Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer
Vizinhos do MAR:
lazer na perspectiva
de um programa
Introdução
de relacionamento
com a comunidade
local
Resumo
Este artigo analisa o programa desenvolvido pelo Museu de Arte do Rio, tendo
como perspectiva o discurso desse espaço cultural de lazer da cidade em
relação a um de seus públicos estratégicos: a comunidade local.
Palavras-chave: Lazer. Comunidade. Museu de Arte do Rio.
No Brasil, apesar de possuirmos um número bastante considerável de museus, dedicados a todas as especializações possíveis, ressentimo-nos da falta de frequência de público a eles, fazendo com que se tornem “apêndices
inúteis da burocracia estatal” (CUNHA, 1992, p. 73), um luxo desproporcional para um país sufocado por urgentes problemas sociais. Ignorados, os
museus, principalmente os museus oficiais, acabam passando por perene
crise financeira, resultado do desleixo e da falta de diálogo com a sociedade
(AMARAL, 2003, p. 9).
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Museus, enquanto espaços culturais públicos ou privados enfrentam um desafio:
como se tornar lugares de desejo de consumo de cultura, gerar um significado
para a sociedade e, consequentemente, atrair público. Afinal, eles são, tradicionalmente, repositórios de uma identidade cultural e, se não conseguirem
estabelecer um diálogo com o público, com a comunidade local, eles não se
legitimam como espaço de lazer que traga, de fato, um significado. Sem legitimidade, não há identificação com o museu, sem identificação, não há público.
Entendemos, portanto, que ambos – museu e público – são um conjunto que se
retroalimenta em uma teia de relações que dá sentido à existência desses espaços de memória. No entanto, o grande desafio é: como atrair público? O que
o público busca em um museu? Como se dá essa aproximação museu-público
e vice-versa?
Para isso, precisamos entender o conceito de públicos e que impactos estes têm
nas organizações. Vários autores da área das Relações Públicas nos ajudam
a entender como definir públicos e como eles se constituem em importantes
atores na rede de relacionamentos de organizações, no nosso caso, de museus.
Por exemplo, Simões (1995) entende público dentro de suas principais capacidades de influência, sendo classificado em quatro esferas:
1. Decisão: as pessoas possuem determinada capacidade de mobilização a ponto de serem influências na decisão em governos, economias, legislação e outros domínios do poder.
2. Opinião: abrange o público participante de importantes meios da formação de
ideias coletivas, como redes sociais, meios de comunicação de massa, organizações comunitárias etc.
3. Comportamento: expõe a habilidade deste público de interferir e influenciar
no comportamento e atitudes de profissionais de mercado, assim como funcionários de determinada organização, e até mesmo os clientes, que escolhem se
submeter ou não a uma forma de consumo.
4. Consulta: público normalmente consultado para questões de decisão, como:
acionistas, investidores, membros de uma alta direção etc.
De forma similar, embora categorizando de outra forma, Candido Teobaldo de
Souza Andrade (1980) comenta que não existe apenas um único tipo de público,
mas uma pluralidade de públicos muito diferentes uns dos outros. Portanto,
deve-se falar com cada público de forma única, com uma linguagem específica
para que este possa compreender o que se deseja comunicar.
O público constitui fator primordial e essência, pois é o elemento onde elas atuam [...] o termo “público” não é empregado como sendo todo o público de uma
comunidade, mas apenas aquele setor da mesma que mais de perto interesse
ao empreendimento e para o qual as suas mensagens são dirigidas (CHILDS
apud ANDRADE,1980, p. 23).
Quanto à classificação dos públicos, o conceito sociológico e tradicional estabelecido por Andrade (1980) define três tipos:
• Interno: formado por aqueles que atuam no âmbito da empresa. Exemplos; funcionários e, por extensão, seus familiares.
• Externo: formado por quem não atua no âmbito da empresa, mas tem
algum tipo de ligação com ela. Exemplos; escolas, imprensa, comunidade,
poder público, concorrentes.
• Misto: formados por aqueles que não atuam no âmbito da empresa, mas
têm vínculos fortes com ela.
Já para França (2009), há uma incoerência na ideia de classificação tradicional
dos públicos, pois a classificação está incompleta e fundamentada em uma
visão chamada “geográfica” e nas estruturas empresariais centralizadas e de
menor complexidade nos seus relacionamentos. Portanto, ele se propõe a encontrar uma definição de caráter universal, lógico e que se aplique aos diferentes públicos da organização a fim de definir o tipo e as demais interfaces da
relação. Após a obtenção desses dados da relação empresa-públicos, França
constrói diversos modelos indicativos de relacionamentos, completos ou não,
de acordo com o objetivo do pesquisador.
