O TRABALHO INFORMAL DOMICILIAR NAS BANCAS DE PESPONTO NO SETOR CALÇADISTA DE UBERABA: NOVAS E VELHAS DEMANDAS DO SERVIÇO SOCIAL Alessandra Martins de Souza Flávia Cristina Silva e Silva1 Marcel Mano Introdução Esse artigo apresenta parte dos resultados alcançados com o desenvolvimento de um projeto de pesquisa cujo tema é, O trabalho informal domiciliar nas bancas de pesponto no setor calçadista de Uberaba. O processo de trabalho é desenvolvido como parte do curso de Serviço Social da Universidade de Uberaba/MG, e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, a pesquisa se vincula à série de preocupações relativas aos rumos e metamorfoses do mundo do trabalho, ele parte do pressuposto e é a forma de diversos aspectos sociais políticos e econômicos. As transformações atuais ocorridas no mundo do trabalho que acarretaram em um novo sistema de produção do capitalismo, dando ênfase ao trabalho informal, que está intrinsecamente ligado ao processo histórico do capitalismo e às mudanças advindas destes contextos. Se é verdade que o homem só se realiza e mantêm suas relações sociais por meio do trabalho, exercendo sua capacidade teleológica2(Marx e Lukács), pela qual se obtém os meios de sua existência material que necessita para sua sobrevivência. É verdade também que as relações concretas sobre os quais se edificam os homens e suas mudanças ao longo da história, fundamentam não só o homem, mas também toda sociedade e história (Marx, a ideologia alemã, 2002). Com base nisso, a pesquisa se desenvolve tendo como tema: Mundo do Trabalho na Reestruturação Produtiva, Trabalho Informal e Trabalho Informal em domicílio. A escolha do tema se prende ao fato de que devido ao elevado índice de desemprego o trabalho informal está em constante crescimento, sendo este inserido no capitalismo como 1 Discente do 6º período do Curso de Serviço Social da Universidade de Uberaba. e-mail: [email protected]. 2 Diz de argumento, conhecimento ou explicação que relaciona um fato com sua causa final. 1 uma das formas de sobrevivência de diversas famílias, pela intensificação da exploração da força de trabalho que se configura como uma das principais características da acumulação do capital. Essas novas formas de organização do trabalho e mudanças em suas relações implicam ao trabalho informal buscar nas famílias a força de trabalho, que conseqüentemente desarticulam a organização familiar e sua vida social, pois tais famílias se dedicam integralmente ao trabalho domiciliar. A intensão é, então, estudar, o trabalho informal nas bancas de pesponto do setor calçadista de Uberaba, conhecer sua realidade e expressões advindas desse trabalho, que tem nas bancas em domicílio a degradação da força humana, além da destruição dos direitos sociais, ideológicos, alterando a sua forma de ser. Nesse ínterim, transferem a mão-de-obra de seu trabalho para seu espaço doméstico, alterando sua rotina, de sua família e interferindo no cotidiano da vizinhança. Soma-se a isso, ainda, a casualização do trabalho (Pereira, 1999), que é o trabalho realizado de forma temporária e incerta, sem criar vínculos empregatícios e sem regularidade de rendimentos, dependendo sempre do contratante ou subcontratante para manter esses banqueiros3 fora da sazonalidade4. E para isso necessitam da terceirização, subcontratação e quarterização advindas das empresas e dos intermediadores para fornecerem componentes e peças para seu trabalho domiciliar. A partir destes pressupostos nos questionamos se estas famílias têm plena consciência da exploração da qual estão inseridas e principalmente se há clareza no prejuízo que o trabalho informal traz no processo de desenvolvimento social da criança e adolescente, quando inserido no trabalho precarizado das bancas de pesponto em domicilio do setor calçadista de Uberaba. Conforme NAVARRO (2003, p.10) “As mudanças nas próprias relações de trabalho que implicam em contratos precários, na subcontratação, no trabalho em domicílio, no aumento desmedido na 3 Nome popular dado as pessoas que trabalham em bancas de pesponto. Caracteriza-se pelo aumento ou redução significativos da demanda pelo produto em determinada época do ano. 4 2 jornada de trabalho e, até mesmo na exploração criminosa do trabalho infantil. Acarreta na falta de cidadania, negação dos direitos previdenciários, surgimento de doenças, prejuízo no desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual das crianças e adolescentes em face de