado de computador e por estarem inseridas na rede regular de ensino. A exploração das atividades ocorreu em duas fases: na primeira, ela trabalhou com a construção de triângulos e quadriláteros determinando pontos em um plano cartesiano utilizando o Geoplano24; na segunda fase, fez a mesma atividade utilizando o programa DOSVOX. Concluindo, Lirio (2006) analisa as atividades e verifica as possibilidades e limitações do uso do programa na aprendizagem em Geometria. Observou que os comandos do programa são de fácil operação pelas participantes e um prévio 21 Sistema para microcomputadores da linha PC que se comunica com o usuário através de síntese de voz, viabilizando o uso de computadores por deficientes visuais. http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox/intro.htm consultado em 12 de agosto de 2010. 22 Material formado de grade onde se encaixam cubos (LIRIO, 2006). 23 Quadrado recortado em outras figuras geométricas (cinco triângulos, um quadrado e um rombóide) que pode ser utilizado tanto para o desenvolvimento da criatividade, da capacidade de concentração e da orientação espacial. 24 Objeto retangular de madeira composto por pregos dispostos de forma quadricular. Utilizando-se um elástico, podemos formar polígonos sobre esse objeto. 23 conhecimento em informática influenciou no tempo de execução das atividades. Ela também verificou que “o programa [...] se apresenta como uma ferramenta educacional, revelando inúmeras potencialidades para a construção do conhecimento matemático do estudante cego” (LIRIO, 2006, p. 106). Ao final, a autora sugere algumas correções para melhor atender às necessidades de alunos que possam vir a utilizar o programa para a construção de figuras geométricas percebidas durante a análise das atividades. Em seu estudo, Santos (2007) realizou um levantamento da atuação do Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual (CAP) enquanto instrumento de política pública resultante da parceria entre Governo Federal e o Estado da Bahia para inclusão educacional de alunos com deficiência visual, investigando como está sendo implementada a proposta de inclusão desses alunos em escolas regulares do Ensino Médio na cidade do Salvador. Em relação à educação inclusiva, ela ressalta ser um assunto polêmico na esfera educacional atual e afirma se ter um número pequeno de pesquisas voltadas à forma como os alunos concebem essa inclusão. Seu objetivo de pesquisa era identificar as condições oferecidas aos alunos com deficiência visual em seu processo escolar dentro de uma concepção inclusiva, segunda as escolas investigadas pela autora. Assim como Fernandes (2004), Santos (2007) toma Vygotsky e suas concepções acerca da aprendizagem de crianças cegas como referência, enfatizando as relações entre sujeitos e objetos e os saberes gerados a partir dessas relações. Dando voz a quatro alunos cegos e tomando suas próprias experiências no processo escolar, concluiu que os alunos participantes de sua pesquisa encontraram dificuldades estruturais do currículo, pouco flexível e não adaptado ao tempo de cada um. Ela destaca que o professor deve procurar no trabalho compartilhado (familiares e amigos) subsídios para melhor compreender as necessidades desses alunos e estruturar, de forma eficiente, um programa de ação pedagógica para eles. Fernandes (2008) inicia sua tese de doutorado discutindo as diferentes concepções filosóficas e psicológicas na busca do conhecimento humano e a influência das sensações e das percepções no desenvolvimento cognitivo, entrelaçando com as teorias vygotskianas influenciadas por essas vertentes. Dando continuidade a seu trabalho desenvolvido em 2004, Fernandes (2008) toma novamente o método da dupla estimulação de Vygotsky para embasar a sua metodologia da pesquisa, de abordagem qualitativa. Em seguida, a autora discute as variâncias da educação no Brasil e as 24 diferentes formas de corporação do educando com necessidades especiais em nossas escolas. Inicialmente, a autora condena a segregação desses alunos em classes diferenciadas advindas da proposta de integração, que se trata da incorporação de turmas especiais em escolas regulares, no caráter de dupla jornada (ora em turmas regulares ora em turmas especiais), segundo Marchesi (2004). A inclusão, num movimento de “educação para todos” (citando MARCHESI, 2004), prevê o respeito à diversidade desses educandos, contemplando suas necessidades, habilidades e potencialidades no ambiente escolar como um todo. A autora sugere então a expressão ‘inclusão integradora’, que seria uma associação de ambas as propostas de ensino e a formação do que ela chamou de ‘espaços democráticos’25, que garantam a convivência e a participação de todos. Ao discutir o processo de avaliação aos quais os aprendizes sem acuidade, Fernandes (2008) apresenta sua proposta de avaliação utilizando instrumentos que atendam as necessidades desses aprendizes. Para isso, ela desenvolveu atividades que envolvem perímetro e área de figuras planas em Geometria para dez alunos de duas formas distintas: em Braille e através de ferramentas. Ao final, analisou o desempenho desses alunos nessas duas formas diferenciadas de se apresentar a atividade tomando suas experiências sensoriais e seu processo de cognição, segundo suas discussões apresentadas nos primeiros capítulos. Como pudemos perceber, a metodologia qualitativa foi empregada em todas as pesquisas mencionadas e, na sua grande maioria, o pesquisador teve um papel fundamental nos experimentos de ensino, promovendo uma interação entre ele e os participantes. A literatura sobre o ensino de Matemática para alunos com deficiência visual – embora ainda reduzida – evidencia grandes obstáculos a serem vencidos (SANTOS, 2007; LIRIO, 2006; FERNANDES, 2008; COLL, MARCHESI, PALACIOS, 2004; SEGADAS et al, 2007; VIEIRA e SILVA, 2007; CASARIN e OLIVEIRA, 2008). Dentre eles, os símbolos utilizados pela escrita Braille e suas variações confusas, os desenhos geométricos presentes em livros didáticos transcritos sem adaptações, o desenvolvimento de práticas pedagógicas homogeneizadoras, a necessidade de recursos didáticos adaptados e a escassez de experiências sensoriais, o despreparo dos 25 Segundo a autora, são ambientes escolares de aprendizagem livre, rica em interações pessoais e onde há possibilidades de aprendizagem e as dificuldades são minimizadas. 25 professores da área, o ensino por vezes desvinculado da realidade e a falta de adaptação curricular no que concerne o ensino de Geometria.Vale ressaltar que a busca por um ensino eficiente e de qualidade e por materiais adaptados que atendam às necessidades dos alunos cegos e/ou com baixa visão é alvo de estudos e análises dos pesquisadores desta área. Ainda se buscam respostas às questões educacionais ligadas a alunos com este perfil, tais como compreender seu processo de aprendizagem, entender como a visualização em toda a sua extensão ocorre e de que forma é possível elaborar materiais que auxiliem na aprendizagem e no reconhecimento do espaço em que ocupa. Uma fonte interessante para compreender melhor o ensino de Matemática, e mais especificamente, de Geometria, para alunos cegos ou com baixa acuidade visual são as falas de participantes de pesquisas. Procuramos, sistematicamente, coletar todas as falas relacionadas à sala de aula de Matemática nas pesquisas estudadas. Encontramos resultados interessantes e relevantes: Foi uma tortura. O que foi ensinado na escola não me serviu para o vestibular nem para minha vida. Eu não tive tantas condições para aprender, não conseguia, me dava raiva. Para mim, se tivesse algum material de apoio tudo poderia ser mais fácil (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE L. A. DA S., FERRONATO, 2002, p. 53). A gente não estudava tudo o que a turma estudava (referindo-se ao estudo de figuras planas). A professora passava outras coisas pra gente, fazia outros exercícios que não tinha isso (figuras). Enquanto todos trabalhavam, a gente ficava lá parado, não fazia nada. Aí quando tinha exercício que a gente podia fazer, a gente fazia (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE PATRÍCIA26, LIRIO, 2006, p. 43-44). A única coisa que eu gostei na 7ª série foi produtos notáveis [...] porque eu decorava. O quadrado do primeiro, mais duas vezes o segundo, mais o quadrado do segundo. Mas não lembro quando eu faço isso (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE PATRÍCIA, LIRIO, 2006, p.44). Olha, a única coisa que eu estudei, assim, ligado à figura foi o que a professora trabalhou com a gente, foi o negócio de fração porque ela dividia as figuras. Aí, foi quando trabalhamos figuras, depois não trabalhou mais com figuras (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE ADRIANA27, LIRIO, 2006, p. 50). Uma boa relação com o professor é importante, mas são poucos os que param para perguntar se o aluno de fato entendeu o assunto. Eles querem dar a aula deles e o aluno que se vire (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE NI28, SANTOS, 2007, p. 87). O aluno deficiente visual tem que estudar na escola regular para aprender tudo na vida, e não ficar naquela coisa de deficiente com deficiente, porque é 26 Nome fictício. Nome fictício. 28 Nomenclatura utilizada pela autora para identificar o aluno pesquisado. 27 26 preciso aprender em conjunto como as outras pessoas e mostrar nossa capacidade (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE NI, SANTOS, 2007, p.82). Nem sempre consegui acompanhar as aulas por causa do barulho e porque tem professor que fala o tempo todo. Ele está lá explicando, mas não se faz entender e, quando ele sai, eu tento passar pro papel o que ele falou, mas não consigo (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE NIII, SANTOS, 2007, p. 95). É complicado ficar sem atividade em Braille, porque estou vendo os colegas fazendo, e eu tenho que aguardar para fazer depois e me sinto excluído, mas reconheço que são muitos alunos para o professor transcrever o material para o Braille (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE NII, SANTOS, 2007, p. 92). Eu estudei na 6ª série e nunca tinha entendido o que era o ângulo e como trabalhava com transferidor. Peguei um transferidor na mão e só percebia que era um círculo (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE A. P., ROSA e SCHUHMACHER, 2009, p.753). Para a Geometria Espacial eu acho totalmente irreal querer reproduzir uma figura em alto relevo [...]. Mesmo na Geometria Plana, quando começa a ter muitos detalhes, você não consegue reproduzir aquilo com fidelidade, você não tem como colocar escritos no meio do desenho, você não consegue colocar medidas dentro do desenho, o Braille ocupa muito espaço (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE MÁRCIO29, SANTOS, 2007, p. 3) Tenho dificuldade com química, física e matemática. A dificuldade é por causa das fórmulas e cálculos, às vezes o professor fala ta vendo isso aqui, mas não explica o que é, ficando difícil entender (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE NIV, SANTOS, 2007, p. 98). Igual pra mim, dar o dever pra eu fazer, se tivesse exercício em Braille, já adiantava... Por que como os professores não são muito capacitados... falta capacitação pra eles? Essa é minha sugestão. É por que lá na sala de aula eu fico mais como ouvinte, entendeu? Fico mais como ouvinte, por que a menina que dita a matéria do quadro para a minha outra colega que também é cega, não tem como ditar pra duas, se não atrasa pra ela. Aí eu fico mais só ouvindo, mas quando eu peço pra professora copiar a matéria pra mim, ela copia, tem uma professora que vem e dita pra mim (TRANSCRIÇÃO DA FALA DA ALUNA LUNA30, RODRIGUES, 2010, p. 107). Eu parei no final do mês passado. Pela instituição não ter um preparado, assim, adequado. Na turma eu poderia até acompanhar, mas eu não ia ter uma boa formação, em relação ao material. Eu estaria aquém com relação à qualidade da formação. Não pelos professores, mas pela falta de material. Não tinha. Eu ficava muito presa ao que o professor falava. [...] A única fonte que eu tinha era o que eu anotava em Braille do professor falava. Os meus colegas liam pra mim as apostilas, livros em um horário extra, para eu poder fazer as anotações, meus resumos, mas eu não poderia pesquisar nada sozinha, pois não havia material em Braille, livro falado, nada... O motivo principal foi esse (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE PÉTALA31, RODRIGUES, 2010, p. 109). As falas acima sugerem que alguns alunos não se sentem como sujeitos ativos nas escolas e, por muitas vezes, se percebem ‘deixados de lado’ e aprendendo apenas o 29 Nome fictício. Nome fictício. 31 Nome fictício. 30 27 que o professor considera ‘possível’ ensinar-lhes. Sua aprendizagem parece basicamente fundamentada na memorização e quase nenhuma atividade prática é proposta. A indisciplina nas salas de aula atrapalha o desenvolvimento e a participação dos alunos com deficiência visual que utilizam como um dos recursos de comunicação a audição. Evidenciam ainda a importância da relação estabelecida com o professor. Se esse contato não existe ou é falho, o aluno acaba se desinteressando pelo assunto em questão e não consegue acompanhar a turma. A linguagem que o professor utiliza em sala de aula (por vezes, chamando-os à visualização), seu desconhecimento do Braille e da educação de cegos e deficientes visuais como um todo provoca certo distanciamento entre o professor e este seu aluno, tornando-se um fator complicador na aprendizagem. Outro fator que também dificulta a aprendizagem dos alunos deste perfil é a não utilização de materiais manipulativos nas aulas. A utilização de material de apoio adequado pode facilitar a aprendizagem, segundo alguns desses alunos. O(a) aluno(a) L. A. da S. (FERRONATO, 2002, p. 53) ao afirmar que “o que foi ensinado na escola não me serviu para o vestibular nem para minha vida”, deixa claro que possui expectativas quanto ao que a escola pode/deve oferecer. Essa fala reforça a importância de conhecer o aluno e suas ambições bem como de proporcionar-lhe um ambiente de aprendizagem que lhe permita construir significado ao que se aprende. Contudo, tais ideias são valiosas de modo geral, independente se este aluno possui boa acuidade visual ou não. Ferronato (2002) percebeu que os alunos com deficiência visual raramente fazem anotações ou dependem dela. Eles tentam guardar tudo na memória. Além disso, ele acredita que alunos costumam ser apáticos à Matemática por não concretizarem seus conceitos. Através das relações, grandezas, cálculos, abstrações, lógica, ele constrói seu pensamento matemático. Muitos deles aprendem por memorização. Matemática sempre foi algo mais complexo. Eu aprendia os cálculos e era sempre tranquilo. Tinha calculadora, era normal. Mas a Geometria eu estudava para passar. Não entendia e sempre achava que estava fora do meu alcance. Pegava tudo pronto e decorava fórmulas e regras. (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE L. A. DA S., FERRONATO, 2002, p. 53) Até a 4ª série foi uma beleza a Matemática. Minha professora fazia competição de tabuada e eu quase sempre ganhava. [...] A partir da 5ª a coisa complicou, porque começaram os gráficos e isso me prejudicou. No 2º grau (atual Ensino Médio) um professor até tentou me ensinar Trigonometria, sem muito sucesso. [...] Acho que faltou algum material concreto que possibilitasse para nós ver o que os videntes viam. (TRANSCRIÇÃO DA FALA DE I. J. DE P., FERRONATO, 2002, p. 53) 28 Diante dos relatos dos próprios alunos, podemos perceber que muitos professores não fazem uso de materiais manipulativos e os alunos acreditam que este recurso pode ser eficiente na aprendizagem de Geometria. O uso de materiais concretos passa a dar significado ao conteúdo erudito e facilita o processo de aprendizagem (FERRONATO, 2002). Segundo Lirio (2006, p. 8), para que o aprendizado de conceitos como forma, tamanho, espaço-temporal, esquema corporal, causalidade e pensamento lógico matemático se processe de forma adequada, precisamos promover a concretização dos mesmos através de materiais pedagógicos que possam ser assimilados pelos outros sentidos. Outro erro que cometemos ao lecionar para alunos com deficiência visual é julgar sua incapacidade para determinados conteúdos. Em várias pesquisas analisadas, percebemos relatos de alunos que não haviam aprendido determinado conteúdo da Matemática devido a um julgamento equivocado do professor, alegando que ele não seria capaz de aprender devido à sua restrição física (LIRIO, 2006; FERRONATO, 2002; CASARIN e OLIVEIRA, 2008). Ferronato (2002) ressalta que a deficiência visual não é fator determinante para o sucesso ou fracasso do aluno. Todos têm a necessidade de saber medir, contar e calcular, independente de possíveis dificuldades que possam existir. O cego também precisa desse conhecimento, até mesmo como uma forma para alcançar independência, e aumentar suas possibilidades de acesso significa respeitar suas particularidades. (FERRONATO, 2002, p. 13) O aluno cego tem capacidade para aprender como qualquer outro aluno. Ele apenas tem necessidades educativas especiais, necessitando de um olhar diferenciado na sua prática escolar (MARUCH e STEINLE, 2009). É fundamental que se ressignifique concepções referentes à capacidade de aprendizagem do aluno com deficiência visual, concebendo-o como um ser completo, capacitado para pensar e construir o seu próprio conhecimento, ainda que em condições que lhe são próprias (MARUCH e STEINLE, 2009, p. 3). No ensino de Geometria, o sentido do tato deve ser explorado para que o aluno cego ou com baixa acuidade possa concretizar e dar significado ao conteúdo que se deseja trabalhar. Ferronato (2002) vê a importância de se concretizar significados e cria um instrumento de ensino chamado Multiplano32, onde utiliza as mãos para traço de gráficos e construção de figuras. Lirio (2006), mesmo trabalhando com programas de computador, primeiro executa atividades com materiais manipulativos para só depois 32 Ferramenta pedagógica que auxilia no ensino de Matemática para pessoas com deficiência visual, composta por uma placa perfurada, rebites e elásticos. 29 transcrever e trabalhar essas figuras no programa. Uma das formas de oferecer subsídios para a aprendizagem de alunos com deficiência visual em Geometria é a manipulação de objetos. “Ele enxerga a partir do que pode tocar. É com as mãos que procura amenizar as dificuldades oriundas da sua restrição sensorial” (FERRONATO, 2002, p. 36). Para Osterhaus (2010), é importante que esses alunos sejam capazes de usar diversas ferramentas e saber quando usar cada uma delas. Além disso, podemos trabalhar o espaço geométrico em que o aluno cego se encontra, pois é o primeiro contato que este tem com a Geometria: o ambiente ao seu redor. Segundo Hans Freudenthal33, o ensino da Geometria é fundamental nos quatro primeiros anos de escolaridade na medida em que está naturalmente integrada no desenvolvimento da criança, favorecendo a relação entre a matemática e o mundo real. Vale notar que as primeiras experiências das crianças são de natureza geométrica: quando se deslocam de um ponto para outro ou quando verificam que um dado objeto está mais próximo de si e outro mais distante. A exploração humana do mundo real começa com a sensação, a percepção, a ação, o contato direto com o mundo, as pessoas e as coisas, os fenômenos naturais, a acumulação de variedade e de experiência empírica. Nas salas de aula de escolas comuns, certos conceitos de Geometria são trabalhados a partir da visualização, da exposição do professor, o que dificulta mais ainda a aprendizagem do aluno cego. Essa dificuldade se agrava quando o aluno possui cegueira congênita, porque, por não possuírem qualquer memória visual, fica ainda mais difícil a abstração e significação de conceitos (LIRIO, 2006; FERRONATO, 2002). Seguindo o caminho teórico trilhado por algumas das principais pesquisas citadas, também nós optamos por fundamentar nossa pesquisa nos estudos de Vygotsky. No capítulo seguinte apresentamos uma síntese de nossas leituras. 33 Hans Freudenthal nasceu em Luckenwalde (Alemanha) em 11 de setembro de 1905 e morreu em 13 de outubro de 1990. Foi um importante matemático e fez contribuições substanciais à Topologia Algébrica e também teve interesse na Literatura, Filosofia, História e, principalmente, naEducação Matemática. 30 CAPÍTULO 2: CONSTRUINDO UM OLHAR TEÓRICO PARA O ESTUDO: A TEORIA DE VYGOTSKY Nesse capítulo, apresentamos as principais ideias que fundamentaram a presente pesquisa. Contudo, é importante ressaltar que nos consideramos apenas iniciantes nesse tema e que o nível de complexidade e potencial da teoria sócio-histórica bem como dos estudos desenvolvidos especificamente por Vygotsky vão muito além de nossa primeira aproximação. A construção do capítulo segue o caminho percorrido – da compreensão de quem foi Vygotsky e como construiu a teoria histórico-cultural, às principais ideias relacionadas ao ensino e à aprendizagem de crianças com deficiência visual – por nós ao longo das leituras feitas. 2.1. Vygotsky e a construção da teoria histórico-cultural Lev Semyonovich Vygodsky (antes de mudar seu nome para Vygotsky) nasceu em 05 de novembro de 1896 em Orsha. Fazia parte de uma família de judeus em Gomel (antiga URSS) composta por oito filhos bem instruídos, interessados em cultura e em conhecimento nas mais diversas áreas. Vygotsky era um bom aluno e frequentou boas escolas no período da infância (VALSINER e VEER, 1996). Iniciou seus estudos em Medicina na Universidade de Moscou e, um semestre depois, transferiu-se para Direito. Durante esses estudos, interessou-se por escritos na área da Psicologia, como os textos de James e Freud, que trabalhavam com camadas extremas da mente. Após a sua formação, em 1917, voltou para Gomel e lá passou a lecionar em escolas estaduais. Foi em Gomel que Vygotsky realizou as suas primeiras experiências psicológicas e escreveu sobre a origem do pensamento psicológico. A mudança de Vygotsky para problemas de psicologia, pedagogia e educação foi lenta e gradual, até chegar ao Instituto de Psicologia Experimental, em Moscou (VALSINER e VEER, 1996). Em 1926, Vygotsky publicou o livro Psicologia Pedagógica: um curso breve em que auxiliava professores em formação para o ensino fundamental. Nesta época, a 31 psicologia embasava-se nas teorias do behaviorismo34, uma teoria de caráter ocidental, não compatível com as práticas socialistas da URSS. O autor, juntamente com alguns pensadores da época, como Pavlov e Kornilov, procurava encontrar uma linha de pensamento psicológico que atendesse às condições sociais e econômicas de seu país e que expressasse com clareza e objetividade as reações do corpo, as diferentes formas de pensamento, a influência do ambiente no desenvolvimento do ser e a sua completude. Inicialmente, seus estudos a respeito da psicologia acompanhavam seu interesse por literatura e artes. Em 1924, foi convidado a trabalhar no Instituto Kornilov, onde realizava experimentos de análises comportamentais. Para Vygotsky, as crianças eram dotadas de reações inatas, congênitas, os chamados reflexos não-condicionados (necessita de um estímulo para que ocorra) e instintos (invariáveis independente do ambiente). Cada reflexo não-condicionado (reação inata) pode ser ligado a estímulos ambientais produzindo reflexos condicionados. Nesta época, diante de seus experimentos com crianças e das análises feitas a partir das reações dadas por elas a cada experimento, Vygotsky afirmou que, de alguma forma, as crianças aprendem educando a si mesmas, já que “a nova experiência pessoal [...] leva a novas reações” (VALSINER e VEER, 1996, p. 66). Enfatizava, dessa forma, a necessidade de que os alunos aprendessem a partir de suas próprias atividades e que não fossem meros receptores passivos de conhecimento. Para ele, a única coisa que professores e educadores podem fazer é construir um ambiente favorável para a educação, “maximizando as possibilidades de formação de novas reações” (id., p. 66). Diante de tal quadro e influenciado pelos conflitos políticos da época e pelas ideias de outros pesquisadores sobre novas linhas da psicologia do homem, entre os anos de 1928 e 1931, Vygotsky dedicou-se ao desenvolvimento de sua principal teoria: a psicologia sócio-histórica (ou teoria histórico-cultural). Seguindo ideias de pesquisadores como Darwin, Durkhein e Kofka, Vygotsky criou sua própria forma de explicar a origem e o desenvolvimento de processos mentais em adultos por meio da teoria histórico-cultural (VALSINER e VEER, 1996). Para isso, comparou a psicologia de animais e de seres humanos, a psicologia do ‘homem primitivo’35 e do ‘homem ocidental’, a psicologia de crianças e adultos e a psicologia de 34 Filosofia da ciência do comportamento humano. (ABIB, 2001) Segundo Veer e Valsiner (1996), Vygotsky se referia ao homem cuja estrutura de pensamento era de um homem pré-histórico, que não trabalhavam com conceitos e abstrações e tinha um caráter mais concreto, fruto de suas experiências físicas. 35 32 sujeitos patológicos e saudáveis, sendo esses últimos de maior importância para nós neste estudo. “A imagem do homem que deriva desta teoria (histórico-cultural) é a do homem como um ser racional que assume o controle do seu próprio destino e emancipase para além dos destinos restritivos da natureza” (VALSINER e VEER, 1996, p. 211). A abordagem histórico-cultural é bastante difundida no mundo em várias áreas. Para Vygotsky (1984), o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais, que ocorrem inseridas em uma determinada cultura, em constantes mudanças e adaptações, e num processo histórico. Se pensarmos no adjetivo cultural [...] devemos levar em conta que toda interação social é aqui analisada como emergente em uma cultura, envolvendo os meios socialmente estruturados [...], os instrumentos e a linguagem. E o histórico funde-se com o cultural, já que os instrumentos foram inventados e aperfeiçoados ao longo da história do homem. (BRAGA, 2010, p. 22) Essa visão cultural e histórica é a chave que diferencia o desenvolvimento humano do desenvolvimento animal. Embora Vygotsky concordasse com a ideia da evolução (teoria de Darwin), ele acreditava que ela era apenas a base do desenvolvimento do homem. O papel principal neste desenvolvimento se dava pela evolução cultural e não biológica. O animal é dependente de seus instintos ou de suas experiências individuais através de treinamento ou de sua vida social. No homem, a atividade consciente se baseia nos conhecimentos e habilidades presentes na experiência da humanidade, ao longo do processo histórico social. Culturalmente, através de interações sociais, o homem se forma. A teoria de Vygotsky parte do pressuposto de que todo homem consciente é dotado de funções psicológicas elementares e superiores. As funções elementares são aquelas de origem biológica: fazem parte do comportamento de todo ser, é instintiva e provoca reações automáticas. Já as funções psicológicas superiores originam-se no contato social, são exclusivas do homem e são mediadas, comandadas por ele e repletas de intencionalidade. As funções superiores são frutos das funções elementares associadas à cultura, evoluídas na história do homem. Sendo assim, Vygotsky (1984) entende que o comportamento do homem, suas ações e seus pensamentos (sua consciência) são de origens socioculturais, pois são resultados da interação do ser com seu contexto cultural e social (VALSINER e VEER, 1996; FERNANDES, 2004; LUCCI, 2006). As funções psicológicas superiores, por se tratar de constantes interações com o meio cultural e social do homem, fazem parte de um emaranhado de experiências e 33 relações que se complementam numa rede complexa e densa de interações. Uma dos caminhos para se ingressar nessa rede de informações e interiorizações do conhecimento é o que Vygotsky chama de mediação. O desenvolvimento de funções mentais superiores não decorre de uma evolução intrínseca e linear das funções mais elementares; ao contrário, [...] são funções constituídas em situações específicas, na vida social, valendo-se de processos de internalização, mediante uso de instrumentos de mediação (CAVALCANTI, 2005, p. 188) Mediação é o princípio fundamental da teoria histórico-cultural desenvolvida por Vygotsky, a marca da consciência humana. Segundo o pesquisador, nosso contato com o mundo (no aspecto físico e social) é indireto e ocorre mediado por instrumentos e signos. “A compreensão da emergência e da definição dos processos mentais especificamente humanos e da ligação entre os processos sociais e históricos e os processos individuais é alicerçada nessa noção” (BRAGA, 2010, p. 23). Vygotsky já via as relações culturais como fenômenos históricos, moldados e desenvolvidos pelo homem ao longo de sua existência. Além disso, ele também via a produção artística e a criação do homem como processos culturais. Para ele, “a cultura é a totalidade das produções humanas” (BRAGA, 2010, p. 23). Produções técnicas, artísticas, científicas, ações sociais, dentre outros, representam o homem em formação cultural. A atividade coletiva e comunicativa são características do trabalho humano. O uso de ferramentas para o trabalho é característica exclusiva do homem, assim como a utilização destas para exploração e compreensão do ambiente que o cerca. A mediação é um elemento intermediário entre o homem e o conhecimento (LUCCI, 2006). Ela pode ser um objeto, uma linguagem, uma situação, ou seja, qualquer fator social que influencie e modifique o pensamento e o desenvolvimento cognitivo e psicológico do homem. É pela mediação que o indivíduo se relaciona, explora e aprende com o ambiente. “É por meio dos signos, da palavra, dos instrumentos, que ocorre o contato com a cultura” (LUCCI, 2006, p. 8). A relação do homem com o mundo é mediada, complexa e ocorre através de dois mecanismos: os instrumentos e os signos. Os instrumentos são objetos sociais e mediadores entre o indivíduo e o mundo. Os signos são elementos orientados para o indivíduo que auxiliam na memória e na atenção (FERNANDES, 2004). O uso de signos e de instrumentos na atividade mediada orienta o comportamento humano na internalização de funções psicológicas. As mediações por signos e instrumentos são de naturezas diversas. Enquanto a mediação por signo 34 constitui uma atividade interna dirigida para o controle do próprio sujeito, a mediação por instrumento é orientado externamente, para o controle da natureza. Para Vygotsky (1984), o uso de signos (relacionados às ações de lembrar, imaginar, comparar) como meios auxiliares para a solução de problemas psicológicos é semelhante ao uso de instrumentos no trabalho, no que diz respeito à função mediadora, já que a ação dos dois no funcionamento psicológico é bem diferente. A principal diferença dos dois se deve a sua orientação na mediação: enquanto os instrumentos são utilizados externamente para a transformação e controle da natureza, os signos são orientados internamente para a comunicação e o controle do comportamento. “A transformação na natureza altera a natureza do homem e a transformação do psiquismo modifica a relação humana com o mundo e a forma de usar instrumentos” (BRAGA, 2010, p. 25). 