3 de janeiro de 2013 Palestra de Mark Lynas na Conferência Agrícola de Oxford (Reino Unido) Eu gostaria de começar pedindo desculpas. Para constar, aqui e agora, peço desculpas por ter passado vários anos destruindo lavouras transgênicas. Lamento também ter ajudado a iniciar o movimento contra os transgênicos em meados de 1990, e, assim, ajudado na demonização de uma opção tecnológica importante que pode ser usada para beneficiar o meio ambiente. Como ambientalista e alguém que acredita que todos no mundo têm o direito a uma alimentação saudável e nutritiva de sua escolha, eu não poderia ter escolhido um caminho mais contraproducente. Hoje me arrependo completamente. Assim, acho que vocês devem estar pensando: o que aconteceu entre 1995 e agora que me fez não somente mudar de opinião, mas vir aqui e admitir isso? Bem, a resposta é bem simples: eu descobri a ciência, e, nesse processo, espero ter me tornado um ambientalista melhor. Quando eu ouvi falar pela primeira vez sobre a soja transgênica da Monsanto, eu sabia exatamente o que pensar. Ali estava uma grande corporação americana com um histórico ruim, colocando algo novo e experimental em nossa comida sem nos dizer nada. A mistura de genes entre espécies parecia ser a coisa mais antinatural possível – lá estava a humanidade adquirindo poder tecnológico demais; algo estava prestes a dar errado. Esses genes se espalhariam, como uma espécie de poluição viva. Parecia coisa de pesadelo. Esses medos se espalharam feito fogo em palha seca e, em poucos anos os transgênicos foram praticamente banidos na Europa, e nossas preocupações foram exportadas por ONGs como Greenpeace e Amigos da Terra para a África, Índia e para o restante da Ásia, onde os transgênicos são proibidos até hoje. Foi a campanha mais bem sucedida da qual eu já participei. Esse também foi explicitamente um movimento contra a ciência. Utilizamos um monte de imagens sobre cientistas em seus laboratórios tagarelando de forma demoníaca enquanto mexiam com a construção de blocos de vida. Daí o rótulo de comida Frankenstein – isso estava ligado a medos profundos do uso secreto de conhecimentos científicos para fins não naturais. O que nós não percebemos na época era que o verdadeiro monstro Frankenstein não era a tecnologia transgênica, mas nossa reação contra ela. Para mim, esse ambientalismo anticientífico tornou-se cada vez mais inconsistente com o meu ambientalismo pró-ciência em relação às mudanças climáticas. Publiquei meu primeiro livro sobre o aquecimento global em 2004, e eu estava determinado a torná-lo cientificamente verossímil, e não uma coleção de relatos curiosos. Portanto, tive que dar evidências sobre a história da minha viagem para o Alasca com dados de satélite sobre o gelo do mar, e tive que justificar as minhas fotos do desaparecimento de geleiras nos Andes com registros de longo prazo do equilíbrio em massa dos glaciares de montanha. Para isso, tive que aprender a ler artigos científicos, entender as estatísticas básicas e me alfabetizar em vários campos, desde oceanografia a paleoclimatologia, e em nada me ajudaram os meus diplomas em política e história moderna. Eu me via discutindo frequentemente com pessoas que eu considerava incorrigivelmente contra a ciência porque elas não ouviam os climatologistas e negavam a realidade científica sobre as mudanças climáticas. Então, ensinei a eles o valor da revisão de pares, a importância de um consenso científico e como os únicos fatos que importavam eram aqueles publicados nos mais distintos periódicos acadêmicos. O meu segundo livro sobre o clima, Six Degrees (Seis Graus), tinha um cunho tão científico que cheguei a ganhar o prêmio para livros científicos da Royal Society, e os cientistas do clima com os quais acabei travando amizade brincavam dizendo que eu sabia mais sobre o assunto do que eles próprios. E mesmo assim, surpreendentemente, naquela época, em 2008, continuava arrumando arenga no jornal The Guardian atacando a ciência dos transgênicos – mesmo não tendo feito qualquer pesquisa acadêmica sobre o assunto e tendo um entendimento pessoal muito limitado. Acho que até então nunca havia