liberdade e dignidade”. Espera-se, assim, alcançar os resultados propostos, no intuito de conhecer a realidade a ser pesquisada, respondendo as indagações feitas ao tema, levando aos sujeitos da pesquisa um retorno referente à pesquisa realizada e do qual serão protagonistas. De posse desses princípios, os objetivos específicos da pesquisa são: desvendar as formas de exploração do trabalho infantil nas bancas de pesponto; identificar o que levou estas famílias ao trabalho informal em domicílio; conhecer o posicionamento destas famílias frente à falta de seus direitos previdenciários e conseqüentemente à falta de cidadania e reconhecer aspectos do trabalho informal de interesse do Serviço Social. Metodologia Esta pesquisa foi realizada dentro da perspectiva histórico-social. Por isso, parte do pressuposto de que a relação entre o homem e o mundo só pode ser apreendida em termos de uma práxis, na qual o mundo e suas relações são constantemente apropriados, usados, transformados e representados pelos homens (Marx, a ideologia alemã, 2002). Atividade concreta e histórica, a práxis ou trabalho, só pode ser concebida a partir da realidade dos sujeitos que a vivem. É por esse sentido, que parte da coleta dos dados foi realizada no próprio campo de trabalho dos sujeitos da pesquisa. Entre outros, é nesse campo se pode identificar as contradições da realidade atual do mundo do trabalho e os desafios postos aos assistentes sociais em sua prática profissional. Assim entendida, a pesquisa, de base exploratória, deu uma visão geral de um determinado objeto de estudo, com diferentes técnicas para levantamento dos dados que proporcionou o conhecimento da realidade do trabalho informal nas bancas de pesponto de Uberaba. Para melhor compreensão da realidade das famílias que vivem do trabalho informal domiciliar, o cenário da pesquisa foram as residências que compõem as bancas de pesponto do setor calçadista de Uberaba, e seu universo da pesquisa foi as famílias que trabalham em domicílio nas bancas de pesponto. Como instrumentais utilizou-se entrevista individual 3 semi-estruturadas e, após a realização e análise das entrevistas, também foi realizada observação sistemática nos domicílios por apenas o período de meio dia de trabalho. Este recurso tinha como objetivo confrontar as informações colhidas nas entrevistas com as ações e práticas concretas dos indivíduos no ambiente de trabalho, e com isso ter dados fidedignos da realidade estudada que permitam ver o sujeito na sua complexidade e totalidade. A escolha pelos dois instrumentais é de fundamental importância, pois podemos deixar de levantar alguma informação relevante nas entrevistas, ou até mesmo, no caso dos sujeitos omitirem alguns fatos que podem ser constatados durante as observações. Foi importante constatar que ao confrontarmos o que nos foi dito nas entrevistas com o que notamos nas observações, são nítidas as contradições dos sujeitos, pois nas entrevistas relatam um determinado comportamento que no seu cotidiano de trabalho não são realizados. Por isso imperceptíveis até mesmo pelos sujeitos. Os sujeitos da pesquisa são os chefes das famílias que trabalham em domicílio nas bancas de pesponto. Por ser desconhecida a totalidade do universo da pesquisa, realizamos as entrevistas e as observações em cinco famílias compostas por mais de uma geração, localizadas em bairros diferentes da cidade de Uberaba e selecionadas aleatoriamente. As entrevistas foram aplicadas aos chefes das famílias, e registradas pela técnica de gravador com o consentimento livre e esclarecido dos entrevistados, por meio do termo de consentimento. Aos mesmos, ficou garantido o livre arbítrio, podendo ou não responder a entrevista, bem como desistir da pesquisa a qualquer momento. Além disso, a presente pesquisa garantiu o anonimato dos sujeitos através do uso de numeração dos sujeitos. Resultados O trabalho em domicílio é uma expressão da terceirização entendida como uma forma de aumentar a produção sem alavancar os custos das empresas, não sendo caracterizada apenas 4 pela não permanência no interior das empresas. Estimula a mais-valia5 (Iamamoto, 2006) e agrava a precarização do trabalho. O trabalho informal nas bancas de pesponto exerce grande influência no cotidiano das famílias que o vivem, pois, por abranger crianças e idosos, há o surgimento de diversas expressões que nos instigam a conhecer esta realidade. Está em constante crescimento, e é, pelo lado do