CIDADE, SUSTENTABILIDADE, PATRIMÔNIO E CONSCIÊNCIA DA TOTALIDADE Eduardo Yázigi INTRODUÇÃO • A cidade/país formam uma totalidade = não existe administração eficaz sem gerenciamento sistêmico. • O Brasil vem sendo país mais enfeado do planeta nos últimos 70 anos [S. Zweig]. • A crítica internacional insiste: país altamente inseguro; preços obscenos; entupimento do espaço público; imundícies; cidades muito mal cuidadas; civilidade com muito a desejar; patrimônio depredado; calçadas deploráveis; perversão das leis e dos princípios do direito à cidade: idosos, deficientes, pedestres, crianças, etc. E agora ciclovias nas calçadas de SP! • O conceito de sustentabilidade existente se limita a adiar a catástrofe: não consegue sair das medidas “mitigadoras": não existe sustentabilidade plausível com a vigência dos atuais modelos planetários de desenvolvimento. A VERDADEIRA SUSTENTABILIDADE TEM DE PRIORIZAR: • • • • • • • • O gerenciamento dos ciclos energéticos com rigor; A produção de bens duráveis; A promoção do planejamento familiar; A limitação drástica do consumismo; Vivemos a obsolescência programada! A voga da inovação e o laissez faire são praticados em detrimento da criatividade que busca a perfeição [Ex. Levi Strauss, 1938]. O adjetivo ambiental (amb+ire = ir junto) quer dizer relação! – noção de altíssima implicância com a preservação do patrimônio. O que torna uma “cidade global” não é tanto o PIB como seu prestígio! Nossas instituições não foram criadas para lidar com a sociedade massificada. Este já era o fatal alerta de Fernand Braudel nos anos 1960. Massificação & qualidade = a mais importante questão da atualidade Questões a serem bem pensadas • Patrimônio (do latim pater) é a herança pública a ser socialmente utilizada: imóveis; mobiliário urbano; bens históricos e artísticos; pontos de ônibus; lixeiras públicas; as cadeiras desta sala, e muitos valores imateriais! • É IMPOSSÍVEL MANTER UM PATRIMÔNIO SEM GERAÇÃO DE RENDA! - como no arqui-ingênuo ‘turismo comunitário’: são invenções acadêmicas! • O significado patrimonial tem sido reduzido ao valor autônomo (imóvel isolado), ignorando suas relações viscerais com o entorno. Transformar um mercado num museu destrói um conjunto socialmente construído. [carregadores de rua, operadores de vans, verdureiros, cerealistas, domicílios, etc.]. Carta de Veneza. Questões a serem bem pensadas • A saturação do comércio turístico enfraquece as relações sociais de vizinhança. Paraty se tornou um imenso shopping, perdeu sua alma. A sustentabilidade tem de impor limites a este tipo de desenvolvimento em lugares patrimonializados! • Ignoramos, olimpicamente, o que seja o acabamento construtivo. Em nosso país tudo tem que ser “El mayor del mundo”. Além disso, o mau uso deixa tudo com cara de ‘coisa pisada’. Carlo Scarpa. • Mas, um imóvel qualificável poderá ser a pedra angular sob o conceito de P.A.U. Seria como uma rapsódia de arquiteturas! • Hoje o entendimento de cultura anda muito centrado no ver em detrimento do fazer, do criar. Esta limitação pode ganhar vida ativa atribuindo-se um sentido social e estético ao patrimônio ambiental construído, tombado ou não. • O mais crucial e decisivo é o modelo de desenvolvimento! POR UMA NOVA DEFINIÇÃO DE PATRIMÔNIO AMBIENTAL • O patrimônio ambiental urbano é constituído de conjuntos arquitetônicos, espaços urbanísticos, equipamentos públicos, mobiliário urbano e a natureza existente na cidade, regulados por relações sociais, econômicas, culturais e ecológicas, onde o conflito deve ser o menor possível, e a inclusão social uma exigência crescente. Portanto, ele acompanha o processo social assumindo todas as modernidades necessárias. É reconhecido e preservável por seus clássicos valores