lido um artigo revisado por pares sobre biotecnologia ou sobre ciência das plantas. Obviamente, a contradição era insustentável. O que realmente me abalou foram alguns dos comentários feitos sobre meu último artigo no The Guardian contra os transgênicos. Em particular, um crítico disse para mim: então você se opõe aos transgênicos baseado no fato de que são comercializados por grandes empresas. Você também se opõe à roda por ela ser comercializada por grandes empresas de automóveis? Então eu li sobre o assunto. E descobri que, uma a uma, minhas crenças mais arraigadas sobre os transgênicos tornaram-se não mais que lendas urbanas sobre o meio ambiente. Eu acreditava que os transgênicos aumentariam o uso de produtos químicos. Descobri que o algodão e o milho resistentes a pragas necessitavam de uma quantidade menor de inseticidas. Eu acreditava que os transgênicos beneficiavam apenas as grandes empresas. Descobri que bilhões de dólares, na forma de benefícios, foram obtidos pelos agricultores, que necessitavam de menos insumos. Eu acreditava que a tecnologia Terminator estava tirando dos agricultores o seu direito de salvar sementes. Descobri que os híbridos já haviam feito isso há muito tempo, e que a Terminator nunca chegou a ser implantada. Eu acreditava que ninguém queria os transgênicos. Na realidade, o que aconteceu foi que o algodão Bt foi pirateado para dentro da Índia e a soja Roundup Ready para o Brasil porque os agricultores estavam ansiosos para utilizá-los. Eu acreditava que os transgênicos eram perigosos. Descobri que eles eram mais seguros e mais precisos do que o melhoramento convencional usando mutagênese, por exemplo; os transgênicos modificam apenas poucos genes, ao passo que o melhoramento convencional “bagunça” todo o genoma com base na tentativa e erro. Mas o que dizer a respeito da mistura de genes entre espécies não relacionadas? O peixe e o tomate? Acabou-se descobrindo que os vírus fazem isso todo o tempo, da mesma forma que as plantas e os insetos, e até mesmo nós – isso é chamado de fluxo gênico. Mas isso tudo estava apenas no começo. Então, no meu terceiro livro, The God Species, joguei fora toda a ortodoxia ambientalista do início e tentei olhar para o quadro geral em uma escala planetária. E esse é o desafio que enfrentamos hoje: teremos que alimentar 9,5 bilhões de pessoas – que com sorte serão menos pobres até 2050 – com basicamente a mesma área de terra que temos hoje, com uso limitado de fertilizantes, água e defensivos agrícolas em um contexto de rápida mudança climática. Vamos investigar um pouco mais a respeito disso. Em uma palestra feita nesta conferência há alguns anos, discutiu-se o tema do crescimento populacional. Esta área também está cercada de mitos. As pessoas acham que os altos índices de fertilidade dos países em desenvolvimento são o assunto mais importante – em outras palavras, as pessoas pobres estariam tendo muitos filhos e, consequentemente, precisaríamos de planejamento familiar, ou de algo mais drástico, como políticas de massa de restrição a apenas um filho por casal. A realidade é que a taxa média de fertilidade global caiu para apenas 2,5 – e se considerarmos que a taxa de substituição natural é de 2,2, este número não fica muito acima disso. Então, de onde vem o crescimento populacional massivo? Vem do declínio da mortalidade infantil – mais jovens hoje em dia estão crescendo e tendo seus próprios filhos, e não morrendo de doenças passíveis de prevenção no início da infância. O rápido declínio das taxas de mortalidade infantil é uma das melhores notícias da nossa década, e o centro dessa grande história de sucesso é a África Subsaariana. Não é que haja uma legião de novas crianças vindo ao mundo – na realidade, nas palavras de Hans Rosling, já atingimos um “pico de crianças”. Ou seja, cerca de 2 bilhões de crianças estão vivas hoje, e esse número nunca será maior devido ao declínio de fertilidade. Mas muito mais crianças desses 2 bilhões sobreviverão até a idade adulta e terão seus próprios filhos. Eles serão os pais dos jovens adultos de 2050. Essa é a fonte da projeção de 9,5 bilhões de pessoas para 2050. Não