1 PLANEJAMENTO URBANO E ÁREAS VERDES: UM ENSAIO TEÓRICO À LUZ DAS ÁREAS LIVRES E DA INTERAÇÃO SOCIAL Thiago Hernandes de Souza Lima* RESUMO A necessidade do “planejar”, não é uma necessidade ou característica exclusiva da sociedade contemporânea! Esse fato acompanha o homem desde tempos primórdios, quando ele, mesmo inconsciente, planejava onde iria caçar, para onde iria quando a caça acabasse e assim por diante. Neste pequeno ensaio, na perspectiva de uma leitura geográfica da paisagem, a preocupação central, é fazer um resgate histórico do planejamento urbano com ênfase ao planejamento em áreas verdes – praças e parques públicos. Estará sendo apresentado também, a história do planejamento urbano no Brasil e quais as consequências positivas da adoção de tal procedimento. Nosso intuito aqui, não é o de promover grandes discussões acadêmicas, mas sim, propor um texto de leitura simples, onde poderá servir de auxílio à estudantes ou demais interessados nos assunto. PALAVRAS-CHAVE: Planejamento urbano; história; praças e parques. *Geógrafo; Mestre em Análise Ambiental. Prof de Geografia no Ensino Médio e de disciplinas na área ambiental no Centro Paula Souza 2 ABSTRACT The need of drifting , is not a need or exclusive characteristic of the contemporary society! That fact accompanies the man since times origins, when him, same unconscious, it drifted where it would hunt, where it would go when the hunt ended and and so on. In this small rehearsal, in the perspective of a geographical reading of the landscape, the central concern, is to do a historical ransom of the urban planning with emphasis to the planning in green areas - squares and public parks. It will also be being presented, the history of the urban planning in Brazil and which the positive consequences of the adoption of such procedure. Our intention here, is not it of promoting great academic discussions, but, to propose a text of simple reading, where it can serve as aid to students or too much interested in the subject. KEY-WORDS: Urban planning; history; squares and parks. ETAPAS, FASES E APLICAÇÕES Classificadas como uma das maiores interferências do homem no meio natural ao longo dos tempos, as cidades no decorrer destes, vêm assumindo diferentes funções conforme suas estruturas políticas, naturais, econômicas e geográficas. Frente a estes diferentes papéis, surge a necessidade do planejamento, visando estabelecer um modelo de gestão e habitação sustentável, primando sempre pela melhoria da qualidade de vida. Neste contexto, as áreas verdes urbanas, em especial as de uso público, surgem como fator determinante nesta escalada. E foi nesta perspectiva que as ciências voltadas ao espaço urbano começaram a emergir, assim: O urbanismo é antes de tudo uma ciência que se dedica ao conhecimento das coisas, que estuda metodicamente os fatos, que pesquisa as causas primeiras e depois, após um rigoroso trabalho de análise, tenta em sínteses sucessivas, determinar, quando não leis, ao menos princípios diretores. Sobre essa base pode se erigir uma Arte aplicada que se abrigam diversos grupos sociais; mas a aplicação dessa arte após análise científica necessita de uma dupla escolha: 78 escolha de componentes urbanos para cuidar, modificar, criar e escolha das aplicações possíveis – implicando essa dupla escolha na determinação dos valores humanos; ela é por essência, uma filosofia, uma verdadeira ciência da urbanização (BARDET, 1989, p. 27). Considerando a importância, as diferentes formas de usos e funções que competem e que são atribuídas às praças, o planejamento se faz de grande valia. A cidade é um ajuntamento de funções. Não existe nenhuma cidade que seja unicamente utilizada para habitação, para o setor terciário ou para o secundário. Segundo a famosa fórmula que apesar de obsoleta não deixa de ser prática da Carta de Atenas, as funções da cidade são a produção, o habitat, a cultura do corpo de do espírito, a circulação além da promoção de atividades de lazer em áreas públicas. (PELLETIER; DELFANTE, 1997, p.65). Baseando-se em Spósito (2003 apud CARLOS; LEMOS, 2003), o processo de urbanização no mundo contemporâneo, expressão da acentuação dos papéis urbanos sob o industrialismo e as novas formas de produção e consumo da e na cidade, tem provocado o aprofundamento das contradições entre o ambiental e o social. A cidade, o urbano, pode ser entendida como o resultado maior da capacidade social de transformar o espaço