Por sua vez, Cesca se remete a Andrade ao definir que público é:
O agrupamento espontâneo de pessoas adultas e/ou grupos sociais, organizados, com ou sem contiguidade física, com abundância de informações, anali­
sando uma controvérsia com atitudes e opiniões múltiplas quanto à solução ou
medidas a ser tomadas frente a ela; com ampla oportunidade de discussão e
acompanhando ou participando de debate geral, através da interação pessoal
ou dos veículos de comunicação, à procura de uma atitude comum, expressa
em uma decisão ou opinião coletiva que permitirá a ação conjugada (CESCA,
2012, p. 28).
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Para Cesca (2012), para a formação do público faz-se necessário uma controvérsia, pessoas ou grupos organizados de pessoas, abundância de informações
e oportunidade para discussão, predomínio da crítica e da reflexão, atividade
comum para chegar a uma opinião coletiva. Tem-se necessidade de, portanto,
identificar os públicos, conhecê-los, para que, ao lidar com eles, as organizações sejam bem-sucedidas nesse relacionamento.
Diante do já comentado sobre os vários públicos e a definição de que se trata
de um grupo de pessoas que enfrentam questões similares e reconhecem a
existência de um problema e se organizam para fazer algo a respeito, Waldyr
Gutierrez Fortes (2003) apresenta a definição de Ehling Dozier:
Se não há assunto comum para conectar pessoas, tais pessoas não formam um
público (são não públicos). Quando pessoas enfrentam um tema comum, mas
falham em reconhecê-lo, são um público latente, um problema potencial de Relações Públicas que pode vir a acontecer. E, uma vez que identificam e têm uma
questão comum, elas se tornam público informado. Quando se organizam para
fazer algo a respeito de um assunto, se tornam públicos ativos (FORTES, 2003,
p. 25).
Considerando que “as políticas museológicas devem contemplar os diferentes sujeitos históricos, deixando de relegar os museus a monumentos reiteradores de
uma exaurida memória oficial, contrapondo diversas experiências históricas e
apontando para um diálogo com um público cada vez mais amplo” (AMARAL,
2003, p. 4), torna-se fundamental o conceito de público e como este deve ser
tratado como um importante ator social na rede de relacionamento de espaços
culturais, tendo como premissa de que estes espaços são, também, locus de
lazer, de entretenimento.
Pensando em como o público deve ser considerado pelos espaços culturais como
um articulador importante para a existência desses espaços de lazer, optamos
por analisar o programa Vizinhos do MAR como parte de uma estratégia para
gerar um diálogo entre o Museu de Arte do Rio e “estimular a participação e o
envolvimento da comunidade do entorno nas ações e atividades realizadas no
MAR, fortalecendo as relações entre museu e sociedade”.
Para Andrade, a comunidade é um dos públicos das organizações. De acordo
com o autor, comunidade se define por “um grupo de pessoas que, vivendo
em uma mesma região, tem por característica essencial uma forte coesão”
(ANDRADE, 1980, p. 152) para a qual as organizações podem desenvolver alguns princípios, tais como conhecer a comunidade por meio de pesquisa e outros meios e utilizar todos os meios, com ênfase nas visitas e eventos especiais
ligados à empresa (ANDRADE, 1980, p. 158), como “política de portas abertas”.
Objetivos
“Se a vocação do museu é o diálogo e ele pode vir a se tornar uma instituição atuante socialmente, desde que assuma essa sua vocação” (AMARAL, 2003, p. 5), o
artigo busca discutir como um espaço cultural, inaugurado na cidade do Rio de
Janeiro em março de 2013, poderia, por meio de um programa de relacionamento, aproximar-se de um público estratégico (a comunidade) e criar um discurso
institucional que o posicione também como um destino cultural de lazer que
inclui uma parcela da sociedade para o qual o museu pode não ser uma opção
de entretenimento. Ao criar uma interlocução com a comunidade local, o MAR
“desenvolve ações culturais em seu entorno e dá livre acesso aos vizinhos às
exposições e aos programas da Escola da Olhar”.1 Essa perspectiva do discurso
institucional desse espaço cultural e o conceito de públicos são interessantes
quando se pensa que estamos nos referindo a um local que, a princípio, é distante da realidade dessa parcela da população.