é necessário ter perdido um filho, Deus nos livre, ou ser pai, para saber que o declínio da mortalidade infantil é uma coisa boa. Sendo assim, de quanta comida todas essas pessoas precisarão? De acordo com as últimas projeções, publicadas no ano passado nos Procedimentos da Academia Nacional de Ciências, estamos presenciando um aumento da demanda global de mais de 100% até a metade do século. Isso se resume basicamente ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), especialmente nos países desenvolvidos. Em outras palavras, precisamos produzir mais alimentos não apenas para manter a população, mas porque a pobreza está gradualmente sendo erradicada, assim como a desnutrição, que ainda hoje representa cerca de 800 milhões de pessoas indo para cama com fome todas as noites. E eu desafio qualquer pessoa de um país rico a dizer que este crescimento do PIB nos países pobres não é uma coisa boa. Mas como resultado desse crescimento, temos desafios ambientais muito sérios para resolver. A conversão de terras é uma grande fonte de gases de efeito estufa, e talvez a maior fonte de perda de biodiversidade. Eis outra razão para a intensificação ser primordial - temos que cultivar mais em áreas limitadas de terra para poder poupar as florestas tropicais e manter os habitantes naturais longe do arado. Também temos que lidar com a limitação de água – não apenas os aquíferos que estão se exaurindo, mas também as secas que são esperadas com maior intensidade nos centros de produção agrícola, graças às mudanças climáticas. Se retirarmos mais água dos rios, aceleramos a perda de biodiversidade nestes habitantes frágeis. Também temos que melhorar o uso de nitrogênio: o fertilizante artificial é essencial para alimentar a humanidade, mas seu uso ineficiente representa zonas mortas no Golfo do México e muitas áreas costeiras em todo o mundo, além da eutrofização nos ecossistemas de água doce. Não basta apenas se sentar e esperar que a inovação tecnológica resolva nossos problemas. Temos que ter uma posição muito mais ativista e estratégica. Temos que assegurar que a inovação tecnológica progrida de forma muito mais rápida, e na direção certa, para aqueles que necessitam dela. De certa forma, já presenciamos isso antes. Quando Paul Ehrlich publicou a “Bomba Populacional”, em 1968, ele escreveu: “A batalha para alimentar toda a humanidade chegou ao fim. Na década de 1970, centenas de milhões de pessoas morrerão de fome, apesar de qualquer plano de emergência iniciado agora.” O conselho era explícito – em países onde o caso estivesse perdido, como a Índia, as pessoas poderiam até mesmo morrer de fome mais cedo e, assim, a ajuda com alimentos para elas seria eliminada para reduzir o crescimento populacional. O erro de Ehrlich não foi estabelecido. De fato, se todos tivessem atentado ao seu conselho, milhões de pessoas teriam morrido desnecessariamente. Mas, no caso, a desnutrição foi reduzida drasticamente, e a Índia tornou-se autossuficiente em relação aos alimentos graças a Norman Borlaug e sua Revolução Verde. É importante lembrar que Borlaug também estava tão preocupado com o crescimento populacional quanto Ehrlich. Ele só achou que valeria a pena fazer algo a respeito. Ele era um pragmático porque acreditava em fazer o que era possível, mas também era um idealista porque acreditava que as pessoas em qualquer parte do mundo mereciam ter comida suficiente para se alimentar. Então, o que Norman Borlaug fez? Ele se voltou para a ciência e para a tecnologia. Os seres humanos são uma espécie que constrói ferramentas – de roupas a arados, a tecnologia é o que basicamente nos distingue dos outros primatas. E muito desse trabalho foi baseado no genoma das principais culturas utilizadas pelo homem – se o trigo, por exemplo, pudesse ser menor, e mais esforço tivesse sido empregado na produção de sementes, então a produção aumentaria e a perda de grãos no armazenamento seria minimizada. Antes de sua morte, em 2009, Borlaug passou muitos anos fazendo campanhas contra aqueles que, por motivos políticos e ideológicos, se opunham à inovação moderna na agricultura. Para citá-lo: “Se os