ANO 4 - NO 20 MARÇO - 2005 PÁGINA 1 Aprendendo a errar Feitio de Oração Quem acha vive se perdendo Por isso agora eu vou me defendendo Da dor tão cruel desta saudade Que, por infelicidade, meu pobre peito invade Batuque é um privilégio Ninguém aprende samba no colégio Sambar é chorar de alegria É sorrir de nostalgia dentro da melodia ... Noel Rosa 1. Introdução Vários colegas, pessoalmente ou por email, de vez em quando nos perguntam por que não temos, no livro, um capítulo sobre medidas, erros, algarismos significativos etc. e tal. A resposta é simples, e muito parecida com o que disse o saudoso Noel Rosa: achamos que ninguém aprende isso numa aula ... teórica! Além de maçante, uma aula teórica sobre medidas e erros provavelmente levará os alunos a memorizarem uma série de regras sem sentido para eles, e que podem de modo muito mais agradável e eficiente serem estabelecidas por eles próprios, a partir de atividades experimentais simples, que requerem muito pouco material e que podem ser realizadas na própria sala de aula. A seguir, sugerimos uma delas, que temos utilizado com muito sucesso na primeira aula do curso. Outras sugestões serão apresentadas nos próximos números do Folhetim. 2. Aprendendo a errar com o pêndulo simples Receba os alunos com um pêndulo pendurado no alisar superior da porta da sala de aula (um barbante de cerca de 1,4m de comprimento, com uma pedra pendurada no ponta, é o suficiente). Eles vão ter que se desviar do pêndulo para entrar, e isso já vai criar um clima de curiosidade pela atividade que vai ser realizada. Muitos alunos possuem relógios que funcionam como cronômetros, e medem intervalos de tempo com sensibilidade de centésimos de segundo. Explique a eles o que é uma oscilação e peça que todos meçam o tempo - período T - correspondente a uma delas (a sugestão é que você não use uma grande amplitude. Mais adiante o motivo ficará claro). Monte uma tabela no quadro, e anote alguns (ou todos, dependendo do número) dos valores encontrados. A análise dessa primeira tabela já permitirá uma série de conclusões importantes. Ao lado, valores típicos que seus alunos devem ter encontrado. A seguir, apresentamos algumas sugestões de perguntas para a tur- ANO 4 - NO 20 MARÇO - 2005 PÁGINA 2 ma responder, e teremos dado o primeiro passo no sentido de elaborar uma “teoria” sobre medidas e erros (as respostas serão muito mais ricas do que podemos imaginar num primeiro momento ...): a. Por que motivo(s) as medidas já divergem na ordem de décimos, se os cronômetros possuem sensibilidade até centésimos? (hora de falar sobre o tempo de reação). O que aconteceu com a medida de Maria? (hora de falar sobre os tipos de erros - grosseiros, sistemáticos, acidentais -; provavelmente temos aqui um erro do tipo grosseiro; seria bom que ela repetisse a medida)(1). b. Teria algum sentido utilizar o algarismo dos centésimos, se já há dúvidas no anterior, que vale dez vezes mais? (hora de falar sobre algarismos significativos). Como escrever cada medida, abandonando os centésimos? (hora de falar sobre arredondamento). c. Preenchida a segunda coluna da tabela com os valores arredondados do período (com a medida de Maria já corrigida), a questão que se coloca é: qual dos valores devemos escolher como o “valor exato” do período? (hora de discutir se faz sentido falar em valor exato de algo que se mede; hora de apresentar o conceito de valor mais provável). d. Definida a média aritmética como o valor mais provável (Vmp, para o que se segue) - e isso quase certamente surgirá como uma solução consensual - pode-se questionar com quantos algarismos ela deve ser escrita. No nosso exemplo, a média nos dará M = 2,4166666...s. Hora de retomar a discussão dos algarismos significativos, e chegar a Vmp = 2,4s. e. Dependendo do tempo disponível, interesse e nível da turma, pode-se discutir agora o formalismo de se escrever o resultado (M) de uma série de medidas na forma M = Vmp ± δ, onde δ é o desvio, significando essa notação que o valor procurado se encontra, com grande probabilidade, dentro da faixa Vmp − δ, Vmp + δ. Pessoalmente, eu ficaria neste momento com o valor do desvio estimado pela própria turma, após uma análise das possíveis causas de incerteza. 