2.2. A importância da linguagem e da fala no desenvolvimento cognitivo Outro aspecto que modificou a história foi a utilização da linguagem. Köhler36, em seus estudos com chimpanzés, verificou que a ausência da fala na comunicação limitou sua inteligência e seu desenvolvimento cognitivo. Ainda, os instrumentos criados pelos chimpanzés eram de uso imediato pelo fato de não possuírem a linguagem, o que os fazem perder a noção de tempo e espaço temporal. O uso de símbolos e signos (meios auxiliares e artificiais de comunicação) transformou a concepção de mundo, de espaço e de tempo do homem, modificando radicalmente a história humana. Luria e Vygotsky veem uma relação direta e intrínseca entre signos e instrumentos. Além dos signos e instrumentos, o ‘outro’ tem papel significativo na relação com o mundo (LUCCI, 2006). O outro pode ser uma pessoa física, presente (mediação explícita) ou que se encontra incorporado no processo de apropriação de signos e instrumentos (mediação implícita). Sendo assim, a linguagem (palavra) é um importante instrumento de mediação para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Ela funciona como meio de comunicação, planejamento e controle. À luz desta teoria, “a palavra materializa e constitui as significações construídas no processo social e histórico” (LUCCI, 2006, p. 9). Quando as pessoas interiorizam a linguagem, 36 Wolfgang Köhler foi um psicólogo alemão que contribuiu para a criação da teoria da Gestalt (VALSINER e VEER, 2006). 35 passam a ter contato direto com elas em sua essência e em seus conceitos, que servirão de base para significar suas experiências assim como a formação da sua consciência, implicando em sua forma de sentir, pensar e agir. Entre as formas de linguagem utilizadas pelo homem, Vygotsky destaca o poder da fala como um instrumento do pensamento. Ele considera que a fala tem um papel importante na organização das funções psicológicas superiores e que seria a fala a transmissão do pensamento. Durante o desenvolvimento de uma atividade, a criança que fala demonstra uma liberdade maior das operações. Em seus experimentos, ele percebeu que a fala não somente acompanha o desenvolvimento prático de determinada atividade, mas é usada para solucionar o problema e controlar seu comportamento no contato com o outro ou consigo mesma. Luria, na perspectiva histórico-cultural, destaca três mudanças apontadas pela linguagem na história humana: a diferenciação dos objetos, a atenção direcionada a eles e a conservação da memória; a possibilidade de abstração de propriedades dos objetos, incluindo suas diversas categorias; a transmissão de informações sócio-históricas. E no processo de desenvolvimento, na constante relação entre objetos e sujeito, o que modifica em si não são as funções psicológicas superiores desenvolvidas ao longo da história e sim as relações existentes entre elas. E essas transformações acontecem principalmente na palavra e no sistema funcional. As conexões formadas a partir da palavra se diferenciam nas diversas fases da vida do homem. O conceito formado por crianças a partir de uma determinada palavra parte de sua experiência com a que ela representa e a manifestação do pensamento se dá pela sua memória. Já em adolescentes e adultos, o pensamento age diretamente no ato de recordar. A memorização já estabelece relações lógicas. Para Vygotsky, essa diferença de pensamento provoca diferentes conexões por trás das palavras. O significado de cada uma delas é construído diferentemente em crianças e adultos. Ele escolheu o significado da palavra como unidade básica para analisar as funções psicológicas culturais, por ser um fenômeno tanto da palavra quanto do pensamento. A internalização é outro princípio importante e fundamental no desenvolvimento humano. Vygotsky se refere como a reconstrução interna de uma operação externa. Por ela se dá a formação de processos psicológicos gerados pelas interações e mediações partilhados ao longo do desenvolvimento cultural. Para Vygotsky, o plano externo é aquele construído a partir das interações entre sujeitos, mediadas por instrumentos e signos: “falar sobre processo externo significa falar social. Qualquer função psicológica 36 superior externa [...], antes de se tornar função, [...] foi uma relação social entre duas pessoas” (VYGOTSKY apud BRAGA, 2010, p. 26). A internalização é a transformação de um fenômeno social/cultural em um fenômeno psicológico, um processo de desenvolvimento e aprendizagem do homem na medida em que ele incorpora a cultura. Pensando na fala como um meio de importante contribuição para essas interiorizações, podemos dizer que se faz presente a aprendizagem. A aprendizagem, para Lucci (2006, p. 9), “é um processo que antecede o desenvolvimento (do ser), ampliando-o e possibilitando a sua ocorrência”. Entendemos que a aprendizagem é o resultado desta interação entre homens e instrumentos culturais, sociais e históricos através da mediação, tendo como consequência a interiorização deste novo conhecimento, fazendo parte das funções mentais que, posteriormente, podem ser utilizadas para novas aprendizagens ou mediações. 2.3. Zona de Desenvolvimento Proximal Um aspecto relevante na teoria sócio-histórica é a ideia da existência de uma área potencial de desenvolvimento cognitivo, compreendida entre o nível atual de desenvolvimento da criança (determinado pela sua capacidade individual e atual de resolução de problemas) e o nível de desenvolvimento potencial propriamente dito (cujas resoluções dos problemas se dão sob orientação de adultos ou de indivíduos mais capacitados) (VYGOTSKY, 1978). Esta área foi denominada por ele por Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Para Vygotsky (1978), o desenvolvimento consiste num processo de aprendizagem através do uso de ferramentas intelectuais ocorridas pelas interações sociais com outros indivíduos mais capacitados. Para que a aprendizagem ocorra, é necessário que um processo de desenvolvimento a preceda, de forma desvinculada à aprendizagem em si, sem uma linearidade. Dessa assintonia, ocorre a ZDP, esta área de dissonância cognitiva correspondente ao potencial daquele que aprende. Sendo assim, Vygotsky argumenta que a instrução só é positiva e efetivamente auxilia na aprendizagem quando colabora no processo de desenvolvimento, ou seja, quando desperta a ZDP. Por isto a importância do ensino neste processo. A ZDP fornece aos psicólogos e educadores uma ferramenta através da qual pode ser compreendido o curso interno do desenvolvimento, e que o uso desse método pode permitir a tomada em considerações dos ciclos e processos de maturação que já estão completos, além dos que estão em estado de formação. Assim, a ZDP permite delinear o futuro imediato da criança e o seu estado dinâmico de desenvolvimento (FINO, 2001, p. 278). 37 Logo, podemos afirmar que a ZDP é onde o aprendiz, o instrutor (professor ou outro ser mais capaz) e o conteúdo se interagem em busca de uma solução para um determinado problema. Fino (2001) vê a ZDP como uma “janela de aprendizagem”, onde cada indivíduo possui uma abertura para novas experiência e novos processos de desenvolvimento, a partir do estado de aptidão que ele possui a priori. Em cada momento do desenvolvimento cognitivo, uma “janela de aprendizagem” se abre, individualmente, tendo cada ser seu tempo certo para esta abertura e para o processo de desenvolvimento. Consequentemente, se cada indivíduo possui a sua “janela de aprendizagem” e seu tempo certo para abri-la, é necessário que o professor proporcione diversas atividades e conteúdos, em diferentes contextos, a fim de que cada indivíduo em processo de desenvolvimento encontre sua forma personalizada de aprender, respeitando sua própria estrutura cognitiva. Portanto, nesta perspectiva, exercer a função de professor durante o processo de desenvolvimento do aluno e considerando uma ZDP, é proporcionar recursos e apoios necessários para que este seja capaz de elevar um nível de conhecimento além do que lhe seria possível sem ajuda (FINO, 2001). Logo, a assistência à aprendizagem é tão importante quanto a instrução propriamente dita. Fornecer todos os subsídios necessários para o processo de desenvolvimento é fundamental para que a aprendizagem ocorra, permitindo que o aluno atue no limite do seu potencial. A teoria de Vygotsky sugere que o acesso do aprendiz a um nível mais elevado de conhecimento (a partir daquele que já possui) possibilita interiorizar processos, conhecimentos e valores que utiliza através das interações sociais e de ferramentas que as auxiliam. Nessas interações sociais, podemos identificar a participação de um professor ou de um colega em um nível mais elevado de conhecimento, chamado de aprendizagem mediada pelos pares (FINO, 2001). Neste tipo de aprendizagem, os alunos se interagem “ensinando” uns aos outros, trocando experiências e resoluções diante de um determinado problema. As relações interpares podem acontecer mesmo quando um grupo de aprendizes esteja em diferentes níveis da ZDP. Durante esta participação guiada, e à medida que se desenvolvem os conhecimentos e habilidades do aprendiz, o guia [par] vai-lhe entregando cada vez mais o controle das operações. O aprendiz, enquanto vai assumindo maior responsabilidade cognitiva sobre a gestão da atividade, vai gradualmente interiorizando os procedimentos e o conhecimento envolvido, enquanto vai se tornando mais auto-regulado na tarefa ou na habilidade (FINO, 2001, p. 281). 38 É importante destacar então que aprender e ensinar através da ZDP depende diretamente da interação social entre o professor e o aprendiz e entre este e os outros indivíduos participantes da atividade, além das ferramentas disponíveis que colaboram com a natureza dela e com a qualidade das interações (FERNANDES, 2004). 2.4. As contribuições de Vygotsky para a educação de alunos cegos Vinculando sua prática educacional em Gomel com as experiências educacionais proporcionadas no Instituto Kornilov durante o processo de construção da psicologia sociocultural, Vygotsky interessou-se pelo estudo de crianças com deficiência, intitulado na época como ‘defectologia’. Este termo designava o estudo de cegos, surdos-mudos e pessoas com deficiência mental. Em seus primeiros escritos, ele já levantava a importância da educação social de crianças deficientes e no potencial da criança para o desenvolvimento normal. Ele acreditava que, antes de qualquer coisa, as deficiências corporais afetavam as relações sociais das crianças e não suas interações com o espaço físico e com o ambiente. Em suma, era preciso tomar como principal o problema social gerado pela presença da deficiência física e não a própria deficiência em si. Para dar substância a essa ideia, ele citou uma declaração de um autor contemporâneo de que crianças cegas não percebem originalmente sua cegueira como um fato psicológico. Ela é percebida apenas como um fato social, um resultado secundário e mediado de sua experiência social (VALSINER e VEER, 1996, p. 75). Assim, a deficiência visual passou a ser encarada com os frutos dos estudos da psicologia. A nova concepção da ciência passou a dar maior importância à educação e à instrução, além de suas relações e sua inserção na sociedade em questão. Baseado nesta premissa, Vygotsky defendia uma escola em que essas crianças ‘defeituosas’37 deveriam se interagir com a sociedade, convivendo e aprendendo com ela. Assim, as escolas especiais não colaborariam para o desenvolvimento social dessas crianças, devendo dar lugar a escolas de apoio quando fossem necessárias à integração social. Vygotsky provocou uma mudança profunda nos estudos defectológicos, e elevou a Defectologia ao nível de uma ciência dialética demonstrando que a criança deficiente é antes de tudo uma criança que se desenvolve como qualquer outra, porém de um modo particular (FERNANDES, 2004, p.3031). 37 Expressão utilizada por Vygotsky para designar pessoas com alguma deficiência psicomotora. 39 Vygotsky acreditava que a ideia de compensação biológica automática para os ‘defeitos’ era errônea e que essa compensação ocorreria quando fosse corretamente explorada e estimulada, assim como se faz com crianças “normais”38. O pesquisador faz algumas declarações em relação à aprendizagem da escrita normal ou da escrita Braille para pessoas sem acuidade apresentando a capacidade normal de aprendizagem dessas crianças. Segundo Valsiner e Veer (1996, p. 76): Aprender a escrita Braille não difere, em princípio, da escrita normal, uma vez que a aprendizagem de ambos os tipos de escrita baseia-se na conjugação múltipla de dois estímulos. Vista do ponto de vista fisiológico, em ambos os casos a aprendizagem da escrita estava baseada na formação de reflexos condicionados, sendo a única diferença que órgãos receptivos diferentes eram condicionados a estímulos ambientais diferentes. Para ele, portanto, substituir a via de acesso ao estímulo era fator determinante e fundamental para a aprendizagem, sendo esse estímulo uma pessoa ou um objeto, ambos os instrumentos de aprendizagem. “Importante é o significado, não o signo. Mudaremos o signo [e] reteremos o significado” (VYGOTSKY apud VALSINER e VEER, 1996, p. 77). Podemos perceber que os caminhos seguidos para a internalização de conhecimentos por alunos sem acuidade visual seguem diferentemente dos alunos de visão normal, já que eles possuem uma carência sensorial (a visão), um dos meios de mediação usados pelo homem. Porém, outro importante instrumento que pode ser utilizado para essa internalização é a fala. Vygotsky vai ainda mais longe. Ele afirma que os problemas enfrentados pelos cegos podem ser superados pela palavra. Ele vê na fala um fator libertador para crianças com esse perfil. Para ele, a fala não é somente um instrumento de comunicação, mas também um instrumento de pensamento; a consciência desenvolve-se principalmente com a ajuda da fala e origina-se na experiência social (VYGOTSKY apud VALSINER e VEER, 1996, p. 77). Alfred Adler, um proeminente psiquiatra da época, criador da Psicologia Individual39, “desenvolveu uma psicoterapia no sentido de conduzir à maturidade emocional, bom senso e integração social àqueles emocionalmente deficientes em razão de sentimentos de inferioridade” (COBRA, 2003, p. 1). Para ele, todos os fenômenos psicológicos devem ser entendidos como uma preparação para uma meta futura. E esta meta, mesmo que inconscientemente, é direcionar todos os seus esforços para ser 38 Sem deficiência. Busca pela perfeição, tornando-se a busca pela superioridade a fim de suprir o sentimento de inferioridade existente. 39 40 superior às pessoas em seu redor e alcançar sua superioridade social. Assim, crianças veem os adultos como superiores e exemplos a serem seguidos a fim de suprir sua superioridade. Tanto crianças normais como crianças com deficiência são motivadas a serem semelhantes aos adultos, fazendo dessa a sua macrometa. Essas ideias, dentre outras, iam ao encontro às ideias de Vygotsky em relação à defectologia e completavam sua teoria. Assim, com base nas ideias de Adler, ele defendia que crianças com deficiência lutavam pela superação de sua inferioridade (a deficiência) com a intenção de compensá-la a fim de desenvolver-se semelhantemente a uma criança comum. A cegueira para ele não era entendida como uma mera falta de visão, que poderia ser facilmente substituída por outro órgão sensorial, mas como um fator motivador para uma reestruturação de todas as forças do organismo e da personalidade, causando uma reorganização de toda a mente, envolvendo o uso de outros meios, instrumentos e maneiras para alcançar a meta citada anteriormente (VALSINER e VEER, 1996). No contato com o meio externo, surge um conflito interno estimulando a utilização de todas as forças a fim de superar este ‘defeito’, que passa a ser o fator motivador do desenvolvimento da personalidade do indivíduo que não vê. Assim, podese perceber a superação em vários aspectos, como diz Vygotsky (1997, p. 103, tradução nossa): “[A criança transforma] a deficiência em talento, o defeito em capacidade, a debilidade em força, a insuficiência em valorização”40. Na época dos estudos de Vygotsky (1997) sobre crianças com deficiência, um dos métodos utilizados para averiguar as condições de desenvolvimento emocional e cognitivo era através da comparação entre essas com crianças ditas ‘normais’. Dessa forma, poderiam analisar as regularidades comuns em ambas as crianças e verificar as manifestações específicas que variavam ao longo do desenvolvimento infantil em cada uma. No que diz respeito às funções psicológicas superiores, o desenvolvimento da criança tem origem social, tanto na filogênese quanto na ontogênese. E essas funções, aparecem inseridas de dois modos: compondo a conduta coletiva do indivíduo e suas interações em grupo (adaptação social) e na conduta individual, como meio de adaptação pessoal, num processo de interiorização. Psicólogos da época observaram que, no início do desenvolvimento da pessoa, a linguagem (palavra) é usada como instrumento de comunicação social, num processo de 40 “... la deficiencia en talento, el defecto en capacidad, la debilidad en fuerza, la insuficiencia en sobre valor” (VYGOTSKY, 1997, p. 103) 41 colaboração entre crianças e adultos. Além disso, acreditavam que a linguagem se converte num dos meios mais importantes da expressão do pensamento, um dos principais processos de interiorização. Nas crianças, no início do desenvolvimento, a fala passa a ter um papel importante na maturação, pois ela passa do meio exterior para o meio interior, o que podemos identificar com um processo de transição do pensamento. Ochaíta e Espinosa (2006), ao descrever as intervenções educativas necessárias para o desenvolvimento da criança cega destacam a importância dessa fala na comunicação com os pais. Muitos pais não conseguem interpretar os sinais dos bebês, as evoluções e a comunicação da criança cega por valorizar a relação visual entre eles e seu filho. Os pais devem receber informações sobre as capacidades de seus filhos e os recursos alternativos que utilizam para conhecer o mundo ao seu redor. Se os adultos – mães, pais e educadores – compreenderem os sinais emitidos pelas crianças cegas e responderem de forma adequada às suas demandas de socialização e de carinho, pode-se evitar que se produzam nelas problemas psicológicos associados à cegueira. Os estereótipos, a falta de interesse pelas pessoas e os atrasos no desenvolvimento não têm porque existir em uma criança cega sem outras deficiências físicas, psíquicas ou sensoriais associadas (ESPINOSA e OCHAÍTA, 2006, p. 163). Ao estudar a linguagem da criança nos primeiros anos de vida, Vygotsky observou duas fases da atividade linguística: a fala ‘socializada’, que serve de uso para a interlocução e cooperação com as pessoas que a cercam, e a fala ‘egocêntrica’, utilizada pela criança para falar consigo mesma, em voz alta, sem interlocução verbal com outras pessoas. Ele percebeu que o uso da fala egocêntrica ocorre por todas as vezes que a criança se depara com obstáculos que desvirtuam de seu curso natural. Ali onde as reações instintivas e habituais deixam de agir, onde a experiência e as outras formas automáticas de comportamento não podem realizar a adaptação necessária, aparece a necessidade do pensamento e a função psicológica do intelecto é precisamente adaptada às novas circunstâncias, às condições de mudança, ou seja, à superação das dificuldades41 (VYGOTSKY, 1997, p. 217, tradução nossa). Vygotsky acredita que esta fala não desaparece por completo na criança no seu processo de desenvolvimento: ela vai se transformando numa linguagem interior. A criança vai assimilando e interiorizando na medida em que se aumentam as relações sociais e as modificações comportamentais através da experiência com as outras pessoas, sendo elas crianças ou adultos. O pesquisador afirma que os processos 41 “Allí donde las reacciones instintivas y habituales dejan de actuar, donde la experiencia y las otras formas automáticas de la conducta no pueden realizar la adaptación requerida, aparece la necesidad del pensamiento, y la función psicológica del intelecto, es precisamente la adaptación a las nuevas circunstancias, a las condiciones cambiantes, es decir, la superación de las dificultades” (VYGOTSKY, 1997, p. 217). 42 superiores do pensamento infantil nascem, se formam e se desenvolvem no processo de interiorização por meio das interações com o meio e das relações sociais que rodeia a criança. O desenvolvimento da personalidade da criança é formado através de seu comportamento coletivo, numa transição que parte das formas sociais de comportamento para a esfera do indivíduo. Pensando assim, podemos compreender o desenvolvimento completo ou incompleto das funções superiores da criança com alguma deficiência. A falta de desenvolvimento das funções superiores e a deficiência em si se encontram em uma relação distinta desta com o desenvolvimento insuficiente das funções elementares. “É preciso captar esta diferença para encontrar a chave de todo o problema da psicologia da criança com deficiência”42 (VYGOTSKY, 1997, p. 221, tradução nossa). A raiz de um determinado problema gerado pela deficiência pode ser um fator determinante que prejudique o desenvolvimento da comunicação coletiva, da colaboração e da interação desta criança com as pessoas ao seu redor. As dificuldades encontradas por esta criança nas interações coletivas constituem causas do desenvolvimento incompleto das funções superiores. Logo, como é impossível se lutar contra a deficiência e suas consequências diretas, é frutífero e promissor lutar contra as dificuldades dessas interações em grupo. Para o pesquisador, “a centralidade do signo na formação dos processos humanos se põe em evidência o forte papel da palavra” (GÓES e CRUZ, 2006, p. 32). A palavra, além da função básica de designação e de significado, também tem a função de sentido, conforme conceito empregado anteriormente. E é exatamente o emprego desta palavra, dentro de um contexto explícito pré-estabelecido pelas partes, que o conceito é formado e gerado, chamado por Vygotsky de conceito genuíno (id., p. 33). Para ele, não há conceito sem a formação semiótica verbal (palavra). O conceito tem uma origem social e sua formação envolve antes a relação com os outros, passando posteriormente a ser de domínio da própria criança. Primeiro, a criança é guiada pela palavra do outro e, depois, ela própria utiliza as palavras para orientar seu pensamento (GÓES e CRUZ, 2006, p. 33). No início, a palavra da criança possui apenas uma função nominativa, designativa. O significado a ela é dado através das interações com o meio e com os instrumentos por ele oferecido e suas inter-relações, característico da própria criança. 42 “Es preciso captar esta diferencia para encontrar la clave de todo el problema de la psicologia del niño anormal” (VYGOTSKY, 1997, p. 221). 43 Futuramente quando a palavra for dita, ela vem carregada de conceitos e significados formados processualmente pela própria pessoa que o diz. “A palavra da fala infantil coincidem com as dos adultos quanto à sua atribuição, mas não quanto a seu significado” (VYGOTSKY apud GÓES e CRUZ, 2006, p. 33). O significado está incorporado tanto no pensamento quanto na palavra, pois se a palavra é o reflexo do pensamento e ele se encontra inserido nela, a palavra só existe pela existência do próprio pensamento, como se apenas um fossem. E a formação do significado se dá através desses complexos processos de pensamentos e conceitos, dinamicamente e sujeito a modificações, a todo o instante. O sentido é a soma de todos os eventos psicológicos evocados na consciência graças a ela [palavra]. Portanto, o sentido sempre é uma formação dinâmica, variável, que tem diversas zonas de estabilidade diferente. O significado é apenas uma dessas zonas do sentido, a mais estável, coerente e precisa (VYGOTSKY apud GÓES e CRUZ, 2006, p. 39). Assim, em se tratando de crianças com necessidades especiais, em particular aquelas sem acuidade visual, devemos dar ênfase às palavras43 utilizadas por elas e às falas empregadas no contexto de aprendizagem em nossas escolas, proporcionando um ambiente socialmente rico, estruturalmente palpável e mediado por instrumentos (pessoas ou objetos) que forneçam bagagens essenciais para a aprendizagem. Ensinar consiste em introduzir o aprendiz numa comunidade que tem uma forma peculiar de agir, falar e representar objetos e experiências. Desse modo o desenvolvimento conceitual não consiste somente a aprender a falar com novas vozes, mas aprender também a articular essas vozes para manter a comunicação e se tornar capaz de adotar uma voz privilegiada em significado para influenciar seus pares (FERNANDES, 2004, p. 50). Vygotsky acreditava que os cegos e os deficientes visuais buscavam a todo instante uma ‘compensação’ das funções sensoriais, não no sentido de substituição direta da visão, mas a fim de encontrar outros recursos e outras vias de compreender o mundo em que vive e vivencia desenvolvendo sensivelmente as outras funções sensoriais do sistema corporal humano através da prática cotidiana. Para ele, onde se vê uma maior habilidade tátil em pessoas sem acuidade, se deve a um caráter “secundário, dependente, variado”44 (VYGOTSKY, 1997, p. 101, tradução nossa) e como consequência da ausência de visão, não como causa dela. Esta compensação não é direta (fisiológica) devida à ausência da visão, ela é sociopsicológica, sendo desenvolvida de forma complexa e indireta, “sem substituir a função suprimida nem ocupar o lugar do 43 “Para Vygotsky, a palavra é o signo que serve tanto para indicar o objeto como para representá-lo, como conceito, sendo nesse último caso, um instrumento do pensamento”. (CAVALCANTI, 2005) 44 “... secundario, dependiente, (e) derivado” (VYGOTSKY, 1997, p. 101). 44 órgão insuficiente”45 (VYGOTSKY, 1997, p. 101, tradução nossa). Sendo assim, o desenvolvimento de outros órgãos sensoriais se deve, em alguns casos, à prática de exercícios e à adaptação. Em seus estudos com as então denominadas ‘crianças especiais’, Vygotsky verificou que as relações pessoais dessas crianças entre si e entre elas e outras crianças eram fundamentais no desenvolvimento das mesmas. Ele se importava com o desenvolvimento das funções superiores das crianças com alguma deficiência e via a saída para o avanço do desenvolvimento dessas funções no contato, na comunicação e na troca de experiências entre elas, o que ele chamou de “atividade coletiva”. As interações com pessoas de mesmo nível intelectual ou de níveis diferentes, a exploração dos sentidos utilizados por eles para captar as vibrações do ambiente e, principalmente, as vias de comunicação com as pessoas e com o mundo contribuem em significativamente para o crescimento e o envolvimento da pessoa com deficiência (VYGOTSKY, 1997). 2.5. Algumas considerações acerca das leituras sobre Vygotsky A partir dos estudos sobre Vygotsky e suas concepções a respeito do desenvolvimento cognitivo e social de crianças cegas, podemos destacar vários fatores fundamentais no ensino de Geometria para deficientes visuais ou alunos com baixa acuidade visual. O papel do professor é fundamental no processo de ensino e no desenvolvimento da aprendizagem. Na relação existente entre as pessoas e estas com os mais variados instrumentos são fatores que auxiliam e que favorecem o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem. O professor entra como um agente que proporciona esses ambientes de aprendizagem e que conduz o aluno ao conhecimento, seja por meio da troca de experiências agindo como um ser mais capaz em momentos de ZDP, seja fornecendo instrumentos de mediação nas mais diversas atividades em sala de aula. Para isso, é fundamental que o professor esteja em constante interação com seus alunos, fornecendo todos os subsídios necessários para que a interiorização do conhecimento ocorra. Este deve proporcionar situações em que os alunos cegos se sintam ambientados e abertos a novos conhecimentos e formação de conceitos. 45 “... sin sustituir la función suprimida ni ocupar el lugar del órgano insuficiente” (VYGOTSKY, 1997, 101). 45 A manipulação de objetos é uma das formas dos alunos conhecerem o ambiente que o cerca e os artefatos presentes em seu dia-a-dia. Explorá-los em sala de aula e durante as atividades de Geometria são essenciais para que a aprendizagem possa ser possível. Trabalhar com objetos de diferentes formas e texturas, conhecidos e desconhecidos proporciona ao aluno uma variedade de informações que, ao serem organizadas mentalmente, têm como resultado o conhecimento. Há objetos que podem ser utilizados para se trabalhar conceitos geométricos como: caixas, esferas, barbantes, aparelhos de medição, móveis. Eles são instrumentos de mediação que auxiliam na aprendizagem. A exploração sensorial, seja pelo tato, seja pela audição, são recursos fundamentais utilizados por eles para que todo o conhecimento gerado seja interiorizado, tornando-se uma função psicológica superior, que será de grande valia para situar-se no tempo e no espaço, para comunicar-se com outras pessoas e para que outras aprendizagens ocorram. Dentre todos os instrumentos de mediação utilizados pelos alunos, percebemos que a linguagem (fala) é um importante (se não o principal) signo empregado nas atividades. Deve-se cultivar o diálogo entre alunos e destes com o professor. A fala é determinante na tomada de decisões e nas conclusões de tarefas ofertadas em sala e das experiências ocorridas durante a aula. A comunicação entre os colegas e a troca de informações evidenciam a importância do trabalho em conjunto e o quanto esta relação pode ser rica e construtiva. O aluno é um ser presente e atuante na sociedade. A sala de aula nada mais é que um pequeno núcleo dela. É nas relações pessoais e nas expressões verbais e gestuais que o aluno cego procura comunicar-se com o outro e aprender com ele. 46 CAPÍTULO 3: METODOLOGIA Partindo dos pressupostos discutidos no capítulo anterior, elaboramos uma proposta de ensino que visava colaborar com a aprendizagem em Geometria por alunos cegos e com baixa acuidade visual, explorando suas experiências anteriores, sua vivência e suas relações cotidianas. A partir do referencial teórico exposto nesta pesquisa e de experiências anteriores, selecionamos um grupo de alunos com deficiência visual para participar da execução desta proposta e na colaboração deste projeto. 3.1. Questões e objetivos Considerando a proposta de trabalho sobre o ensino de Geometria para alunos com deficiência visual e a partir dos estudos realizados sobre o tema, leituras e observações, temos como objeto de estudo desta pesquisa: as contribuições fundamentais na formação do aluno com deficiência visual em Geometria para o seu desenvolvimento cognitivo e suas relações. Desta forma, formulamos a seguinte questão: Quais são as possíveis contribuições de uma proposta de ensino envolvendo o uso de materiais manipulativos para a aprendizagem de conceitos geométricos de alunos cegos ou com baixa acuidade visual do 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola especializada de Belo Horizonte (MG)? O objetivo central desta pesquisa é investigar o potencial de um conjunto de atividades de Geometria para alunos cegos ou com baixa acuidade visual. Esse trabalho se caracteriza pela exploração do ambiente físico e social dos alunos participantes do estudo bem como na utilização de materiais manipulativos e objetos do cotidiano. Além disso, desenvolvemos conceitos formais em Geometria elaborados a partir das experiências vivenciadas por estes alunos durante as atividades propostas. Visando alcançar esse propósito, perseguimos os seguintes objetivos específicos: − analisar, ao longo dos encontros, como os alunos reagem às tarefas propostas, − investigar possíveis mobilizações de conhecimentos por parte dos alunos, − analisar possíveis contribuições das atividades propostas para a aprendizagem de conceitos geométricos. 