trabalho, forma de sobrevivência e, pelo lado do capital forma de mercantilização barata da força de trabalho. Em relação aos dados coletados e observações feitas nos cenários desta pesquisa, notamos que existem muitas vezes de forma oculta, a precarização do trabalho domiciliar, a invisibilidade do trabalho infantil, a falta de qualificação profissional, o baixo nível de escolaridade, a ausência de equipamentos de proteção individual contra acidentes de trabalho, negação dos direitos previdenciários, longas jornadas de trabalho e agravamento da qualidade de vida. É notória a privação de crianças, adolescentes e idosos da suas atividades normais à faixa etária, não vivendo plenamente o momento de acordo com o seu ciclo de vida. Todos esses fatores acima descritos são base para evidenciar a realidade destas famílias que vivem da informalidade em domicílio. Trazendo à tona questões como trabalho, moradia, lazer, educação, saúde, qualificação, oportunidade, dignidade e direito, que serão analisadas de acordo com as observações e entrevistas realizadas. A escolha pelo trabalho informal domiciliar conforme 100% dos sujeitos da pesquisa, não partiu de uma simples mudança de atividade. Ela decorre de outros fatores tais como a falta de qualificação, baixa escolaridade e conhecimentos específicos nos trabalhos em bancas de pesponto. Além destes 80% dos pespontadores citam o rigor das fábricas e a não flexibilização de horários, como motivos pela escolha do trabalho informal domiciliar. mas como veremos adiante, esses motivos conscientes não expressam a realidade vivida no mundo do trabalho, gerando alienação (Marx, Ideologia alemã, 2002). Além disso, a pesquisa mostrou que o processo de trabalho informal domiciliar acarreta a exploração do trabalho infantil. Pela dificuldade em se notar a exploração infantil em domicílio e pelos pais, em geral, acreditarem que é melhor manter o filho dentro de casa 5 Excedente trabalhado não remunerado. 5 trabalhando, gerando renda do que na rua exposto à marginalização e à ociosidade, o trabalho infantil nas bancas de pesponto é uma invisível realidade que precisa ser posta a luz, pois limita a faixa etária destas crianças que se vêem desde muito cedo sem identidade, pois estão, vulneráveis a transformação capitalista, privando-os de seu ciclo de vida, liberdade e vivências. A pesquisa nos revela que a exploração do trabalho infantil se dá de duas formas distintas; direta e indiretamente relacionada ao trabalho nas bancas. Dos cinco sujeitos entrevistados, apenas 20% dos sujeitos relataram a inserção de crianças no ambiente das bancas de forma direta, pois acredita que está ensinando uma profissão. “to ensinando minha familia inteira, tem minha sobrinha que ta lá a quatro anos, entrou lá com dezessete ano, ela já vai faze vinte e tres ano, tem uma outra que ta com treze ano, já vou levar ela, por que eu sei que é muito melhor que trabalha de empregado pros outros, a ter que cumprir horário...passando de geração pra geração...junto o util ao agradavel, to trabalhando, to olhando minha mãe, minha sobrinha que é pequenininha, busco na escola, da pra conciliar as três coisas ao mesmo tempo.” (sujeito dois) Porém, durante as observações nos domicílios dos sujeitos dois, três, quatro e cinco foi possível notar que 80% dos domicílios explora indiretamente o trabalho infantil nas atividades domésticas, e 20% exploram diretamente no auxílio dos trabalhos manuais como colagem e arremate6, impondo a essas novas gerações as conseqüências das transformações do mundo do trabalho. Perfazendo Como afirma, Tavares, (2004, p. 84 e 85): Verifica-se que a prática do trabalho domiciliar atende ao mesmo objetivo no século XIX e XXI, mas o que os advogados do capital ressaltam nela é o seu caráter de autonomia, com o que se obscurece a precarização do trabalho e a sua brutal exploração. Pois o trabalho domiciliar, geralmente executado por mulheres, acaba por envolver também os seus filhos 6 Finalização do trabalho. 