3. Aprimorando as medidas Sugira agora que se meça não o tempo de uma oscilação, mas de 10 delas (cuidado: a tendência é começar a contar “um” quando se larga o pêndulo, e aí estaremos medindo apenas nove!). Anote no quadro os valores medidos, e mais um passo pode ser dado: a. O que a divisão por dez do valor medido estaria medindo? (aqui quase sempre surge o questionamento daquele aluno mais perspicaz: durante as dez oscilações, a amplitude foi diminuindo, de modo que cada uma das dez tem um período diferente! Hora de argumentar que, como descobriu Galileu, o período é constante, desde que as amplitudes não sejam grandes(2)). b. A análise da nova série de medidas mostra que, por uma alteração do método de medida, ANO 4 - NO 20 MARÇO - 2005 PÁGINA 3 “ganhamos” um significativo. Nossas medidas são agora “dez vezes melhores” que as anteriores. Será que os alunos serão capazes de perceber que “diluímos por dez” o erro cometido ao ligar e desligar o cronômetro? 4. Levantamento experimental de uma lei Física. Traçado de gráficos Hora de analisar a dependência do período (T) com o comprimento (L). Antes de partir para as medidas, não deixe de sondar a expectativa dos alunos: se para um comprimento de 1,4m, o período encontrado foi de 2,37s - ou perto disso - o que eles esperariam para um comprimento de 70cm?? Provavelmente eles raciocinarão com uma proporção direta: metade do comprimento, metade do período. Verifique essa previsão (errada!) deles, e comente que tudo na natureza se resolve com uma regra de três. Ainda bem! Hora de preencher a tabela ao lado. Depois de tudo que foi dito até aqui, seria de bom tom fazer cerca de cinco medidas de T para cada valor de L, e obter o valor mais provável. Construa com os alunos (e que cada um construa o seu, pois isso só se aprende fazendo) o gráfico T versus L, aproveitando para dar todas aquelas dicas sobre construção de gráficos: escolha conveniente das escalas; lançamento dos pontos (na realidade, retângulos, se considerarmos os desvios); unir os pontos, não por segmentos de reta, mas sim por uma curva suave que mais se adapte aos pontos experimentais (sem, é claro, deixar de questionar o porquê desse procedimento). E outras coisas que forem surgindo, porque nesse tipo de trabalho, o céu é o limite! 5. Considerações finais Muitas e muitas outras coisas podem ser exploradas com esse pedaço de barbante e essa pedra. Alguns exemplos e sugestões, e certamente você terá outras: a. Como descobrir se a massa influi no período? Se influi, de que modo? b. Apresente a expressão teórica que fornece o período do pêndulo ( , explicando o que significa cada termo e que ela pode ser obtida a partir de leis fundamentais da Mecânica que eles estudarão); peça aos alunos para lançar esses valores no mesmo par de eixos onde traçaram o gráfico dos valores experimentais, e eles acabam de aprender uma coisa muito útil para validar uma teoria (veja, neste mesmo Folhetim, o artigo sobre a radiação do corpo negro). na abscissa, versus T na ordenada. Fale sobre c. Ensine-os a linearizar um gráfico: lance coeficiente angular ... Aproveite para determinar o valor de g. ANO 4 - NO 20 MARÇO - 2005 PÁGINA 4 d. Extrapole, nos dois gráficos (o T x L e o T x ), para um valor de L bem grande (da ordem de alguns metros). Faça-os ler no gráfico o valor esperado do período - eles perceberão claramente em qual deles isso é mais fácil -, e faça a experiência no pátio da escola! Para aqueles que freqüentam a Igreja, proponha o inverso: medir o período de um daqueles candelabros presos lá em cima no teto, e pelo gráfico determinar o comprimento da corrente (se o Padre deixar, sugira que eles meçam o comprimento para confirmar a previsão!) Notas (1) Onde estará(ão) a(s) causa(s) da incerteza na medida do comprimento do pêndulo? De que ordem ela pode ser estimada? (2) Aproveite para propor, ao final, que um grupo de alunos se encarregue de analisar experimentalmente a dependência do período com a amplitude, efetuando as medidas necessárias e construindo o gráfico amplitude versus período, para um dado comprimento. A tabela ao lado sugere alguns valores para serem utilizados. Com um pouco de cuidado nas medidas, talvez dê para estimar até que valor da amplitude pode-se admitir o período invariável. Luiz Alberto Guimarães