Procedimentos metodológicos
Com o objetivo de analisar uma prática social do Museu de Arte do Rio em relação à comunidade onde o espaço está inserido, procuramos utilizar, como
método de pesquisa, a análise do discurso e fontes secundárias de informação, como o jornal O Globo, principalmente com matérias pautadas um pouco
antes e depois da inauguração do museu. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica que articulasse conceitos de públicos e de lazer, textos que
analisassem o papel dos museus na contemporaneidade e um documento –
a Declaração da Cidade de Salvador (ENCONTRO IBERO-AMERICANO DE
MUSEUS, 2007), uma espécie de carta de princípios sobre a atuação dos museus ibero-americanos.
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Fundamentação teórica
Em relação ao conceito “lazer”, Janotti Junior (2009) nos ajuda a compreender
o papel do lazer na sociedade. Ao destacar que “um dos sentidos atrelados
à ideia de entretenimento é ter e entre, ou seja, parte das ideias de diversão,
recreação, distração, está vinculada ao fato de que o entretenimento é contraponto ao trabalho” (JANOTTI JUNIOR, 2009, p. 205), desenvolver um programa que oferece uma outra forma de “olhar” para o entretenimento, em
um lugar de fácil acesso, próximo a residência, ou seja, sem necessidade de
deslocamento pode, ao mesmo tempo que aproxima a comunidade do MAR,
tornar o espaço “uma experiência estética, um efeito de presença, inesperado
e momentâneo, que possibilita um alargamento sensível de nossa percepção
de mundo” (JANOTTI JUNIOR, 2009, p. 214), ou seja, para Janotti, essa experiência cria um aprendizado posterior que possibilitará aos fruidores ampliar
sua experiência sensível diante do mundo. Esse novo “olhar” para o mundo
dar-se-ia, no caso do MAR, por meio de um programa em que o morador local
tenha a experiência de “construir um espaço cultural que converse com as
expectativas da cidade”.2
Momento que demarca pequenas interrupções das atividades do dia a dia, o
entretenimento se contrapõe ao trabalho e, portanto, “as significações de passagem de tempo e ocupação de tempo de maneira agradável estão associadas à ruptura com hábitos cotidianos” (JANOTTI JUNIOR, 2009, p. 206). São
esses momentos de divertimento, de distração, de desconexão com a rotina
que fazem com que um produto cultural seja atraente como objeto de consumo. Compreendemos neste artigo que o MAR, a exemplo de outros espaços
culturais, pode ser um interessante objeto de consumo despertado por uma
política de portas abertas que busca a aproximação com a comunidade e o
desenvolvimento de um programa de relacionamento que resulte em uma
percepção de lazer a princípio não tão óbvia por ser distante da realidade do
entorno do museu.
A fim de se entender como o estudo dos públicos é fundamental para se estabelecer um programa de relacionamento, optamos por utilizar autores ligados à
área de Relações Públicas, tais como Cândido Teobaldo, Cesca Cleuza, Waldyr
Guttierrez, Fabio França e Roberto Porto Simões, analisar o discurso que saiu
na mídia impressa e comparar com o discurso em torno do programa Vizinhos
do MAR. Interessa-nos entender como termos aparentemente tão distantes se
encaixam sob a perspectiva da oferta de lazer como um direito social.
Resultados e discussões
Analisando-se matérias do jornal O Globo entre julho de 2012 e março de 2013,
identificamos que títulos e cobertura apontam para um espaço cultural inédito
na cidade do Rio de Janeiro. Em “O MAR e o Porto” (TARDÁGUILA, 2012) era
retratado como esse espaço é uma “das peças mais ousadas da revitalização
cultural da Zona Portuária do Rio”, uma “evidência da retomada cultural da região” e “referência em arte e educação”.
Quase um ano mais tarde, a matéria “Mar, um presente no aniversário da cidade” (COSTA, 2013a) resume o passo a passo da transformação de dois prédios praticamente abandonados em um espaço privado de lazer que aliaria
o museu a uma “Escola do Olhar”, um projeto educacional voltado para professores e alunos e comunidade local. Como parte das comemorações pela
abertura do museu, no dia 3 de março de 2013, a visitação ficou restrita a
vizinhos do MAR (bairros Saúde, Santo Cristo e Gamboa) e funcionários que
trabalhavam na obra, isto é, uma atividade de “portas abertas” que apresentava o espaço de uma forma dirigida para comunidade local e funcionários.