6 pequenos, que, muitas vezes, são impedidos de ir à escola ou de simplesmente brincar, para, precocemente, assumirem a responsabilidade da sobrevivência. Contudo, o discurso capitalista encontra argumentos para transformar esse tipo de trabalho numa alternativa vantajosa à condição da mulher, especialmente daquela que não pode sair de casa porque não tem com quem deixar os filhos. Evidentemente, mulheres pobres, geralmente sem qualificação, o que contribui para uma maior alienação. Todavia, é visível a contradição entre as falas dos sujeitos e o que observamos, ao mesmo tempo em que relatam trabalhar para garantir aos filhos uma vida melhor, inserem estas crianças ao ambiente do trabalho de forma ingênua sem imaginar que diretamente estão interferindo no crescimento saudável destas crianças, no período em que estão em casa, estão também no ambiente de trabalho das mães, ajudando direta e indiretamente como observado no domicílio do sujeito um 20% diretamente, e só indiretamente nos dmicilios dos sujeitos dois, três, quatro e cinco somando 80%, perfazendo um total de 100% de exploração do trabalho infantil nas bancas de pesponto. É de conhecimento geral que numa sociedade capitalista a qualificação profissional se torna cada vez mais imprescindível para conseguir uma vaga de emprego. A ela, soma-se a idade, pois, no mercado formal, se é novo demais não tem experiência suficiente, se já está na terceira idade já ultrapassou, está velho demais. Foram estes alguns motivos que levaram estas famílias ao trabalho informal. Porém, 20% dos sujeitos relatam que não conseguiriam um emprego devido à idade incompatível para o mercado profissional formal, assim como nos relata o sujeito dois: “Não eu já quando parti pra isso aí eu já tava com mais de quarenta, eu já tava perto de aposentar, pensei tenho que montar um negocio, porque nois depois dos quarenta, eles acha que nois não da produção i eu com cinqüenta e quatro eu passo três quatro custureira lá dentro que tenho duas vezes menos a metade da minha idade que não da a produção qui eu do.” Não se restringindo a idade outra razão que levou essas famílias ao trabalho informal mesmo que não tenha sido citado nas entrevistas, mas observado foi a maioria não possuir cursos de qualificação profissional, grau de escolaridade que permita estarem inseridos no 7 mercado formal de trabalho, uma vez que é exigido cada vez mais pelas empresas um nível elevado de escolaridade, experiência, educação continuada, cursos de formação específica, técnica, e certamente quem não se enquadra a este novo perfil exigido pelo mercado de trabalho volta-se para a informalidade e para o trabalho domiciliar. Junto a estes fatores sociais está a tradição. 100% dos sujeitos relatam também já terem trabalhado em fábrica de calçados, e terem conhecimento dos processos aos quais estão vinculados as etapas do pesponto. Uma vez, sem emprego, eles investiam nas bancas em domicílio. A empresa familiar ou domicílio do trabalhador ou trabalhadora, fato que torna a subordinação menos visível que nos empregos formais. Essa externalização, traduzida como autonomia pelos apologistas do capital, cria a ilusão de que o trabalho deixou de ser subordinado simplesmente porque o trabalhador não sofre, ás vezes, uma vigilância direta do empregador como ocorre quando o trabalho é realizado dentro da empresa. Entretanto, o suposto trabalho autônomo é executado segundo uma obrigação por resultados, portanto, sob rigoroso controle e sob maior exploração. Trata-se tão-somente de uma falsa autonomia, marcada pelo desassalariamento e pela precariedade, na qual o tempo de trabalho continua a ser uma categoria dominante. (TAVARES, 2004, p. 57-58) Por já conhecerem o rigor das fábricas, os horários a cumprir, as metas a serem atingidas os sujeitos, sua maioria, declaram preferir trabalhar em casa, a ficar sob o rigor das fábricas. “Eu comecei com dezessete ano eu não combinu muito bem com fabrica não tem estupim muito pra agüenta patrão e horário eu tenho um casal de filhos minha menina mora com minha mãe tem que trabaia ate cinco e meia seis horas e eles não que nem sabe dia de sábado tem que trabaia agora aqui eu não trabaio um exemplo meu menino chega da escola eu to em casa, posso trabaia ate dez e meia três hora da madrugada atravessa a noite não interessa no outro dia eu fico atoa tem ninguém mandano vem pega não fala nada...eu tenho criança como eu ia faze pra trabaia la na fabrica ate cinco e meia.” (sujeito quatro) Outro fator levantado pelos sujeitos é o fator econômico, os rendimentos são maiores para 60% dos entrevistados, há maior lucratividade, o que nas fábricas não acontecia. Além disso, foi relatada a flexibilização do horário para 80%, podem realizar os serviços e 8 trabalhos quando querem, podem sair e voltar, parar a produção, sem necessitar de autorização. “Um pouco assim, ah agente que assim... gerar emprego, crescer, é isso que agente qué em