47 Os objetivos acima destacados serão analisados em diferentes intensidades e profundidades tendo por base o desenvolvimento apresentado durante o experimento e o nível de importância de cada um deles para a pesquisa. De qualquer forma, todos eles serão expostos ao longo dos relatos e discutidos contextualmente. 3.2. Escolha da abordagem Entendemos a pesquisa, assim como Kilpatrick (1992), como uma ‘investigação metódica’, uma interrogação disciplinada a respeito do ensino e aprendizagem da Matemática, com múltiplos propósitos e dependentes de um ponto de vista específico. Uma definição de investigação ampla e útil é a de “indagação metódica”. O termo indagação sugere que o trabalho está direcionado a responder a uma questão específica; não é uma especulação inútil ou uma erudição por interesse pessoal. E o termo metódico sugere não só que a investigação pode guiar-se por conceitos e métodos que provém de disciplinas tais como a psicologia, a história, a filosofia e a antropologia, como também dever apresentar, segundo a linha de indagação, algo que pode ser verificado e examinado (KILPATRICK, 1992, p. 16). Optamos por realizar um estudo qualitativo para a pesquisa por considerá-la a metodologia mais adequada para responder à questão de investigação. Nosso propósito é compreender como um grupo de alunos cegos ou com baixa acuidade visual reagem a um trabalho entrado na construção de conceitos geométricos por meio da manipulação de materiais e objetos, bem como a comunicação oral e escrita. Dessa forma, embora a natureza do estudo não permita que seus resultados sejam generalizados, ele permite uma aproximação mais profunda dos participantes possibilitando inclusive que os mesmos analisem e critiquem os materiais e atividades, favorecendo o aprimoramento da proposta de ensino. A coleta dos dados aconteceu no ambiente escolar destes alunos, durante as aulas de Matemática, ou seja, o mais próximo possível do cotidiano desses alunos. Em síntese, tendo como propósito analisar o potencial de uma proposta de ensino de Geometria para alunos cegos ou com baixa acuidade, escolhemos o estudo de caso como metodologia e uma classe de alunos cegos (ou com baixa acuidade) de modo a que os participantes do estudo tanto experimentassem e, talvez, se beneficiassem da proposta quanto nos auxiliassem no aprimoramento da mesma. A finalidade última dessa pesquisa é oferecer a professores de Matemática (especialmente os que trabalham em classes regulares que recebem alguns alunos cegos e/ou com baixa acuidade), formadores de professores e futuros professores um material testado que possa lhes oferecer alguns subsídios para uma prática pedagógica inclusiva. 48 3.3. Contexto: O Instituto São Rafael (ISR) O Instituto São Rafael (ISR)46 é uma organização estatal situada na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Foi fundada no dia 05 de abril de 1972 com o objetivo de colaborar com as finalidades socioeducativas da Escola Estadual São Rafael, local onde, efetivamente, a pesquisa aconteceu. Dentre suas várias atividades de apoio a pessoas cegas e com deficiência visual e seus familiares, o ISR desenvolve atividades ligadas ao incentivo à cultura, ao esporte e ao lazer, profissionalização e inserção ao mercado de trabalho. Por se tratar, em sua maioria, de alunos com carência financeira, o ISR também dá suporte médico, odontológico e alimentício, através de recursos fornecidos pelo governo do Estado, por doações provindas de empresas conveniadas e de pessoas físicas e pela arrecadação em promoção de eventos47. Na área educacional, a escola tem como objetivo centralizador educar, reabilitar e integrar o sujeito sem e com baixa acuidade visual. Não há limites de idade para a inserção na escola e o atendimento é exclusivo para alunos que se enquadram neste perfil. Os alunos são inseridos no regime de internato (para menores carentes provindos das cidades do interior de Minas Gerais), semi-internato (para alunos que se encontram no Ensino Fundamental e utilizam outros serviços prestados pelo instituto) e externato. Além do Ensino Fundamental, a escola, em parceria com o ISR, oferece cursos de orientação e mobilidade, curso musical (canto e instrumento) e oficinas pedagógicas (datilografia Braille, tapeçaria, tricô, entre outros). Por se tratar de uma escola estadual, a escolha da direção escolar se dá por votação aberta à comunidade participante da instituição. 46 O Instituto São Rafael (ISR) foi consultado em 2010 acerca de seu interesse em permitir a realização da presente pesquisa. Contando com sua aceitação (ver Apêndice A, p. 123)e com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UFOP (CAAE: 0056.0.238.000-10), realizamos o trabalho na referida instituição. 47 Dados fornecidos pelo site http://www.saorafael.org.br/, acessado dia 1º de setembro de 2011. 49 Figura 1: Visão frontal do ISR O ISR é totalmente adaptado para o deslocamento de alunos sem acuidade. Em seus corredores há corrimãos para apoio das mãos no deslocamento e no chão se encontram diferenciação de solo, indicando a presença de escadas ou rampas (figura 2). Há indicações do local em Braille espalhados nas portas, armários e salões. Figura 2: Adaptação do ambiente para locomoção. No contato com a seção de Educação Pedagógica, a pedagoga apresentou-nos as possíveis turmas para a investigação. Por se tratar de uma escola que possui apenas o Ensino Fundamental, ofereceram-nos as turmas de 6º a 9º anos. Durante o início do ano de 2011, observamos as salas de aula dessa seriação apresentada pela orientadora educacional durante as aulas de Matemática (ministradas pela mesma professora em todos os anos escolares), como se estrutura o ambiente escolar de alunos cegos e com baixa acuidade visual, como é a relação entre eles e estes com o professor, o deslocamento pelos corredores da escola, os recursos utilizados na comunicação e na aprendizagem, sua relação com videntes, entre outros. Segue algumas considerações realizadas durante esse período de observação: − as salas de aula são pequenas, numa dimensão de 10m² aproximadamente; 50 − o número de carteiras é bem reduzido, estando presentes em cada sala de acordo com o número exato de alunos; − as carteiras são dispostas em um círculo, tendo a mesa do professor como ponto de formação; − a professora utiliza esporadicamente o livro didático adotado pela escola e, em algumas séries, não há número suficiente para todos os alunos da sala; − os alunos que tem acesso ao livro o tem em Braille; − todos sabem o Braille, mas encontram alguma dificuldade na leitura e na escrita, e fazem de modo muito lento; − não houve utilização em momento algum de material manipulável durante as aulas; − a fala é o principal instrumento utilizado pela professora; − os alunos, em geral, conversam entre si em sala, mas pouco se discute sobre os assuntos ministrados durante as aulas; − a quantidade de alunos em sala é baixa: 4 alunos no 6º ano, 7 alunos no 7º ano, 2 alunos no 8º ano e 3 alunos no 9º ano. A professora destacou que o ISR não possuía um currículo fechado e limitado de conteúdos em todas as disciplinas, pois acreditavam que cada aluno tem o seu ritmo de aprendizagem e, por iniciarem tardiamente a alfabetização e os estudos acadêmicos, eles possuíam grandes defasagens em relação aos alunos das escolas regulares de ensino. Na opinião da professora de Matemática, a aprendizagem dos alunos do ISR ocorre de forma mais lenta e gradual que os alunos videntes em escolas regulares, o que tende a atrasar o desenvolvimento dos conteúdos programados para o ano, que geralmente procuram seguir as orientações dos PCN’s e a distribuição curricular das escolas regulares48. 3.4. Participantes da pesquisa Durante o mês de fevereiro e março de 2011, participamos de algumas aulas no ISR em todas as séries do Ensino Fundamental II a fim de levantar qual delas seria a mais adequada. A turma do 6º ano tinha somente quatro alunos, a do 8º ano, três alunos e a do 9º, duas pessoas. Sendo assim, decidimos iniciar a pesquisa na turma do 7º ano – 48 Comunicação pessoal. Tentamos reproduzir em alguma medida uma conversa informal e rápida, que não foi gravada nem registrada no momento em que aconteceu. 51 com sete alunos – durante as aulas de Matemática, conforme ofertado pela professora. Ela achou conveniente que as atividades ocorressem durante as suas aulas pelo fato de que os alunos necessitavam de um acompanhamento especial em horário diferente, o que seria difícil atendê-los ao mesmo tempo. Além disso, o conteúdo a ser desenvolvido em Geometria seria pertinente e interessante de se trabalhar em Matemática sem fugir da proposta do corrente ano. Também afirmou que, sendo no horário de suas aulas, ela poderia auxiliar-nos e colaborar na execução das atividades sempre que fosse possível. A idade dos alunos do 7º ano – cinco meninos e duas meninas – variavam de 11 a 17 anos. A grande maioria deles se encontra lotado nesta escola desde os primeiros anos do Ensino Fundamental I e tiveram a mesma professora, seguindo juntos até então. A professora de Matemática rege esta disciplina desde o início do ano e afirma que eles têm um bom rendimento em relação aos outros alunos que se encontram nas outras séries da escola, já que ela dá aula para todo o Ensino Fundamental II. Este foi um dos fatores motivadores para a escolha desta turma, além de ser a mais numerosa e a que possui alunos mais participantes e falantes. Estes alunos têm um bom relacionamento entre si, falam moderadamente em sala de aula, mas se comunicam bastante nos intervalos. Geralmente andam em duplas ou trios, de braços dados, um dando suporte ao outro, locomovendo-se com facilidade pela escola. Segundo os próprios alunos, eles se deslocam pela escola com destreza pelo fato de a conhecerem há bastante tempo. Estes adolescentes do 7º ano conhecem o Braille e já tiveram aulas relacionadas à Geometria em séries anteriores, mas sem nenhuma profundidade. Ao fazer-lhes o convite para participarem do projeto, atenderam prontamente e se dispuseram a colaborar com a pesquisa, dando opiniões, tecendo críticas e complementações das atividades que seriam propostas e dos materiais que porventura utilizássemos na aprendizagem. Todos os alunos convidados a participar desta pesquisa foram informados oralmente e por escrito (em Braille), assim como seus pais, que receberam uma carta de esclarecimento e um termo de consentimento (ver apêndice B, p. 151). Os alunos assinaram as cartas que a ele foram destinadas (para os que receberam algum tipo de alfabetização em escrita cursiva) e seus pais, o termo de consentimento. Para que pudéssemos constituir um histórico pessoal e escolar dos alunos envolvidos nesta investigação, outro documento foi encaminhado aos pais solicitando permissão de acesso ao histórico escolar dos mesmos assim como dados levantados pela 52 assistência social do ISR. Os alunos que lá se ingressam, passam pelo crivo da assistência social e médica, já que a deficiência visual é fator de encaminhamento utilizado pelos médicos para o estudo do aluno nesta instituição de ensino e, para nossa pesquisa, é fundamental saber as condições físicas e cognitivas dos alunos do 7º ano. Dentre todos os responsáveis que receberam a notificação, apenas um não respondeu. Todos os documentos encaminhados a responsáveis, alunos e escola se encontram anexados ao fim desta pesquisa (ver Apêndice C, p. 157). A fim de preservar sua identidade, optamos por utilizar pseudônimos escolhidos por eles próprios. 3.4.1. Samuca Samuca, como assim escolheu ser chamado, nasceu no dia 24 de setembro de 2000 e tinha11 anos na época da pesquisa. Reside na cidade Contagem/MG na região metropolitana de Belo Horizonte, onde mora com os pais e dois irmãos, um de 17 anos e outro de 15 anos. Samuca, desde o seu nascimento, teve perda gradual da visão sendo diagnosticado com glaucoma congênito com resíduo visual (podendo perceber vultos e luminosidade). Os pais procuraram o Instituto São Rafael preocupados com o futuro de seu filho, pois este não estava conseguindo acompanhar a turma de uma escola regular em que se encontrava matriculado, ficando por lá até o ano de 2006. Assim, aos 5 anos de idade e com baixa visão, ingressou-se no ISR. Segundo relato em seu histórico escolar, Samuca, quando foi avaliado pela primeira vez, pareceu muito ansioso e inquieto, condizente com a personalidade dele hoje. Foi indicado o ingresso na Educação Infantil na fase introdutória para aprender a escrita Braille. Os pais também demonstraram interesse em aprender o Braille para poder vivenciar em termos a realidade do filho. Atualmente, o aluno não possui qualquer acuidade e faz uso de colírios por instrução médica e acompanhamento com fisioterapia, terapia ocupacional, pediatria e oftalmologia. Tem boa expressão oral, apresenta boa desenvoltura, rico vocabulário, boa ordenação de elementos e capacidade de resumo. Samuca tem um bom relacionamento com os colegas e é muito esperto e inteligente. Tem excelente raciocínio lógico e capacidade de abstração. É persistente, perspicaz e muito comunicativo. Tem uma certa dificuldade em fazer dobraduras e colagens, mas não é algo que atrapalhe seu rendimento escolar. Gosta muito de Matemática e aprende com facilidade. Tem boa memorização e expressa seus 53 pensamentos e ideias com clareza. Tem dificuldades para lidar com frustrações, ficando triste e vindo a chorar quando não consegue realizar uma tarefa. É cuidadoso quanto a higiene pessoal, levemente desorganizado, É muito esforçado e sempre procura resolver sozinho suas atividades escolares. 3.4.2. Joca Joca é uma menina que nasceu em 24 de novembro de 1996 e tinha 14 anos na época da pesquisa. Mora com os pais no bairro Floresta, na cidade de Belo Horizonte/MG e com sua irmã gêmea, a quem tem muito contato e muito próxima. Nasceu prematura, com 7 (sete) meses de gestação. Permaneceu em uma incubadora no período de um mês e quinze dias juntamente com sua irmã gêmea. Sua família possui dificuldades financeiras, mas, juntos, buscam o melhor para as filhas. Sua mãe percebeu algo estranho em seus olhos um mês após receber alta. Segundo laudo médico, a deficiência visual ocorreu devido ao excesso de oxigenação no cérebro durante o período de incubação. Seu diagnóstico foi dado como retinopatia da prematuridade, em 1997. Ela precisou se submeter a duas cirurgias para colar a retina nos olhos neste mesmo ano, havendo a possibilidade de enxergar 10% futuramente, sem muito sucesso. Felizmente, sua irmã gêmea não teve a visão afetada. Ainda, quando criança, por volta de 8 (oito) meses de vida, Joca teve quadro de déficit visual e crise de epilepsia afebril. Em 2000, levantou-se a hipótese de múltiplas deficiências, entre elas, fala ecolálica49. Ela fez sessões de fonoaudiologia por dois anos e, até então, frequenta sessões de terapia ocupacional e psicoterapia. Era uma aluna tímida e calada, que participava pouco das atividades. Na época de sua matrícula na pré-escola, foi solicitada a matrícula da irmã gêmea para melhor socialização, já que ela se relacionava muito bem com a irmã. Quando chegou ao ISR, praticamente não falava com ninguém e tinha dificuldades para se expressar oralmente. Na época da pesquisa, possuía dificuldades em se expressar, porém, apresentava um bom desenvolvimento em atividades comportamentais ligados ao AVD50, de forma bem independente. Joca tinha boa fluência no Braille, é inteligente, fazia contas mentais com facilidade e possuía uma boa coordenação motora, realizando atividades manuais 49 Segundo o Dicionário Aurélio: Ecolalia é um distúrbio psíquico em que a pessoa (geralmente criança em formação) tem a tendência de repetir sons ou palavras ouvidas sem qualquer contexto (FERREIRA, 1975). 50 AVD, conforme explicado na nota 2, na página 7, refere-se às atividades da vida diária, uma das componentes curriculares do Instituto São Rafael. 54 com habilidade. Nas atividades aplicadas durante nossa pesquisa, pouco se ouvia de Joca, mas ela executava todas as tarefas solicitadas e respondia quando indagada por alguma delas. Sua maior dificuldade se encontrava nas relações pessoais, especialmente com os colegas de sala. A aluna permanecia calada durante as aulas, sem trocar qualquer palavra com os colegas e, durante os intervalos, percebemos que se encontrava sozinha na maioria das vezes. 3.4.3. Chuck Muito pouco pudemos saber em relação à Chuck e sua vida antes do contato que tivemos com ele no ISR. Há pouquíssimos registros em sua pasta arquivada na escola. Ele nasceu em 20 de agosto de 1995 e tinha16 anos na época da pesquisa. Atualmente, mora na região de Venda Nova, na cidade de Belo Horizonte/MG com os pais e um irmão. Foi diagnosticado com a Síndrome de Stevens-Johnson, uma reação alérgica grave, envolvendo erupção cutânea nas mucosas, podendo ocorrer em várias partes no corpo, como pele e olhos51, que é o caso do Chuck. Segundo laudo médico, a síndrome foi fruto da ingestão de um remédio (de nome não divulgado) aos seis anos de idade. Atualmente, ele faz controle oftalmológico utilizando colírio e pomada. Chuck ingressou no ISR no 6º ano do Ensino Fundamental. É um garoto inteligente, esperto e participativo. Tem uma boa relação com os colegas e um bom contato com as pessoas. É muito habilidoso manualmente e reconhece formas geométricas e cores52. Acabava rapidamente suas atividades e sempre buscava outras fontes de conhecimento para aprofundar no conteúdo desenvolvido durante elas. Curioso e amigável, colaborava com os colegas sempre que possível. 3.4.4. Bejota Bejota nasceu no dia 10 de agosto de 1994 e tinha 17 anos na época da pesquisa. Ele morava com os pais no bairro Santa Maria, em Belo Horizonte/MG. Tem uma mãe muito presente, que acompanha todos os seus passos na escola, segundo dados contidos em seu histórico. Enquanto frequentava uma Escola Municipal, foi solicitado aos pais o encaminhamento ao Instituto de Olhos, pois o aluno questionava em sala de aula o fato 51 Síndrome de Stevens-Johnson: http://alergodermatologia.blogspot.com/2009/05/sindrome-de-stevensjohnson.html - Acesso em 12 de outubro de 2011. 52 Essas informações constavam da ficha do aluno na escola. Porém, não sabemos exatamente qual seu sentido. 55 de não conseguir enxergar o que estava escrito no quadro negro. Usualmente, seus colegas tinham que ditar a ele o que nele se encontrava escrito. Além disso, foi solicitada uma consulta com um neurologista por demonstrar um baixíssimo rendimento escolar segundo supervisão escolar, sem apontamento de problemas neurológicos. Diagnosticado com leucoma corneano provocado por uma conjuntivite viral crônica grave causando a atrofia do nervo óptico. Como consequência, também teve glaucoma. Fez cirurgia em ambos os olhos, sem muito sucesso e faz uso de colírio de corticoide. Conseguia enxergar parcialmente com o olho esquerdo, o que o ajudava na locomoção e na identificação de objetos, sempre recorrendo a esse recurso quando possível. Além dos problemas em relação à visão, Bejota também sofre de hipertrofia de adenoides que causa diversas alterações na escrita e na respiração, apresentando, assim, deglutição atípica. No ano de 2010, foi encaminhado para acompanhamento fonoaudiológico e psicopedagógico, parando o tratamento de ambos após quatro meses53. Foi informado à assistência social que nenhuma cirurgia foi feita para correção da fala mesmo sendo solicitado pela escola, mas essa foi a decisão do otorrino que o acompanhava. Esta mesma escola, percebendo as dificuldades encontradas pelo garoto, emitiu uma carta de encaminhamento ao ISR com os dizeres “Nós, professores, nos sentimos incapazes, no momento, de atender o Bejota de forma necessária, pois não temos o preparo desejado”. Em sua ficha escolar consta que a mãe afirma que seu filho não lê bem. Segundo ela, Bejota chegou a ser inicialmente alfabetizado na escrita corrente e aprendeu o Braille de maneira invertida em outra escola, o que tem dificultado na adaptação deste como se é ensinado e trabalhado no ISR, escola em que ingressou quando se encontrava no 3º ano. Em avaliações anteriores está registrado que ele é interessado, participativo e tem boa relação com os colegas e a professora e que havia sido encaminhado ao ISR por apresentar defasagem de conteúdo. Por enxergar medianamente com o olho esquerdo, não necessitou de AVD, apenas de OM54. Inicialmente foi pedido a Bejota para que ele usasse uma bengala para se locomover com mais facilidade, mas o mesmo recusou em usá-la. 53 Infelizmente, as informações da ficha são muito sucintas, não permitindo maiores detalhes. Orientação e Mobilidade, um programa destinado aos cegos e deficientes visuais que visam estimular a utilização dos sentidos remanescentes e a manipulação natural para locomover-se e orientar-se em um espaço a fim de desempenhar as mais diversas tarefas do dia-a-dia, como caminhar por um corredor ou reconhecer o espaço em que se encontra (MEC/SEESP, 2003). 54 56 Bejota era esperto e participante. Identifica e nomeia as cores com certa facilidade utilizando a pouca acuidade de sua vista esquerda. Tem visão residual para leitura e escrita à tinta e nomeia e descreve objetos com detalhes ao aproximá-los dos olhos. Na época da pesquisa, ele participava das oficinas de piano e do coral e tinha dificuldades relevantes na escrita e na leitura em Braille, o que penalizava sua desenvoltura e aprendizagem no ISR. Manipulava bem os objetos e demonstrava possuir bom raciocínio lógico. 3.4.5. Cat Nasceu em 07 de agosto de 1995 e tinha 16 anos na época da pesquisa. Ela morava no bairro Nazaré, na cidade de Belo Horizonte/MG com os avós maternos, a mãe e mais três irmãos, uma de 20 anos, uma de 19 anos e um irmão de 10 anos de idade. Sua mãe, quando grávida, contraiu toxoplasmose. Sendo assim, Cat foi diagnosticada com toxoplasmose ocular congênita com resíduo visual. Ela nunca fez uso de medicamentos para a visão, porém, foi necessário tratar a toxoplasmose no período de um ano, o que prejudicou seu crescimento físico. Foram então utilizados medicamentos que buscavam normalizar seu crescimento. Ela não precisou de acompanhamento com terapeuta ocupacional, mas necessitaria de acompanhamento psicológico segundo expresso pela assistente social em sua ficha escolar. A primeira avaliação de Cat no ISR ocorreu em 2001. Antes, estudava em uma Escola Presbiteriana, onde, segundo a mãe, superou as expectativas de professores e direção. Desde nova, percebeu que tinha os olhos diferentes das outras crianças e dizia à sua mãe, que não os queria. Foi relatado ainda que, quando criança, era mal cuidada pela família, chegando à escola com marcas pelo corpo e hematomas. Também foi relatado em sua ficha que a aluna faltava com freqüência e o pai sofria de dependência alcoólica. A fim de afastar a filha do ambiente familiar conturbado e prejudicial a ela, foi sugerida sua manutenção no ISR em sistema de internato55, no qual permaneceu por um ano sem muito contato com a família. Cat enxerga um pouco e reconhece algumas cores e diferencia aquelas que possuem tons fortes, mas confunde as mais semelhantes, como branco e bege. Atualmente, a aluna participa das oficinas de teatro. Mais morosa e preguiçosa, faltava 55 Sistema em que o aluno passa o dia e a noite na escola, pernoitando na mesma. 57 muito à aula e chegava sempre atrasada, o que pudemos perceber no desenvolvimento desta pesquisa. Em seu histórico há relatos da mãe solicitando transferência da filha para uma escola regular, pois a mesma morava numa distância muito grande do ISR, o que estaria contribuindo para seus atrasos constantes, sendo questionada pela orientadora educacional na época da solicitação. Ainda, segundo relatório, a mãe não aceitava o fato de a filha estudar numa escola para pessoas com deficiências visuais, por isso o pedido de transferência. Cat é agitada, inquieta e bem comunicativa, falando e gesticulando bastante durante as aulas e na hora do recreio. Não vê com nitidez e aproxima os objetos aos olhos para tentar destacar alguma característica. É independente e muito amorosa, mas tem picos de extremo mau humor. Por vezes, respondeu rispidamente a uma das pesquisadoras e à sua professora regente. Algumas atividades propostas foram feitas rapidamente sem muita atenção e dedicação exatamente para ver-se livre delas. Cat parece se sentir mais madura e talvez até superior aos seus colegas. Isso foi observado na forma como se dirigia aos colegas. Muito contribuiu para a pesquisa por ser muito falante. 3.4.6. MG Nascido em 20 de março de 1997, MG tinha 14 anos na época da pesquisa. Morava na cidade de Betim/MG, na região metropolitana de Belo Horizonte com seus pais. Aos 7 (sete) meses de vida, a mãe percebeu que o filho não acompanhava movimentos e procurou um oftalmologista achando que poderia se um estrabismo. MG foi diagnosticado com distrofia difusa de fotorreceptores (um defeito congênito nas retinas) com provável acuidade visual de vultos. Segundo neurologista, pode ter provindo de uma toxoplasmose congênita, sem maiores detalhes em sua ficha escolar. Ele usou tampo nos olhos por um tempo e óculos por dois anos, mas teve a visão degenerada ao passar do tempo. Atualmente, MG não possui acuidade visual, sem perspectiva de melhora. Além disso, tem episódios esporádicos de problemas leves na fluência verbal devido à sua extrema ansiedade. Faz uso de remédios homeopáticos e fitoterápicos. Tem sido encaminhado insistentemente para tratamento psicológico, pois tem vivenciado situações desagradáveis e fantasiosas envolvendo colegas, a ponto de preocupar pais e professores. 58 A mãe de MG procurou o ISR no ano de 2004, indicada pela escola anterior de MG, uma Escola Municipal, com quadro de déficit de atenção e concentração. Muito agitado e inquieto, o aluno movimenta-se na carteira involuntariamente a todo momento. Por vezes, relata fatos descontextualizados e fora da realidade. Sempre puxa para si o centro das atenções, falando alto e gesticulando muito e realiza lentamente qualquer tarefa que lhe é proposta. Tem baixa tolerância a imposição de limites e não sabe lidar com frustrações. O seu comportamento, às vezes, provoca uma reação negativa nos colegas que, em alguns momentos, o rejeitam. Foi solicitado acompanhamento psicológico. Falante e participante, fazia questão de comentar passo a passo o processo de desenvolvimento da atividade, o que contribuiu muito para a nossa investigação. 3.4.7. Degê Os familiares e responsáveis deste participante da pesquisa não devolveram a carta de solicitação de acesso a seus dados escolares e médicos. Assim, pouco podemos falar dele além do comportamento observado em sala de aula durante os encontros. Degê tinha 14 anos na época da pesquisa. Era agitado, inquieto e pouco participante. Durante todo o período de observação e aplicação das atividades, percebemos que estava sempre balbuciando e produzindo sons. Era disperso e tinha dificuldades de concentração, exceto quando a atividade é de manipulação de partes de objetos ou de construção, algo que gosta muito de fazer. Costumava ter comportamentos fantasiosos e criativos pelos constantes sons produzidos em sala de aula e pelas histórias relatadas durante as atividades, fora do contexto escolar. Tinha um bom relacionamento com os colegas e parecia diverti-los sempre. 3.4.8. Pesquisadoras e professora regente da classe estudada A professora regente da turma pesquisada é licenciada em Matemática e leciona há mais de 15 anos. Iniciou seus trabalhos em uma Escola Estadual através de um processo seletivo para contratação de professores na rede estadual (sem vias de concurso público). Possuía formação em Braille, uma exigência para atuar no local. Afastou-se no ano de 2010 para tratamento de saúde, retornando no ano de 2011, e assumindo as aulas de Matemática em todas as turmas do Ensino Fundamental II. Era prestativa, carinhosa e atenciosa e por várias vezes esteve presente e sempre disposta a 59 ajudar durante todo o desenvolvimento do trabalho. Auxiliou prontamente na pesquisa quando foi necessária a transcrição do Braille, já que nós, pesquisadoras, não temos fluência nesta forma de escrita e leitura. Foi de fundamental importância no andamento da pesquisa e muito contribuiu com ideias, sugestões e críticas em relação às tarefas aplicadas. Ana Cristina, pesquisadora e minha orientadora nesta investigação é professora na UFOP há nove anos e eu sou mestranda em Educação Matemática e professora desta disciplina há mais de 10 anos. Dediquei-me ao trabalho de campo e formei laços no ISR, onde me surpreendi com a capacidade e o interesse dos participantes da pesquisa. Pretendo continuar o trabalho nesta área, desenvolvendo novos projetos e auxiliando instituições educacionais de interesse e alunos que necessitarem de acompanhamento especializado. 3.5. Procedimentos Entrar em contato com o ISR foi bem difícil. Em outubro de 2010, procurei a direção da escola para apresentar o projeto de pesquisa e implementação das atividades. A diretora da instituição tem várias atribuições e foi difícil encontrar um horário possível para apresentarmos nosso projeto. Depois de muita insistência, conseguimos autorização da mesma para uma conversa com a supervisão escolar e para a apresentação do projeto. Fomos bem recebidas pela supervisora escolar que gostou muito do trabalho que gostaríamos desenvolver no instituto. Neste momento, ela sugeriu que desenvolvêssemos as atividades com todos os anos do Ensino Fundamental II. Porém, chegamos à conclusão que seria inviável a aplicabilidade para todos esses alunos e decidimos que, no ano seguinte, escolheríamos uma série para realizar o trabalho. Comentamos sobre a natureza das atividades que seriam desenvolvidas, os instrumentos utilizados e a importância da participação efetiva dos alunos na realização e crítica das atividades seguintes. A participação dos alunos na análise das tarefas seria fundamental para uma futura análise da proposta e a composição do produto final. Em janeiro de 2011, entramos em contato novamente com a escola que relutounos a receber. Isso se deu devido à mudança de cargos na supervisão escolar. A responsável pelo setor havia sido transferida para outro local e uma nova supervisora assumiu a vaga, o que complicou o processo. Foram necessários vários outros 60 agendamentos e explicações detalhadas sobre o projeto para que o mesmo fosse aceito pela nova direção, mesmo com a assinatura da diretora da escola no ano anterior. Fomos, então, apresentadas à professora de Matemática regente de todas as turmas do Ensino Fundamental que se mostrou disposta a colaborar com a pesquisa e a ajudar no que fosse necessário. Conversamos sobre as turmas, os alunos, a estrutura da escola, o desenvolvimento cognitivo dos alunos, entre outros assuntos pertinentes, de maneira informal, apenas para uma sondagem geral. Destacamos aqui a relevância dada por ela em relação ao conteúdo programático desenvolvido nos anos do ISR serem bastante precários e diferenciados de uma escola normal. A professora completou ainda que cada um deles possui uma ritmo de trabalho que era diferenciado pela fluência no Braille, interesse pela disciplina e participação nas aulas, além das dificuldades encontradas particularmente por cada aluno conforme apresentadas quando apresentamos os participantes desta pesquisa. Os encontros ocorreram durante as aulas de Matemática entre os dias 26 de abril e 04 de julho de 2011. As aulas aconteciam as segundas e terças-feiras à tarde e tinham duração de 1 hora e 30 minutos. Nesse período, quase todas as aulas foram utilizadas para o desenvolvimento da proposta. Isso foi autorizado pela direção da escola e pela própria professora regente que considerou o trabalho importante para os alunos56. Por vezes, os alunos eram liberados mais cedo quando a atividade do dia havia sido finalizada ou a pedido da própria direção do instituto. As atividades aconteceram, em sua maioria, dentro de sala de aula e no espaço que estavam acostumados. Figura 3: Sala de aula. 56 Em alguns dias, não foi possível desenvolver atividades com os alunos devido a solicitações do próprio ISR, por estarem envolvidos em outras atividades extraclasses ou paralização de professores em vias de greve. 