No mesmo dia, na coluna Gente Boa (3/3/13, p. 5), “artistas participam da
abertura do MAR e falam de um novo marco para a história da cidade”. Para
Silvia Cintra, o espaço “é o melhor presente que a cidade podia ganhar. Engloba educação, inovação e arte boa”, ou seja, um espaço de lazer, privado (a
um custo de R$ 8).
Em razão de suas “funções educativa e formativa” (ENCONTRO IBERO-AMERICANO DE MUSEUS, 2007, p. 2), o MAR, assim como os demais museus iberoamericanos, deve conhecer os públicos desses espaços, facilitar o diálogo e a
circulação de informação, o que exige a adoção de programas de aproximação
com diferentes perfis de públicos, dentre os quais a comunidade local. Para
Valente, Cazelli e Alves (2005, p. 183), a nova forma de pensar os museus valoriza
os processos comunicacionais, tendo esses se tornado “o centro da discussão
da cultura dos museus, especialmente por redimensionar o aspecto educacioSesc | Serviço Social do Comércio
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nal das práticas sociais” (VALENTE; CAZELLI; ALVES, 2005, p. 184), o que exige
formas de negociação com o público:
Em outras palavras, nos museus a comunicação ganha novos contornos a partir
da expansão de seu papel educativo, reflexo das atuais demandas educacionais
da sociedade. Nas práticas desenvolvidas nesses espaços, os visitantes exercem um papel essencial, pois são para eles que tais práticas se destinam. Apesar da aparente obviedade desta afirmação, ela revela toda a sua complexidade
quando o tema da comunicação é abordado plenamente pelos museus. Isso
porque o público dos museus não inclui somente os visitantes reais, mas também os possíveis visitantes e outros tipos de usuários dos produtos ali elaborados (professores, consultores etc.) (VALENTE; CAZELLI; ALVES, 2005, p. 197).
Tomando como perspectiva a realidade da comunidade do entorno do Museu de
Arte do Rio, o programa de relacionamento Vizinhos do MAR parece ter sido
planejado com o objetivo de oferecer “oportunidade de compartilhamento e participação” (VALENTE; CAZELLI; ALVES, 2005, p. 198), um recurso de mediação
que parece ter como objetivo quebrar a barreira de um espaço cultural de lazer
geralmente elitista.
Considerações finais
Um museu com o nome da cidade – Museu de Arte do Rio – pode criar, a princípio, uma curiosidade e eventual aproximação natural com a população local.
Afinal, o “MAR é uma aula de carioquice por todos os cantos do novo museu”
(O Globo, 3/3/2013, Rio). No entanto, para uma comunidade não habituada a
esse espaço de lazer, o espaço, mais do que identificação, pode gerar um locus
de estranhamento. Nesse sentido, um programa de relacionamento com esse
público cumpre um duplo objetivo: alinhamento com as políticas museológicas
atuais e uma política de bom relacionamento com um público tão próximo, ao
mesmo tempo distante dessa opção de lazer.
Mais do que um discurso e uma prática social pautada por uma política de “gabinete”, o que se deve estabelecer é uma política institucional “real” que atenda às
demandas e expectativas da comunidade. Se é fato que novas políticas visam à
modernização das práticas museológicas, como em qualquer outra instituição,
quando nos referimos aos públicos, precisamos ter em mente que os processos comunicacionais se tornam efetivos, pertinentes e significativos quando os
públicos são atores realmente valorizados pela instituição. E isso não deve ser
diferente nos museus, espaços que precisam se adequar a novas formas de se
relacionar com seus públicos, principalmente com a comunidade local. Espaços de lazer geralmente elitistas precisam também da aceitação e bom relacionamento com a comunidade para que se legitimem como espaços de memória,
de identidade de uma cidade ou de uma nação. O sentimento de pertencimento
só ocorre quando temos o compartilhamento, uma política de “portas abertas”
e de integração museu e públicos diversos.
Notas
1 Ver http://www.museudeartedorio.org.br/pt-br/envolva-se/vizinhos-do-mar. Acesso em 27 de agosto de 2013. Para o
Museu de Arte do Rio, o entorno engloba bairros situados na região portuária do Rio de Janeiro.
2 Ver http://www.museudeartedorio.org.br/pt-br/envolva-se/vizinhos-do-mar.
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http://museudeartedorio.org.br/pt-br/evento/formacao-com-professores-para-entrar-namodernidade.
http://www.museudeartedorio.org.br/pt-br/evento/curso-de-historia-da-arte-vontadeconstrutiva-0.
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