primeiro lugar, a gente trabalhava na empresa de calçados aí nois saimo de lá para montar a banca... mesmo essa garantia que a empresa dá ainda assim eu prefiro a banca de pesponto uma que a gente tira mais, igual eu te falei a gente que cresce que gera emprego não arrependo de te saído da fábrica. A gente ta procurano pegar serviço de dois lugar assim se falta um tem outro.” (Sujeito um) Contudo, observamos que não existe uma flexibilidade dos horários, as famílias se vêem privadas de sábados, domingos e feriados, trabalham em longas jornadas para conseguirem entregar a produção, como observado nos domicílios dos sujeitos um, três e quatro nos quais fizemos as entrevistas e observações durante o período noturno e finais de semana em que trabalhavam. Assim sendo, os sujeitos entram em contradição, pois ao mesmo tempo em que citam a flexibilização de horário como um ponto facilitador, é citado por estes que a falta de um horário flexível e dias certos para realização do trabalho interfere não somente na rotina da família como na vida dos filhos e na realização dos afazeres domésticos. Como o trabalho está em domicílio, não existe uma divisão entre emprego e residência, a necessidade de entrega do trabalho para receber leva estes sujeitos a atravessar a noite, feriados e domingos trabalhando. “Nóis trabalhamo até domingo então cê tano em casa você empolga. Cê fica meio assim ás vezes deixa de fazê muita coisa.” (Sujeito um) Uma vez que, nessa forma de relação de trabalho o valor a receber fica estabelecido pela produção, ou seja, quanto mais se trabalha mais se ganha, é de interesse do trabalhador prolongar sua jornada de trabalho para elevar seu salário. Característica comum do sistema capitalista, o aumento da renda leva ao aumento significativo do trabalho e, tendo a 9 necessidade de ganhar mais, gerando um ciclo vicioso por produção de capital, precarizando e ilimitando a jornada de trabalho, já que ninguém os assegura nos momentos sazonais. Assim, afundados no trabalho, buscam a maior produção, única forma de ampliar seus rendimentos e garantir seus salários, pois são trabalhos irregulares, precários e sem garantias. O trabalho informal domiciliar aparece como a única opção de muitas famílias para sobrevivência. Mas também, e contraditoriamente, o mesmo trabalho realizado nas fábricas com segurança, proteção e direitos previdenciários, observamos que não existem, como também não há preocupação com o lazer, convívio familiar, direito das crianças, direitos previdenciários, doenças ocupacionais, pois não utilizam nenhum tipo de equipamento de proteção individual, não tem um horário fixo de trabalho, e expõe os filhos ao ambiente de trabalho que está estabelecido em seus domicílios. Durante as observações notamos que o trabalho é realizado às vezes em pé, noutras sentados, levando-os a uma postura anatomicamente inadequada, o barulho das máquinas é muito alto. Além disso, observamos que o cheiro da cola utilizada também pode ocasionar o adoecimento deste trabalhador, que em nenhum momento citam estes fatores como dificultadores da informalidade. A consciência da falta dos direitos previdenciários e a aceitação passiva nos mostra que não há uma preocupação com o futuro, com um possível adoecimento ou um acidente de trabalho, pois 100% dos sujeitos declaram não contribuir com a previdência, e questionados quanto a um possível adoecimento, o sujeito um relata que eles arcam com as despesas, e caso há necessidade, pagam por um trabalhador neste período, para que o trabalho da banca não pare e consigam entregar a produção a tempo. O trabalho informal priva os trabalhadores dos direitos trabalhistas previsto na legislação tais como: renda mensal fixa; fundo de garantia por tempo de serviço; seguro desemprego; salário família; salário maternidade; PIS; PASEP; auxílio doença; aposentadoria; acidente de trabalho; férias; décimo terceiro e outros. Benefícios estes que visam uma cidadania para os que estão inseridos formalmente no mercado de trabalho e que são negados na informalidade. 