pessimistas conseguirem interromper a biotecnologia agrícola, eles poderão realmente precipitar a fome e a crise da biodiversidade global que eles vêm prevendo há quase 40 anos.” E, graças às campanhas supostamente ambientais que foram divulgadas por países ricos, estamos perigosamente próximos a essa posição agora. A biotecnologia não foi interrompida, mas tornou-se proibitivamente cara para todos, menos para as grandes empresas. O custo atual para aprovar uma cultura pelos sistemas regulatórios em diferentes países é de dezenas de milhões. De fato, os números mais recentes da CropLife indicam um custo de US$ 139 milhões desde a descoberta de um novo evento biotecnológico até sua total comercialização e, sendo assim, a biotecnologia aberta ou advinda do setor público não tem muitas chances. Há uma triste ironia aqui: aqueles que fazem campanhas contra a biotecnologia reclamam que as culturas GM (geneticamente modificadas) são comercializadas apenas pelas grandes empresas, quando na realidade eles fizeram muito mais do que qualquer outra pessoa para favorecer esse cenário. Na União Europeia, o sistema está parado e muitas culturas transgênicas estão esperando há uma década ou mais por sua aprovação, mas estão permanentemente suspensas por políticas domésticas tortas de países antibiotecnologia como a França e a Áustria. Em todo o mundo, o atraso regulatório aumentou para mais de 5,5 anos agora, se comparado a 3,7 anos em 2002. O peso burocrático está piorando. A França, lembrem-se, há tempos se recusa a aceitar a batata por ser uma importação americana. Como um comentarista disse recentemente, a Europa está à beira de se tornar um museu de alimentos. Nós, consumidores bem alimentados, estamos cegos pela nostalgia romântica da agricultura tradicional do passado. Porque temos comida suficiente, podemos satisfazer nossas ilusões estéticas. Mas, ao mesmo tempo, o crescimento da produção em todo o mundo está estagnado para muitas das principais culturas, como publicado em uma pesquisa de Jonathan Foley e outros no último mês no periódico acadêmico Nature Communications. Se não trouxermos o aumento de produtividade de volta, vamos sim ter problemas em acompanhar o crescimento populacional e a demanda advinda dele, e os preços subirão e mais áreas preservadas serão convertidas para a agricultura. Citando Norman Boraug novamente: “Eu agora digo que o mundo tem a tecnologia – esteja ela disponível ou em linhas avançadas de pesquisa – para alimentar de forma sustentável uma população de 10 bilhões de pessoas. A questão mais pertinente hoje é se os agricultores e fazendeiros terão a permissão para o uso desta tecnologia. Ao mesmo tempo em que as nações ricas podem adotar posições de baixíssimo risco e pagar mais pelo alimento produzido por meio do chamado método ‘orgânico’, a população de um bilhão de pessoas cronicamente subnutridas e de baixa renda em países com deficiência de alimentos não pode”. Como Borlaug dizia, talvez o mito mais pernicioso de todos seja aquele que diz que a produção orgânica é melhor para as pessoas e para o meio ambiente. A ideia de que ela é mais saudável já foi refutada repetidamente pela literatura científica. Também sabemos por meio de muitos estudos que os alimentos orgânicos são muito menos produtivos, com produtividades de 40% a 50% menores em termos de área. A ONG Soil Association se superou em um relatório recente sobre a alimentação mundial com orgânicos ao não mencionar esta diferença de produtividade. Também não mencionou que, no geral, se vocês considerarem os efeitos do deslocamento de terra, os alimentos orgânicos são, da mesma forma, piores para a biodiversidade. Em vez disso, falaram a respeito de um mundo ideal onde as pessoas no ocidente comem menos carne e consomem menos calorias no geral para que as pessoas nos países em desenvolvimento possam tê-las em maior quantidade. Isso é um absurdo simplista. Se vocês pensarem a respeito, o movimento dos alimentos orgânicos é em essência rejeicionista. Ele não aceita muitas tecnologias modernas por princípio. Como os Amish na Pensilvânia (EUA), que congelaram sua tecnologia na época do cavalo