potencialmente qualificáveis: pragmáticos, cognitivos, estéticos, afetivos e econômicos também, de preferência sem tombamentos. Geograficamente pode se manifestar sob a forma de manchas urbanas ou formações lineares, sem limites perenes, mas sempre transcendendo unidades de significado restrito. O conceito se reporta tanto a um conjunto existente como a um processo permanente de construção, ou seja, o patrimônio ambiental urbano se materializa com o ser e o porvir. SOLUÇÕES EQUIVOCADAS DE PRESERVARÇÃO E SUSTENTABILIDADE • Exagerar na criação de Casas de Cultura fundadas em artes plásticas, literatura, música, etc. ao invés de priorizar iniciativas às carências sociais, com a cultura nas casas! • Os museus andam em penúria generalizada [M.Ipiranga]. • A maioria dos imóveis tombados está de portas fechadas ou sem manutenção [Ex. Casarão na Av. Paulista, SP]. • Quase tudo tem que ser grátis, apesar de muito frequentado por elites. Sustentabilidade desse jeito? Em que termos? A insustentabilidade econômica leva à deterioração. SOLUÇÕES EQUIVOCADAS DE PRESERVARÇÃO E SUSTENTABILIDADE • O vandalismo e o vândalo permanecem tranquilamente impunes [Ex. Salvador x Espanha]. • O pixo e o grafiti são formas de arbitrariedade contra a democratização do espaço público. Não é essa a liberdade e o ar benfazejo da cidade sonhada pelos filósofos alemães! • Elitismo? 1789/1917.../Borgia, Stalin • A modernidade histórica é vital: não se pode resgatar um bem em permanente construção - donde o conceito de patrimônio direcionado também para o futuro! POSSÍVEIS SOLUÇÕES EM VISTA DA SUSTENTABILIDADE • Usar o patrimônio como veículo do interesse social comunitário: ao invés de criar Casas de Cultura, vale muito mais favorecer a Cultura nas Casas! • Distinguir locais pagos (com renda!) dos que devem ser virtualmente grátis: Pagos (do Estado ou privados): cursos de interesse comunitário: medicinas alternativas (acupuntura, florais; reiki, etc.); agricultura orgânica, fotografia, cinema, cerâmica, nutrição; centros de convenções de bairro; salões de festas privadas; salas de reunião; ateliers experimentais; mercado de trocas e de anúncios de interesse partilhado; postos bancários; filiais de correios; delegacias, cafeterias, restaurantes, etc. [Ex. INTBAU: International Network for Traditional Building, Architecture and Urbanism]. POSSÍVEIS SOLUÇÕES EM VISTA DA SUSTENTABILIDADE Grátis (estatais): ambulatórios; preparação ao parto natural; postos de vacinação; assistência psicológica; pedidos e ofertas de empregos; avisos comunitários; oferta de carona partilhada, lugar de discussões do bairro, reciclagens estudantis e profissionais, etc. (salvo butiques, restaurantes, livrarias, cafeterias...). QUESTÕES A SEREM EQUACIONADAS PELA POLÍTICA URBANA • Expandir o princípio de cooperativas, a serem especialmente brindadas pelo poder Municipal. Democracia começa com infraestrutura! [Ex. Cohab]. • Equilibrar a qualidade urbana criando infraestrutura e patrimonializando periferias; • Definir padrões que dão o tom às edificações [Ex. Mar del Plata, Região de Cognac]. • As restrições de uso, em imóveis tombados mas não desapropriados, devem ser providas de estímulos. Compensações no IPTU, no IR, etc. – pois a sustentabilidade privada é sempre um alívio para o governo e a sociedade; e recompensa para o proprietário zeloso. • Praticar a socialização do ponto no interesse da sustentabilidade!!! QUESTÕES A SEREM EQUACIONADAS PELA POLÍTICA URBANA • Nas atividades pagas (gerando empregos) seria recomendável terceirizar cafeterias, livrarias, restaurantes, etc. Mas sempre com a socialização do ponto! - e não para se livrar de um “estorvo” como é a regra! • Definir uma tipologia do patrimônio existente mediante inventários: tamanho, características; estado de conservação, funções mais adequadas, valor, localização, documentação fundiária, etc. – a fim de definir novos usos sustentáveis pelo poder público ou iniciativa privada. • Proibição intransigente de uso político ou religioso em centros culturais. • Combate aos projetos absurdos [Ex. SP e sua ‘lei das calçadas’ e dos ‘telhados brancos’, etc.]