10 Portanto, o trabalhador informal domiciliar é uma vantagem para a empresa e conseqüentemente para o sistema capitalista, esta paga apenas pelo trabalho, não tendo neste caso prejuízo, apenas lucro. Concomitante a este processo, o trabalhador se vê desamparado e sem proteção da legislação. O trabalho informal e por conta própria, que se pode traduzir em perdas salariais, de proteção sindical, de direitos trabalhistas, de benefícios sociais, de segurança e higiene no trabalho, significando, para alguns autores, a precarização do trabalho. (PARENZA, 2008, p. 35) Entende-se que nem sempre a aceitação passiva dos sujeitos acerca da falta de direitos previdenciários e cidadania, significa que estes tenham conhecimento acerca da legislação trabalhista. Muitos desconhecem o amplo amparo ao trabalhador inserido no mercado de trabalho formal por estas legislações. Mesmo os que têm um conhecimento maior sobre a importância da contribuição previdenciária são coniventes, pois a legalização implicaria em gastos excedentes para os trabalhadores. Esta falta de preocupação com o futuro é notória em 100% dos sujeitos, pois quando indagados sobre desvantagens da informalidade nenhum sujeito em nenhum momento citam a não garantia de aposentadoria como desvantagem, ao contrário, nem relatam sobre a aposentadoria. Reclamam da falta de décimo terceiro, férias e fundo de garantia, pois são um complemento do orçamento. Igual os direito que agente tem de final de ano igual acerto tempo de casa. (sujeito I) Quanto às férias, no sentido de descanso anual das atividades, os sujeitos novamente se omitem, não demonstram necessidade de descanso, apenas de rendimento. Desta forma, o consentimento destes trabalhadores se origina da não preocupação com o envelhecimento, a perda das funções laborais, fatores estes secundários e supérfluos para 11 esta classe de trabalhadores que já estão condenados a falta de uma velhice digna e de direitos almejados ao longo de suas vidas. Sendo assim, a informalidade não é marcada somente pela transferência do emprego para o domicílio, esta, além disso, significa a falta de direitos, a negação da cidadania e a exclusão dos trabalhadores CONSIDERAÇÕES FINAIS Uberaba não se difere do espaço político nacional, pois o processo pelo qual se desenvolveu historicamente o capitalismo na região, é o que deve explicar as condições das famílias que têm nas bancas de pesponto as suas garantia de sobrevivência. Grandes transformações sociais e econômicas, se processaram desde uma economia de subsistência, a um mercantilismo escravista e uma economia agro-pastoril mercantil capitalista assalariado. Com uma agricultura rica, nesta última fase Uberaba se destaca a nível nacional, sendo a agropecuária responsável por seu status e, mesmo com o surgimento da industrialização, ela continua a ser uma estratégia de acumulação capitalista. Com base nesse capital, uma economia capitalista industrial se desenvolve em Uberaba e hoje sofre os processo de reestruturação produtiva que acompanha as mudanças advindas do mundo do trabalho e implicam novas formas de relações sociais e novos sistemas de produção. As transformações no mundo do trabalho acarretam diversas mudanças na vida de uma sociedade, porque estas relações sociais se dão a partir de uma práxis. O trabalho informal domiciliar de nada difere de outros tempos, o homem ainda necessita de um trabalho para sua existência, este só se vê inserido numa sociedade a partir do momento em que está inserido no campo do trabalho. Entretanto, não basta ter um trabalho que lhe garanta uma sobrevivência, a sociedade é regida por direitos universais voltados para os que estão inseridos no mercado de trabalho formal, cabendo somente a estes a plena cidadania. No decorrer do trabalho, observamos que o trabalho informal domiciliar não está completamente ligado a reestruturação produtiva, este já existe desde o surgimento do capitalismo. O que difere são as novas configurações que atendem a um modelo flexível, sendo esta uma das faces do capitalismo contemporâneo. 12 O trabalho domiciliar foi uma das formas encontradas pelas famílias para sobrevivência, para o sustento dos filhos, acarretado devido a um desemprego estrutural ocasionado pela falta de espaços ocupacionais que vão de encontro ao perfil destes trabalhadores, muitos sem grau de escolaridade, desqualificados para o mercado formal de trabalho, e até mesmo por opção das empresas, indústrias, fábricas de manterem estes trabalhadores na informalidade, assim, geram menos gastos e mais lucros. Sendo assim, a opção por trabalho domiciliar vai além da necessidade de uma renda, e sim, das exigências da sociedade contemporânea. Além disso, muitos trabalhadores se arriscam na informalidade devido a faixa etária que não correspondem ao que o mercado de trabalho almeja. Observamos que os trabalhadores informais se sentem