e da carroça de 1850, o movimento orgânico essencialmente congelou sua tecnologia em alguma época na década de 1950, e por nenhuma razão relevante. Essa ideia nem é aplicada de forma consistente. Eu estava lendo uma revista recente da Soil Association que dizia que é aceitável explodir ervas daninhas com lança-chamas ou fritá-las com correntes elétricas, mas herbicidas benignos como o glifosato ainda são proibidos porque são ‘produtos químicos artificiais’. Na realidade, não há nenhuma razão que justifique o fato de que evitar o uso de produtos químicos é melhor para o meio ambiente – na realidade, é quase o contrário. Pesquisas recentes feitas por Jesse Ausubel e colegas da Universidade Rockefeller observaram o quanto de terra arável a mais os agricultores indianos teriam que ter cultivado hoje usando as tecnologias de 1961 para atingir a produção geral atual. A resposta é 65 milhões de hectares, uma área equivalente ao tamanho da França. Na China, agricultores de milho pouparam 120 milhões de hectares, uma área de duas vezes o tamanho da França, graças às tecnologias modernas que estão obtendo rendimentos mais elevados. Em uma escala global, entre 1961 e 2010, a área cultivada aumentou apenas 12%, enquanto a quantidade de quilocalorias por pessoa subiu de 2.200 para 2.800. Assim, mesmo com três bilhões de pessoas a mais, todos ainda tinham mais o que comer, graças a um aumento de 300% na produtividade no mesmo período. Então, quanto de terra foi poupado no processo em todo o mundo graças a essas drásticas melhorias em produtividade, para as quais os insumos químicos desempenharam um papel crucial? A resposta é 3 bilhões de hectares, ou o equivalente a duas Américas do Sul. Não restaria nenhuma floresta amazônica hoje sem essa melhora na produtividade. Também não haveria nenhum tigre na Índia ou orangotangos na Indonésia. É por isso que eu não sei por que tantos dos que se opõem ao uso da tecnologia na agricultura se auto intitulam ambientalistas. Então, de onde vem essa oposição? Parece haver uma suposição generalizada de que a tecnologia moderna é igual a mais risco. Na verdade, há muitas maneiras muito naturais e orgânicas para se deparar com doenças e morte prematura, como comprovou o desastre com os brotos de feijão orgânicos da Alemanha em 2011. Aquela foi uma catástrofe de saúde pública, com o mesmo número de mortos e feridos que os causados por Chernobyl, porque o E. coli, provavelmente derivado de estrume animal, infectou as sementes de broto de bambu orgânico importadas do Egito. No total, 53 pessoas morreram e 3.500 sofreram insuficiência renal grave. E por que esses consumidores escolheram orgânicos? Porque eles achavam que eram mais seguros e saudáveis e estavam com mais medo de riscos inteiramente triviais de pesticidas e fertilizantes químicos altamente regulamentados. Se você analisar a situação, sem preconceito, grande parte do debate, tanto em termos de antibiotecnologia e orgânicos, é simplesmente baseado na falácia naturalista – a crença de que o natural é bom, e o artificial é ruim. Isso é uma falácia porque há uma abundância de venenos totalmente naturais e que levam à morte, como diriam os familiares daqueles que morreram de envenenamento por E. coli. Para orgânicos, a falácia naturalista é elevada ao princípio central de orientação para todo um movimento. Isso é irracional e temos o compromisso, com o planeta Terra e com os nossos filhos, de fazer melhor. Isso não quer dizer que a agricultura orgânica não tem nada a oferecer - há muitas boas técnicas que foram desenvolvidas, tais como o consórcio de culturas, que podem ser ambientalmente muito eficazes, mesmo que tendam a ser altamente trabalhosos. Os princípios da agroecologia, como reciclar nutrientes e promover a diversidade na lavoura, também devem ser considerados mais seriamente em todos os lugares. Mas o orgânico se coloca no caminho do progresso quando ele se recusa a permitir a inovação. Novamente usando os transgênicos como o exemplo mais óbvio, muitos cultivos transgênicos de terceira geração nos permitem não usar produtos químicos ambientalmente nocivos porque o genoma da cultura