VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ESCRITA DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL EM AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM. MARA LÚCIA REIS MONTEIRO DA CRUZ1 E ROSANA GLAT2. UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, FINANCIADA PELA CAPES. 1. INTRODUÇÃO A dificuldade no desenvolvimento da linguagem escrita de alunos com deficiência intelectual tem conferido à alfabetização destas pessoas uma série de mitos e inverdades. Estes estudantes, ainda que matriculados em escolas comuns como determina a legislação em vigor, muitas vezes, não têm apresentado avanços acadêmicos. Mais especificamente, não desenvolvem a linguagem escrita, o que prejudica todo o processo de aprendizagem escolar. A deficiência intelectual compromete o pensamento abstrato e os processos de associação de ideias e generalização. A linguagem oral se encontra prejudicada e, muitas, vezes, a motricidade também. Estas características se traduzem em obstáculos, mas nem sempre inviabilizam o desenvolvimento da linguagem escrita destes educandos. Pesquisas têm demonstrado que: i) não há relação direta entre o QI (quociente intelectual) e as possibilidades de sucesso ou fracasso no processo de alfabetização (MAIA E FONSECA, 2002); ii) mesmo alunos com diferentes graus de comprometimento intelectual, como os anteriormente classificados como com deficiência moderada ou severa, possuem possibilidades de alfabetização (SHIMAZAKI, 2006). Os autores concordam, ainda, que o processo de alfabetização favorece o desenvolvimento destes alunos. A alfabetização é um importante meio de aproximação e participação da cultura, que não deve ser desconsiderado pela escola, mesmo que, para estes alunos, este processo seja mais lento que para os demais. Em função das necessidades educacionais especiais destes educandos, este processo demanda, também, a utilização de recursos específicos, como foi feito no presente estudo, onde foi desenvolvido um ambiente virtual de aprendizagem (AVA), composto pela utilização de softwares, como editores de texto e software de apresentação, de outros recursos online, como sites, provedor de correio eletrônico, além de um AVA denominado AVALER (Ambiente Virtual de Aprendizagem e Letramento). O AVALER foi fundamentado na Teoria da Flexibilidade Cognitiva (TFC) (SPIRO, VISPOEL, SCHMITZ, SAMARAPUNGAVAN & BOERGER 1987; SPIRO & JEHNG, 1990; SPIRO, FELTOVICH, JACOBSON, M. & COULSON,1995). A TFC é uma teoria construtivista que se aplica a qualquer área de conhecimento (CARVALHO, 2011). Desenvolvida para fundamentar a elaboração de ambientes virtuais de aprendizagem, a 1 Fonoaudióloga, mestre e doutora em Educação. Endereço: Rua Haddock Lobo, 356 sala 603. Tijuca. CEP. 20260142. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Psicologia. Professora Associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro . Endereço: Rua São Francisco Xavier, 524 Grupo 12.037-F. CEP 20550-900 – Rio de Janeiro (RJ). E-mail: [email protected]. 3682 VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X teoria orienta o desenvolvimento de atividades com hipermídia (conjunto de texto, som, imagem, vídeo e interatividade) que favorecem a aquisição de conhecimentos complexos e a transferência do conhecimento para novas situações (CARVALHO, 2002). Carvalho (2011) afirma que abordagens simplificadas que parecem tornar os conteúdos complexos mais acessíveis, acabam frequentemente dificultando sua aquisição mais tarde, tornando-se condicionantes por apresentar o conhecimento de forma fragmentada e não favorecer a transferência do mesmo para outras situações. Diante do exposto, o ensino destes conteúdos não deve ser feito de forma superficial ou através da simples exposição ao assunto, por exemplo. É importante, desde o nível introdutório, favorecer o desenvolvimento de múltiplas visões do mesmo assunto, a fim de aprofundar o conhecimento e possibilitar sua transferência para outros contextos. Vigotski (1987, 1995, 1997 e 1998) desenvolveu numerosos estudos a fim de analisar as relações entre o homem e a cultura, que se dá de forma mediada. Segundo Freitas (2008), o uso do computador e da Internet contempla os três tipos de mediação descritos por Vigotski: favorecem a interação entre as pessoas, permitem a mediação do instrumento (uso da máquina, ou hardware) e