natural, não deixa em função disso, de ser parte do espaço e de estar submetida às dinâmicas e processos da natureza e das ações humanas. Assim sendo, as diferentes intervenções do homem no crescente “espaço urbano”, nem sempre foram pautadas em ações de controle e preservação ambiental, e como decorrência deste fato, muitos problemas foram se fazendo cada vez mais presentes. E foi justamente na tentativa de minimizar esses problemas que o planejar começou a se fazer presente no meio urbano, inicialmente nas cidades européias. No auge das primeiras teorias de planejamento, vislumbrava este ato como o “salvador” de todos os problemas das cidades. Ao pensar em planejar determinado espaço urbano, acreditava-se que este estaria completamente livre de qualquer esfera de problema. Mas não foi bem isso que aconteceu... Era muito comum no auge da 1ª Revolução Industrial, muitas cidades serem verdadeiros “lixões”, devido às péssimas condições sanitárias que lhes estavam sendo atribuídas. 79 Com isso, a necessidade de “planejar” se fazia cada vez mais presente. Apoiando em Januzzi (2000), pode-se dizer que o urbanismo tenha surgido no século XVIII como ciência humana, o urbanismo se configura como uma das consequências da revolução industrial. Nesse momento, algumas cidades passavam por uma grande urbanização e outras novas foram surgindo. Os progressos sanitários registrados na época e o êxodo rural em busca de melhores padrões de vida, entre outros, foram fatores que causaram a explosão demográfica nas cidades. No período da Revolução Industrial, as cidades não estavam em condições de absorver a crescente população urbana, eram pobres e insalubres, não havia moradias para todos. A proliferação de doenças e a miséria contribuíam para o crescimento do crime da marginalidade. Somando a essa situação, acresça a falta de tempo e de espaços públicos destinados ao lazer e à natureza. Conforme Harouel (1985), pode-se dizer que com o surgimento desses grandes problemas sociais florescem também teorias sobre “cidades ideais”, com várias linhas de pensadores. Basicamente, desenvolveram-se três correntes teóricas: a progressista, a humanista e a naturalista. Todas rejeitam a cidade tradicional e buscam uma cidade melhor. A Corrente Progressista conforme nos afirma Januzzi (2000), fundamenta-se na filosofia das luzes, que se apoiava na formação abstrata do homem como sujeito mutante. Esta teoria pretendia definir um modelo urbano que se adequasse a toda a humanidade. A Corrente Progressista foi a que mais prosperou. Procurava um modelo urbano que se ajustasse a todo um grupo social, valorizava a ideia da modernidade, do novo, do desenvolvimento e da técnica. Uma das principais características dessa corrente era a divisão da cidade em áreas destinadas a habitação, trabalho e lazer em zonas bem características. Corrente Humanista está dividida em duas frentes: uma culturalista e outra antropológica. A culturalista está baseada nos ideais sociológicos. Dessa forma, o prisma parte do anti-industrialismo, busca-se o resgate da cidade nostálgica, de caráter humanitário, com arquitetura de qualidade e valoriza a paisagem natural. Pregava o respeito à arte e a preservação da cidade antiga. A antropológica tem como característica principal, a resolução dos problemas referentes ao planejamento urbano, a partir dos conhecimentos da antropologia. 80 A Corrente Naturalista, propõe a valorização da convivência harmônica com a natureza e, dessa forma, acaba criando uma tendência anti-urbana, em que cada moradia individual teria uma área livre de dois hectares, e as funções profissionais estariam reunidas à habitação. Dessa forma, podemos dizer que o planejamento moderno buscou ordenar as atividades das cidades, utilizando o zoneamento na distribuição das funções, determinando o gabarito das edificações, resolvendo os fluxos do sistema viário e os problemas de infra-estrutura. Assim, o planejamento urbano, consiste num conjunto de procedimentos que possibilitam a tomada de decisões nos processos urbanos segundo metas e objetivos preestabelecidos. Quando se realiza algum tipo de planejamento, o objetivo central está na melhoria, na transformação de determinado espaço. Seguindo Santos (1997), podemos entender espaço como um conjunto de frações do território. O espaço é locus, palco de uma gama de especulações de ordem econômica, ideológica, política, isoladamente ou em conjunto. As cidades brasileiras, na década de 