em questão foi alterado de modo que a planta pode se proteger de pragas. Por que isso não é orgânico? O orgânico também se coloca no caminho quando é utilizado para tirar a escolha dos outros. Um dos argumentos mais comuns contra os transgênicos é que os agricultores orgânicos serão "contaminados" com o pólen transgênico, e, portanto, ninguém deve poder usá-lo. Assim, os direitos de uma minoria abastada, que acabam tidas como uma preferência do consumidor com base em estética, triunfam sobre os direitos de todos os outros de usar culturas melhoradas que beneficiam o meio ambiente. Eu sou a favor de um mundo de diversidade, mas isso significa que um sistema agrícola não pode alegar ter o monopólio da virtude e pretender excluir todas as outras opções. Por que não podemos ter uma coexistência pacífica? Este é especificamente o caso quando ficamos presos às velhas tecnologias que têm riscos inerentes mais elevados do que as novas. Parece que quase todo mundo tem que reverenciar os "orgânicos", e questionar essa ortodoxia é impensável. Bem, eu estou aqui para questionar isso hoje. O maior risco de todos é que não tiramos proveito de todos os tipos de oportunidades de inovação por conta daquilo que é, na realidade, pouco mais do que um preconceito cego. Deixe-me dar dois exemplos, ambos lamentavelmente envolvendo o Greenpeace. Ano passado, o Greenpeace destruiu uma cultura de trigo transgênico na Austrália, por todas as razões tradicionais, com as quais estou muito familiarizado por eu mesmo ter feito isso. Tratava-se de uma pesquisa financiada pela iniciativa pública, realizada pelo Commonwealth Scientific Research Institute, mas não importa. Eles eram contra porque era transgênico e antinatural. O que algumas pessoas ouviram desde então é que um dos outros testes que estavam sendo realizados, que os ativistas do Greenpeace com seus cortadores felizmente não conseguiram destruir, acabou detectando um extraordinário aumento de produtividade do trigo de 30%. Pense bem. Esse conhecimento poderia nunca ter sido descoberto se o Greenpeace tivesse conseguido destruir esta inovação. Como sugeriu recentemente o presidente da NFU (National Farmers’Union) Peter Kendall, isso é como queimar livros em uma biblioteca antes que alguém pudesse lê-los. O segundo exemplo vem da China, onde o Greenpeace conseguiu desencadear um pânico da mídia nacional, alegando que duas dezenas de crianças tinham sido usadas como cobaias humanas em um teste com o arroz dourado transgênico. Eles não deram nenhuma consideração ao fato de que esse arroz é mais saudável e pode salvar milhares de crianças da cegueira causada pela deficiência de vitamina A e de mortes todos os anos. O que aconteceu foi que os três cientistas chineses citados no comunicado de imprensa do Greenpeace foram publicamente perseguidos e, desde então, perderam seus empregos, e em um país autocrático como a China, eles estão sob risco pessoal grave. Internacionalmente, por conta da regulamentação excessiva, o arroz dourado já está na prateleira há mais de uma década e, graças às atividades de grupos como o Greenpeace, pode nunca se tornar disponível para pessoas com carência de vitaminas. Isso, a meu ver, é imoral e desumano e priva os necessitados de algo que iria ajudá-los e aos seus filhos por causa das preferências de pessoas ricas, em lugares distantes e que não estão sob risco de deficiência de vitamina A. O Greenpeace é uma multinacional que fatura US$ 100 milhões por ano e, como tal, tem responsabilidades morais, tal como qualquer outra grande empresa. O fato de o arroz dourado ter sido desenvolvido no setor público e para benefício público não significa nada para os contra. Vejam o caso da instituição Rothamsted Research, cujo diretor Maurice Moloney falará amanhã. Ano passado, a Rothamsted iniciou um teste com um trigo transgênico resistente ao pulgão que não necessita de pesticidas para combater essa grave praga. Como é transgênico, os contra estavam determinados a destruí-lo. Eles não tiveram sucesso por causa da coragem do professor John Pickett e sua equipe, que foram ao YouTube e aos meios de comunicação contar a