envaidecidos por acharem que são donos de sua força de trabalho e acreditarem numa falsa autonomia, por definirem seus horários, suas folgas, os dias em que desejam trabalhar, podendo se ausentar do trabalho sem pedir autorização, sendo um grande equívoco, pois continuam presos ao sistema capitalista que exige a estes uma longa jornada de trabalho, para produzirem mais e assim recebem pelo que produziram. A intensificação do trabalho ocasiona a estas famílias um desgaste tanto físico quanto mental, pois desvincula ao convívio familiar, ao lazer, aos direitos, eximindo as empresas e o Estado de quaisquer responsabilidades, transferindo-as para o trabalhador e sua família. O trabalho em domicílio é uma invasão ao lar, por afetar diretamente o cotidiano das famílias, devido as mudanças ocasionadas no interior do domicílio, o incremento de máquinas de pesponto, bancada, interfere nas atividades das crianças, idosos, devido ao barulho ensurdecedor das máquinas, ao cheiro forte das colas e ao trânsito contínuo de pessoas sem equipamentos adequados de proteção. A transposição do trabalho para o domicílio não limita somente as famílias a uma vida digna, normal, mas também tira as responsabilidades das fábricas e do poder público, pois neste espaço não existe fiscalização, facilitando a inserção de crianças e adolescentes ao trabalho infantil direta ou indiretamente. Esta exploração do trabalho infantil invisível até mesmo aos olhos dos pais acarreta uma perda significativa das atividades inerentes a sua faixa etária. A criança desde cedo é levada 13 a trabalhar em condições precárias e a ter responsabilidades de adultos como preparar seu próprio alimento, cuidar da casa e dos afazeres domésticos. Além do trabalho infantil, a perda de direitos previdenciários, trabalhistas é um agravante para os trabalhadores informais, não tendo nenhum tipo de benefício, ficam jogados a própria sorte, não podendo nem sequer adoecer, muito menos sofrer algum tipo de acidente, pois não podem parar a produção, sendo que o pagamento está ligado a entrega das mercadorias. Entretanto, essa nova forma de inserção no mundo do trabalho significou a estas famílias a conquista de bens materiais, de uma remuneração que atende suas necessidades, a fuga dos rigores do chão da fábrica, a uma falsa liberdade, tornando-as cada vez mais alienados, submissos e consentindo com a ideologia dominante. Frente a realidade do trabalho informal que leva ao trabalho domiciliar e tudo o que implica dentro do domicílio, cabe ao assistente social ter uma visão de totalidade, fugir do senso comum, a fim de construir propostas de intervenção que não sejam imediatistas, mas que possibilite a emancipação dos sujeitos, compreensão destes trabalhadores quanto aos seus direitos e deveres. O Serviço Social como profissão interventiva, busca em suas pesquisas não metas apenas para conhecimento da realidade, mas, também o uso deste conhecimento para contribuir com mudanças socialmente necessárias dessa ou nessa realidade. Neste sentido, a pesquisa sobre o trabalho informal nas bancas de pesponto do setor calçadista de Uberaba, não constituiu na simples pesquisa, mas como um meio de enfrentamento através de ações ou políticas, como um desafio para o conhecimento desta expressão da questão social, baseado em valores e princípios éticos que permite direcionar práticas e projetos no cenário da pesquisa. A pesquisa contribui com conhecimentos voltados para o fortalecimento técnico-operativo da profissão, através de aprendizagens que o impulsionem a trabalhar situações que envolvam o relacionamento entre os homens, assimilando conhecimento de conjuntura, de gênese e de desenvolvimento histórico. Nesta direção, buscam-se respostas mediadoras para um processo permanente de criação e recriação de conhecimentos, em conjunto com diferentes sujeitos envolvidos, espera-se não só produzir conhecimento sobre o trabalho 14 informal e suas conseqüências no ambiente familiar, como também fortalecer o caráter técnico-operativo da profissão. Neste contexto o assistente social se torna imprescindível, pois visa a dignidade do ser, uma cidadania plena, através da veiculação de informação quanto aos direitos previdenciários, sendo mediador das contradições entre capital e trabalho, embasados no projeto éticopolítico que visa uma nova ordem societária. Referências ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? 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