61 Cada um tinha a sua carteira e sempre se sentava nela, conforme disposto na figura 4. Da esquerda pra direita assentavam-se: Joca, MG, Degê, Bejota, Chuck, Samuca e Cat. A mesa da professora se encontrava à esquerda da sala. Saímos da sala de aula algumas vezes, sempre com autorização prévia da escola e da professora, caminhamos pelo espaço físico desta instituição de ensino em conversas informais. Nosso propósito era melhor conhecê-los e compreender como exploram o espaço que os cerca, de que forma se locomovem e reconhecem o ambiente, como as pessoas se comunicam com eles nas mais diferentes condições, dentre outras coisas. Ao final, aplicamos à turma algumas questões de Geometria adaptadas a partir da Prova Brasil57 a fim de verificar como (e se) aplicariam os conceitos desenvolvidos ao longo da proposta em questões formais de Geometria. 3.6. Encontros No primeiro mês, as atividades estavam interligadas ao conhecimento prévio dos alunos. Iniciamos com uma sondagem e, a partir de sua análise, elaboramos as atividades que foram desenvolvidas com os alunos. Nos encontros, trabalhávamos conceitos de Geometria a partir da manipulação de materiais e confecção de objetos. Paralelamente, fomos construindo gradativamente um dicionário de conceitos geométricos com os temas desenvolvidos durante as atividades. Nesse sentido, procuramos explorar o uso desses materiais e a comunicação oral e escrita (registro em Braille). Essas atividades privilegiavam o uso de ferramentas manipuláveis e a construção de objetos, bem como o diálogo no decorrer das atividades e o registro das mesmas. A proposta não foi construída previamente e então implementada, mas reconstruída semana a semana tendo como base as observações do trabalho realizado na semana. Assim, embora houvéssemos preparado diversas tarefas antes do início do trabalho de campo, as atividades que efetivamente foram desenvolvidas resultaram da cuidadosa consideração do trabalho de cada semana e do que considerávamos ser oportuno, necessário e/ou interessante para a seguinte. 57 Um sistema de avaliação da escola básica em nosso país. 62 Na medida em que as atividades propostas foram sendo elaboradas, propusemos a criação de um Dicionário de Geometria58 no qual cada aluno registraria uma definição construída coletivamente para o conceito em estudo e o representaria em uma ilustração. Para confeccionar o dicionário, entregamos a cada aluno uma pasta catálogo. Cada um deles decorou a capa de sua pasta utilizando figuras geométricas recortadas em EVA. À medida que fomos ensinando/aprendendo conceitos, cada aluno registrava (em Braille) uma definição e uma representação para o mesmo. Os alunos numeraram as páginas organizando-as corretamente. As folhas utilizadas pelos alunos era papel sulfite 60, um pouco mais espesso que a folha A4 para que o Braille ficasse bem marcado. Os principais temas registrados neste dicionário foram a respeito de sólidos geométricos (forma, composição e elementos essenciais) e polígonos (nomenclatura, elementos, semelhança e congruência). Ao longo das atividades, procuramos explorar recursos diversos de modo a permitir uma adequada percepção das características do sólido, figura ou conceito em estudo. Por exemplo, para tratar da noção de superfície e suas principais formas, exploramos diferentes texturas como papel sanfonado, lixa, TNT59, papelão, barbante, cola plástica, macarrão (tipo espaguete), espeto de madeira, entre outros. Tais propostas foram elaboradas tanto a partir da literatura quanto por sugestão dos próprios alunos e da professora regente. Quando exploramos a construção de objetos, usamos massa de modelar e papelão no trabalho com sólidos geométricos. Algumas atividades remeteram a objetos do dia-a-dia como caixa de leite, caixa de chocolates, bola, vidro de perfume, apontador, batom etc. As avaliações foram feitas oralmente e através de materiais manipuláveis, porém, sempre gerando ao final um registro em Braille (como exemplo, ver Apêndice D, p. 161, referente a atividades de avaliação final). Elas ocorreram na medida em que os conteúdos foram se desenvolvendo e baseamos estas nas principais avaliações brasileiras, como a Prova Brasil e o ENEM60 (ver Apêndice E, p. 177) Na tabela a seguir se encontram os principais conteúdos desenvolvidos com esta turma do 7º ano e seus principais objetivos: 58 Este dicionário ficou de posse dos alunos para consultas e estudos futuros. O dicionário criado e estruturado pelos alunos continha textos em Braille (com conceitos construídos a partir das atividades desenvolvidas e das discussões ocorridas durante a execução das tarefas), figuras montadas e criadas por eles (utilizando instrumentos diversos, como barbante, macarrão, EVA e palito de madeira), representações angulares, formação de triângulos, entre outros itens. 59 Tecido Não Tecido: material confeccionado em tecido a base de prolipopileno e viscose. 60 Exame Nacional do Ensino Médio. 63 Semana Assuntos Objetivos − Identificar conhecimentos prévios em 1ª Semana 25 a 29 de abril − Avaliação diagnóstica − − − − Sólidos Geométricos 2ª Semana 02 a 06 de maio Figuras Planas − (atividade 1 e 2) − Geometria; Verificar os materiais mais propícios para a confecção de futuras atividades a partir das respostas dos alunos, suas críticas aos materiais utilizados nesta atividade e demais sugestões. Manipular sólidos geométricos; Descrever as principais características; Destacar as diferenças entre sólidos; Observar a presença da Geometria Plana na Geometria Espacial; Identificar polígonos e suas principais características; Iniciar a construção do dicionário com a confecção da capa utilizando figuras geométricas diversas. − Definir conceitos e elementos; − Associar sólidos geométricos com Sólidos Geométricos − Noção Espacial 3ª Semana 09 a 13 de maio − Ângulos (atividade 3) − − objetos do dia-a-dia; Denotar os recursos utilizados para deslocar-se pela escola; Empregar conhecimentos em Geometria cotidiana para movimentarse, relacionar-se e conhecer o ambiente em que ocupa; Definir ângulos; Reconhecer ângulos notáveis através de materiais manipuláveis. − Utilizar um transferidor adaptado para 4ª Semana 16 a 20 de maio Ângulos − − (atividade 3) 64 encontrar os valores dos ângulos apresentados; Operar ângulos; Analisar os diferentes ângulos encontrados em caixas do cotidiano relacionando-os com seu objetivo. − Construir ângulos utilizando macarrão − Ângulos 5ª Semana 23 a 27 de maio Construção de objetos − (atividade 4) e transferidor; Construir sólidos geométricos levando em consideração os ângulos e as figuras das faces; Levantar os motivos dos quais é possível ou não a construção de sólidos através das figuras planas escolhidas. − Confeccionar uma embalagem para 6ª Semana 30 de maio a 03 de junho Sólidos Geométricos − (atividade 5) − um produto de mercado, levando em consideração, além da Matemática, a criatividade; Apresentar as características e o porquê do modelo confeccionado. Participar da escolha da melhor caixa para o produto a partir da palestra de um especialista em marketing. − Construir um sólido geométrico dada − 7ª Semana 06 a 10 de junho Sólidos Geométricos − Semelhança Entre Figuras Planas − − (atividade 6, 7 e 8) − − sua nomenclatura utilizando massa de modelar; Trabalhar com uma régua adaptada a medida de comprimento; Reconhecer diferenças e igualdades entre figuras planas como um todo; Utilizar a régua para identificar o comprimento dos lados das figuras; Utilizar transferidos para identificar os ângulos internos das figuras; Associar as figuras semelhantes manipuladas quanto aos lados e aos ângulos; Definir as características das figuras semelhantes. − Fazer exercícios que envolvam os 8ª Semana 13 a 17 de junho Semelhança Entre Figuras Planas Soma de Ângulos Internos 65 − conteúdos de semelhança entre figuras, utilizando régua e transferidor. Definir a soma de ângulos internos nos triângulos utilizando dobradura. − Construir triângulos a partir de dados − 9ª Semana 20 a 24 de junho Congruência de Triângulos − − − 10ª Semana 27 a 29 de junho fornecidos utilizando régua, transferidor e espetos de madeira lixados (por segurança); Comparar os triângulos construídos entre os colegas; Montar uma tabela com os dados coletados; Extrair conclusões a partir das construções e da tabela; Definir as relações de congruência entre triângulos. − Resolver exercícios que envolvam Congruência Entre Triângulos congruência de triângulos, utilizando régua e transferidor. − Verificar a aprendizagem dos tópicos 11ª Semana − Avaliação trabalhados; Dialogar sobre a pesquisa com os alunos, destacando seus pontos positivos e negativos. Tabela 1: Conteúdos e objetivos das atividades trabalhadas com os alunos do 7º ano. 3.7. Coleta de Dados Todos os dados constantes nesta pesquisa foram coletados entre os meses de abril e julho de 2011. Os instrumentos utilizados para a coleta dos dados foram: - Sondagem de conhecimentos Aplicamos, inicialmente, um diagnóstico de conhecimentos, a fim identificar conceitos geométricos conhecidos pelos alunos do 7º ano do ISR e lacunas ou dificuldades existentes. A partir dos dados resgatados e analisados neste diagnóstico, pudemos traçar o perfil da turma e elaborar as atividades com o intuito de aproveitar os elementos pré-existentes e, a partir destes, orientar na formação de novos conhecimentos e descobertas ou sanar os conceitos erroneamente formados ou de constituição incompleta. Para saber mais, veja o Apêndice F, p. 179. Ao final do desenvolvimento das atividades, realizamos uma segunda sondagem sujo propósito era verificar se os objetivos propostos para as atividades haviam sido alcançados e se a produção dos alunos durante a pesquisa havia sido satisfatória para a aprendizagem. Para saber mais, veja o Apêndice D, p. 161. 66 - Gravações em vídeo e áudio Todos os encontros foram gravados utilizando uma câmera fotográfica e/ou um notebook com câmera digital embutida. Infelizmente, a última aula foi perdida. As gravações em áudio e vídeo foram anteriormente autorizadas pela escola e pelos responsáveis legais dos alunos por meio de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ver Apêndice B, p. 151). Dos vídeos, extraímos a maior parte dos dados coletados desta investigação por ser a forma mais completa e consistente dentre os instrumentos utilizados. - Diário de campo No decorrer dos encontros, produzimos registros acerca dos mesmos. Observamos o comportamento dos alunos no decorrer das atividades, as dúvidas surgidas durante o processo e as informações dadas pelos alunos e pela professora. Tomar nota desta forma não é fácil e, por vezes, a pesquisadora esteve em atividade com um determinado aluno auxiliando-o em alguma tarefa específica, impedindo-a de registrar algum dado importante daquele momento, obrigando-o a fazer certo tempo após o ocorrido. - Registros produzidos pelos alunos ao longo do estudo O dicionário foi uma das formas de registros dos alunos. Os registros contidos nele foram elaborados em conjunto após cada uma das atividades produzidas pela classe. Esses dados foram coletados pelo vídeo/áudio e algumas páginas também foram escaneadas. Outros registros, como exercícios e atividades extraclasse foram muito importantes para averiguar a aprendizagem dos alunos, sua relação com o Braille e o entendimento das questões propostas. Neles, os alunos procuraram, a pedido das pesquisadoras, relatar em detalhes suas observações, suas comprovações e seus conhecimentos a partir da manipulação do objeto durante determinada tarefa. Todos os textos em Braille foram transcritos para a escrita corrente pela professora de Matemática da turma juntamente com uma auxiliar do ISR sem acuidade visual. Os textos foram transcritos com exatidão, mantendo-se a composição e a linguagem utilizada pelo aluno na escrita em Braille, inclusive os erros de concordância, regência e ortografia da Língua Portuguesa. 67 - Objetos construídos pelos alunos Em algumas atividades, os alunos foram convidados a construir objetos utilizando materiais tais como massa de modelar ou papelão. No próximo capítulo, serão expostos os dados coletados retirados destes instrumentos acima especificados, assim como as fotografias que melhor ilustram as atividades e o resultado delas assim como as falas, os comportamentos, as reações, as impressões e as respostas dos alunos diante cada atividade. Cada dado exposto foi devidamente especificada a sua referência. 3.8. Análise dos dados Os dados coletados foram analisados primordialmente a partir do olhar teórico construído após o estudo de alguns textos de Vygotsky.Temos ciência da profundidade e complexidade de tal teoria e reconhecemos que a análise realizada na presente pesquisa representa uma primeira aproximação possível. Procuramos ainda identificar as possíveis contribuições das atividades propostas para a aprendizagem de conceitos de Geometria, analisando principalmente as falas e registros produzidos pelos alunos ao longo do trabalho. Nosso intuito era verificar possíveis mobilizações de saberes por meio do enriquecimento da linguagem utilizada para descrever/caracterizar/utilizar figuras geométricas em distintas situações, bem como por meio da própria manipulação dos objetos e materiais. 68 CAPÍTULO 4 DESCRIÇÃO DO PROCESSO VIVIDO Apresentamos aqui o processo vivenciado com os alunos do 7º ano do Ensino Fundamental do Instituto São Rafael (ISR). Conforme dito anteriormente, as tarefas foram construídas a partir das leituras de pesquisas como as de Fernandes (2004; 2008) e Lirio (2006), bem dos estudos de Vygotsky (1984; 1997; 2001). Além disso, nossa experiência como docentes, e mais especificamente com o ensino de Geometria, também influenciou a construção de cada tarefa. Procuramos apresentar cada momento vivenciado de modo detalhado visando possibilitar ao leitor uma maior compreensão do processo vivido. Para isso, destacamos falas dos alunos e estratégias utilizadas por eles na exploração dos objetos, bem como imagens dos materiais utilizados, da movimentação na classe e recortes das respostas em Braille. As atividades aqui descritas foram desenvolvidas entre os dias 25 de abril e 04 de julho de 2011. Outras atividades também foram desenvolvidas como congruência de triângulos, por exemplo. Porém, optamos por apresentar aqui um recorte delas. A escolha das atividades apresentadas (e que serão analisadas no próximo capítulo) levou em consideração o fato de essas terem sofrido menos interferências externas, como a saída dos alunos para palestras a pedido da diretora da escola ou paralisações de professores. 4.1.Avaliação Diagnóstica Antes do início das tarefas em Geometria elaboradas para esta pesquisa, era necessário verificar o grau de afinidade e conhecimento que os alunos possuem referentes a esse conteúdo. Sendo assim, a professora realizou algumas atividades elementares de Geometria plana e espacial. Tais atividades foram elaboradas por nós, pesquisadoras. A partir da análise das respostas dadas pelos alunos pudemos identificar como costumavam explora as atividades e materiais a ele fornecidos, que recursos utilizavam e quais os assuntos, tópicos e símbolos que já pareciam familiares ao grupo. 69 Figura 4: Avaliação Diagnóstica: figuras simples, contorno e elementos primitivos. Nas atividades da figura 4, utilizamos EVA61, barbante, macarrão e cola em relevo. Cada uma das figuras possuía, logo abaixo da mesma, uma letra de identificação em Braille. Foi solicitado aos alunos que escrevessem em uma folha a parte tudo o que sabiam sobre cada uma das figuras, como o nome, o que ela contém, o que a diferencia de outras figuras, etc. O manuseio da folha acontece geralmente com ela apoiada na carteira, mas Bejota a manuseia no alto. Isso se deve ao fato deste aluno possuir um resíduo visual. Segundo, Espinosa e Ochaíta (2006) a utilização da visão residual, mesmo que escassa e deficitária, é importante para o aprendizado e deve ser incentivada e explorada ao máximo. Bejota usou esse recurso em praticamente todas as atividades, que foi de grande auxílio para conclusões e construções. Figura 5: Bejota aproxima a folha em seus olhos para identificar as figuras com o auxílio da visão periférica. 61 O Etil Vinil Acetato é uma borracha não-tóxica que pode seraplicada em diversas atividades artesanais. 70 Vygotsky (1997) ressalta a importância do tato por permitir uma coleta de informações significativa de objetos pequenos e próximos. Como evidenciam as pesquisas estudadas, também nós – a partir da realização da tarefa e das falas dos próprios alunos na exploração do material – verificamos que o triângulo, o quadrado e o círculo foram mais facilmente identificados. Características relacionadas ao número de lados e número de vértices foram corretamente citadas pela maioria. Percebemos também que algumas associações foram feitas com objetos do cotidiano, como indicado na figura 6. Figura 6: Resposta de Chuck para a letra E da atividade 1 (figura 4). Corroborando as ideias de Espinosa e Ochaíta (2006), percebemos vários erros gramaticais e de grafia na escrita Braille dos alunos. Acreditamos que esta forma de escrita é pouco utilizada pelos alunos e que algumas expressões ainda são desconhecidas para eles quanto à sua escrita, tendo-se conhecimento apenas de sua oralidade. Por exemplo: Figura 7: Resposta de Cat para a letra F da atividade 1 (figura 4). 71 Em geral, os participantes da pesquisa não pareciam familiarizados com as diferentes nomenclaturas utilizadas na identificação de segmentos em Geometria Plana e Espacial. Arestas e lados são expressões livremente utilizadas pelos alunos independente do item apresentado. Na segunda atividade (figura 4), percebemos, pela fala dos alunos, que as diferenças apresentadas nas figuras não eram claras para eles. No diálogo abaixo, Cat identifica apenas a diferença do material utilizado para a construção das figuras como a diferença entre elas. Cat Hum... Não tem nenhuma diferença. Tem nessa [C], mas nessa daqui [A] e nessa daqui [B] não. Pesquisadora Entre essas duas aqui você não vê diferença nenhuma? Cat Nenhuma. Pesquisadora Entre essas duas aqui [A–B e C–D] você vê? Cat Vejo. Pesquisadora O quê? Cat Humm. O material... A atividade 3 (figura 4) tratava de conceitos primitivos em Geometria. Em geral, os alunos não indicaram dificuldades nas relações entre as retas (letras E, F e G, ativ. 3, figura 4), mas na apresentação da reta em si (letra B, ativ. 3, figura 4), na identificação de ponto (letra A, ativ. 3, figura 4) e de plano (letra C, ativ. 3, figura 4). Em outro momento, não lembravam o nome deste elemento e fizeram associações com itens de seu conhecimento cotidiano, chamando o ponto de pingo. Chuck Pesquisadora Chuck Pesquisadora Chuck Tenho certeza que eu nunca vi isso... Que nome você dá pra isso aí? Popularmente... Um pingo. Um pingo. Pronto. Na Geometria é chamado de quê? Vou saber... Pudemos inferir que os alunos desta turma têm conhecimento prévio sobre o vocabulário referente a figuras planas, porém pouco se sabe sobre características específicas das formas geométricas como relações entre lados e relações entre ângulos. A quarta atividade tinha como objetivo: identificar elementos, levantar conceitos e observações acerca do sólido manipulado e associar cada sólido a objetos comuns de seu conhecimento. Tomamos aqui algumas superfícies sólidas em acrílico (figura 8) 72 para manipulação devido ao fato de serem de fácil manuseio, terem boa estrutura física e apresentarem características físicas de nosso interesse. A pesquisadora comentou com os alunos que os objetos a serem manipulados, na verdade, se tratavam de superfícies sólidas, pois, para serem denominados sólidos deveriam objetos maciços. Porém, no decorrer das atividades, quando encontrarmos superfícies sólidas, lidaremos como se sólidos fossem, utilizando esse vocabulário, inclusive. Mantivemos a palavra “sólido” ao longo do texto, cientes de que os alunos estavam a par da diferença. Figura 8: Sólidos geométricos em acrílico e isopor. Assim como nas atividades anteriores, todos os sólidos foram marcados com letras em Braille (de A a G) para melhor identificá-los e distingui-los. Foi solicitado que todos manuseassem um a um os objetos, tomando nota do que percebiam sobre o mesmo. Durante esta atividade, os alunos procuraram objetos semelhantes aos sólidos que tinham em mãos, levando em consideração não só a sua forma, mas a posição em que se encontravam (conforme diálogo exposto abaixo). Outros alunos diziam o nome à medida que exploravam o objeto. Características como a presença ou não de arestas, a existência e a quantidade de vértices presentes em cada objeto já foram sendo ditos pelos alunos à medida que executavam a atividade. Essa exploração foi importante para que pudéssemos verificar o grau de conhecimento dos alunos. Algumas respostas foram fundamentais para avaliarmos o andamento da turma. Chuck Esse sólido meu parece com um prédio, velho. [C] Pesquisadora Parece o que? 73 Chuck Um prédio. Tendo em mãos as anotações dos alunos e as imagens geradas a partir das atividades acima, analisamos os conhecimentos manifestados e partimos para o desenvolvimento das atividades que abordariam conceitos associados a esses conhecimentos prévios e ao dia-a-dia desses alunos. 4.2.Atividade 1: Formalizando conceitos geométricos a partir da exploração tátil e da fala dos alunos Todos os alunos escreveram em uma folha tudo o que conseguiram identificar e denotar a partir da exploração dos objetos manipulados em acrílico e isopor (figura 8). Nesta atividade, propusemos aos alunos para que, a partir das características encontradas por eles e das propriedades associadas aos sólidos explorados, formulássemos em conjunto ideias e conceitos sugeridas ao longo da atividade anterior e que fosse de comum acordo. Os dados coletados pela turma, em consenso, seriam inseridos num Dicionário de Geometria, produzido inteiramente pelos próprios alunos, apoiados pelas pesquisadoras. Os dados seriam inseridos neste dicionário à medida que novos conceitos forem se produzindo ou novas descobertas forem se apresentando ao longo do período. Figura 9: Dicionário de Geometria. As capas foram confeccionadas pelos próprios alunos. A ideia da confecção de um Dicionário de Geometria surgiu a fim de organizar e formalizar os conhecimentos produzidos oralmente ao longo das atividades. Para Vygotsky (VALSINER e VEER, 1996), a fala é um instrumento da comunicação e do 74 pensamento e a palavra materializa esse pensamento, funcionando como meio de controle.Logo, a fala dos alunos no processo de mediação e formalização coletiva de conceitos a partir de suas experiências, serviu de base para a formação de novos conhecimentos e novas descobertas em Geometria. Para que essa palavra não ficasse perdida na fala desses alunos, propusemos integrá-las em um dicionário composto por palavras citadas por eles e intrinsecamente ligadas a exemplos do cotidiano. Ainda, o registro coletivo tem sua importância por destacar as ideias construídas em conjunto, elaborada pelos alunos à medida que formavam conjecturas para responder aos questionamentos das pesquisadoras. Além disso, como Espinosa e Ochaíta (2004), destacamos a importância do registro feito pelos alunos para a aprendizagem e a utilização da escrita Braille. O registro permite consultas futuras e o hábito de escrever em Braille provoca uma melhora significativa em suas habilidades de leitura e escrita. O Dicionário de Geometria vem com objetivo de registrar essas falas repletas de significados, novas ideias e conclusões e organizá-las ao longo das atividades para futuras consultas, caso sejam necessárias ou de interesse dos alunos. Alguns conceitos foram sendo costurados pelas falas desses alunos na medida em que exploravam os objetos propostos na atividade anterior. No diálogo abaixo, percebemos alguns conceitos sendo formados pela troca de experiência entre os alunos da turma. Pesquisadora Observem se tem outras figuras além de quadrado, retângulo e triângulo, se tem círculo ou se não tem. [Figura 8] Chuck Eu nem sei o que é aresta! Pesquisadora Você não sabe o que é aresta? Lado você sabe o que é? Chuck Lado eu sei o que é. Samuca Eu estou confundindo aresta e vértice. Pesquisadora A linha... Chuck Isto aqui [mostrando as faces] são as faces, não é não? Samuca Daqui [apalpando a aresta] até aqui! Pesquisadora [Para Chuck:] Isso são as faces, certo! Samuca Daqui até aqui é o que? Pesquisadora Você está mostrando a linha, certo? É aresta. Samuca Obrigado. Pesquisadora E as pontinhas? Como se chamam as pontinhas? Samuca Vértice. Bejota Pesquisadoras Vértices. 75 Chuck Essa pontinha aqui que é vértice? Pesquisadora Isso, cada pontinha dessas é um vértice. Em algumas situações, foi necessária a intervenção das pesquisadoras para discutir determinados tópicos, como a diferença entre cubo e quadrado, por exemplo. Pesquisadora MG Pesquisadora MG Pesquisadora Bejota Samuca Cat Pesquisadora Samuca Pesquisadora Chuck Pesquisadora Qual o objeto que vocês identificaram na letra A? [figura 8] Eu coloquei cubo. Colocou cubo? É. Isso, o nome dele é cubo mesmo. O que vocês colocaram sobre o cubo... Eu coloquei um quadrado. Eu também. [figura 10] Eu coloquei [lendo lentamente seu texto em Braille]: “forma de quadrado... Parece ser um lugar de colocar objetos”. Então parece um quadrado, tem forma de um quadrado... O que ela quis dizer com “tem forma de um quadrado”? É que parece um quadrado. Por que será? De que formas vocês imaginam que, no cubo, foi identificado como “forma de um quadrado”? Porque ele é construído por quadrados. Isso! As suas faces são formadas por quadrados, não é? Em cada face eu tenho um quadrado. Figura 10: Resposta de Samuca para a letra A da figura 8. Partindo de discussões como essa, construímos coletivamente uma definição para o cubo, com as principais características levantadas por eles: 76 Cubo: é um sólido cujas faces são quadradas. Possui seis faces, doze arestas e oito vértices. Ex: dado. Esses passos foram seguidos por todos os sólidos e registrados pelos alunos em seus dicionários utilizando a escrita em Braille, a fim de serem consultados em ocasiões futuras. Finalizamos o encontro relendo todo o registro contido no Dicionário de Geometria e levantamos algumas observações sobre as concepções formadas até então. 4.3.Atividade 2: Reconhecendo o espaço escolar Os alunos foram convidados pelas pesquisadoras a transitar pela escola a fim de identificar o espaço ocupado por elas e como elas se locomoviam nele. Associados ao espaço, exploraríamos a Geometria do local, identificando terminologias e conceitos discutidos na atividade anterior. Durante a caminhada com os alunos, verificamos que eles conhecem bem a escola e se locomovem com extrema facilidade. Vieira e Silva (2007) destacam a presença da Geometria nas ruas, nas casas e, inclusive, nas escolas. Da mesma forma que pessoas de visão normal percebem a Geometria existente ao seu redor no cotidiano, as pessoas cegas também sentem essa Geometria no seu espaço. Com o auxílio de outros sentidos, tais como o tato e a audição, essas pessoas conseguem captar a estrutura física ao seu redor e explorá-la. Aproveitamos esse momento para explorar essa Geometria presente nos corredores da escola. À medida que andamos por ela, eles foram identificando o espaço e contando como se locomovem por ele e como identificam os caminhos com perfeição. Percebemos que alguns alunos preferem andar acompanhados. Outros, já andam sozinhos. Pesquisadora É mais fácil andar em grupo do que andar sozinho? Cat Ah, eu prefiro andar sozinha que em grupo [vale lembrar que Cat possui um bom resíduo visual]. MG Ah, às vezes eu prefiro em grupo [já MG vê apenas vultos próximos]. Pesquisadora Por que andar em grupo é mais fácil, MG? MG Eu enxergo um pouquinho, mas a questão é que... ficar sozinho é um martírio pra mim. 77 Figura 11: Bejota, Chuck e Samuca caminham de braços dados pela escola. Chegando até a quadra poliesportiva do ISR (figura 12), iniciou-se um diálogo entre alunos e pesquisadoras em relação ao espaço físico e às figuras presentes no chão desta quadra. Podemos perceber que, assim como relata Vygotsky (1984), a consciência humana e o conhecimento produzido por ela partem de fatores biológicos e de interações culturais evoluídas através da história do homem. As funções psicológicas resultam da interação do indivíduo com o seu contexto sociocultural e foi possível perceber claramente como os fatores culturais e sociais influenciam na aprendizagem e na significação de figuras geométricas quando estas são identificadas e associadas a um esporte comum entre brasileiros, o futebol. Familiarizados com o esporte, os alunos conseguem identificar as figuras geométricas presentes nesta quadra de esportes (figura 12). Figura 12: Quadra poliesportiva do ISR. 78 Pesquisadora Qual que é a figura geométrica presente... Vocês conseguem identificar o centro? Samuca É um círculo! Pesquisadora ... Ou se pela tonalidade das cores vê alguma diferença... MG É um círculo! Cat É um círculo! Pesquisadora Como que vocês identificam um círculo aqui no meio? Samuca É por que eu tenho um tapete com um campo de futebol. Pesquisadora Ah, porque o campo de futebol é assim, né? [Virando-se para Degê.] Você disse que a quadra é o quê? Degê Quadrada. Samuca Retangular, velho! Bejota É um retângulo. Pesquisadora Qual a diferença, Degê, de um quadrado para um retângulo? Degê Quadrado tem quatro lados iguais. Pesquisadora Isso. A quadra tem quatro lados iguais? Degê Não. Ah... Cat Not! Pesquisadora Não... Então tem que ser um retângulo. Onde que ela é maior, Degê? De um gol a outro ou de uma lateral a outra? Samuca De uma lateral a outra. Pesquisadora Vocês jogam futebol aqui? [Sem comentar a resposta de Samuca.] Samuca Un-hum. Pesquisadora Como que funciona jogar futebol aqui? [Silêncio.] A bola tem algum tipo de guizo ou alguma coisa assim? Chuck Tem. Bejota Ah, é. Pesquisadora E tem goleiro? Cat Não. A gente vai e volta. Samuca Não... Não... Só se quiser! Professora Quando não tem a bola certa, coloca saquinho plástico e aquele barulhinho do saquinho plástico vai identificando. Pesquisadora Ah, sim.. O que mais vocês jogam aqui na quadra? Só futebol? Degê Futsal também. Pesquisadora Ah, futsal também... Em outra situação, ainda explorando o espaço externo à sala de aula, observamos como os alunos lidam com o senso de direção dentro da escola. Vygotsky (1997) acreditava que havia uma compensação de outros sentidos quando um deles é defeituoso. Depois, aprofundando seus estudos em Defectologia, verificou que, na verdade, há uma reestruturação dos sentidos a fim de suprir a falta de um deles. Não há uma compensação de sentidos, mas há uma maior exploração dos existentes. Podemos perceber esse sensível desenvolvimento das outras funções sensoriais em Samuca 79 quando este se voluntaria a encontrar a cantina a partir do centro da quadra depois de ser rodado alguma vezes pelo colega Chuck. Observe o diálogo abaixo: Pesquisadora Samuca Pesquisadora Samuca Pesquisadora Samuca Você consegue identificar onde está cada ponto, Samuca? Como assim cada ponto? Qual a direção da sala, pra onde que é a cantina... Consigo. Mas como que você identifica sendo que você rodou todo? Mas dá, uai! Pelo som. Em seguida, retornamos à sala a fim de dar continuidade às atividades seguintes. 