importante história de por que suas pesquisas eram importantes e por que não deveriam ser destruídas. Eles reuniram milhares de assinaturas em uma petição enquanto os contra apenas conseguiram algumas centenas, e a tentativa de destruição foi um anti-clímax. No entanto, um intruso conseguiu escalar a cerca e acabou por se tornar o perfeito estereótipo do manifestante antitransgênico - um velho aristocrata aluno de Eton College, cujo passado colorido faz o nosso Marquês de Blandford em Oxford parecer um modelo de cidadania responsável. Esse ativista bem-nascido espalhou sementes de trigo orgânico ao redor do local do ensaio, em um ato que foi provavelmente uma declaração simbólica de naturalidade. A equipe do professor Pickett me contou que tiveram uma solução de muito baixa tecnologia para se livrar das sementes – eles passaram com um aspirador portátil sem fio limpando tudo. Este ano, além de repetir o teste com o trigo, a Rothamsted está trabalhando em uma oleaginosa com ômega 3 que poderia substituir o peixe em alimentos por salmão de cativeiro. Isso ajudaria a reduzir o excesso de pesca, permitindo que matérias-primas baseadas em terra fossem utilizadas na aquicultura. Sim, é um transgênico, então espere que os contra se oponham a isso também, apesar dos óbvios potenciais benefícios ambientais em termos de biodiversidade marinha. Eu não sei quanto a vocês, mas para mim basta. Portanto, minha conclusão aqui e hoje é muito clara: o debate sobre transgênicos está encerrado. Acabou. Nós não precisamos mais discutir se é ou não seguro - mais de uma década e meia com três trilhões de refeições transgênicas consumidas e nunca houve um único caso comprovado de dano. É mais provável você ser atingido por um asteróide do que ser prejudicado por alimentos transgênicos. Mais ainda, pessoas já morreram por terem escolhido orgânicos, mas ninguém morreu por comer transgênicos. Da mesma forma como eu agia há 10 anos, o Greenpeace e a Soil Association alegam serem guiados pela ciência de consenso, como as mudanças climáticas. Ainda assim, sobre os transgênicos há um consenso científico sólido, apoiado pela Associação Americana para o Avanço da Ciência, da Royal Society, institutos de saúde e academias de ciências em todo o mundo. No entanto, esta verdade inconveniente é ignorada porque entra em conflito com sua ideologia. Um último exemplo é a triste história da batata transgênica resistente a fungos.. Ela estava sendo desenvolvida pelo Laboratório Sainsbury e pela Teagasc, uma instituição pública subsidiada na Irlanda - mas o Partido Verde irlandês, cujo líder muitas vezes participa desta mesma conferência, foi tão contra que eles até mesmo moveram um processo judicial contra ele. Isso a despeito do fato de que a batata resistente a fungos evitaria que os agricultores fizessem 15 aplicações de fungicidas por safra, que a transferência de pólen não é um problema porque as batatas são propagadas por clonagem e que o gene “prejudicial” derivava de um parente selvagem da batata. Seria uma boa ressonância histórica ter uma batata resistente a fungos desenvolvida na Irlanda, considerando-se que milhões de pessoas morreram de fome devido à falta de batata em meados do século 19. Teria sido uma coisa maravilhosa para a Irlanda ser o país que derrotou a ferrugem. Mas, graças ao Partido Verde irlandês, isso não deve acontecer. E, infelizmente, os contra têm agora os burocratas do seu lado. O País de Gales e a Escócia são oficialmente livres de OGMs, tendo a superstição medieval como um imperativo estratégico para governos descentralizados supostamente guiados pela ciência. Infelizmente, o mesmo acontece em grande parte da África e da Ásia. A Índia rejeitou a berinjela Bt, embora ela pudesse reduzir as aplicações de inseticidas nos campos e os resíduos no fruto. O governo da Índia está cada vez mais escravo de ideólogos retrógrados como Vandana Shiva, que idealiza uma aldeia agrícola pré-industrial, a despeito do fato histórico de que foi uma época de fome recorrente e de insegurança estrutural. Na África, "livre de transgênico" ainda é o lema para muitos governos. O Quênia, por exemplo, chegou