60, conheceram grandes intervenções por meio do planejamento urbano. A ideologia do urbanismo racionalizado fez recrudescer a segregação espacial, mediante ações do Estado. A forma aparentemente desordenada como cresciam as cidades, onde ficava cada vez mais intenso o processo de industrialização, contribuiu para a elaboração de programas que visavam melhorar a realidade das cidades. Nesse contexto, os espaços públicos passaram a ser alvos dos projetos “reformadores”. Pode-se dizer, conforme Flávio Villaça (1999), que a história do planejamento no Brasil se encontra dividida em três fases: a primeira, de 1875 a 1930, marcada por melhoramentos e embelezamentos, onde foi marcante a realização de projetos de centros cívicos, proporcionando dentre outras, uma melhor disposição ao monumentos e praças. Era altamente ideológica e procurava exaltar o 81 Estado e a classe governante capitalista e entrou em decadência quando se fez presente a escassez de recursos; a segunda, de 1930 a 1990, caracterizada pelo planejamento técnico de base científica, onde surgiram os planos diretores, as teorias urbanísticas, e se consistiam, basicamente, na ordenação de obras para solucionar os problemas das cidades com uma planejamento técnico de base científica; a terceira, na década de 90, seria uma consequência dos planos anteriores, sendo marcada principalmente por uma crítica à segunda, onde se discute a funcionalidade e a aplicabilidade dos planos. Para não pecarmos pelo radicalismo, o “correto” é sempre optarmos por projetos exequíveis, ou seja, projetos, planos que se adequem de modo funcional o cotidiano do espaço a ser transformado, incluindo nesse contexto, as praças. A nossa sociedade, com o distanciamento do mundo medieval, quando a religião respondia a suas perguntas, provoca uma necessidade de ajuste à realidade. Nas urbanizações, um dos ícones, símbolos, arquétipos e, sem dúvida, o centro da floresta, o centro da cidade, a praça como portadora dos seus valores morais e sociais e que agrega os indícios da sua história. Se observarmos a configuração do espaço, que conhecemos como praça veremos que traz implícito alguns arquétipos consolidados pelo tempo e uso. Podemos aqui entender arquétipo, conforme Jung (1969), como uma forma típica, motivos mitológicos, característicos do imaginário humano. As áreas livres no meio urbano são planejadas com o objetivo de oferecer a oportunidade de contato contemplativo e recreativo com a natureza, em contraste com as atividades comerciais. As áreas públicas como praças, parques, passeios, jardins, passaram a ser designadas e protegidas do impacto visual, ruídos e poluição, centrandose, portanto, no embelezamento e na racionalidade da paisagem. 82 No planejamento urbano, as áreas livres dos bairros são veneradas de uma maneira surpreendentemente acrítica, quase como os selvagens veneram fetiches. Se perguntarmos a qualquer construtor, planejador e/ou técnico profissional da área do planejamento o que fazer para melhorar a organização/planejamento das cidades, todos responderão que as cidades precisam de mais áreas verdes. Mais áreas livres para quê? Para facilitar assaltos? Para haver mais vazios entre os prédios? Para as pessoas comuns usarem e usufruírem? Contudo, as pessoas não utilizam as áreas livres só porque elas estão lá e os urbanistas e os planejadores gostariam que utilizassem. Apoiando-se em Jacobs (2000), em certos aspectos de seu desempenho, todo parque urbano é um caso particular e desafia as generalizações. Além do mais, áreas livres em um meio urbano muito grande diferem bastante de trecho para trecho, dentro de si próprios, e também recebem influências diversas das diferentes partes da cidade no seu entorno. A primeira precondição para compreender como as cidades e seus parques influenciam-se mutuamente é acabar com a confusão entre usos reais e os fantasiosos. Um exemplo é o que brilhantemente Jacobs (2000) afirma sobre isso: é uma baboseira achar que os parques são os “pulmões” das cidades. São necessários cerca de 12 mil metros quadrados de árvores para absorver a quantidade de dióxido de carbono que quatro pessoas geram ao respirar, cozinhar e aquecer a casa. São as correntes de ar que circulam à nossa volta, e não os parques, que evitam que as cidades sufoquem. Para compreender o desempenho dos parques é também necessário descartar a falsa convicção de que eles são capazes de funcionar como âncoras da comunidade. Os parques, praças