4.4.Atividade 3: Ângulos e suas relações Para que os alunos construíssem a noção de ângulo a partir da região interior à duas linhas, ou como uma ‘abertura’ entre dois planos, apresentamos planos em formações angulares variadas: de 0º a 180º, tomando os principais ângulos (chamados notáveis) do primeiro e do segundo quadrante. Para isso, foram utilizadas folhas de alumínio maleável, que permitiam facilmente a dobra no ângulo escolhido, porém, que também eram firmes o suficiente para se manterem na posição quando manuseadas pelos alunos (figura 13). Para protegê-los de possíveis cortes, contornamos os planos dobrados com fita adesiva. Figura 13: Ângulos notáveis (com valores registrados em Braille) em chapas de alumínio para manipulação. 80 A maioria dos alunos sabia da existência de ângulos e algumas classificações, como vimos na avaliação diagnóstica. Na relação entre retas, alguns alunos apontaram a existência de uma perpendicularidade entre elas sem associar, diretamente, à existência de um ângulo reto. Pela primeira vez, os alunos manipularam ângulos através das chapas e fizeram associações entre as diferentes aberturas. Segundo Fernandes (2004, p. 72), o pensamento geométrico de pessoas cegas é estruturado através de estímulos táteis e a captação desses estímulos contribui para a construção deste pensamento. Além disso, o símbolo para grau na escrita Braille foi novidade: eles não conheciam. A pesquisadora distribuiu os ‘ângulos’ entre os alunos e, rapidamente, alguns já começaram a fazer associações no que diz respeito à abertura das chapas. Bejota Chuck Samuca Cat Bejota Samuca Professora Chuck Bejota O seu... O seu parece ser bem fechado. [Chuck está com 60º e Bejota, 90º.] Trinta a menos que o seu. O seu é quantos graus, Cat? O meu é 45º. O da Cat deve ser ‘fechadasso’. O meu é o mais fechado. [Samuca está com 30º] O da Cat? É. O dela deve ser fechadão. Durante a troca dos ‘ângulos’ entre os alunos, eles começaram a compará-los, verificando se o ângulo havia aumentado ou diminuído. Cat identificou, por exemplo, que a chapa “abaixa” à medida que o ângulo aumenta, porém um erro na leitura do Braille confundiu seus pensamentos e alterou sua concepção sobre medida e abertura. Cat Professora... Pesquisadora Oi. Cat O meu abaixou. [Cat está com o de 150º.] Se ele fosse assim, oh [e mostra do alto, levantando a chapa]. Pesquisadora Se ele fosse plano... Cat Não, se ele fosse assim, oh [encurvando a chapa, mantendo-a no ar]. Igual aqui, se ele fosse de 45º, ele seria mais alto. Pesquisadora Mas seria maior ou menor, o ângulo? Cat Maior. Pesquisadora Esse ângulo é maior ou menor? Cat Menor. Pesquisadora Peraí. [Vai até ela e mostra a inscrição em Braille.] Esse é maior ou menor que o de 45º? Cat Não tenho a mínima ideia. 81 Pesquisadora [Dirigiu-se até à carteira de Chuck e pegou emprestado o ângulo de 45º.] Olha esse aqui, Cat. A abertura dele é maior ou menor que a abertura desse [o de Cat]? Cat [Silêncio.] Pesquisadora Quem tem maior abertura: esse [150º] ou esse [45º]? Cat [Indicou a chapa de 150º.] Pesquisadora Esse tem maior abertura, então ele tem maior grau. Cat Mas ele é 15 graus. Pesquisadora 15? Olha direitinho. Cat [Lendo a inscrição contida na chapa.] 150 graus! Podemos perceber que alguns conceitos foram previamente trabalhados com esses alunos, como a classificação de ângulo quanto à sua abertura quando diz ‘obtuso’, ‘reto’ e ‘agudo’. Chuck Esse aqui já é aberto já, velho! [Manuseando a chapa 0º–180–360º.] Esse aqui é aberto! Samuca O meu agora já é obtuso, já. Chuck O seu é qual? Samuca 150. Bejota Obtuso, escaleno, o outro é? Samuca Não, é obtuso... Escaleno é o tipo de triângulo, velho! [Risos.] É obtuso, reto e agudo. Em seguida, comentamos sobre a junção de ângulos e a formação de um novo ângulo a partir da soma desses, descobertas por Samuca, Chuck e Bejota. Apresentamos alguns exemplos de soma de ângulos e eles responderam com facilidade. Os próprios alunos responderam que se tratava de adição de ângulos: bastava somarem-se os valores. Após a manipulação das chapas de diferentes aberturas e as conclusões dos alunos em relação à junção de diferentes ângulos e a formação de novos, os alunos definiram o conceito de ângulo, classificaram quanto à sua abertura, registraram o novo símbolo para graus e acrescentaram todos esses dados ao Dicionário de Geometria. 4.5.Atividade 4: Construindo ângulos Até então, havíamos trabalhado com os ângulos notáveis já fixados na chapa de alumínio. Passamos, nesta atividade, para a leitura e construção de outros ângulos. Para que os alunos pudessem identificar corretamente a posição do transferidor (figura 14), 82 indicamos que o centro do transferidor é onde está encontro de todas as linhas tracejadas. Figura 14: Transferidor. As medições com menores traços representam ângulos de 45º e as maiores, 30º. Em seguida, solicitamos que medissem o ângulo das chapas que se encontravam de posse com cada um deles. Após medir utilizando o instrumento, cada aluno dizia o seu ângulo medido comparando-o com o ângulo presente na chapa. Samuca e Bejota comentaram que possuíam em casa um transferidor, mas que não sabiam para que ele servia. Em um dos encontros, Samuca trouxe o seu transferidor. Para ele, o manuseio deste instrumento em acrílico não era bom, pois os pontos de marcação em alto relevo dos ângulos eram únicos e externos ao ângulo (figura 15), sem as linhas de continuidade partindo do centro como continha no transferidor que trabalhamos em sala de aula. Figura 15: Transferidor em acrílico, como é comercializado em papelarias. 83 Espinosa e Ochaíta (2004) destacam que o tato recolhe a informação de forma sequencial. Nesse caso, a ausência de uma marcação contínua neste transferidor (figura 15), desde o centro até a extremidade, poderia dificultar a leitura correta na medição do ângulo. Para trabalhar mais medidas, verificar a presença de ângulos em objetos do diaa-dia e como esses ângulos influenciam na forma e no objetivo-fim de objetos, tomamos algumas embalagens conhecidas (figura 16). B A C G E F D Figura 16: Embalagens de produtos do cotidiano, como chocolates e leite. Como pudemos perceber, Bejota sempre utiliza a visão residual para poder explorar e observar os objetos que manipulava e sempre era permitido pelas pesquisadoras (figura 17). Figura 17: Bejota lê as indicações presentes na caixa que explora. 84 Bejota Esse aqui é um “Diamante Negro”... Antes de medirem os ângulos presentes nas embalagens, Bejota tomou a chapa de 60º e verificou que um de seus ângulos era nesta medida. Utilizar recursos alternativos para a verificação de resultados é um dos recursos utilizados por eles. Após a exploração dos objetos e a medição dos ângulos com auxílio do transferidor, orientados pela pesquisadora, os alunos identificam nas embalagens os sólidos representados associados aos sólidos geométricos conhecidos nas primeiras atividades (figura 8). Samuca identificou um prisma em suas mãos (figura 16-A) contando o número de arestas contidas em sua base chegando ao pentágono. Chuck ainda confundiu o sólido à base desse sólido, dizendo que o prisma de base triangular se tratava de uma pirâmide (fig 16-B). Pesquisadora Chuck Pesquisadora Chuck Pesquisadora Chuck Samuca Que sólido é esse que se encontra em sua mão? Tem a forma de um triângulo... A base dele é um triângulo, num é? Tomou essa base e subiu a uma altura.. Então é uma pirâmide. Pirâmide? Ele possui uma ponta, onde se reúnem todas as arestas laterais? Depende... Não... Joca possui a tampa da imagem de Bruno e identificou corretamente como um prisma de base triangular e ângulos internos da base de 60º, confirmado por Bruno na medição angular. A pesquisadora pergunta qual nome é dado ao triângulo que possui ângulos de 60º e Samuca responde como sendo um triângulo isósceles. A pesquisadora apresenta a definição de triângulo isósceles como tendo apenas dois lados congruentes e a turma não sabe dizer que triângulo está representado como base da figura 16-B. É dito então “equilátero” por ela e Samuca concorda. Após a exploração das caixas, a identificação destas com os produtos contidos nelas, a medição dos ângulos e o reconhecimento dos sólidos geométricos por ela formados, encerramos esta atividade. Em seguida, cada um dos participantes recebeu uma folha com dois ângulos já previamente formados (figura 18) com o auxílio de macarrão e foi pedido que cada um identificasse qual o ângulo apresentado e sua classificação (se agudo, reto ou obtuso). No início, alguns alunos tiveram dificuldade em centralizar o transferidor com o vértice do ângulo formado em suas folhas, como Samuca e Bejota, que questionaram a exatidão 85 de seus valores em sua medição conforme marcação do transferidor que estava sendo usado (figura 14). Foi necessário que a pesquisadora reforçasse a importância do alinhamento do vértice com o transferidor. 30º 120º 90º 30º Figura 18: Atividade designada para Samuca (à esquerda) e Bejota (à direita) Ao final, todos mediram precisamente os ângulos propostos na folha que receberam e apresentaram corretamente a classificação de cada um deles. Abaixo se encontram as respostas dadas pelos alunos Bejota (figura 19) e Samuca (figura 20), conforme ângulos contidos em suas folhas (figura 18). Figura 19: Resposta de Bejota: “obtuso – 120º” e “agudo – 30º”. Figura 20: Resposta de Samuca: “agudo – 30º” e “reto – 90º”. Após a identificação correta de ângulos através da utilização do transferidor, era hora de se construir ângulos com o mesmo instrumento. Para isso, foi distribuído uma folha de papel em branco e um graveto de macarrão (tipo espaguete). Este macarrão 86 serviria como semi-retas do ângulo a ser construído. Foi solicitado para que cada aluno quebrasse o macarrão ao meio. Em seguida, cada um colou a metade do macarrão na folha, que foi fixado com um pedaço de fita adesiva. Seguindo as instruções, os alunos traçaram ângulos de 45º utilizando a outra parte do macarrão e o transferidor. Os alunos presentes solicitaram o auxílio da pesquisadora e da professora da turma para alinhar o transferidor à semi-reta, o que nos fez perceber a dificuldade em atividades que necessitavam de trabalhos manuais para alguns alunos. Depois de construídos, os alunos colocaram a folha com a construção dos ângulos na pasta para compor o Dicionário de Geometria. 4.6.Atividade 5: Construindo superfícies de sólidos com papelão Nesta atividade, através de pedaços de papelão recortados nas formas das figuras planas mais conhecidas, os alunos construiriam a superfície de um sólido qualquer. O objetivo desta atividade era construir sólidos a partir de suas faces, a fim de observar a percepção dos alunos em relação ao espaço e o encaixe das figuras, bem como se perceberiam que nem todas as figuras se ‘encaixariam’. A construção era livre e eles podiam utilizar as formas que quisessem. Entregamos um pacote com as figuras recortadas para cada um dos alunos e, após a montagem das figuras, utilizaríamos fita adesiva para juntar as partes. Figura 21: Figuras geométricas cortadas em papelão para a construção de sólidos diversos. Alguns alunos construíam passo a passo cada sólido, solicitando que se prendesse a cada construção. Outros já queriam montar todo o sólido de uma vez, 87 apenas com o auxílio das mãos, e, aos poucos, foram percebendo que é algo bem difícil de ser feito. Analisando as figuras, Degê pensou em fazer uma pirâmide. Degê Bejota Samuca Degê Bejota É assim que se constrói uma pirâmide? Vou te mostrar como se constrói uma pirâmide. Não tem como construir uma pirâmide assim não, gente! Tem! Tem. É lógico que tem. Cada um construiu uma superfície de sólido a seu modo, discutindo bastante entre si e fazendo tentativas com as figuras que possuíam (figura 22). Degê construiu uma pirâmide de base quadrada e pediu para que ficar com ela. As figuras construídas pelos alunos se encontram na figura 22. Figura 22: Sólidos construídos pelos alunos utilizando pedaços de papelão. À medida que construíam seus sólidos, a pesquisadora pediu para que eles observassem as figuras utilizadas para as faces, a quantidade de vértices e de arestas e o sólido gerado, caso seu nome fosse conhecido. Quando Samuca terminou de construir seu prisma de base hexagonal, foi mostrar aos colegas Bejota e Chuck a sua obra. Joca precisou da ajuda da pesquisadora 88 para montar o seu sólido como gostaria assim como MG. Samuca pediu para Chuck alguns triângulos para construir outros sólidos, pois este tinha vários sobrando. Ao final da atividade, a pesquisadora relembrou que os sólidos construídos com o papelão na verdade representam as “cascas” de sólidos, as partes externas deles. Os sujeitos da pesquisa ainda construirão sólidos exatos ao mexer com modelagem em massa de modelar. Dando continuidade à construção de superfícies sólidas, propusemos uma tarefa diferente: construir uma embalagem para um objeto, porém, considerando algumas condições. Solicitamos que cada um construísse uma embalagem para um apontador de lápis (figura 23), em forma de um globo terrestre. Figura 23: Objeto utilizado de molde para a construção de embalagens. A embalagem deveria ser criativa, original e comportar o objeto, é claro. Chuck perguntou se ele poderia fazer qualquer coisa que quisesse e quais seriam as dimensões deste objeto. Chuck Pesquisadora Chuck Pesquisadora Chuck Pesquisadora Chuck Bejota Pesquisadora Chuck Pesquisadora Tem que caber esse negócio aqui? [figura 23] Esse objeto tem que caber dentro da embalagem que você criar. Qualquer coisas que eu quiser? Da forma que quiser. É importante que esse objeto caiba dentro... Esse objeto mede quanto? Você quer saber as dimensões dele? É, eu tenho direito de saber o tamanho exato! Posso fazer duas? Sim, já te falo. Eu preciso saber o tamanho exato. Você quer saber o comprimento? 89 Chuck Pesquisadora Chuck Pesquisadora Quero saber o tamanho exato... a altura! [Medindo com o auxílio de uma régua] Ele possui 9cm de altura... E quanto de largura? E 4cm de largura. Ainda, perguntaram se a caixa teria que ter o tamanho exato ou se podia ser maior e se outros materiais poderiam ser utilizados na confecção da embalagem. Informamos ainda que José Olinto62, um publicitário da cidade de Belo Horizonte, iria visitá-los no próximo encontro para falar um pouco sobre a importância da embalagem na venda de um produto, tanto no sentido estético quanto no sentido físico. Tomando então o nosso produto (figura 23), os alunos criaram embalagens levando em conta todas as características supracitadas (figura 24).Combinamos ainda que haveria uma premiação à melhor embalagem criada. Figura 24: Embalagens construídas pelos alunos para acoplar o objeto da figura 23. No encontro seguinte, o publicitário compareceu ao encontro e conversou um pouco com a turma em relação à propaganda e a importância da embalagem para o 62 Nome fictício. O publicitário foi convidado por uma das pesquisadoras para participar desta atividade com os alunos, contribuindo com seu conhecimento em publicidade, explicando a importância de uma embalagem para promover um produto. 90 produto que se deseja acoplar e vender. A embalagem é também utilizada para chamar atenção, além de dizer um pouco do que se trata o produto em questão. Para que ele conhecesse o processo de construção de cada embalagem, cada aluno foi convidado a apresentar o seu produto, colocando-o em uma mesa central e destacando as principais características da embalagem criada e o material utilizado para a confecção da embalagem. Degê [B, figura 24] É só puxar os triangulozinhos assim que se abre a caixa. Chuck [A] Usei papelões, durex e botões. É formada por retângulos e quadrados. Eu fiz uma cruz [planificação]e depois dobrei. Samuca [E] Pra fazer a parte de baixo [base] usei uma caixa recortada e também aqui [mostrando a lateral]. Usei um pouco de glitter ao redor. Na tampa a gente usou papel e palha por dentro. É pra fazer, tipo, uma Terra. Joca [D] Minha caixa tem o formato de um paralelepípedo e eu utilizei durex para revesti-la, para firmar a caixa. Usei retângulos e quadrados. [Tocando a caixa à medida que dizia suas características, Joca não percebeu que havia papelão revestido por fita adesiva, afirmando conter apenas a fita no revestimento.] Degê [C]. [MG não estava em sala e sim no auditório a pedido da supervisão escolar.] MG usou papelão e durex. Ele colocou seis faces retangulares e ele usou uma parte hexagonal como tampa e como base da caixa. Ele colocou durex em volta pra segurar ela. Para a escolha da melhor caixa, José Olinto disse que todas ficaram muito boas e que estavam dentro do solicitado: eram criativas e práticas. Na escolha da melhor embalagem, José Olinto escolheu a do Degê (B, figura 24), por considerar que o uso de triângulos para fechar a caixa havia sido inovador e diferente. Ele deu os parabéns ao Degê, que ficou muito feliz com o prêmio. Samuca reclamou que gastou tempo da vida dele fazendo a caixa, insatisfeito com o resultado. Aproveitamos para trabalhar um pouco a participação coletiva e a frustração com a perda. José Olinto finalizou a atividade dizendo que todos foram criativos na construção da embalagem e que percebeu que se esforçaram para oferecer a melhor caixa para guardar o objeto. Sendo assim, distribuímos o prêmio para todos os alunos e reforçamos que os ganhos com a participação em atividades diversas é tão lucrativa e beneficiária quanto o prêmio adquirido em si. A turma agradeceu a participação do publicitário e deu-se por encerrada a atividade. 4.7.Atividade 6: Construindo sólidos com massa de modelar 91 Nesta atividade, utilizamos massa de modelar para a construção de sólidos não mais de forma livre, mas indicados em um sorteio. Cada um recebeu uma ficha escrita em Braille a nomenclatura de um sólido específico já estudado. Sua tarefa seria modelálo com massinha. Ao final da modelagem, esse aluno passaria seu objeto para outro colega que deveria descobrir que sólido era esse. O objetivo desta atividade, além da construção de um sólido específico, era verificar a riqueza de detalhes que os alunos seriam capazes de produzir na confecção de um objeto utilizando massa de modelar. Além disso, pretendíamos ressaltar a diferença entre o objeto agora produzido e as superfícies de sólido com as quais havíamos trabalhado anteriormente. Agora, efetivamente, tratava-se de um sólido maciço e não oco, como os objetos gerados ao utilizarmos papelão. As carteiras foram cobertas com uma folha de papel para protegêlas e foram utilizadas nas aulas subsequentes. A seguir, comentamos como se deu essa atividade. A massa de modelar foi distribuída aos alunos e Bejota (o aluno que possui resíduo visual) pediu para que sua massa fosse na cor azul. Com isso, MG pediu para que a cor dele também fosse azul, mesmo não vendo a cor em suas mãos. Assim que receberam, perguntamos qual a forma original da massa de modelar e todos responderam corretamente como sendo um cilindro. Em seguida, entregamos mais uma massa em forma de cilindro e solicitamos que fizessem uma esfera juntando-se as duas massas. Cat disse que dava dó misturar as duas e que suas cores eram como as cores da pele. MG disse que as cores eram verde e laranja, dito pelo colega Bejota ao lado, que as via nitidamente. Em seguida, distribuímos os nomes dos sólidos que deveriam ser construídos (figura 25). Eles ficaram interessados nos sólidos que tiraram e alguns queriam trocar pelo grau de dificuldade na construção do sólido sorteado. Chuck pediu mais massa dizendo que a quantidade que tinha não daria para construir seu sólido. Samuca pediu para trocar com a Cat, dizendo que a dele era muito difícil. 92 Figura 25: Sorteio do sólido que deveria ser construído utilizando massa de modelar. O processo de construção dos sólidos transcorreu com certa tranquilidade, recebendo apenas alguns comentários durante a execução dessa tarefa (figura 26). Cat teve dificuldade em lembrar as características de seu sólido para a modelagem. A nosso ver, isso se deve ao fato de a aluna ter faltado a vários encontros. Já Samuca, questionava o nível de dificuldade de seu sólido durante a sua construção. Samuca Ah, [nome da pesquisadora], me dá um mais fácil! Professora Mais fácil? Você acha que você precisa? Samuca Esse aqui tá muito difícil... [Pausa.] Ah, vey! [Enrola a massinha com as mãos. Em seguida, tenta mais uma vez.] Pesquisadora Deixa eu ver... Samuca Não, assim tá errado! Ah, não! Todas as construções neste dia foram apresentadas na figura 26. 93 Figura 26: Sólidos construídos pelos alunos utilizando massa de modelar. Em seguida, os sólidos foram redistribuídos entre os participantes. A tarefa agora era identificar o sólido produzido pelo colega ao lado. O sólido construído por Cat foi explorado por Samuca, que o identificou como um prisma de base hexagonal. Porém, na folha sorteada por Cat, constava a prisma de base pentagonal. A identificação de Samuca foi correta, já que o prisma construído por ela realmente continha seis faces laterais e não cinco. Cat assumiu ter feito incorretamente. MG também confundiu a presença de um único vértice em sua altura (sólido de Bejota, figura 26). Neste caso, ele confundiu os vocábulos‘cilindro’ e ‘cone’, já que a base de ambos é circular. Chuck identificou como ‘prisma’ o sólido construído por Samuca (figura 26), mas não identificou a quantidade de arestas em sua base. Finalizamos a atividade destacando que utilizando a massa de modelar para construir figuras efetivamente estávamos trabalhando com sólidos maciços e que a nomenclatura de um sólido já fornecia várias características sobre sua composição e suas propriedades. 4.8.Atividade 7: Semelhança de figuras planas Nesta atividade, dividimos a turma e formamos duplas a fim de que trabalhassem em sistema de parceria. Para cada dupla, entregamos quatro figuras: três delas semelhantes entre si e uma não semelhante às demais (figura 27). O objetivo aqui era que os alunos identificassem a figura não semelhante. Para isso, dissemos às duplas que se tratava de um grupo de figuras e que uma delas não fazia parte daquele 94 grupo.Solicitamos, então, que os alunos identificassem qual figura não fazia parte do grupo e porque ela seria excluída das demais. Nosso intuito era trabalhar o conceito de semelhança determinada pela Geometria Euclidiana, ou seja, a noção de que “dois polígonos são semelhantes quando os ângulos correspondentes são congruentes e os lados correspondentes são proporcionais”63. Figura 27: Figuras semelhantes e não semelhantes. Iniciamos distribuindo para as duplas quatro quadriláteros, esperando que indicassem qual o quadrilátero que não fazia parte do grupo. Propusemos aqui, a princípio, trabalhar a diferenciação a partir de figuras regulares, facilitando a identificação da figura não regular. Rapidamente todas as duplas indicaram o quadrilátero correto: aquele que não é um quadrado. Pesquisadora Todos Pesquisadora Samuca Pesquisadora Cat O que são quadrados? Tem quadro lados iguais. E? Quatro ângulos? Isso! Quatro ângulos retos, não? Isso, quatro retos. 63 Definição retirada do livro FREITAS, Gláucia M. Q. et al. Semelhança e congruência. Disponível em: <http://www.feis.unesp.br/extensao/teia-saber/teia2004/matematica/Apresentacoes/grupo_A.pdf>. Acesso em: 21 de julho de 2012. 95 Pesquisadora Se vocês tomarem o transferidor, irão verificar que os quadrados têm quatro ângulos medindo 90º. Em seguida, conversamos sobre a forma da figura e suas relações. Juntos, construímos uma definição para o conceito numa linguagem compreensível para eles e cada o registrou em uma folha de seu Dicionário de Geometria: “são figuras que tem a mesma forma, porém possuem tamanhos diferentes”. Como exemplo, a turma mencionou o quadrado, que pode ser desenhado de vários tamanhos, mas todos são semelhantes por possuírem o mesmo formato. Até este momento, havíamos trabalhado apenas com quadrados, que são quadriláteros regulares, possuindo lados e ângulos congruentes. Estendendo o conceito para outras figuras, demos continuidade á atividade. Depois dos quadriláteros, distribuímos para cada dupla três hexágonos regulares e um não regular (figura 27). Samuca observou que os hexágonos que eram semelhantes tinham ângulos internos de mesmo valor. Samuca Pesquisadora Samuca Pesquisadora Samuca São hexágonos regulares? Sim. Regulares. Só um deles que não é. É irregular. Por quê? Porque seus ângulos não são todos de 120º. Aproveitamos para comentar sobre figuras regulares: toda figura plana de lados de mesma medida e ângulos internos de mesma medida. Destacamos o quadrado como um exemplo de figura regular, e fomos acompanhados por Bejota: Bejota Ele tem lados iguais e ângulos iguais. Por último, distribuímos a cada dupla três triângulos equiláteros e um triângulo retângulo. Rapidamente, Bejota identificou o triângulo retângulo como sendo o ‘diferente’. Samuca ainda lembrou que os triângulos equiláteros têm ângulos internos medindo 60º graus, pois havíamos trabalhado com eles em encontros anteriores. Nesse momento, MG e Joca não mostravam muito interesse nesta parte da atividade e ainda não haviam explorado seus triângulos. Samuca já está impaciente e se levanta para guardar o material. Cat se levanta da carteira e leva suas coisas para a mesa 96 do professor, forçando o término do encontro do dia. Percebemos que já estão cansados e encerramos o encontro daquele dia. 4.9.Atividade 8: Medindo segmentos com o auxílio de uma régua Antes de voltar à semelhança de figuras, perguntamos aos alunos se eles haviam gostado da atividade de construção de sólidos utilizando massa de modelar e todos responderam positivamente. Cada aluno recebeu uma régua em papel cartolina marcada conforme figura 28. A marcação em Braille permitia diferenciar centímetro e medida de cinco centímetros com marcações mais curtas e mais longas. Figura 28: Régua confeccionada para os alunos com marcações em centímetros. Extensão: 20cm. Comentamos que as marcações haviam sido feitas à mão livre, sem o uso da reglete. Bejota disse que um amigo possuía uma reglete com buracos mais largos, que seria possível marcar toda a extensão da régua utilizando esta reglete. Perguntamos se a régua estava firme e resistente e todos disseram que sim. A primeira atividade de medição foi orientada e tinha como objetivo encontrar a medida do lado de um triângulo equilátero utilizado no encontro anterior (figura 27, p. 95). Para isso, foi dada a orientação de posicionar o triângulo sobre a mesa e alinhar a marcação zero com o início do lado do triângulo e verificar a última marca no final do lado. Samuca rapidamente mediu o lado do seu triângulo antes mesmo das orientações. Afirmou que havia encontrado uma medida de 5cm (cinco centímetros). Em seguida, chamou Chuck para mostrar como se fazia e este não deu atenção a Samuca, tentando medir por si próprio o lado do triângulo, sozinho. Cat não se interessou pela atividade e ficou de cabeça baixa, sobre a carteira. Enquanto isso, auxiliávamos Degê, Joca e MG a utilizarem a régua corretamente. Em seguida, os alunos foram divididos em duplas. Bejota relutou em executar a próxima atividade com MG, não saindo do lado de Chuck. Foi necessário insistir para que este aceitasse trabalhar com outro colega. Os alunos foram lembrados do que havia sido discutido no encontro anterior em relação à semelhança de figuras e foi solicitado 97 que medissem os lados e os ângulos de três triângulos (figura 29) e anotassem à parte, separando em triângulos 1, 2 e 3, em ordem decrescente de tamanho. Figura 29: Triângulos semelhantes com ângulos internos iguais a 45º, 60º e 75º. Havíamos combinado com os alunos que caso a dupla encontrasse distintas medidas na régua, o que poderia acontecer, uma vez que os instrumentos haviam sido construídos artesanalmente, eles deveriam calcular a média entre elas. Durante todo o tempo, alguns alunos falavam em alta voz as medidas dos lados que estavam encontrando. Bejota e Degê sempre comunicavam ao outro grupo formado por Chuck, Cat e Samuca os valores que estavam encontrando e vice-versa. Joca e MG mediam em silêncio sem se envolver com o restante do grupo. De vez em quando, MG citava o valor que havia encontrado sem interferência dos colegas. Ao final das medições, Samuca afirmou haver encontrado os ângulos de 60º, 30º e 45º em todos os triângulos e concluiu: Eles são semelhantes! Apesar de a conclusão de Samuca ser correta, em parte, a medição dos ângulos estava incorreta. Solicitamos a ele que medisse novamente cada um dos ângulos do triângulo. Minutos depois, ele mostrou que havia encontrado 75º ao invés de 30º. Talvez Samuca tenha dito que encontrou o ângulo de 30º sem tê-lo medido efetivamente por ser um ângulo notável e muito utilizado em Geometria e durante as atividades. Na medição em relação aos lados, comparando os resultados apresentados, encontramos pequenas diferenças nas medições, em erros de 1cm (um centímetro) para mais ou para menos (tabela 1). Pela diferença nos valores, os alunos MG e Samuca ficaram bastante alterados e infelizes por não terem conseguido atingir tamanha precisão na medição. Samuca disse que iria desistir e MG declarou que era implicância por corrigir 1cm. A distribuição de todos os triângulos ao mesmo tempo para as duplas e o trio pode ter prejudicado a medição ou causado confusão na hora de medir o 98 comprimento dos lados e seus ângulos. Neste momento, a turma ficou bem exaltada. Era como se todo o trabalho desempenhado na atividade tivesse sido em vão. Conversamos com eles ressaltando a importância de uma medição correta, mas valorizamos o trabalho realizado por eles que acabavam de aprender a trabalhar com o tema. Triângulo 1 Triângulo 2 Triângulo 3 Chuck, Samuca e Cat 5cm, 4cm e 5cm 10cm, 11cm e 12cm 23cm, 18cm e 21,5cm Bejota e Degê 6cm, 5cm e 6cm 10cm, 11cm e 12cm 23cm, 21,5cm e 17cm Joca e MG 5cm, 6cm e 4cm - 20cm, 19cm e 24cm Tabela 2: Medidas dos lados de três triângulos distintos encontradas pelos alunos. A medição de graus também foi incorreta. Bejota, Chuck e MG insistiam na medição de 30º em um dos ângulos e lhes pedimos que nos mostrassem como esta medição foi feita. Passando de carteira em carteira, realizamos a medição dos ângulos utilizando o transferidor juntamente cada aluno, até chegarem em unânime aos mesmos ângulos: 30º, 45º e 75º. Para poder identificar corretamente a relação de semelhança nos triângulos e introduzir a razão de semelhança existente entre os lados de triângulos semelhantes, foi preciso que disséssemos o valor dos lados quando medido de forma mais precisa que a forma utilizada por eles. Pesquisadora Samuca Pesquisadora Samuca Pesquisadora Samuca O triângulo 3 é 4,5; 5,5 e 6cm. Ah! O triângulo 2 é 9... 