a mediação dos signos, através da linguagem. Vigotski concluiu que é possível desenvolver instrumentos culturais que possibilitem a compensação da deficiência. Assim, para que as pessoas cegas pudessem ler, foi desenvolvido o sistema Braile. É necessário, portanto, desenvolver estudos e pesquisas que permitam desenvolver instrumentos culturais que permitam a compensação das dificuldades cognitivas características da deficiência intelectual, bem como conhecer as especificidades do processo de desenvolvimento da linguagem escrita desses alunos, principalmente no que diz respeito às relações entre linguagem oral e linguagem escrita. A presente investigação foi desenvolvida em uma escola especializada na educação de pessoas com deficiência intelectual e teve por objetivo analisar a interação de alunos, adolescentes e jovens não-alfabetizados, com a linguagem escrita a partir da utilização do computador (editor de texto e software de apresentação) e da Internet (correio eletrônico, AVA, sites diversos). Assim, foi desenvolvido um ambiente informatizado de aprendizagem que proporcionou a criação de contextos comunicacionais e incentivou o uso da linguagem oral e escrita. 2. MÉTODO Foram seguidos os pressupostos metodológicos da pesquisa-ação crítico-colaborativa (PIMENTA, 2005). O estudo desenvolveu, durante onze meses, ações sistematicamente planejadas, desenvolvidas e avaliadas em conjunto por pesquisadora e sujeitos. Os sujeitos da pesquisa foram dois professores e nove alunos, não-alfabetizados, com idades entre 13 e 21 anos, divididos em dois grupos de trabalho. Como procedimentos de coleta e produção de dados, foram realizadas entrevistas, reuniões de estudo e planejamento com os docentes e encontros semanais com alunos e professores no laboratório de informática da escola. Foram realizados 45 encontros semanais de 3683 VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X aproximadamente duas horas de duração com os alunos, além de 16 encontros de planejamento e avaliação com os professores. Os alunos nunca haviam tido acesso aos computadores em atividades curriculares anteriormente. Apenas um dos nove sujeitos não tinha computador em casa e dois alunos não sabiam usar o computador. Os alunos relataram usar o computador em casa para “ver fotos”, assistir vídeos e jogar. Um deles, apesar de não saber ler e escrever, participava de uma rede social com a ajuda da família. A pesquisadora realizou observação participante, atuando como mediadora no processo de ensino-aprendizagem, juntamente com os professores, além de produzir pequenos vídeos, registrando momentos dos encontros, e efetuar anotações em diário de campo. Os encontros com os alunos começavam com a roda de conversa. Com as cadeiras dispostas em círculo no centro do laboratório de informática, os professores provocavam um debate sobre assuntos de interesse dos grupos, ou demonstravam um site interessante (como o de uma revista eletrônica, ou videoclipe com a letra da música em forma de legendas, ou o AVALER). O AVALER teve por objetivo disponibilizar textos no formato de hipertexto (digital, com ligações que permitiam a leitura não-sequencial) com hipermídia, a fim de estimular e favorecer a leitura, dentro de um contexto de aprendizagem significativa. Foram utilizados, também, vídeos de canções com legendas, textos acessíveis (elaborados de acordo com os critérios do Guia Change para a elaboração de textos acessíveis 3) e atividades desenvolvidas com o software Hot Potatoes4. Após a roda de conversa inicial, os alunos realizam as atividades no computador, com a mediação dos professores: elaboravam uma apresentação para os colegas, utilizavam o AVALER ou outro site, de acordo com a proposta do encontro. Em seguida, diziam o que queriam “escrever no computador”, ou seja, elaboravam oralmente uma frase que seria digitada por eles no software de apresentação, produzindo livremente a primeira escrita espontânea. Também houve encontros em que os alunos trocaram mensagens por e-mail (correio eletrônico). Quando concluíam a escrita espontânea, os alunos reescreviam a frase com apoio verbal e feedback corretivo fornecidos pelo professor. O apoio verbal acontecia quando este falava, pausadamente, as palavras que o aluno desejava escrever. Esta estratégia permitia que o educando percebesse melhor os sons e a ordem destes na palavra. O apoio verbal, seguindo o modelo de Cruz (2004), podia ser feito de três formas diferentes: 1. o mediador emitia o som e precisava indicar a letra correspondente no teclado (quando o aluno não fazia a correspondência entre o som emitido e a letra com valor sonoro convencional); 2. o mediador emitia o som e o aluno nomeava a letra, mas não reconhecia a sua grafia, necessitando de ajuda também para identificá-la no teclado, indicando dificuldades no reconhecimento visual da letra; 3 4 Disponível em http://www.changepeople.info/free-resources/ . Acesso em 15/09/2012 Disponível em http://hotpot.uvic.ca/. Acesso em 15/09/2012. 