ou afins, por si sós, não são nada e menos ainda elementos efêmeros de estabilização de bens ou de sua vizinhança ou distrito. Espera-se muito dos parques urbanos. Longe de transformar qualquer virtude inerente ao entorno, longe de promover as vizinhanças automaticamente, os próprios parques de bairro é que são direta e drasticamente afetados pela maneira como a vizinhança neles interfere. (JACOBS, 2000; p.104) 83 As cidades estão cheias de parques/praças genéricos que não se justificam, mesmo que o bairro seja bastante movimentado. Isso ocorre porque alguns parques/praças são por si só incapazes, pela localização, pelo tamanho ou pelo traçado, de proporcionar um modelo de área pública que cumpra a sua função. A maioria nem mesmo tem condições, seja pelo tamanho seja pela variação intrínseca de cenários, de transformar-se em parques/praças de destaque. Alguns parques/praças se forem bem pequenos, podem muito bem se prestar outros serviço: serem visualmente agradáveis. Entretanto, os parques que existem em princípio somente para agradar aos olhos, sem outra finalidade, tem de estar necessariamente onde os olhos os vejam, e devem ser pequenos, porque para cumprir bem a sua função, devem fazê-lo com beleza e intensidade, não superficialmente (JACOBS, 2000; p. 117). Os parques/praças mais problemáticos são geralmente os que se localizam onde as pessoas não passam e, provavelmente, nunca vão passar. Faltam aos parques/praças, atividades menores, que poderiam funcionar como “artigos de primeira necessidade”. Dentre essas “novas necessidades”, podemos citar a construção de mesas para jogos para a terceira idade, bocha, damas etc. Os parques/praças, nada significam se forem divorciados de seus usos reais, concretos e, portanto, nada significam se desvinculados das influências concretas – boas ou más – dos bairros que os afetam. Os parques/praças podem ser um chamariz a mais nos bairros que as pessoas consideram atraentes pela grande variedade de usos. Quanto mais a cidade conseguir mesclar a diversidade de usos e usuários das praças/parques urbanos no dia-a-dia, mais a população conseguirá sustentar com sucesso e naturalidade dos parques/praças, e assim, dar à vizinhança prazer e alegria, em vez de sensação de vazio. Assim, conforme pudemos perceber, o ato de “planejar”, “projetar” no meio urbano, não é somente importante nas questões sanitárias e afins. Um bom planejamento do espaço urbano pode e certamente causa, um verdadeiro “repensar” sobre as funções de uma “boa cidade”. 84 Ao se planejar ações no meio urbano, não se deve deixar de pensar/atuar nas praças e parques urbanos, pois além destes serem de grande valia para o ecossistema local, as praças e parques urbanos, exercem a função de locus de passagem, entretenimento, negócios, encontros dentre outras atribuições. Com isso, podemos reafirmar conforme visto anteriormente, que esses espaços são a mais típica figura/paisagem/ local do meio urbano. Deste modo, quando o poder público realiza intervenções nesses espaços, a preocupação não deve ser apenas econômica, mas mais cultural, usual, estética, a fim de transformar esses espaços em locais agradáveis e frequentados, a não em verdadeiras “colchas de retalhos”, onde acaba ocorrendo, até mesmo certo tipo de poluição: a poluição visual. Assim foi, que brilhantemente, Spósito (2003) acentuou que, apesar das dificuldades que temos para enfrentar esses desafios, é importante que a Geografia, assuma seu papel, que parece central, no conjunto das ciências sociais e no conjunto das ciências naturais. O que se apresenta, pois, para nós, como limites, pode se construir em maior potencial de compreensão dessa problemática, no cotejo de nossas possibilidades teóricas e metodológicas, com aquelas de outros campos disciplinares. REFERÊNCIAS BARDET, G. O Urbanismo. Campinas: Papirus, 1989. CARLOS, A. F. A.; LEMOS A. I. G (Org). Dilemas Urbanos: novas abordagens sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2003. JACOBS, J. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000. JUNUZZI, D. de C. R. Avaliação de Áreas Públicas do Centro de Londrina. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. PELLETIER, J.; DELFANTE, C. Cidade e Urbanismo no Mundo. Lisboa: Difel, 1997. SPOSITO, M. E. B. O Embate entre as Questões Ambientais e Sociais no Urbano. 85 In: CARLOS, A. F. A.; LEMOS A. I. G. Dilemas Urbanos: novas abordagens sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2003.