11 e 12. O triângulo grande é... 18, 22 e 24. Um é a metade do outro. Tomando a fala de Samuca, escreveram no dicionário o que foi aprendido em sobre semelhança de figuras e a relação existente entre seus lados: os ângulos possuem as mesmas medidas e os lados são proporcionais a partir de uma determinada razão. Também foi destacado o fato de que o ângulo de menor tamanho está oposto ao lado de menor tamanho do triângulo. Além disso, os alunos construíram uma tabela informando o valor de cada ângulo em cada triângulo assim como as medidas dos seus lados. Vale ressaltar que a tabela por eles construída tem uma conotação diferente da nossa tabela, já que preencher em espaços é algo complexo no Braille. Os dados foram anotados de 99 forma linear. Ao final, discutimos sobre a atividade e destacamos os problemas. Dentre eles, os alunos questionaram a dificuldade em utilizar a régua na mediação dos lados do triângulo, além da grande demanda de tempo para a execução da atividade. 4.10. Atividades Diagnósticas: verificação da aprendizagem Ao longo das atividades, podemos perceber um crescimento significativo dos sujeitos. Com expressiva participação nas tarefas, em sua grande maioria, os alunos interagiram a todo instante entre si, conosco e coma professora da turma, construindo conceitos, levantando questões, fazendo-se ouvir. Ao final de nossos encontros, determinado pelo final do primeiro semestre letivo, procuramos averiguar como os alunos tratariam algumas atividades usualmente utilizadas em avaliações escolares no Brasil (ver Apêndice E, p. 177).O objetivo era verificar se o tipo de trabalho proposto, privilegiando a manipulação e a expressão oral e escrita, seria aplicado pelos alunos na resolução de atividades rotineiras, comumente utilizados nas escolas regulares de nosso país. De certa forma, estávamos avaliando nosso próprio trabalho e a possibilidade de o mesmo vir a ser desenvolvido em escolas regulares que recebem estudantes cegos e/ou com baixa acuidade. Dissemos aos alunos que aquele seria um momento de avaliação em que faríamos uma retrospectiva em vários assuntos trabalhados ao longo deste período. Os alunos não se manifestaram diante este fato e aceitaram com tranquilidade a execução desta tarefa de caráter avaliativo. Solicitamos que as respostas fossem ser registradas para que os professores pudessem consultar as repostas em momentos futuros. Uma primeira tarefa proposta envolvia um exercício que trabalhava a medição de ângulos e lados em figuras planas e a procura por semelhança entre elas (figura 30). 100 Figura 30: Atividade diagnóstica de semelhança de polígonos. Os retângulos e os triângulos apresentados são semelhantes de razões dois e três, respectivamente. Já os romboides não são semelhantes. (Atividade adaptada do ENEM 2009) Samuca Pesquisadora Bejota Samuca Pesquisadora Como que eu identifico se são semelhantes ou não? Como a gente tem feito? Os ângulos, né? A gente tem medido ângulo e lado. Verifiquem se os ângulos são congruentes e se seus lados são proporcionais. Samuca Ah, é. Observando as respostas encontradas pelos alunos nesta atividade, pudemos verificar que Samuca chegou ao resultado correto (figura 31) diferentemente dos seus colegas. 101 Figura 31:: Respostas de Samuel à atividade de semelhança. Nem todos eles conseguiram identificar corretamente se as figuras são ou não semelhantes lhantes duas a duas. MG (figura ( 32) e Bejota (figura 33)) encontraram corretamente as relações de semelhança sem chegar a sua razão. Figura 32: Respostas de MG à atividade de semelhança. 102 Figura 33: Respostas de Bejota à atividade de semelhança. nça. Ficamos em dúvida: Joca não conseguiu identificar semelhança em nenhum dos pares de figuras apresentados resentados na atividade (figura ( 34)) ou errou sua grafia na escrita Braille? A princípio, acreditamos que tenha sido apenas um erro na grafia. Mesmo assim, parece arece fazer algumas confusões entre os conceitos de semelhança e proporcionalidade. Figura 34: Respostas de Joca à atividade de semelhança. 103 No encontro seguinte, continuamos com as atividades de avaliação. Distribuímos objetos que representavam a superfície de um sólido (figura 35) para os alunos e solicitamos que respondessem a algumas perguntas. Figura 35: Objeto analisado na tarefa final. (Atividade adaptada da Prova Brasil 2009 – 9º Ano) Iniciamos com perguntas simples, como número de lados e número de vértices, o nome dado a ele e as figuras que compõem suas faces, os alunos Samuca, Chuck, MG e Joca responderam corretamente. MG errou apenas na contagem de arestas, e Joca, na contagem das faces. Cat e Bejota acertaram apenas o número de faces e Degê errou a contagem de todos os itens. Figura 36: Respostas de MG, Chuck e Cat para a pergunta “qual o número de faces?” refente ao sólido da figura 35. Figura 37: Resposta de Samuca, Bejota e Degê para a pergunta “qual o número de arestas?” referente ao sólido da figura 35. 104 Também perguntamos, em relação à base deste sólido, as medidas dos lados e dos ângulos e as conclusões tiradas a partir desses resultados. Nesta etapa, houve algumas respostas diferentes, porém centralizadas em torno de valores próximos, com baixo índice de erro. Samuca e Chuck responderam corretamente a todas as perguntas. Nestes exercícios, foi necessário utilizar os instrumentos de medida construídos para eles: régua e transferidor. Figura 38: Resposta de Chuck à pergunta “qual a medida das arestas da base desse prisma?” (figura 35). Figura 39: Resposta de Samuca à pergunta “o que podemos dizer sobre a base, agora que conhecemos seus lados?” (figura 35). A questão seguinte fazia alusão à semelhança de triângulos. Um triângulo seria ampliado três vezes e queríamos saber quais as conclusões que os alunos chegavam ao novo triângulo formado quanto às medidas de seus lados e seus ângulos. Tínhamos como objetivo verificar se foi compreendida a relação de proporcionalidade entre os lados de figuras planas, mantendo seus ângulos. Samuca, Bejota e Chuck responderam corretamente a questão dizendo que as medidas dos ângulos se manteriam as mesmas e a medida dos lados se multiplicaria por três. MG, Joca e Degê afirmaram que ambos seriam multiplicados por três: lados e ângulos. A próxima questão procurava verificar se os alunos conseguiam visualizar a planificação do prisma de base retangular trabalhado e explorado na figura 35. Para 105 isso, foi entregue a cada aluno uma folha contendo quatro planificações de sólidos utilizando material EVA (figura 40). Figura 40: Figuras planas sugerindo planificação de sólidos. (Atividade adaptada da Prova Brasil 2009 – 9º Ano) As respostas praticamente se dividiram entre as letras C e D da figura 40. A letra B só foi citada apenas por MG e a letra A não foi escolhida nenhuma vez. Podemos inferir que a ausência da base triangular nos dois extremos na letra A da figura 40 pode ter sido o fator de relevância para a sua exclusão. Por outro lado, a letra B foi escolhida mesmo não existindo a base triangular. As letras C e D eram muito semelhantes e somente analisando as faces laterais do prisma triangular reto (figura 35) é possível verificar a existência de três retângulos (como em D, figura 40) e não apenas dois (como em C, fig 40). Pudemos verificar que os alunos interiorizaram importantes conhecimentos em Geometria a partir da manipulação de objetos. Os alunos apropriaram de conceitos e de expressões verbais exclusivas da Geometria e já fazem uso delas com propriedade. Por outro lado, alguns conhecimentos, tais como medições de comprimento com auxílio da régua e semelhança de triângulos merecem ser retomados e aprofundados, pois esses conteúdos não foram apropriados suficientemente pelos alunos, haja vista que foram as questões com maior índice de erro conforme vimos na avaliação final. Como trabalhamos aqui com questões adaptadas da Prova Brasil, podemos inferir que os alunos cegos dessa turma têm condições de resolver a questões designadas para sua série e para séries subsequentes dentro dos assuntos aqui propostos, bastando fornecer a eles materiais manipulativos que atendem as necessidades exigidas na resolução das questões apresentadas. Conforme vimos, adaptando questões dessas avaliações nacionais, os alunos conseguiram identificar o que se pretendia, responderam 106 as questões conforme indicado e resolveram, inclusive, aquelas que exigiam abstração de conhecimento e noção espacial. No encerramento dos encontros, agradecemos a oportunidade de trabalhar com os alunos e com a professora. Abraçamos cada um deles e lhes desejamos muito sucesso em seus estudos. Os alunos corresponderam carinhosamente. Manifestaram-se dizendo que haviam gostado muito de desenvolver trabalhos em Geometria, conteúdo que, segundo eles, não era desenvolvido na escola há muito tempo. Comprometemo-nos a retornar à escola com novidades e mais atividades nesta e em outras áreas da Matemática. Agradecemos à professora da turma pela oportunidade de trabalhar com seus alunos e pela constante ajuda e cooperação no decorrer das atividades. Ela retribuiu o agradecimento dizendo que havia aprendido muito com este trabalho e que utilizaria algumas ideias com suas outras turmas da escola. O desenvolvimento de atividades em Geometria através da manipulação de materiais, da exploração espacial e do ambiente, da construção e do manuseio de objetos contribuiu para a mobilização de saberes por parte dos alunos. Podemos perceber a importância da relação dos participantes da pesquisa evidenciados na troca de informações, no auxílio mútuo no desenvolvimento das atividades, na formulação de ideias e na construção de conhecimentos, sendo estes surgidos a partir da interação entre sujeitos e objetos do saber. Durante a realização das tarefas, percebemos um diálogo constante entre sujeitos e eles com a pesquisadora e a professora da turma, negociando, inferindo, sugerindo conceitos e propriedades. Fizemos uso da fala a todo o momento para nos comunicar, conduzindo os alunos a refletirem sobre as tarefas desenvolvidas, resgatando conceitos matemáticos já trabalhados e aprendidos por eles, fazendo indagações e dando respostas às suas. Da mesma forma, os participantes utilizam a fala e a linguagem para expressarem seus anseios, suas dúvidas, seus conhecimentos, agindo como co-autores das descobertas proporcionados por aquele espaço educacional, no nosso caso, a sala de aula e do conhecimento produzido nela. Passaremos, no capítulo seguinte, a realizar uma breve análise do processo vivenciado com esse grupo de alunos do ISR. Tentamos observar cada fala, gesto e movimento dos alunos em sala de aula e fora dela para podermos compreender a dinâmica do processo de desenvolvimento e compreensão em Geometria (dentro dos assuntos aqui apresentados) e as inter-relações entre os alunos. 107 CAPÍTULO 5: ANALISANDO O PROCESSO VIVIDO Nesse capítulo, analisamos como as interações entre os participantes desta pesquisa e entre eles e os instrumentos oferecidos no decorrer das atividades contribuíram para o desenvolvimento de conhecimentos em Geometria. Para isso, recorreremos aos estudos de Vygotsky dentro da teoria histórico-cultural e em seus estudos sobre Defectologia. Para esse autor, a manipulação de objetos, a interação com estes e com o ambiente educacional, assim como as relações entre sujeitos, entre sujeito e pesquisador e a fala produzida durante o desenvolvimento das atividades aplicadas tem valor na análise dos dados coletados e, dessa forma, auxiliaram na conclusão desta pesquisa. Nossa proposta é que as atividades aqui discutidas e analisadas possam servir de orientação a professores e proporcionar aos alunos cegos e/ou de baixa visão (e ainda de visão normal) experiências mais adequadas à sua aprendizagem. Optamos por abordar o desenvolvimento dos alunos ao longo das tarefas realizadas e utilizamos categorias para organizar o texto. Essas foram construídas a partir de inúmeras leituras das informações coletadas e organizadas. São elas: uso de estratégias e recursos durante a mediação, diálogo e contribuições do material manipulativo utilizado nas atividades. Ressaltamos que essa é apenas uma das formas possíveis de se analisar os dados e a que melhor se adaptou aos nossos esforços de ‘ler’ o processo vivido à luz de nossos estudos da teoria de Vygotsky. 5.1. Uso de estratégias e recursos durante a mediação Durante a realização das atividades, percebemos que alguns dos sujeitos envolvidos na pesquisa procuravam explorar um determinado instrumento utilizando os recursos que a eles eram possíveis. Para explorar as propriedades físicas apresentadas por uma esfera, MG balançou o objeto que tinha em mãos a fim de captar sons, bateu com este sobre uma mesa e tocou em toda a sua superfície, percebendo sua forma. Balançando objetos, tentando captar sons, tateando por superfícies de diferentes estruturas, tocando os instrumentos de estudo, os alunos buscavam estratégias que melhor pudessem compreender e identificar todo o objeto que estava em suas mãos. 108 Na atividade com materiais sólidos (figura 8, p. 73), realizada durante a sondagem, antes do início das atividades, pudemos perceber que as diversas estratégias utilizadas pelos alunos para poderem compreender o objeto manipulado. Chamou-nos a atenção à forma como alguns alunos exploraram cada um desses objetos. Na figura 41, podemos perceber quadro a quadro os recursos utilizados por MG para poder explorar a esfera de isopor (letra G, figura 8, p. 73) que se encontrava em suas mãos. O aluno manuseou o objeto, balançou próximo ao ouvido, bateu sobre a mesa e deu tapas em sua superfície. Figura 41: MG toma a bola em suas mãos e da pequenos socos [1], pequenos tapas [2], bate-a sobre a carteira [3], balança-a próximo ao seu ouvido [4] e, em seguida, registra as observações que fez a partir do objeto manuseado [5]. Para Vygostky (1997), nosso mundo está organizado mais com fenômenos visuais que sonoros. Sendo assim, os cegos procuram alternativas para explorar objetos que superem esta apresentação exclusivamente visual e, de certa forma, possam identificá-lo através de sua composição textual e sonora. Por isso, MG movimenta a 109 esfera de isopor que se encontra em suas mãos, tocando-a e chocando-a sobre a carteira. São as estratégias de mediação utilizadas por ele para identificar características que definem o objeto que se encontra em suas mãos. Tanto que, sua fala em relação a este objeto é baseada em suas experiências sensoriais e culturais, formadas em antigas interações com o ambiente, já que o associa a um esporte conhecido. Segundo ele: “uma bola. Serve para jogar futebol. Não tem arestas nem vértices. Parece um círculo. Quando cai no chão e não tem nenhum tipo de ponta”. Na primeira atividade realizada com a classe, Samuca e Chuck utilizaram gestos para se comunicarem, como a identificação de ângulos com as mãos. Essa forma de linguagem também foi comumente utilizada pelos alunos durante o desenvolvimento das atividades. Vale ressaltar que este recurso de comunicação se deu pelo fato da pesquisadora ser vidente e poder identificar o gesto e compreender o que estava sendo apresentado. Para Vygotsky (1997), essa manifestação nada mais é que outra forma de compensação sensorial utilizada para comunicar-se com o outro, fazendo-se entender e contribuindo para sua formação cultural. Espinosa e Ochaíta (2004) destacam a importância de familiares e professores estarem atentos a todo tipo de sinais emitidos pelas crianças cegas na comunicação. Ao longo da pesquisa, compreender os gestos utilizados pelos alunos foi de grande importância na compreensão de suas ideias e dúvidas. Quando Samuca afirma – enquanto toca a aresta – “até aqui!” e explicamos em voz alta: “Você está mostrando uma linha, certo? É aresta”, para que a turma acompanhasse nosso diálogo, é um bom exemplo disso. Na atividade 4, uma das tarefas envolvia a medição de ângulos formados com macarrão colado em folhas de papel. Samuca iniciou a medição dos ângulos designados a ele (figura 18, p. 86) sentado em sua carteira, apoiando sobre o colo a folha que contém a atividade, mas depois preferiu ficar em pé para obter um melhor apoio sobre a carteira (figura 42). Ele apresentou bastante dificuldade em alinhar o transferidor à semi-reta do ângulo apresentado nesta atividade. 110 Figura 42: Samuca inicia a medição sentado, mas finaliza em pé. Novamente vemos aqui a utilização de estratégias de mediação para melhor compreender e manipular os instrumentos fornecidos e o espaço dado àquele que explora. Adler (COBRA, 2003), em sua Psicologia Individual, dizia que todos os fenômenos psicológicos são direcionados para a resolução de metas a fim de atingir a níveis mais altos de conhecimento. Com essa mudança de comportamento, deslocandose de seu lugar, levantando-se de sua carteira para melhor manipular os objetos, Samuca mostra que está interessado na atividade que desempenha e busca outras formas de explorar o objeto que possui a fim de extrair todo o conhecimento que estes instrumentos possam fornecer a ele. O uso desses meios apenas reforça a ideia de Vygotsky (1997) em relação à reestruturação que passa o organismo e a personalidade daquele que não vê em busca de meios auxiliares para atingir o mesmo objetivo daquele que vê: o alcance de uma determinada meta previamente traçada. No encontro seguinte ao mencionado anteriormente, propusemos aos alunos que construíssem sozinhos ângulos de medidas previamente determinadas, utilizando os mesmos instrumentos: macarrão e transferidor. Cada ângulo construído por eles seria fixado por fitas adesivas transparentes e faria parte do Dicionário de Geometria. Quando solicitamos que os alunos quebrassem o macarrão ao meio, de forma a possuírem dois segmentos para a composição do ângulo, a maioria utilizou a mesma estratégia: tomou os dois extremos e foi aproximando as mãos ao centro do espaguete até ambas se encontrarem (figura 43). 111 Figura 43:: Samuca parte o macarrão macarrão ao meio a partir de seus extremos. Como não possuem o recurso visual (em sua grande maioria) para encontrar uma aproximação do centro do fio de espaguete, eles utilizaram os recursos sensoriais dos quais dispunham para realizarem a mesma tarefa: determinar determinar este centro. Segundo Fernandes (2004), promover o manuseio de instrumentos e materiais que estimulam as percepções táteis vão além delas. Também ambém estimulam interações intrapessoais, levando o sujeito a tecer conjecturas, fazer associações e tirar conclusões conclusões daquilo que explora. Samuca, na figura 43,, parece conhecer o espaço ocupado pelo macarrão e delimita-o, delimita utilizando seu comprimento estrategicamente de forma a encontrar com grande proximidade o centro do macarrão. Na construção do ângulo de 45º, Samuca Samuca era o mais impaciente e percebemos um pouco de frustração. Chuck, percebendo sua insatisfação, levantou-se levantou se de sua carteira e foi ajudá-lo. lo. Perceba a posição das mãos mã dos dois sujeitos na figura 44: constroem juntos o ângulo, movimentando transferidor e macarrão m juntos. Figura 44:: Ambos manuseiam os instrumentos, um auxiliando o outro na atividade. 112 Para Vygotsky (1984), aprender com outros indivíduos é uma das estratégias de aprendizagem utilizadas pelo homem. Neste caso, as instruções dadas por Chuck a Samuca durante o desenvolvimento desta atividade são positivas e contribuem para a aprendizagem de ambos. Chuck juntamente com Samuca, atuam em sua ZDP e, concomitantemente, avançam. Ambos interagem em busca da solução do problema em questão: construir um ângulo de 45º. Ao mesmo tempo em que Chuck acalma Samuca na resolução da tarefa, dá suporte para que o segundo supere sua dificuldade (sua inferioridade) e alcance o objetivo traçado a priori (a superioridade). É o que Fino (2001) chama de aprendizagem mediada pelos pares. Nesta forma de aprendizagem, conforme dito no capítulo 2 (p. 32), os alunos se interagem ensinando uns aos outros, trocando ideias e experiências. Mais uma vez percebemos as funções psicológicas superiores sendo formadas e interiorizadas a partir de relações com outros humanos, a partir da relação social. Na atividade 7, na qual a noção de semelhança era trabalhada com a manipulação e análise de figuras, MG utilizou uma boa estratégia para verificar a semelhança entre os hexágonos. Através da sobreposição de figuras, verificou se os ângulos que se encontravam em dois hexágonos que pareciam ter a mesma forma eram congruentes (figura 45). Através da sobreposição dessas duas figuras, concluiu que os hexágonos eram semelhantes. Figura 45: MG sobrepõe dois hexágonos a fim de comprar seus ângulos. Utilizar todos os recursos que se dispõe para a solução de um problema e encontrar meios eficientes e objetivos para isso é um dos pontos de desenvolvimento cognitivo. Entendemos aqui que a estratégia de mediação utilizada por MG sobrepondo figuras a fim de verificar a congruência entre os ângulos indicava uma ação em sua Zona de Desenvolvimento Proximal, uma interação entre o conteúdo de estudo (as figuras e suas características) e o aprendiz. MG ainda vai mais longe: já consegue perceber a semelhança de hexágonos através das relações angulares. 113 Na atividade 8, em um determinado momento, além da medição dos lados de um triângulo, solicitamos que os alunos também medissem seus ângulos internos. Nesse momento, alguns alunos parecem ter se esquecido de como utilizar o transferidor. Samuca Como é que se mede mesmo? Chuck Num sei, num lembro. Samuca Ah, é lembrei. [Medindo corretamente com o auxílio do transferidor.] Achei 60º. MG Dá 30º? Degê O meu grandão deu aqui 360º. Bejota Ai, Degê, num eventa. [...] Tá difícil medir aqui. Samuca Eles são semelhantes! Bejota Como que eu começo medindo o grandão? Samuca Deixa ver se eu consigo te explicar. [Levanta-se até à carteira de Bejota, figura 35.] Você bota o centro no vértice e alinha. Figura 46: Samuca mostra para Bejota como mexer com o transferidor. A situação descrita sugere que Bejota recuperou suas experiências em relação à medição de ângulos com o auxílio de um colega, no caso, Samuca. Ambos estão em níveis diferentes de ZDP e participam juntos do processo de medição. Fino (2001) afirma que, durante a participação guiada, os conhecimentos e as habilidades daquele que aprende são desenvolvidas e, aos poucos, seu par vai lhe entregando cada vez mais o controle da atividade. Assim, gradativamente, Bejota vai interiorizando os procedimentos e, com Samuca, vai reaprendendo a medir ângulos. Mais uma vez, vemos a importância da aprendizagem mediada por pares. Eles interagem ensinando um ao outro, trocando experiências e resoluções. 114 Em relação à medida dos lados encontrados com o auxílio da régua adaptada, Degê percebeu que o triângulo 1 (um) (figura 29, p. 98) possuía uma medida maior que o tamanho da régua. Degê Nu!! Nu, Bejota, esse triângulo aqui é maior que a régua! Mede mais que a régua esse grandão aqui. Bejota Marca onde termina a régua e continua. Chuck Eu marquei com o dedo e levei a régua lá. É mais fácil! Bejota e Chuck utilizaram métodos semelhantes na medição do lado do triângulo, mas cada um a seu modo. Para Colaço et al (2007), esses recursos empregados pelos alunos para intermediar atividades e utilizar instrumentos são estratégias de mediação. Marcar onde parou durante a medição é um meio potencial de compreensão do espaço explorado. Muitas vezes, as estratégias utilizadas pelos alunos foram importantes ferramentas na mediação de conhecimentos e no acesso às informações. Entendemos que estratégias de mediação são formas como utilizamos os instrumentos e os signos para intermediar atividades, proporcionando interações entre pessoas e os meios utilizados. Ao realizarem as atividades em conjunto, os alunos buscavam recursos que potencializavam sua comunicação com o outro e a compreensão do objeto de estudo em questão. Na teoria histórico-cultural de Vygotsky (1984; 2001), encontramos suporte para analisar as estratégias e os recursos utilizados pelos alunos na exploração dos instrumentos, já que o desenvolvimento psicológico compreende o processo de desenvolvimento cognitivo e social e a linguagem (a palavra) através do diálogo entre os sujeitos da pesquisa é um dos recursos mais utilizados pelos alunos para a descoberta e a compreensão. 5.2. Diálogo O diálogo foi um dos catalisadores do processo. Para Vygostky (2001), a fala é um fator libertador para aquele que não vê, pois para ele a fala funciona como instrumento de comunicação e de pensamento. Na experiência social, o homem materializa e constitui significados através da palavra. A troca de experiências influencia diretamente o sentir, o pensar e o agir do homem, formando a sua consciência. A comunicação entre quase todos os alunos do grupo estudado foi 115 constante e relevante, ou seja, se expressavam continuamente acerca do que faziam, pensavam, bem das dúvidas e incertezas. No diálogo a seguir, percebemos que Bejota se refere a um cubo como sendo “quadrado”. Cat e Samuca confirmam a significação dada por Bejota para o objeto (figura 8, item A, p. 73). Questionado o porquê desta nomenclatura, Chuck identifica diretamente a fala dos colegas e afirma que foi dado o nome de “quadrado” por ser totalmente composta por faces que tem essa forma. Pesquisadora MG Pesquisadora MG Pesquisadora Bejota Samuca Cat Pesquisadora Samuca Pesquisadora Chuck Qual o objeto que vocês identificaram na letra A? [figura 8, p. 73] Eu coloquei cubo. Colocou cubo? É. Isso, o nome dele é cubo mesmo. O que vocês colocaram sobre o cubo... Eu coloquei um quadrado. Eu também. Eu coloquei [lendo lentamente seu texto em Braille]: “forma de quadrado... Parece ser um lugar de colocar objetos”. Então parece um quadrado, tem forma de um quadrado... O que ela quis dizer com “tem forma de um quadrado”? É que parece um quadrado. Por que será? De que formas vocês imaginam que, no cubo, foi identificado como “forma de um quadrado”? Porque ele é construído por quadrados. A relação social existente no diálogo colabora para a internalização e reconstrução interna de processos e conceitos intelectuais. Conforme discutimos anteriormente, a dinâmica dialógica entre o interno e o externo caracteriza o homem. E ela se dá na medida em que o homem interage com o meio e com as pessoas que nela se encontram, num constante processo de desenvolvimento e aprendizagem. Segundo Vygotsky (2001), a fala auxilia nas interações com o grupo, no desenvolvimento individual e na adaptação às novas descobertas. Compreender os sinais emitidos pelos alunos durante o desenvolvimento cognitivo foi fundamental para identificarmos o processo de conhecimento e a futura aprendizagem gerada por ele. Além disso, as palavras utilizadas pelos alunos no desenvolvimento das atividades foram construídas, muito provavelmente, a partir de experiências anteriores. Percebemos que um aluno podia ser guiado pela palavra do outro que, uma vez interiorizada e assimilada, passava a fazer parte de seu conhecimento. Como pudemos perceber no diálogo supracitado, a palavra “quadrado” 116 era de conhecimento dos alunos e carregava consigo um emaranhado de significados, sendo identificado por todos na fala de Bejota. No início do trabalho, realizamos algumas atividades com o fim de sondar os conhecimentos dos alunos. Na primeira atividade apresentada, pudemos perceber que os alunos sabiam algumas nomenclaturas acerca de itens da Geometria Plana, mas sem muita profundidade ou sem qualquer significação. Ainda, houve bastante dificuldade em diferenciar símbolos matemáticos de símbolos da escrita Braille. O diálogo a seguir se refere à atividade 3, letra A (figura 4, p. 69). Observamos que o aluno Chuck não compreende a imagem dada a ele referente ao ponto. Inicialmente, o confunde com uma escrita em Braille, representando a letra A (A ). Pesquisadora Aqui tá a letra A, certo? [Colocando a mão da Chuck sobre a figura.] Que símbolo é esse? Chuck Essa letra A aqui? [Mostrando com o dedo, apontando para ela.] Pesquisadora Isso.. Não, não. Isso é letra B. Aí, onde você está com o dedão. Isso aí é um símbolo. Chuck Isso aqui é símbolo? [Referindo-se a um símbolo em Braille.] Pesquisadora Símbolo na Matemática. Os instrumentos empregados na confecção de materiais que proporcionam o alto relevo na folha de papel para a representação de símbolos matemáticos devem ser usados com cuidado. Neste caso, o ponto, que seria um símbolo matemático na Geometria foi confundido com um ponto da cédula da escrita Braille. Espinosa e Ochaíta (2004) já haviam alertado pelas possíveis dificuldades encontradas na escrita e na leitura Braille, o que veio a ser confirmada nesta atividade. Apresentar símbolos matemáticos que se assemelham aos pontos da escrita Braille pode gerar erro na interpretação de questões. Ainda na sondagem, observamos que o mesmo tipo de identificação com objetos do cotidiano é visto nos diálogos estabelecidos entre os alunos ao explorarem os outros objetos propostos na figura 8 (p. 73). Esses objetos são utilizados como instrumentos de mediação pelos alunos a partir de conhecimentos prévios existentes. Associações a signos conhecidos (provindos de experiências anteriores, presentes culturalmente) são feitas a todo momento e, a partir delas, novas construções e concepções são formadas ligadas ao conteúdo de Geometria. É a mediação por instrumentos (externos) e signos (internos). No diálogo abaixo, podemos perceber que os alunos relembram objetos que conhecem e verificam que a posição dele interfere em sua característica ou função 117 social. Para Vygotsky (2001), o uso desses signos (neste caso, associações e lembranças) proporciona meios auxiliares para solucionar problemas e tirar conclusões. Chuck Pesquisadora Chuck Pesquisadora Chuck Pesquisadora Samuca Pesquisadora Samuca Pesquisadora MG Pesquisadora MG Esse sólido meu parece com um prédio, velho. [C] Parece o que? Um prédio. Isso. Nessa posição. Agora deite-o. Parece uma caixa! Isso! Então, a posição modifica [simbolicamente] o objeto? Ah!! Já sei o que eu vou por no meu! [Ele estava com um cubo e percebeu que o seu objeto não se alterava ao rotacioná-lo.] E o seu, Samuca? O meu não modifica. E o seu, MG, modifica? Se você mudar a posição dele, modifica? [Ele possui uma esfera em mãos.] Não. Não modifica... Ele... Ele é fixo! Ele só fica numa posição só. Na atividade 2, os alunos foram convidados a transitar pela escola apontando os principais locais por onde caminhavam e se relacionavam e como faziam para identificá-los. Na quadra poliesportiva, surgiu um interessante diálogo em relação à estrutura geométrica da quadra. Pesquisadora Degê Samuca Bejota Pesquisadora Degê Pesquisadora Degê Você disse que a quadra é o quê? Quadrada. Retangular, velho! É um retângulo. Qual a diferença, Degê, de um quadrado para um retângulo? Quadrado tem quatro lados iguais. Isso. A quadra tem quatro lados iguais? Não. Ah... Por meio da fala dos colegas e em nossa pergunta, Degê recupera seus conceitos acerca dos quadriláteros e verifica que um quadrado possui lados iguais. Como a quadra não tem todos os lados iguais, e por conhecer um campo de futebol, chega à conclusão de que a quadra não pode ter a forma de um quadrado. Segundo nossas leituras estudos de Vygotsky (2001), para chegar a essa conclusão, Degê utilizou conhecimentos prévios originários de suas experiências anteriores (origem sócio-histórica) e associou à fala dos colegas “retângulo”, palavra que detém em si uma gama de significados conhecida por 118 ele, que o fez diferenciar da palavra “quadrado”, que possui a característica que exclui a forma presente na quadra: todos os lados de mesma medida. Nesse diálogo, podemos perceber a mudança de concepção de Degê quando se refere à figura geométrica que delimita a quadra poliesportiva. Inicialmente, ele afirma se tratar de um quadrado, sendo corrigido automaticamente pelos colegas, que já percebem a diferença entre os quadriláteros e já a utilizam no seu cotidiano. Degê compreende a diferença, observada em seu suspiro. É interessante observar que todos os alunos conheciam o formato da quadra, mesmo não havendo indicações em alto-relevo. Para Vygotsky (1984), isso se deve ao fato de que aquele espaço (a quadra) é onde se dá uma prática esportiva de atividades comuns do dia-a-dia de alunos nessa faixa etária. Sendo assim, a estrutura física da quadra e sua composição geométrica são de conhecimento dos alunos, já se encontrando interiorizadas e pertencentes às funções psicológicas superiores, compondo sua história e sua cultura. Na atividade 3, ao manusear ‘ângulos’ construídos com chapas de metal, Samuca revela ao colega o que descobriu e em seguida nos relata: Samuca Olha aqui, Chuck, se pegarmos o de 30 graus com o de 60, dá 90 graus. [Colocando um ângulo dentro do outro.] Pesquisadora O que você falou aí, Samuca? Você falou uma coisa interessante aí, fala pra turma toda! Samuca É que quando a gente põe um ângulo em cima do outro, a distância que sobra é... Dá a distância de graus dentro do outro. Pesquisadora Do que está faltando, né? Samuca Isso. Pesquisadora Se eu pegar o 30 e o de 60, vai dar um ângulo de quantos graus? Chuck Vai dar o de 90? Pesquisadora Vai dar o de 90. Conforme visto na descrição dos dados, os alunos também utilizaram nomenclaturas para classificar os ângulos durante a manipulação das chapas representando ângulos. Palavras como “agudo”, “reto” e “obtuso”, estavam presentes nas falas à medida que manuseavam as aberturas. No diálogo reproduzido abaixo, Samuca, Chuck e Bejota indicam suas aberturas e suas classificações. Bejota se lembra de diferentes nomenclaturas, mas se confunde ao associar a ângulos classificações de triângulos. Percebendo isso, Samuca corrige-o. 119 Samuca Chuck Samuca Bejota Samuca O meu agora já é obtuso, já. O seu é qual? 150. Obtuso, escaleno, o outro é? Não, é obtuso... Escaleno é o tipo de triângulo, velho! [Risos.] É obtuso, reto e agudo. Partimos desse diálogo para conversar com a classe sobre os tipos de ângulos. Em seguida, todos registram as descobertas e conclusões no Dicionário de Geometria. Na atividade 4, ao utilizarem o transferidor construído pelas pesquisadoras, percebemos uma inquietação entre eles, insatisfeitos com a sequência de fracassos na medição dos ângulos das caixas (figura 16, p. 84). Alguns alunos se queixavam dizendo que a cada medição com o auxílio do transferidor adaptado, encontravam um resultado diferente. Samuca Bejota Chuck Bejota Samuca Bejota Chuck Samuca Ah, velho, hora o meu dá 150, hora dá 135! É! O meu deu 60, 90 e 120! O meu deu 60 e 90, mas agora tá certo... O seu é esse aqui, olha... [Passa para Samuca, balançando a caixa na frente dele para que ele perceba a sua localidade.] O meu é a do “Diamante Negro”. O do Chuck é super fácil, é um triângulo comum. [Encaixa a tampa que estava com Bejota em sua base e entrega a ele.] É igualzinho o do Bejota! É, o nosso é difícil demais! Deixa eu ver... O meu deu entre 0 e 360. [Risos.] O meu deu entre 90 e 120 um... Nossa, que palhaçada! Não tem como medir certinho esse não! No diálogo acima, podemos observar que a fala de Samuca inflama a turma e provoca nos colegas reações semelhantes, produzindo novas falas relacionadas aos erros de medição com o instrumento que possuíam. Para Vygotsky (2001), a fala socializada provoca no outro reações diversas. Podemos observar que Bejota e Chuck são guiados pela fala de Samuca ao questionar as imperfeições na medição. Em seguida, ambos utilizam o mesmo recurso para manifestar suas insatisfações com a utilização deste instrumento. Nesse caso, a dúvida quanto ao resultado encontrado em cada ângulo foi o fator social que motivou a manifestação dos três alunos. Ainda nessa atividade, aproveitando as caixas que manuseavam neste momento e a fim de explorar as figuras geométricas presentes em suas caixas, conversamos com eles sobre o hexágono regular. 