3684 VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X 3. o mediador emitia o som e o aluno sabia nomear a letra correspondente e achá-la no teclado (fazia a correspondência som – nome da letra – representação gráfica da mesma). Depois, era feito o trabalho de análise e síntese. Os alunos eram convidados a descobrir quantas sílabas havia em cada palavra e preenchiam caixas de texto com as sílabas correspondentes (Figura 1). 1. Escrita espontânea 2. Escrita com feedback corretivo 3. Divisão das palavras em sílabas Figura 1. Esquema explicativo de slide (produção do aluno Tiago, em 02/04/2012) Em seguida, utilizando o recurso de animação, as caixas de texto surgiam na tela uma a uma, sob o comando do próprio aluno, a fim de incentivar a leitura das mesmas. Tanto a escrita das sílabas nas caixas de texto quanto sua leitura eram, muitas vezes, fonte de conflito cognitivo, quando os alunos tinham hipóteses diferentes da alfabética em relação à escrita. Isso ocorria, por exemplo, quando preenchiam as caixas organizando as letras de duas em duas e havia, na palavra, sílabas compostas por uma letra apenas, ou mais de duas. Quando percebiam que faltavam ou sobravam caixas de texto, solicitavam ajuda ao professor, que os ajudava a sincronizar a fala com a escrita. Finda a leitura, os alunos deveriam reescrever a frase original em outro slide, desta vez sem mediação. Eles poderiam, também, ilustrar com figuras disponíveis na Internet, digitando a palavra-chave no site de busca. Ao final do encontro, os alunos apresentavam os trabalhos para os colegas. Depois, havia nova roda de conversa para relembrar e avaliar as atividades realizadas, além de propor temas para o próximo encontro. Esperava-se, assim, favorecer nos alunos o desenvolvimento de uma postura ativa, bem como sondar seus interesses e empoderá-los em relação à escolha dos temas das atividades. 3. RESULTADO O estudo permitiu desenvolver um instrumento cultural de aprendizagem que favoreceu a aproximação dos alunos à cultura de seu tempo. Neste contexto, foi possível analisar e discutir as especificidades do processo de desenvolvimento da linguagem escrita de alunos com deficiência intelectual. 3685 VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X A dificuldade de compreender contextos mais abstratos foi compensada com a utilização de textos acessíveis e hipermídia. O uso do computador e da Internet proporcionou diferentes formas de acesso aos textos e a manipulação dos segmentos da escrita, provocando conflitos cognitivos que levaram os alunos a refletir sobre as características da escrita alfabética e a produzir textos cada vez mais próximos deste padrão. As atividades aumentaram a motivação dos alunos para produzir textos, provocando uma análise consciente dos elementos constitutivos da escrita, como se vê no exemplo a seguir (Figura 2): Figura 2. Produção da aluna Teresa em 03/04/2012. Slides 1, 2 e 3 A figura mostra três slides produzidos por uma aluna. No primeiro, ela escreveu espontaneamente a frase “eu gosto de salada”. Quando questionada onde estava escrita a palavra “eu”, apontou a primeira linha. Apontou as linhas subsequentes para indicar a localização das demais palavras da frase e afirmou não saber o que estava escrito nas últimas linhas. No segundo slide, a aluna reescreveu a frase com apoio verbal da pesquisadora. Depois, identificou quantas sílabas havia em cada palavra e preencheu as caixas de texto com as sílabas correspondentes, para depois ler o texto com recurso de “animação”, do software de apresentação. No terceiro slide, a aluna escreveu a frase novamente, desta vez sem ajuda e buscou, na Internet, uma figura para ilustrá-la. Observa-se que, no primeiro