. • Definição de um programa diferenciado de estímulo aos bens tombados privados. • Definição dos termos de colaboração com entidades privadas [Ex. abrigos de ônibus de São Paulo]. MAS PARA TANTO, • Sem uma Política Urbana atualizada e legitimada (União, Estados, Municípios, Regiões Metropolitanas), jamais resolveremos questões obrigatoriamente de longo prazo; • Superar o que Brasil jamais conseguiu dimensionar: o longo prazo – marcação que deve começar no hoje da tomada de consciência e não na listagem de tarefas com verbos sempre no infinito! • Os planos legitimados devem ser obrigatoriamente continuados e dotados! • A integração sistêmica dos setores de governo tem de ser prática banal; • Redefinir nacionalmente instituições arcaicas: a obsolescência da autonomia municipal tem de ceder muito à constante mundial da Metropolização [Toynbee]. MAS PARA TANTO, • O conceito administrativo de região declina em favor da região solidária. [Ex. Las Palmas de Gran Canária, Ilha da Madeira, ou mais amplamente a própria União Europeia]; • Um poder de Polícia ao Serviço do Patrimônio - C.Mendes; • A Universidade existe para servir a sociedade: convém construir canais de comunicação dos sistemas de governo com universitários interessados na administração governamental (coexistindo com o serviço militar comum, mas outorgando o grau de suboficial após um ou dois anos) como a Coopération Téchnique da França. PATRIMÔNIO NATURAL: DESAFIOS JURÍDICOS • Ocorre ampla criação de parques sem validação fundiária e planos executivos: são criados sobre concentrações humanas e terras indígenas; parques nacionais se superpõem a parques estaduais e municipais; são geralmente demarcados em mapas limitados por rios; não possuem legislação para ecofronteiras, elencando os usos aceitáveis, etc. • São centenas de parques invadidos, inclusive com parcelas griladas para venda! • Os usos são definidos pelo SNUC, mas sem detalhamento das atividades lucrativas compatíveis com o conceito de preservação, quando abertos ao turismo. • Proponho uma Agência Nacional de Meio Ambiente para suprir uma lacuna incompreensível; PATRIMÔNIO NATURAL: DESAFIOS JURÍDICOS • Áreas intermunicipais de preservação situadas em mais de um Estado não chegam a equacionar usos conflituosos entre reservas. As Assembleias Legislativas não têm usado seu direito de criar regiões de planejamento na escala necessária, definindo normas de entrosamento. A União tem o dever de determinar regiões de planejamento envolvendo dois Estados sem iniciativas! • Não existe lucro possível sem implantação de equipamentos e serviços nos parques legalmente abertos ao turismo. A socialização do ponto seria proverbial: centros de convenções; hotéis, restaurantes, cafeterias, venda de mudas, butiques, etc.[Ex. Campos do Jordão]. • A administração, oficialmente nas mãos de funcionários públicos, não dá conta de uma possível viabilização sustentável do parque. Iniciativas criativas não são retribuídas ao funcionário pelo poder público. ... Assim como as reservas naturais são excelências para vida, os territórios do patrimônio ambiental urbano são reservas de cidadania e civilidade ... O VERDADEIRO MODERNO É O MELHOR MODO DE COMO O PASSADO CHEGOU ATÉ NÓS → PODE EXISTIR PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO SEM PRESERVAÇÃO SOCIAL? MUITO OBRIGADO PELA AUDIÊNCIA!