120 Pesquisadora MG Pesquisadora MG Pesquisadora MG Pesquisadora MG Pesquisadora Samuca Que sólido é esse que se encontra em sua mão, MG? Triângulo. O sólido é um triângulo? A base é triangular! E qual o nome do sólido? Prisma. É um prisma de base triangular. Você mediu os ângulos da base, MG? Deu todos 60º. Então o triângulo da base é também o que... Equilátero. Observamos que MG parecia confundir figuras sólidas com figuras planas, mas percebe a tempo seu equívoco e corrige. Pesquisadora O sólido é um triângulo? MG A base é triangular! MG Prisma. É um prisma de base triangular. Essas associações podem ter possibilitado a MG buscar em suas funções psicológicas superiores subsídios intelectuais que promovem novas internalizações e, consequentemente, novas descobertas e aprendizagens, num emaranhado de ideias surgidas nas relações sociais das quais se insere e participa ativamente. Em um encontro, dentro da atividade 4, após a construção correta de alguns ângulos, Samuca se sentiu motivado e solicitou a construção de outros ângulos. No diálogo que se segue, podemos observar outras estratégias utilizadas por Samuca para a confecção de novos ângulos. Samuca Professora Samuca Professora Samuca Ô, professora, o de 90º você sabe o que eu vou fazer, né? O que você vai fazer? Vou nem precisar do transferidor não. Não? Tem certeza? Não... Aqui! [E mostra com os dedos polegar e indicador um “L”, colocando em seguida em sua folha.] Quando Fernandes (2004) destaca que a importância de disponibilizar ferramentas e instrumentos para a exploração vai além da manipulação, que transcende o objetivo deles em si. Samuca não só utilizou o transferidor para a construção de ângulos como percebeu que a formação do ângulo de 90º indicada por esse transferidor também pode ser indicado pela perpendicularidade de segmentos, como os segmentos 121 da letra “L” na escrita comum. Percebe-se aqui que este aluno trabalha com diferentes áreas de percepção e abstrai conhecimentos em outros níveis de análise, formando conjecturas e tirando conclusões. Na atividade 5, ao final da construção dos ‘sólidos’ (superfícies dos mesmos, para ser mais correto), enquanto cada aluno ‘apreciava suas obras’, tocando-as, tem lugar o seguinte diálogo: Chuck Pesquisadora Degê MG Pesquisadora Chuck Bejota Chuck Bejota Chuck Samuca Eu fiz um paralelepípedo. Humm. É mesmo! Vou fazer duas pirâmides e vou ficar com uma. Preciso achar uma base pra essa pirâmide... Depois que vocês construírem estes sólidos, nós vamos escrever tudo o que a gente sabe sobre ele: arestas, vértices, quais as figuras planas que vocês utilizaram... Eu devia ter feito um mais fácil... Eu podia ter feito um quadrado. Quadrado? Quadrado não é figura espacial não, véi! Ah.. Um cubo! Você tá fazendo o quê, Samuca? Estou tentando fazer um prisma hexagonal. Podemos observar que os nomes dos sólidos já são de conhecimento dos alunos e já fazem parte dos diálogos e das denominações dos sólidos. Já foram incorporados culturalmente e compõem suas funções superiores. Chuck Eu fiz um paralelepípedo. Degê Vou fazer duas pirâmides e vou ficar com uma. A fala continua sendo um importante meio de contribuição para a internalização de fenômenos sociais e culturais. E com ela, a palavra continua sendo fonte de materialização e significação desses fenômenos. Bejota, comentando de sua obra, afirma: “eu podia ter feito um quadrado”. Logo em seguida, é corrigido por Chuck que simplesmente o relembra que “quadrado” não é uma boa definição para um sólido: “Quadrado? Quadrado não é figura espacial não, véi!”. Esta fala de Chuck faz com que Bejota recorde conceitos discutidos anteriormente, provoca, possivelmente, modificações em seus pensamentos e se revela através da fala: “Ah! Um cubo!”. 122 Durante essa atividade, percebemos que MG sobrepunha cada uma das figuras, como se montasse uma pilha de pedaços de papelão, sem possuir, ao menos aparentemente, a intenção de utilizá-las como faces de um sólido. Intervimos: Pesquisadora Deixa eu mostrar o seu pra ele, Degê. [A figura construída por ele foi uma pirâmide de base quadrada.] Aqui, oh [dando a MG], Degê construiu um sólido. MG Humm. [Toca com suas mãos por toda a pirâmide construída de Degê.] Como é que ele construiu? Pesquisadora Ele foi juntando as figuras, de forma a ficar “em pé”. Você entende quando eu digo assim? MG Ah, tá! Entendi. Através da manipulação da superfície da pirâmide de base quadrada construída por Degê, MG percebe que as figuras em separado comporiam as faces do sólido, mas não compreendia como isso seria feito e pergunta: “Como é que ele construiu?”. Utilizamos o objeto construído por Degê como instrumento de mediação e signo para MG, de forma que, através da manipulação do mesmo, esse último percebesse como realizar a construção solicitada. Procuramos ainda orientá-lo verbalmente: “Ele foi juntando as figuras, de forma a ficar “em pé”. Você entende quando eu digo assim?”. Ao utilizar a expressão “ficar em pé”, procuramos reafirmar a existência de uma base do sólido, relembrando tudo o que já haviam trabalhado anteriormente. MG responde: “Ah, tá! Entendi”. E, efetivamente, nos parece que ele realmente entendeu. MG consegue construir seu sólido, utilizando quadrados e retângulos recortados em papelão como faces do seu paralelepípedo (figura 47). Figura 47: Paralelepípedo construído por MG. 123 A atividade 6 envolvia a modelagem de sólidos com massa de modelar. O diálogo a seguir aconteceu no momento em que os ‘sólidos’, já moldados por cada aluno, foram trocados entre eles. Cada aluno tendo em mãos o ‘sólido’ do colega, deveria manipulá-lo e identificá-lo. Cat Aqui, essa aqui [com a de Joca em mãos, figura 26, p. 93] é uma figura rasa e parece que é quadrada. Pesquisadora A base é quadrada. Mas tem altura, num tem? Cat Tem. Ela não é uma figura plana. Pesquisadora É um sólido... Cat Ah, eu não tenho a mínima ideia. Pesquisadora Ela tem uma altura, num tem? Se tem uma altura é o que, gente? Samuca Uma figura espacial. Pesquisadora Isso. Uma figura espacial. Quantas arestas têm a base? Cat Quatro. Pesquisadora Isso. Então é de base quadrangular. E agora? É um prisma, uma pirâmide... Cat É uma pirâmide. Pesquisadora Uma pirâmide? Tem certeza? Cat Não! É uma prisma! Não tem biquinho. É uma prisma de base quadrada. Cat identifica que não se trata de uma figura plana, mas não sabe a que grupo ela pertence, dito em seguida por Samuca. Contudo, ela é capaz de identificar algumas características: Pesquisadora Quantas arestas têm a base? Cat Quatro. Embora tenha se mostrado capaz de identificar corretamente o número de arestas, confunde-se ao nomear o ‘sólido’ construído por Joca, dizendo tratar-se de uma pirâmide. A palavra “pirâmide” é repleta de significados e carrega com ela características que as difere das demais. Para Vygotsky (2001), a palavra, no processo de maturação do pensamento, passa do meio exterior para o meio interior e provoca na pessoa que a ouve, uma série de significações, remetendo-a a experiências anteriores e conhecimentos formados a respeito dela. Quando questionada se realmente seria uma pirâmide, responde: “Não! É uma prisma! Não tem biquinho. É um prisma de base quadrada”. Na atividade 7, trabalhamos com a noção de semelhança, utilizando figuras recortadas em diferentes formas (figura 27, p. 95). Os alunos se sentaram em duplas na 124 seguinte distribuição: Samuca e Cat, Joca e MG, Chuck e Bejota. Dessa forma, analisaram as figuras que lhe foram fornecidas e tiraram conclusões. Iniciamos a exploração num grupo de quadriláteros: três quadrados e um quadrilátero qualquer. Solicitamos que encontrassem a figura que não faria parte do grupo e que justificassem sua resposta. Cat Samuca Bejota Pesquisadora Samuca Pesquisadora Samuca Cat Bejota MG Pesquisadora MG Chuck Pesquisadora Chuck Samuca MG Pesquisadora Todos Eu já sei, [nome da pesquisadora]. A gente já sabe. Nós já sabemos. Então vamos lá, podem falar. [Pausa...] Qual é o diferente? Este [mostrando o quadrilátero não semelhante]. Por que ele é diferente? [Pausa...] Ele é um quadrilátero também... Ah, mas é diferente! É.. Ele é excluído dos outros. É esse aqui, oh! [E balança a figura, na direção da pesquisadora.] Sim, mas porque ele é excluído dos outros? O que a gente tem de diferente aqui é que o diferente é meio triangular... Este aqui que é diferente, oh! [Mostra na direção da pesquisadora.] Mas porque que ele é diferente? Porque todos os outros são quadrados e esse aqui não. É, e esse é um losango.. Os outros três são quadrados e este aqui não é um quadrado. Humm... E o que os quadrados tem de diferentes entre si? O tamanho! Como podemos perceber no diálogo acima, nosso papel foi fundamental nesta passagem da simples identificação das figuras para a abstração de conceitos. Quando os sujeitos da pesquisa manipulam os objetos e verificam diferenciações e semelhanças entre eles, Fino (2001) vê ali o que chama de “janela de aprendizagem”, um momento propício para a aprendizagem. Os alunos se encontram abertos a novas experiências e a novas descobertas diante as ferramentas que possuem em mãos. Aproveitando momentos oportunos, indagamos aos alunos sobre as características das figuras, estimulando-os a ampliarem sua zona de desenvolvimento. Pesquisadora Então vamos lá, podem falar. [Pausa...] Qual é o diferente? Pesquisadora Por que ele é diferente? [Pausa...] Ele é um quadrilátero também... 125 Pesquisadora Sim, mas porque ele é excluído dos outros? Pesquisadora Mas porque que ele é diferente? Durante os questionamentos, os alunos identificavam fisicamente a figura que excluída do grupo, mas nem sempre conseguiam justificar adequadamente sua resposta. A nosso ver, isso pode estar relacionado a uma dinâmica de trabalho em sala de aula pouco argumentativa, nas quais, usualmente, esperam-se respostas corretas, mas quase nunca, justificativa para as mesmas. Tal característica, infelizmente, não é exclusiva desses alunos, mas perpassam muitíssimas classes em todo o país. Momentos depois, após as pausas entre as perguntas, Chuck afirma: “Porque todos os outros são quadrados e esse aqui não”. Sua resposta imediatamente ‘faz todo o sentido’ para os colegas. Vygotsky (2001) vê na fala a libertação da confusão mental, no caso, causada pelas indagações das pesquisadoras e pelas reflexões dos alunos. Após sua fala, segue-se uma sequência de justificações dadas por outros alunos. Segundo Fernandes (2004), a fala articulada influencia os pares. Percebemos a influência da fala de Chuck nos colegas na sequência Samuca É, e esse é um losango.. MG Os outros três são quadrados e este aqui não é um quadrado. Durante a procura de exemplos de semelhança de figuras planas, percebemos que havia uma pequena confusão entre as palavras “quadrado” e “quadrilátero”. Para Samuca, dizer “todos os quadrados são semelhantes” era como se todas as figuras de quatro lados (quadriláteros) fossem semelhantes. Entendendo dessa forma, este aluno expandiu a notação de semelhança para o número de lados que a figura possui, como podemos observar no diálogo que se segue: Pesquisadora Todos Samuca Pesquisadora Samuca MG Eu posso dizer que todos os quadrados são semelhantes? Pode. Ah, se for assim, eu vou falar quadrado, triângulo, retângulo... Qualquer triângulo tem a mesma forma? É. Depende... Não... Segundo Vygotsky (2001), o significado está incorporado tanto no pensamento quanto na palavra, já que esta é reflexo direto do pensamento e provém dele. Assim, 126 dizer “quadrados são semelhantes” para Samuca, provocava em seu pensamento a ideia de que qualquer figura de quatro lados eram semelhantes e que a semelhança se dava pelo número de lados. Samuca Ah, se for assim, eu vou falar quadrado, triângulo, retângulo... Logo, sua fala deixa claro que, a partir desse raciocínio, o significado de “semelhança” passava a não fazer “sentido” que, para Vygotsky, era a junção dos eventos psicológicos provocados pela palavra. Quando modificamos a palavra de “semelhança” para “forma”: “Qualquer triângulo tem a mesma forma?”, introduzimos uma nova gama de significados para Samuca e, evocando outras ações psicológicas em sua consciência, esta sim passa a ter sentido. E o aluno concorda: “É. Depende...”. Expressar então a ideia de semelhança tomando como foco a “forma da figura” passou a ter mais significado para Samuca e para seus colegas. Tanto que, em seguida, MG se manifesta: “não...”, de forma simples, mas totalmente compreensível. Aproveitando esta oportunidade, destacamos a importância de não se misturar diversas nomenclaturas em Matemática e seus significados. No trabalho com hexágonos, MG percebeu que havia figuras de mesma forma, mas de tamanhos diferentes, sendo um deles diferente dos demais. Joca estava misturando os quadrados utilizados anteriormente com os hexágonos desta tarefa, deixando-a confusa. Fomos à sua carteira separar as figuras. É importante estar atento às necessidades dos alunos para que situações como esta não atrapalhem o bom desenvolvimento do trabalho. Ainda na atividade 7, a última figura analisada foi o triângulo, lembrando que três eram triângulos equiláteros e um era triângulo retângulo. No diálogo abaixo, percebemos que Bejota identifica rapidamente o triângulo retângulo como diferente dos outros por seus ângulos distintos. Pesquisadora Por que ela é a figura diferente, Bejota? Bejota Porque ela é a excluída do grupo. [Risos] É porque os ângulos dela são diferentes. Apenas observando as figuras, seja fazendo uso do resíduo visual que este aluno possui ou pela sensibilidade ao toque, Bejota identificou a diferença angular existente entre os triângulos apenas observando seu formato. Os caminhos seguidos para o desenvolvimento cognitivo é diferente entre pessoas de visão normal e de pessoas sem acuidade visual, a começar pelos sentidos empregados por uma e por outra na exploração de objetos. 127 Foi perguntado à turma o que poderia ser dito agora dos triângulos que se encontravam no mesmo grupo e houve uma pequena confusão no entendimento da fala da pesquisadora. Pesquisadora O que os triângulos são? Samuca São triângulos, uai. Já até disse que eles são equiláteros e um deles é escaleno. Pesquisadora Sim, mas eu entreguei quatro triângulos pra vocês e vocês tiraram um do grupo. Por que os outros estão no grupo? Samuca Por que são iguais! Bejota Não! Não são não! Chuck Cada um é de um tamanho! Pesquisadora Eles têm o mesmo formato, mas eles têm tamanhos diferentes. São o que então? Samuca Semelhantes. Por um lado, a forma como nos expressamos pode não ter sido a mais adequada, gerando uma dificuldade inicial na compreensão, porém, por outro, a palavra “iguais” passa a ter um significado diferente para a turma. Quando Samuca diz que os triângulos que fazem parte do mesmo grupo de figuras são “iguais”, rapidamente é corrigido pelos colegas. Bejota Não! Não são não! Chuck Cada um é de um tamanho! Percebemos aqui que os participantes do estudo já se encontram em um nível mais avançado na aprendizagem. Já se mostravam capazes de fazer deduções, conjecturas, intervenções e conclusões sobre alguns conteúdos de Geometria aqui discutidos. O significado da palavra “semelhante” já parecia internalizado na maioria desses alunos, assim como a diferenciação entre “igualdade” e “semelhança”. Um dos fatores relevantes nessa conclusão se dá pela resposta de Chuck: “Cada um é de um tamanho!”, o que nos leva a crer que a diferença no tamanho é fator de relevância para verificar a diferença entre duas figuras. Tanto que, com a indagação da professora e seguida das respostas dos colegas, o próprio Samuca utilizava a palavra sentenciada corretamente dessa vez. Mais uma vez, percebemos a fala socializada influenciando o pensamento de pares e, consequentemente, a fala do outro. 128 Pesquisadora Eles têm o mesmo formato, mas eles têm tamanhos diferentes. São o que então? Samuca Semelhantes. 5.3. Contribuições do material manipulativo utilizado nas atividades Na atividade 3, utilizamos a chapa de metal para destacar as diferentes aberturas e suas medidas distintas, em graus no trabalho sobre de ângulos. Analisando o instrumento, verificamos que ele atendeu às expectativas quanto à diferenciação entre as aberturas e o fácil manuseio de toda a aparelhagem, além de ser possível abstrair conceitos e relações entre os objetos (figura 13, p. 80). Primeiramente, apresentamos na figura 48 um problema encontrado durante a manipulação dos objetos durante esta atividade que nos leva a refletir de que forma podemos melhorar este instrumento ao trabalhar ângulos de aberturas maiores (120º e 150º) ou ângulos cuja abertura é inexistente ou abrange toda a chapa (0º, 180º, 360º). As chapas que continham os maiores ângulos geralmente eram analisadas tomando o seu exterior, ou seja, o maior ângulo formado por ela. Para manipulá-la, os alunos apoiavam-na como o inverso de V (/\) sobre a mesa (figura 48). No manuseio das chapas pela maioria dos alunos, foi necessário que a pesquisadora fosse até carteira de cada um que estivesse com um ângulo obtuso e mostrasse a abertura considerada pela inscrição contida na chapa. Figura 48: Manipulação de uma chapa de ângulo obtuso apoiada sobre a carteira. A deficiência do instrumento pode causar problemas no desenvolvimento da atividade e, consequentemente, na aprendizagem de alunos cegos. Para Vygotsky (1984), as dificuldades encontradas nas interações desses alunos com os instrumentos podem prejudicar o desenvolvimento cognitivo e/ou podem provocar internalizações 129 equivocadas de conhecimentos. Nossa intervenção procurou corrigir esse erro no manuseio dos instrumentos para aberturas maiores que 90º. Positivamente, podemos salientar que as chapas utilizadas para a manipulação dos ângulos notáveis destacados (figura 13, p. 80) auxiliaram na descoberta de diversas manipulações geométricas pelos alunos. Na figura 49, observamos que, sozinho, Samuca se interessa pelas diferentes aberturas das chapas e tenta compará-las. Nessas comparações, ele chega à conclusão de que é possível realizar cálculos com ângulos como na aritmética: um ângulo de 60º somado a um ângulo de 30º forma um ângulo de 90º, ou seja, 60º + 30º = 90º. Ele descobre a operação de adição entre ângulos ao manipular essas chapas angulares, por sobreposição e junção consecutiva (figura 49). Figura 49: Samuca toma duas chapas contendo aberturas de 30º e 60º e tenta sobrepor a de menor abertura sobre a de maior abertura [1]. Como não consegue, inverte as placas [2] sobrepondo agora a maior em cima da menor [3]. Verifica que o espaço vazio representa 30º [4] e vai mostrar aos colegas [5]. Podemos perceber claramente que o material utilizado foi um importante instrumento de mediação para Samuca. Elas representaram elementos intermediários entre o aluno e o conhecimento, neste caso, a soma de ângulos. Ao ter a ideia de comparar as chapas e verificar que a união de duas delas daria a abertura de outra chapa conhecida, ele utilizou signos como meios auxiliares. Esta mediação modificou o 130 pensamento e o desenvolvimento cognitivo e psicológico deste aluno, influenciando a todos os colegas, já que, ao fazer a descoberta, rapidamente foi divulgá-la divulgá entre os amigos. Na atividade 4, os alunos trabalharam com transferidor em Braille (figura ( 14, p. 82)) com marcações de 30º em 30º (representado pelos traços maiores) e de 45º em 45º graus (pelos traços menores). Enquanto a pesquisadora indicava as marcações do Braille Br e seus respectivos ângulos, Samuca manuseava corretamente o transferidor e já procurava medir o ângulo da chapa que se encontrava em suas mãos. Figura 50: 50: Samuca manuseando o transferidor na chapa de alumínio. Podemos aqui perceber que Samuca explora bem os objetos que lhe são oferecidos nas atividades, utilizando-os utilizando os como instrumentos de mediação. Para isso, faz uso das mais diversas estratégias de exploração desses objetos, como a comparação, a junção, a sobreposição e a rotação, rotação, entre outros. Observamos que o aluno coloca o ‘ângulo’ sobre o transferidor e associa as medições contidas nele à abertura do ‘ângulo’ (chapa de metal). Ele modifica a forma de usar instrumentos na medida em que aprende com eles. Samuca Nó, dá certinho cert 150! Pesquisadora Eu percebi que, ao medir, ele se encontra na quarta linha. Quantos graus têm a abertura? Samuca 120. Pesquisadora 120º. Samuca Mas também dá pra medir ângulo de 135º. Pesquisadora Dá sim, 135. Por quê? Samuca Por causa da... Tem Tem a curtinha que é 45 e a em pé que é 90. No diálogo acima, Samuca explora o instrumento e, antes mesmo de qualquer orientação, identifica os símbolos presentes. Esses, ao serem identificados e utilizados 131 como signos na mediação, passam a ter significado para aquele que o utiliza. Sendo assim, o aluno observa as variações presentes no transferidor e tira conclusões a partir dos símbolos aí presentes. Em outro momento, foi fornecido aos alunos algumas caixas de objetos do cotidiano para que seus ângulos pudessem ser medidos. Samuca pegou a caixa A (figura 16, p. 84) e verificou que o transferidor não era preciso para alguns ângulos da tampa. Samuca Esse ângulo aqui não tem não! [Pausa.] Ah lá, oh! Esse aqui não dá exato não! Pesquisadora Não. Não dá exato não, foi o que eu disse. Samuca Como que eu faço então para medir? Pesquisador Com a precisão do transferidor de vocês, diga que está entre dois valores. Samuca Ah, o meu deve ser uns 105. Luria (VALSINER e VEER, 1996) destaca que uma das mudanças apontadas pela linguagem é a possibilidade de abstração de propriedade dos objetos. Quando Samuca questiona que seu transferidor não possui tal precisão para a medida de um dos ângulos presentes na caixa A (figura 16, p. 85), sugerimos: “está entre dois valores”. O aluno então identifica uma propriedade indicada pelo instrumento que manuseia e verifica a possibilidade de abstraí-la, respondendo: “Ah, o meu deve ser uns 105”. É a primeira vez que os alunos trabalham com um transferidor para a medição de ângulos em graus. Enfrentar obstáculos na descoberta de novos conhecimentos é natural e faz parte do curso do homem. Para Alfred Adler (COBRA, 2003), o homem busca constantemente enfrentar desafios que os tornam inferiores em relação aos demais a fim de suprir essa superioridade. Assim, diante do desafio de utilizar o transferidor, os alunos dessa turma se empenharam em utilizar com precisão o instrumento. Percebemos, assim como a professora da turma, que os erros nas medições dos ângulos das caixas se deviam ao uso incorreto do transferidor. Este não estava sendo centralizado como se deveria, prejudicando o resultado da medição dos ângulos. Foi necessário que passássemos de carteira em carteira mostrando a forma correta de alinhar o transferidor ao ângulo que se desejava medir. Nesse caso, nossa função, como professores foi a de auxiliar o aluno na aprendizagem do manuseio correto do instrumento mostrando com suas mãos a forma correta de alinhar o transferidor (figura 51). Aproveitamos ainda para verbalizar: “Não deixem de alinhar corretamente o fim do transferidor ao segmento do ângulo. É necessário também que o vértice de cada ângulo esteja alinhado ao centro do transferidor. Certo?”. 132 Figura 51: Pesquisadora auxiliando Joca no manuseio do transferidor para medir ângulos. Após nossa interferência, Degê mediu corretamente todos os ângulos da caixa que tinha em mãos (figura 16-F, p. 84) afirmando ter a medida de 120º cada um deles. MG também identificou corretamente os ângulos de sua caixa (figura 16-G, p. 84). Analisando o instrumento utilizado para medição de ângulos e o material que serviu como base de medição, todos os alunos aprovaram o instrumento e disseram entender como utilizar o transferidor. Como pudemos observar na descrição do capítulo anterior, Samuca ainda comentou que o transferidor produzido pelas pesquisadoras (figura 14, p. 82) foi mais eficiente que um que encontrou (figura 15, p. 83) por conter marcações em toda a sua extensão. Para Vygotsky (1984), a utilização de instrumentos auxilia as pessoas em atividades exploratórias e de descoberta. O manuseio desses instrumentos liga signos simbólicos a outros órgãos receptivos. Logo, saber utilizar com eficiência instrumentos de medição tais como transferidor e régua, auxilia na aprendizagem em Geometria (VALSINER e VEER, 1996). Sendo assim, outras atividades relacionadas à utilização do transferidor foram desenvolvidas com esta turma a fim de verificar a habilidade dos alunos com este instrumento. Dando continuidade à atividade que trabalha com ângulos e suas relações, foi sugerido aos alunos que medissem e classificassem outros ângulos e, em seguida, construíssem eles mesmos ângulos de diferentes aberturas utilizando o transferidor como instrumento de medição e marcação. O macarrão foi o material utilizado como objeto de traço dos segmentos que comporiam esses ângulos. Como já havíamos discutido anteriormente, a escolha do macarrão como material para construção angular não foi muito eficiente devido ao fato do material quebrar-se com extrema facilidade. Porém, a utilização deste material não influenciou diretamente no objetivo fim da 133 atividade, que era a medição de ângulos e a construção correta do ângulo dado utilizando o transferidor adaptado como instrumento de medida angular. MG saiu da sala aquele dia dizendo que medir ângulos era fácil porque ele havia aprendido corretamente. Que “tudo que se aprende direito fica fácil”64. Na atividade 5, os alunos foram convidados a construir e montar sólidos utilizando apenas suas faces. A composição dessas faces, embora livre, deveria gerar a superfície de um sólido, conhecido ou não. Degê pensou em construir uma pirâmide e Samuca, um prisma de base hexagonal. Samuca montou seu sólido de um jeito bem interessante: ele planificou suas figuras de forma a compor uma base para a figura que gostaria de construir (figura 52). Em seguida, ele “subiu” as partes que compunham as faces laterais para poder construílo. Figura 52: Base para construção do sólido (à esquerda) e o sólido pronto e fechado (à direita), conforme pensado pelo aluno Samuca. Por meio da interação com o objeto e de suas experiências anteriores, Samuca conseguiu “visualizar” o sólido pretendido através da planificação do mesmo. As características dos sólidos e suas propriedades físicas já parecem estar internalizadas para esse aluno. Ele já demonstrava ser capaz de abstrair conhecimentos e relações além daquelas propostas. Analisando à luz de nossos estudos, percebemos que Samuca se encontrava num nível mais elevado de conhecimento tendo como referência o início das atividades, mostrando-se capaz de utilizar ferramentas a seu favor, formar conjecturas, estabelecer estratégias e tirar conclusões. Ao final da atividade 5, propusemos aos alunos, como tarefa extraclasse, que construíssem uma embalagem a qual pudéssemos guardar um apontador (figura 23, p. 64 Esta fala de MG não consta em nossos registros (áudio/vídeo) por ter sido dita de maneira informal pelo sujeito da pesquisa a uma das pesquisadoras após o término da atividade. 