a proibir alimentos transgênicos por causa dos supostos "riscos para a saúde", apesar do fato de que eles podem ajudar a reduzir a desnutrição, que ainda é galopante no país - e a desnutrição é, a propósito, um risco comprovado para a saúde, sem nenhuma evidência adicional necessária. No Quênia, se você desenvolver uma cultura transgênica, que tenha melhor nutrição ou maior produtividade para ajudar os agricultores mais pobres, você irá para a prisão por 10 anos. Assim, a inovação agrícola urgentemente necessária está sendo estrangulada por uma sufocante avalanche de regulamentos que não se baseiam em qualquer avaliação racional e científica de risco. O risco hoje não é que ninguém será prejudicado por alimentos geneticamente modificados, mas que milhões serão prejudicados por não ter comida suficiente porque uma minoria de pessoas nos países ricos quer que suas refeições sejam o que eles consideram natural. Espero que agora as coisas estejam mudando. A maravilhosa fundação de Bill e Melinda Gates recentemente doou US$ 10 milhões para o John Innes Centre para começar os trabalhos de integrar os recursos de fixação de nitrogênio em culturas alimentares importantes, a começar com o milho. Sim, Greenpeace, este será transgênico. Aceite isso. Se vamos reduzir o problema em escala global da poluição por nitrogênio, então, ter importantes culturas que fixam seu próprio nitrogênio é um objetivo digno. Eu sei que é politicamente incorreto dizer tudo isso, mas precisamos de uma dose maior de quebra de mitos e desregulamentação internacionais. Os cientistas de plantas que conheço põem as mãos na cabeça quando eu falo sobre isso com eles porque os governos e tantas pessoas têm o seu senso de risco totalmente errado, e estão excluindo uma tecnologia extremamente necessária. Norman Borlaug está morto agora, mas eu acho que honramos a sua memória e a sua visão quando nos recusamos a ceder às ortodoxias politicamente corretas quando sabemos que estão incorretas. Muitas coisas estão em jogo. Se continuarmos a fazer isso de maneira errada, as perspectivas de vida de bilhões de pessoas serão prejudicadas. Então, eu desafio todos vocês hoje a questionar suas crenças nesta área e a verem se resistem a um exame racional. Sempre peçam provas, como recomenda o grupo de campanha Sense About Science, e certifiquem-se de ir além dos relatórios autorreferenciais das ONGs que fazem campanha. Mas o mais importante de tudo é que os agricultores devem ser livres para escolher que tipo de tecnologias que querem adotar. Se você acha que as maneiras antigas são as melhores, tudo bem. Você tem esse direito. O que você não tem o direito de fazer é ficar no caminho de outros que esperam e se esforçam por maneiras de fazer as coisas de forma diferente, e com esperança de que sejam melhores. De agricultores que entendem as pressões de uma população crescente e um mundo em aquecimento. Que entendem que a produtividade por hectare é a métrica ambiental mais importante. E que entendem que a tecnologia nunca pára de se desenvolver, e que mesmo a geladeira e a humilde batata já foram novas e assustadoras. Então, a minha mensagem para o lobby antitransgênicos, das fileiras dos aristocratas britânicos e chefs celebridades até os gourmets americanos e os grupos de camponeses da Índia é esta. Vocês têm direito às suas opiniões. Mas devem saber desde já que elas não são sustentadas pela ciência. Estamos chegando a um ponto de crise, e para o bem das pessoas e do planeta, agora é a hora de você sair do caminho e deixar o resto de nós começarmos a alimentar o mundo de forma sustentável. Obrigado. Mark Lynas é um ambientalista britânico, colunista do jornal The Guardian. É autor dos livros “The God Species: How the Planet Can Survive the Age of Humans”, publicado pela Editora Fourth Estate em julho de 2011, e de duas outras obras sobre mudanças climáticas – “High Tide: News from a warming world” (de 2004) e “Six Degrees: Our future on a hotter planet” (2007). Mark é pesquisador visitante associado da Escola de Geografia e Ambiente da Oxford University (Reino Unido). Ele também mantém o blog http://www.marklynas.org/