slide, a aluna utilizou outros critérios, que não a relação letra e som, para produzir seu texto. No terceiro slide a escrita já se aproxima mais do padrão alfabético. Ao longo dos encontros, foram observadas quatro fases no processo de internalização da escrita: 1. O aluno não relacionava fala e escrita, utilizando outros critérios para digitar as letras, como a sequência das mesmas no teclado, ou digitando aleatoriamente letras em quantidade suficiente para preencher todo o espaço do slide; 2. O aluno adotava como referência para a escrita o apoio verbal do professor. Esta fase tornava a escrita menos abstrata para o aluno, pois uma das maiores dificuldades encontradas pela criança na aprendizagem da escrita, segundo Vigotski (1987) é o fato de que ela é mais pensada que pronunciada; 3. O aluno passava a orientar a escrita com sua própria fala, dizendo cada sílaba antes de escrevêla; 4. Finalmente, em uma etapa posterior, o aluno escrevia sem necessidade de falar simultaneamente. 3686 VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X Na segunda e na terceira fase, a escrita funcionava como simbolismo de segunda ordem, por estar, ainda, dependente da linguagem oral. Somente na última fase a linguagem escrita se constituía como um simbolismo de primeira ordem, representando as ideias diretamente (1995). Ao longo do ano letivo, os alunos passaram a produzir escritas cada vez mais próximas do padrão alfabético e com mais autonomia. Foi observado, pelos professores e também pelos pais, que os alunos demonstraram mais interesse pela escrita, dedicando-se mais tempo às atividades no computador, conforme relatado por uma mãe em entrevista: Mãe de José: ele tenta, tenta, enquanto ele não consegue fazer uma coisa (na internet), ele não sossega. Pesquisadora: ele é assim em qualquer situação ou só no computador? Mãe de José: não, só no computador porque é uma coisa que eu acho que ele gosta muito. As outras coisas, se ele tentar e não conseguir, ele desiste e vai embora. (mãe de José, em 05/04/2013) Um dos professores participantes da pesquisa afirmou que “(o uso do computador) fez diferença porque a gente percebeu que muitos se arriscavam mais no computador. Eu não sei explicar por que, mas você via eles arriscando mais na escrita, na leitura” (professor João, em 13/03/2013). O fato de os professores terem participado ativamente em todas as fases da pesquisa favoreceu que o processo de alfabetização fosse visto e discutido no sentido de desenvolvimento e aprendizagem e não como disciplina escolar. Desta forma, foi possível construir, em conjunto, uma prática que contemplasse não somente o uso do computador, mas a estimulação da linguagem, a valorização da comunicação e do processo dialógico em si. Foi valorizado, também, o protagonismo do professor na elaboração de seu próprio método de alfabetização que, para ser adequado, precisa, igualmente, conferir aos alunos o protagonismo de seus próprios processos de aprendizagem. 4. DISCUSSÃO Vigotski (1997) afirma que o “desenvolvimento cultural” da criança reestrutura seu pensamento, modificando o curso de seu desenvolvimento biológico. Sendo assim, favorecer este processo torna-se fundamental para que seja possível ocorrer a compensação da deficiência. A linha de desenvolvimento natural da criança, se deixada seguir seu próprio curso, nunca se transformará na linha de desenvolvimento cultural, postula Vigotski. No caso de crianças com deficiência intelectual, observarmos que a prática pedagógica muitas vezes se afasta do contexto sociocultural quando apresenta propostas excessivamente simples e até mesmo infantilizadas. No caso da deficiência intelectual, no entanto, raramente são observadas medidas ou recursos de aproximação destes educandos à cultura. Para Vigotski (1997), seria preciso criar, para alunos com deficiência intelectual, algo similar ao Braille para os cegos, ou seja, “um sistema de atalhos do desenvolvimento cultural, onde os caminhos diretos se encontram bloqueados em consequência do defeito” (p. 188). Neste sentido, o interesse dos alunos pelo uso de computadores e a facilidade de utilização proporcionada pela 3687 VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X interatividade, podem favorecer o desenvolvimento de atividades de leitura e escrita, em um contexto de aprendizagem significativa. A linguagem