134 89). O material utilizado poderia ser o mesmo fornecido no encontro acima (figuras geométricas em papelão) ou outros que os alunos quisessem. Como pudemos perceber na figura 24 (p. 90), os alunos exploraram formas diferenciadas na composição das caixas, apontando destaque para as caixas criadas por Samuca (figura 24, letra E, p. 90) e Chuck (figura 24, letra A, p. 90), utilizando cores e formas. Destacamos a utilização de botões por Chuck na ornamentação da caixa (e ainda o desenho de uma face feita por ele com esses botões). A construção de figuras em altorelevo nos remete a refletir sobre a importância da ornamentação estética para pessoas sem acuidade visual. Uma conjectura que tecemos é que, talvez, da mesma forma que para nós, pessoas de visão normal, a estética nos é agradável aos olhos, para cegos acreditamos que também seja agradável se sensível ao tato. O mesmo se vê na construção da embalagem criada por Samuca. A utilização de papel celofane, palha e fitas embelezam a caixa e deixam-na esteticamente bela aos olhos (para quem vê) e ao tato (para quem não vê). Dando continuidade à construção de sólidos, dessa vez, trabalhamos com massa de modelar. Essa foi uma boa escolha para trabalhar esse tipo de atividade por dar mais liberdade de ação, movimento, manipulação e precisão no que se desejava construir. Os próprios alunos manifestaram-se a favor do uso deste material e demonstraram facilidade em utilizá-la para construir objetos. Chuck Eu gostei de utilizar massinha. MG Eu também gostei. É fácil mexer com ela! No processo de construção dos sólidos, percebemos que Chuck tem uma boa habilidade manual e conseguiu construí-lo rapidamente. Samuca reclamou durante o processo de modelagem em relação ao nível de dificuldade do sólido que sorteou. Foi necessário que nós e a professora o auxiliássemos na construção do sólido. Em outro momento, o aluno apresentou a mesma dificuldade no manuseio para a construção de objetos (como na construção de ângulos). Acreditamos que, talvez, esta falta de habilidade venha do pouco costume de lidar com situações semelhantes, ou seja, da falta de prática. Os signos e os instrumentos utilizados pelas pessoas para a aprendizagem são de naturezas diversas e são compreendidas e controladas pelo homem de maneiras 135 diversificadas. Quanto à boa utilização desses signos e à significação dos mesmos, cabe a cada sujeito. Na atividade 7, trabalhamos com a noção de semelhança, utilizando figuras recortadas em diferentes formas (figura 27, p. 95). Na atividade 8, construímos uma régua, em cartolina reforçada, com marcações em Braille (figura 28, p. 97). As marcações principais foram feitas a cada 1 (um) centímetro, sem as submarcações em milímetros, como em uma régua comum, e os valores 0 (zero), 5cm (cinco centímetros), 10cm (dez centímetros), 15cm (quinze centímetros) e 20cm (vinte centímetros) foram destacados em relação aos demais, por meio de linhas pontilhadas mais longas. Os alunos tiveram muita dificuldade em identificar o início e o fim da primeira régua confeccionada, já que em sua construção, utilizamos o início e o fim como 0cm (zero centímetros) e 20cm (vinte centímetros), respectivamente. Pesquisadora Essa régua vai de zero até vinte. Samuca Cadê o zero? A partir das dificuldades, reconstruímos as réguas destacando internamente a marcação 0 (zero) e 20 (vinte), para melhorar o alinhamento e a leitura da régua em relação ao objeto que se desejava medir. Figura 53: Réguas construídas sem as marcações de 0 e 20cm (A) e com as marcações (B), mais aceita pelos alunos. Os alunos tiveram um papel essencial no desenvolvimento desse e de outros materiais utilizados nas atividades. Por outro lado, eles se sentiram respeitados e importantes na medida em que suas críticas e sugestões eram acolhidas e tinham consequências concretas. 136 A primeira régua confeccionada não atendia às necessidades dos alunos. Pelo contrário, proporcionou confusão e erro. Com a nova régua, os alunos conseguiam identificar o ponto zero, demarcando o início do objeto com precisão. Identificar as falhas de uma ferramenta e encontrar alternativas para contornar o problema também são funções do professor. A fim de aprimorar ainda mais o instrumento confeccionado e dando sugestões para as futuras réguas construídas, Chuck, em casa, adaptou a sua régua destacando ainda mais as marcações (figura 54). Além de ter aumentado o relevo em sua régua a cada centímetro e colado mais uma camada de cartolina no verso dela com a intenção de deixá-la ainda mais resistente e menos dobrável, ele também destacou a medição de 5 (cinco) em 5 (cinco) centímetros escrevendo em Braille abaixo da marca. Figura 54: Régua adaptada por Chuck. Para Vygotsky (1984), o uso de ferramentas para o trabalho é exclusivo do homem e é através dessas ferramentas que ele explora e compreende o ambiente que o cerca. Na elaboração dos instrumentos utilizados nas atividades propostas para a exploração e a compreensão, trabalhamos com objetos do dia-a-dia dos alunos participantes desta pesquisa. Por se tratarem de alunos cegos ou com baixa visão, priorizamos a estimulação do tato como uma das vias de recurso ao conhecimento. O autor acreditava que os cegos buscavam em todo momento estes outros recursos sensoriais e o tato era um dos mais importantes acessos à aprendizagem. Além disso, utilizamos materiais de fácil acesso e de baixo custo para que os mesmos pudessem ser utilizados em qualquer instituição de ensino. Todo o material e todas as atividades desenvolvidas com esse grupo de alunos cegos e/ou com baixa visão podem também ser empregados entre alunos de visão normal, atendendo a todos, sem distinção. 5.4. Dificuldades enfrentadas no processo Ao longo do trabalho, enfrentamos algumas dificuldades distintas daquelas que prevíamos. Destacamos as duas principais aqui. 137 Na atividade 5, conforme mencionamos no capítulo anterior, a embalagem escolhida pelo publicitário que visitou a classe foi a confeccionada por Degê (figura 55). Figura 55: Embalagem criada por Degê. Sua tampa é composta por aberturas triangulares. Quando Samuca e Chuck ficaram sabendo que suas embalagens não haviam sido escolhidas pelo publicitário, um sentimento de frustração e desconforto veio à tona. Percebemos que ambos não estavam preparados para lidar com a perda e aproveitamos para conversar um pouco sobre o valor da participação, o respeito pelo trabalho dos outros colegas, a aceitação da derrota e a valorização do esforço, sempre reconhecido. Pela própria teoria de Vygotsky, sabemos que as relações sociais e históricas ao longo do tempo são as principais vias de desenvolvimento do homem como ser racional e social. O funcionamento psicológico provém das relações sociais e todas as suas características, inseridas numa determinada cultura, com determinados costumes, posturas e formação. Através da linguagem corporal e pelas reações adversas desses dois alunos, especificamente, percebemos que era um momento oportuno para lidar com essas questões. Outro momento difícil aconteceu na atividade 8. Nessa atividade, vivenciamos a sensação de não conseguir acompanhar a classe e atendê-los rapidamente como estavam habituados. Nesse dia, a professora da turma precisou se ausentar e estávamos estabelecendo o primeiro contato dos alunos com a régua. Como solicitamos a medição do comprimento de um determinado objeto, havia a necessidade de uma atenção individualizada. Logo, perdemos um pouco a visão da turma em relação à atividade e grande parte do encontro foi gasto com a aprendizagem do manuseio da régua. Durante todo o tempo, vários alunos falavam em alta voz os lados que estavam sendo medidos. A dupla Bejota e Degê sempre informava ao trio formado por Chuck, Cat e Samuca os valores que estavam encontrando, assim como o inverso. Joca e MG 138 mediam em silêncio sem se envolver com o restante do grupo. De vez em quando, MG citava o valor que havia encontrado sem interferência dos colegas. Estes dois alunos são mais calados e quietos, sem muito envolvimento da turma. Em determinadas situações, interferíamos. Não medimos esforços, por exemplo, para estimular a aluna Joca a participar, fazendo perguntas e buscando ouvi-la. Apesar de muito tímida e quieta, era ativa e disposta a colaborar em cada atividade. Vygotsky (1984) vê nas relações culturais e históricas o desenvolvimento do homem ao longo de sua existência, assim como as atividades coletivas e participativas. Inserir os alunos neste contexto promovia um ambiente favorável e promissor a novas descobertas e à aprendizagem. Por mais que os alunos utilizassem os instrumentos corretamente e pudessem identificar as marcações com clareza, esta atividade não obteve os resultados esperados. Conforme vimos no capítulo anterior, os alunos tiveram dificuldade em fazer medições sequenciais e associá-las num resultado final. Causou frustração e inquietação por parte dos alunos e das pesquisadoras. Os alunos apontaram que manejar a régua era difícil, assim como identificar as marcações e alinhá-la com o lado da figura. Comentaram também que havia lados não exatos, o que dificultava a medição. Aproveitamos para esclarecer que a exatidão de uma medida é algo difícil e que na Matemática, assim como na Física, é comum se utilizar aproximações de valores e valores médios calculados a partir da repetição da medição. Acreditamos que o volume de tarefas nesta atividade, a ausência da professora da turma, a pouca habilidade com o instrumento e a quantidade de informações em curto prazo prejudicaram o andamento e a conclusão desta atividade, pois todos esses itens são fatores de influência na aprendizagem dos alunos. Apesar da prática e das constantes atividades de adaptação às ferramentas disponíveis, além dos esforços da professora e das pesquisadoras, cada um tem seu tempo e o seu momento certo de aprender. Quando Fino (2001) comenta sobre as janelas de aprendizagem em que os alunos se encontram durante uma ZDP, deixa bem claro que o desenvolvimento cognitivo acontece quando essa abertura ocorre e cada indivíduo tem o seu tempo certo para esta abertura e para o processo de desenvolvimento. Cabe-nos aqui compreender este tempo e aguardar o momento certo para que a cada aluno encontre sua forma pessoal de aprender, respeitando sua estrutura cognitiva. Neste capítulo, retomamos algumas das atividades apresentadas no capítulo anterior para analisá-los a partir de três categorias. Em todo o trabalho, destaca-se a 139 participação efetiva dos alunos, permitindo evidenciar momentos em que suas estratégias e falas foram significativas para a aprendizagem ou para a troca de conhecimentos, para a mediação e para a interiorização de conceitos e concepções. Da mesma forma, verificamos quão rica pode ser essa fala empregada, repleta de significados em alguns momentos e, em alguns poucos, representando apenas um eco da fala do outro, do professor ou do colega. 140 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa teve como foco central analisar uma proposta de ensino de conteúdos relacionados à Geometria para alunos do 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola especializada na cidade de Belo Horizonte/MG. A questão que guiou todo o estudo era: Quais são as possíveis contribuições de uma proposta de ensino envolvendo o uso de materiais manipulativos para a aprendizagem de conceitos geométricos de alunos cegos ou com baixa acuidade visual do 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola especializada de Belo Horizonte (MG)? Na realização desta pesquisa, pudemos verificar que o uso de materiais manipulativos nas aulas de Geometria associado às experiências sociais e cognitivas dos alunos, numa constante interação entre eles, contribuíram para a aprendizagem de conceitos Geométricos de alunos com deficiência visual que se encontravam no 7º ano do Ensino Fundamental. Verificamos que as ferramentas fornecidas para as atividades em sala de aula e os instrumentos gerados a partir dessas interações propiciaram momentos de aprendizagem na manipulação desses objetos, na formulação de estratégias de mediação para a resolução de problemas, nos diálogos originados a partir dos desafios encontrados, na troca de experiências, nas relações interpares e na construção de ideias e conjecturas. Nesse sentido, verificar as estratégias de mediação e os recursos na exploração de instrumentos utilizados pelos alunos durante as atividades foi fundamental para compreender o desenvolvimento intelectual e cognitivo no estudo de conhecimentos em Geometria. Observar o manejo com objetos e os caminhos escolhidos nessas manipulações auxiliou-nos na elaboração das ferramentas empregadas nas tarefas assim como na construção das atividades. A escolha por diferentes estratégias enriqueceu nosso trabalho e provocou em nós, pesquisadora, a procura por variadas atividades sobre o mesmo conteúdo a fim de proporcionar a todos os alunos diferentes oportunidades acesso a novas informações e consequentes descobertas e conjecturas. Foi importante também perceber que nem sempre a estratégia utilizada por um aluno para explorar um objeto alcançava o objetivo proposto pela atividade. Em alguns momentos, foi necessária a interferência da pesquisadora na manipulação do objeto com a intenção de mostrar qual o caminho que queríamos apresentar com aquela proposta de 141 atividade. O professor durante o processo de desenvolvimento da atividade precisa estar atento para dar o apoio necessário ao aluno no momento certo. Como vimos, algumas ferramentas tiveram que ser adaptadas ao longo do processo de execução das atividades, pois as estratégias utilizadas pelos alunos na manipulação dos instrumentos não estavam sendo eficientes para desenvolver conhecimentos. Pelo contrário, por vezes, por mais que os alunos utilizassem diversos recursos na mediação, nada se conseguia produzir devido à ineficiência da ferramenta. Esses ajustes em tempo hábil foram fundamentais para o bom andamento das atividades e o desenvolvimento dos conteúdos propostos. Outras ferramentas podem facilitar a promoção de ZDPs e atender de forma mais direta o objetivo que se deseja alcançar. A análise dos diálogos surgidos durante as atividades foram estimuladas pela importância dada por Vygotsky (1997) na fala socializada dos alunos cegos. Percebemos que, desde as primeiras atividades desenvolvidas com os alunos desta turma, os diálogos sempre estavam presentes no processo de construção e desenvolvimento das tarefas. A fala de um dos alunos, na maioria das vezes, era complementada pela fala de outro, num emaranhado de informações e conjecturas durante a exploração do material proposto. Segundo Vygotsky (2001), a palavra, quando é carregada de significado e sentido para aquele que fala e para quem ouve, passa a ter influência sobre o comportamento deste segundo e provoca nele modificações mentais. Percebemos durante os diálogos que um aluno, ao utilizar esta modalidade de linguagem durante as atividades, influenciava diretamente na resposta dos demais, alterando pontos de vista e concepções sobre determinado conteúdo em Geometria. À medida que a palavra ia sendo interiorizada, ou seja, assimilada culturalmente pelos alunos, era vocalizada em situações futuras. Sendo assim, é de fundamental importância dar voz aos alunos cegos, pois acreditamos que é por meio dela que o aluno expressa o seu pensamento, proporciona reflexão aos demais e nos permite verificar o progresso (ou regresso) deste aluno durante seu desenvolvimento. Ficou evidente que o diálogo existente entre professores e alunos contribuiu de forma significativa para o conhecimento de relações geométricas. A atuação direta das pesquisadoras em todas as atividades, regendo a turma à medida que trabalhavam e dando apoio quando necessário, tinha a fala como um das principais vias. Uma pergunta no momento certo, uma consideração pertinente a partir de um comentário sutil provocou, em algumas situações, clareza e objetividade na atividade, contribuindo para a aprendizagem em Geometria. Conforme FINO (2001), acreditamos que a função do 142 professor é proporcionar todos os recursos necessários para que esses alunos possam avançar e crescer intelectual e socialmente. O professor deve sempre buscar diversas alternativas de ensino para poder proporcionar aos seus alunos um ambiente propício ao acesso de informações e, consequentemente, ao desenvolvimento cognitivo. A carência de projetos destinados à formação de professores para lidar com alunos que necessitam de ferramentas especiais de aprendizagem dificultam a completa inclusão destes alunos nas salas de aula de escolas regulares, em toda a sua extensão. Nossa pesquisa apresentou instrumentos educacionais acessíveis a alunos com deficiência visual. Porém, acreditamos que esses instrumentos assim como as atividades aqui propostas podem ser estendidos a alunos de visão normal e podem contribuir de maneira significativa à aprendizagem de todos. Logo, fornecer materiais manipulativos para exploração durante atividades em sala de aula a fim de proporcionar meios de acesso ao conhecimento é uma prática positiva para todos os alunos e torná-la acessível diariamente nas práticas escolares é função nossa. 143 REFERÊNCIAS ABIB, José Antônio Damásio. Teoria moral de Skinner e desenvolvimento humano. Revista Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, n. 14, p.107-117, 2001. ALMOULOUD, Saddo Ag; MANRIQUE, Ana Lúcia; SILVA, Maria J. F. da; CAMPOS, Tânia M. M. A geometria do ensino fundamental: reflexões sobre uma experiência de formação envolvendo professores e alunos. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 27, p. 94-210, set/dez, 2004. BARRAGA, Natalie. Disminuidos visuales y aprendizaje. Tradução Susana Crespo. Madrid: Gráficas Arca, 1985. Tradução de: Visual handicaps and learning. BRAGA, E. S. A constituição social do desenvolvimento. In: Revista História da Pedagogia 2. São Paulo: Editora Segmento, 2010. BRASIL. 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Estamos cientes de que você e seus orientadores pretendem observar alunos com deficiência visual buscando conhecer uma melhor forma de explorar e aprender Matemática e Geometria visando construir uma proposta de trabalho que possa auxiliar professores dessa disciplina a serem capazes de perceber as necessidades e as características desses alunos e de organizarem algumas ações em sala de aula que possibilitem o melhor atendimento desse aluno na escola. Nesse sentido, você nos esclareceu que pretende trabalhar em 2011, durante cerca de três meses, em horário extraclasse com alguns alunos escolhidos por nós utilizando estratégias de ensino variadas de modo a buscar a compreensão de conceitos não apreendidos pelos mesmos. Nem os alunos nem a escola terão qualquer gasto com esse trabalho. Além disso, os alunos não terão qualquer prejuízo para suas atividades escolares, uma vez que continuarão frequentando suas aulas normalmente. Foi-nos informado que tal projeto só se realizará se contar com o apoio e consentimento de pais e alunos convidados. Esses últimos serão devidamente informados pela pesquisadora e saberão que seu apoio poderá ser retirado a qualquer momento, caso pai e/ou aluno considerem necessário. Além disso, o projeto poderá ser interrompido pela direção dessa escola caso julgue por bem fazê-lo. Também estamos cientes de que o estudo envolverá a realização de entrevistas e a gravação em áudio e vídeo das atividades realizadas ao longo do projeto e condicionamos nosso consentimento à permissão, por escrito, de pais e alunos. Além disso, sabemos que em nenhum registro escrito ou gravado aparecerá o nome da escola, de funcionários, pais e alunos vinculados à mesma. Todos os dados coletados estarão à 149 disposição da escola, de pais e professores dos alunos envolvidos e serão armazenadas em um CD que será guardado por cinco anos pela pesquisadora, sendo então incinerado. Ao final do trabalho, uma cópia impressa da pesquisa será doada para a escola e todos os resultados serão divulgados para a comunidade escolar: pais, alunos, professores, diretores e demais interessados, em data escolhida em comum acordo com a escola. A pesquisa estará disponível para consulta através da página da Universidade na Internet e as atividades propostas poderão ser usadas por qualquer professor interessado. Sendo assim, manifestamos nosso interesse pelo estudo – tendo em vista suas possíveis contribuições para nossos alunos e para nossa escola – e consentimos em que o mesmo venha a ser realizado nessa instituição. Diretor(a): _____________________________________________________________ Vice-diretor(a): _________________________________________________________ 150 APÊNDICE B 151 152 153 154 155 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Eu, estudante do 7º ano do Ensino Fundamental, fui convidado(a) pela professora Maíra Kelly da Silva Pereira, aluna do Mestrado Profissional em Educação Matemática da Universidade Federal de Ouro Preto, juntamente com meus colegas de turma, a participar de sua pesquisa. Sei que tal pesquisa conta com o apoio da direção dessa escola e da professora Edna. Sei que o projeto foi criado para ajudar os alunos com deficiência visual a aprenderem conteúdos básicos em Geometria pela exploração do espaço, e do trabalho com materiais manipulativos. Sei ainda que, para participar, preciso da autorização de meus pais ou responsáveis. Fui informado(a) de que as atividades acontecerão na própria escola, no 1º semestre de 2011, durante dois ou três meses, uma ou duas vezes por semana, no horário das aulas de Matemática, com a presença da professora Edna. Sei também que as atividades não envolverá qualquer gasto para mim nem para meus pais ou responsáveis. Algumas atividades serão gravadas em áudio e vídeo para que a Maíra faça sua pesquisa, porém, ela não registrará meu nome, nem de meus colegas, professores ou escola, em nenhum documento.Sei também que poderei desistir de participar do projeto a qualquer momento, por meu desejo ou pelo de meus pais ou responsável. Todas as gravações e atividades realizadas durante o trabalho estarão disponíveis e Maíra guardará tudo em um CD durante cinco anos. Depois desse período, o cd será destruído. Ao final da pesquisa, os resultados serão divulgados em reunião com pais, alunos, professores e demais interessados, a ser realizada na escola em data e horário definidos pela direção. Além disso, a pesquisa na íntegra poderá ser acessada na página do programa do Mestrado Profissional em Educação Matemática (www.ppgedmat.ufop.br). Ciente de tudo isso, declaro que quero participar do projeto e aceito que a professora Maíra filme e grave algumas atividades. Caso meus pais ou responsável legal permitam, farei parte do projeto. ________________________________________________ Assinatura do aluno Belo Horizonte, _______ de _____________________ de 2011. 156 APÊNDICE C UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS em parceria com INSTITUTO SÃO RAFAEL Convite aos Pais (Carta de Esclarecimento) Caro pai, mãe ou responsável pelo(a) aluno(a) __________________________, Após conversar com a direção da escola na qual seu(sua) filho(a) estuda,apresentar minha proposta e contar com seu apoio, conversei com a Profa. Edna, que leciona para a classe de 7º ano e ela também está apoiando o desenvolvimento desse projeto. Nesse sentido, venho convidar seu(sua) filho(a) a participar de um projeto de Geometria. Estou realizando uma pesquisa sob orientação da Prof.ª Dr.ª Ana Cristina Ferreira, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Nessa pesquisa, pretendo desenvolver uma proposta de ensino de Geometria que auxilie os alunos com deficiência visual a desenvolver conteúdos básicos em Geometria pela exploração de seu espaço, de sua vivência através de materiais manipulativos. Serão convidados a participar dessa pesquisaos sete alunos do 7º ano do Ensino Fundamental. Aqueles que o desejarem e contarem com a autorização dos pais ou responsável comporão o grupo estudado. As atividades acontecerão na própria escola, no 1º semestre de 2011, durante cerca de dois ou três meses, uma ou duas vezes por semana, no horário das aulas de Matemática, com a presença da professora Edna. Por meio de jogos, materiais manipulativos e atividades criativas pretendemos desenvolver o pensamento geométrico dos alunos participantes. A participação de seu filho não envolverá qualquer gasto para família e nem para a escola, uma vez que a pesquisadora providenciará todos os materiais necessários. Caso o(a) senhor(a) ou seu(sua) filho(a) desejem desistir do projeto, poderão fazê-lo a qualquer momento. Além disso, nem seu nome, nem o nome de seu(sua) filho(a), ou de qualquer professor, funcionário ou da escola será citado em nenhum documento produzido nessa pesquisa. 157 Como tal trabalho fará parte de uma pesquisa de Mestrado, peço sua permissão para gravar em áudio e vídeo alguns momentos das atividades. Todas as gravações e atividades realizadas durante o trabalho estarão à sua disposição e à disposição da escola ao longo do estudo. Essas informações serão salvas em um CD que será guardado por mim, em minha casa, durante 5 (cinco) anos e, ao final desse período, será destruído. Ao final da pesquisa, os resultados serão divulgados em reunião com pais, alunos, professores e demais interessados, a ser realizada na escola em data e horário definidos pela direção. Além disso, a pesquisa na íntegra poderá ser acessada na página do programa do Mestrado Profissional em Educação Matemática (www.ppgedmat.ufop.br). Caso ainda tenha alguma dúvida, por favor, sinta-se à vontade para me consultar, ao meu orientador, ou ainda ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFOP, em qualquer momento. Se você se sentir esclarecido em relação à proposta e concordar em participar voluntariamente desta pesquisa, peço-lhe a gentileza de assinar e devolver o termo em anexo. Um abraço! Professora Maíra Kelly da Silva Pereira [email protected] (31) 9386-3587 Professora Doutora Ana Cristina Ferreira [email protected] (31) 9102-4217 Comitê de Ética em Pesquisa – Universidade Federal de Ouro Preto (CEP/UFOP) Campus Universitário – Morro do Cruzeiro – ICEB II – sala 29 [email protected] (31) 3559-1368 / Fax: (31) 3559-1370 158 Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP Instituto de Ciências Exatas e Biológicas – ICEB Departamento de Matemática – DEMAT Mestrado Profissional em Educação Matemática Srs. Pais e/ou Responsáveis, Conforme acertado no mês de abril deste corrente ano, os alunos do 7º ano do Ensino Fundamental do Instituto São Rafael, série em que se encontra seu(a) filho(a), estão participando do projeto de Geometria aplicado por mim, Maíra Kelly da Silva Pereira, aluna do curso de Mestrado em Educação Matemática pela Universidade Federal de Ouro Preto, juntamente com minha orientadora Ana Cristina Ferreira, doutora em Educação Matemática e coordenadora deste curso. Como seu(a) próprio(a) filho(a) deve estar contando em casa, as atividades tem sido bem produtivas e enriquecedoras. Seu(a) filho(a) tem participado intensamente de todas elas e muito tem contribuído para a nossa pesquisa, o que tem nos deixado muito orgulhosas e felizes. Da mesma forma, os encontros têm contribuído, e muito, para a aprendizagem nesta disciplina. A fim de complementar os dados da pesquisa e montar um histórico de seu desenvolvimento com essas atividades, viemos por meio desta solicitar a sua permissão para acessar dados referentes a seu(a) filho(a) registrados no instituto, como forma de entrada nesta escola, relatório médico e desempenho escolar dos anos anteriores. Essas informações são de extrema importância para a pesquisa, pois elas serão fontes de orientação para a elaboração das próximas atividades e futura análise dos dados coletados, além de permitir-nos montar um perfil dessa excelente turma. Vale ressaltar que esses dados se manterão em sigilo de pesquisa conforme acertado no Termo de Compromisso Livre e Esclarecido assinado pelos senhores e nenhum dado de seu(sua) filho(a) assim como seus ou de qualquer pessoa que possa estar envolvido a ele(a) serão divulgados sem a prévia autorização por escrito. Desde já agradecemos a atenção e pedimos, encarecidamente, a autorização dos senhores para o acesso a apenas essas informações acima citadas. Quaisquer dúvidas e/ou esclarecimentos, entre em contato comigo através da escola ou do telefone (31)9386-3587. Atenciosamente. Maíra Kelly da Silva Pereira 159 Autorizo à professora Maíra Kelly da Silva Pereira acessar os dados acerca de meu filho(a) ____________________________________________ conforme esclarecido em termo anterior para complementação e fundamentação do projeto de Geometria. Belo Horizonte, ______ de maio de 2011. ____________________________________________ Assinatura do Pai ou Responsável 160 APÊNDICE D Respostas do aluno Bejota 161 162 Respostas do aluno Chuck 163 164 165 Respostas da aluna Cat 166 167 Respostas de MG 168 169 Respostas de Joca 170 171 172 Respostas de Samuca 173 174 Respostas de Degê 175 176 APÊNDICE E AVALIAÇÕES FINAIS As questões que se seguem foram baseadas em questões presentes em avaliações nacionais como a Prova Brasil e o ENEM. Adaptamos as questões para os alunos, fazendo perguntas orais e/ou fornecendo material quando necessário. 1. Distribuir aos alunos um prisma de base triangular e deixar que eles manipulem esse sólido a fim de reconhecê-lo. Em seguida, responda às perguntas abaixo: a) Qual o nome deste sólido? b) Com quais objetos que você conhece ele se parece? c) Quantos vértices ele possui? d) Quantas faces ele possui? e) Quantas arestas? f) Quais as figuras planas que compõem as faces desse sólido? g) Qual a altura (ou comprimento) deste sólido? h) Qual a medida das arestas das bases? i) O que podemos dizer sobre as bases dessa figura agora que conhecemos seus lados? j) Qual é a medida de cada ângulo interno de uma das bases do sólido? 2. A professora fez a seguinte pergunta à turma: "Se eu tomar um triângulo qualquer e ampliá-lo três vezes como ficarão as medidas de seus lados e de seus ângulos?". Alguns alunos responderam: Josiane: “Os lados e ângulos terão suas medidas multiplicadas por 3”. Samuel: “A medida dos lados eu multiplico por 3 e a medida dos ângulos eu mantenho as mesmas.” 177 Brian: “A medida dos lados eu mantenho a mesma e a medida dos ângulos eu multiplico por três.” Qual dos alunos acertou a pergunta da professora? a) Josiane. b) Samuel. c) Brian. 3. Entregar para os alunos uma folha contendo a planificação em alto-relevo e pedir para que destaquem em qual deles representa a manipulação correta do sólido apresentado na questão 1. 4. Complete com V ou F os parênteses abaixo julgando as assertivas verdadeiras ou falsas: ( ) As faces laterais de um prisma são retângulos. ( ) A pirâmide é um tipo de prisma. ( ) O cone é um tipo de pirâmide. ( ) Chamamos de cubo um prisma de base quadrada. ( ) O cubo também é chamado de paralelepípedo. ( ) Um triângulos isósceles tem três lados congruentes. ( ) Quadrado é um quadrilátero de ângulos congruentes. 178 APÊNDICE F Atividades de Sondagem Atividade 1 Solicitar aos alunos para escrever tudo o que sabem a respeito das figuras apresentadas abaixo. Atividade 2 Perguntar aos alunos o que conseguem perceber de igualdade e diferença entre as figuras apresentadas. 179 Atividade 3 Solicitar aos alunos para escrever tudo o que sabem em relação a cada um dos elementos geométricos apresentados. Atividade 4 Solicitar aos alunos para escrever tudo o que sabem em relação aos sólidos manipulados. (Devido aos frutos colhidos em relação a esta última atividade, decidimos dar continuidade aos dados coletados e aproveitá-los para a primeira atividade.) 180