escrita é composta somente de representações gráficas. Por faltar-lhe o som material, torna-se mais abstrata que a oral (VYGOTSKY, 1987). O fato de poder ser manipulada no ambiente digital favoreceu uma ação sobre a escrita em um plano mais concreto. Outra dificuldade, em relação à linguagem oral, é a falta de motivação. A criança aprende a falar motivada pelo diálogo. Na escrita, não há interlocutor. Na metodologia desenvolvida no presente estudo, buscou-se estabelecer, continuamente, interlocutores para a escrita. Este processo se dava nas atividades em que se elaborava uma apresentação para os colegas, uma mensagem de correio eletrônico (e-mail), um bilhete, ou até mesmo quando se digitava, no site de busca, uma palavra para pesquisar figuras para ilustrar uma produção. Os alunos percebiam que, se não escrevessem de acordo com o padrão, não atingiam seu objetivo, como se vê no seguinte exemplo: (a pesquisadora acessou um site de busca. Teresa posicionou os dedos no teclado, mas não digitou) Pesquisadora: você quer colocar figura de que? Teresa: Não sei. (digitou DFGH) [...] Teresa: (digitou CODUTADOEDOIR, dizendo “computador é bonito”. Olhou para a pesquisadora, decepcionada, porque não apareceu imagem alguma) Pesquisadora: mas qual é a figura que você está procurando? Teresa: de computador. Pesquisadora: então precisa digitar só “computador”. Teresa: (apagou as últimas letras, deixando só CODUTADO. Ainda não apareceu nenhuma figura. A aluna não esboçou reação). Pesquisadora: apareceu figura de computador aí? Teresa: não apareceu não. Pesquisadora: o que será que aconteceu? Teresa: não sei. Pesquisadora: vamos ver como se escreve computador? (e mostrou novamente o slide do software de apresentação). Teresa: não é assim não. Pesquisadora: então, como é? Teresa digitou COMDUTADO. A aluna sorriu ao ver as figuras de computador. A pesquisadora ajudou-a a ler a mensagem que surgiu logo abaixo: Apresentando resultados para COMPUTADOR. Teresa: “faltou o R no final!” (Diário de campo da pesquisadora, em 22/05/2012). A linguagem oral se constitui, portanto, como referência para o desenvolvimento da linguagem escrita, em seus estágios iniciais. As dificuldades de fala, apresentadas por muitos alunos com deficiência intelectual, justifica a importância do apoio verbal dado pelo professor, enfatizando os sons, quando necessário, para facilitar a percepção do aluno. Ressalta-se, neste processo, a importância da intencionalidade da prática pedagógica, planejada, mediada e continuamente avaliada pelo professor e pelos próprios alunos. 3688 VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X 5. CONCLUSÕES A inteligência humana se desenvolve na interação do sujeito com a cultura, que, por sua vez é um processo/produto dos grupos sociais. Esta afirmação é particularmente importante para a compreensão de parte das dificuldades destes sujeitos que, muitas vezes, vivem em situação de isolamento, deixando de ter acesso aos eventos sociais de sua comunidade e aos instrumentos culturais de aprendizagem utilizados pelas outras pessoas da mesma idade, sem deficiência. Aproximar os alunos com deficiência intelectual da cultura de seu tempo e dos instrumentos culturais de aprendizagem é um caminho necessário para o desenvolvimento da linguagem escrita. Somente neste contexto, é possível desenvolver instrumentos que possibilitem a compensação da deficiência, despertando o interesse e aumentando a motivação, favorecendo a associação de ideias, bem como os processos de abstração e generalização necessários para o processo de internalização da escrita. A utilização dos instrumentos culturais de aprendizagem, como o computador e a Internet, deve considerar as características destes educandos e suas necessidades educacionais especiais, valorizando a linguagem oral como referência em seus estágios iniciais. Ressalta-se, também, a importância da mediação do educador, provocando a reflexão sobre a escrita e criando situações onde esta se mostra contextualizada e funcional. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARVALHO, A. A. A. de. Promover a flexibilidade cognitiva em níveis avançados do conhecimento. In Revista da FACED. nº 06, 2002. ______. A teoria da flexibilidade cognitiva e o modelo múltiplas perspectivas. in LEÃO, M. B. C. (Org.) 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