UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS
DEPARTAMENTO DE DIREITO
LUIS JOACY BARRETO DE MATOS
ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEGISLAÇÃO
QUESTIONADA PELA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.616
São Cristóvão - SE
2011
LUIS JOACY BARRETO DE MATOS
ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEGISLAÇÃO
QUESTIONADA PELA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.616
Monografia apresentada ao Departamento de
Direito da Universidade Federal de Sergipe
como requisito parcial para obtenção do título
de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Lucas Gonçalves da
Silva.
Aracaju - SE
2011
LUIS JOACY BARRETO DE MATOS
ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEGISLAÇÃO
QUESTIONADA PELA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.616
Monografia apresentada ao Departamento de
Direito da Universidade Federal de Sergipe
como requisito parcial para obtenção do título
de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Lucas Gonçalves da
Silva.
Aprovada em 21 de dezembro de 2011.
Banca Examinadora:
___________________________________________________________
Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva (UFS) - Orientador
___________________________________________________________
Profª. Drª. Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva (UFS)
__________________________________________________________
Vilma Leite Machado Amorim – Procuradora do Trabalho da 20ª Região
(membro externo)
Dedico aos meus pais, Belaura Barreto de
Matos e Mozart Filgueiras de Matos, que me
trouxeram à existência, e aos meus avós paternos,
Alzira Filgueiras de Matos e Benigno Dantas de
Matos, que me criaram e se empenharam em
proporcionar todos os meios ao seu alcance para o meu
desenvolvimento intelectual.
AGRADECIMENTOS
Agradeço sinceramente ao meu Orientador, por acreditar em mim e por sua paciência
para comigo, um orientando intelectualmente pouco disciplinado.
Agradeço especialmente ao meu ex-professor de Direito Constitucional, Carlos
Augusto Ayres de Freitas Britto, atualmente Ministro do Supremo Tribunal Federal, por ter
enxergado em mim talento para o Direito, o que certamente contribuiu para que eu, uma
pessoa de hábitos pouco disciplinados, chegasse ao final deste curso de graduação.
Agradeço a ele, sobretudo, pelas suas magníficas aulas, permeadas por sua visão
holística e humanitária do Direito e da vida, que tem marcado o seu labor profissional na mais
alta Corte do Poder Judiciário brasileiro, dando sua contribuição para concretizar o Estado de
Direito Democrático no Brasil, de que é exemplo o seu magnífico voto estendendo às uniões
estáveis homoafetivas os mesmos direitos reconhecidos às uniões estáveis heteroafetivas,
acompanhado por todos os seus pares, numa decisão unânime e histórica, um marco no
âmbito dos Direitos Humanos em nosso País, que o coloca num patamar mais elevado no
concerto das Nações. Nunca me esqueci, aliás, de uma frase por ele proferida numa de suas
aulas, no segundo semestre letivo do ano 2000, que se revelou profética: “a Constituição
Federal de 1988 é uma bomba democrática de efeito retardado”.
Agradeço também aos professores Andréa Depieri de Albuquerque Reginato, que
ministrou a disciplina Introdução ao Estudo do Direito, e Maurício Gentil Monteiro, que
ministrou as disciplinas Fundamentos Históricos do Direito Brasileiro e Sociologia Jurídica,
importantes para a formação de uma visão crítica daqueles que se iniciam no estudo do
Direito.
Agradeço, ainda, a Silvânio de Andrade, meu maior amigo e notável acadêmico da
área de Educação Matemática deste País, pelo seu incentivo e apoio para que eu concluísse
este Curso de Graduação em Direito.
MATOS, Luis Joacy Barreto de. Análise de constitucionalidade da legislação questionada
pela Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4.616. UFS. São Cristóvão, 2011.
RESUMO
Este trabalho objetiva, precipuamente, fazer uma análise de constitucionalidade dos
dispositivos legais da legislação mediante a qual foi reestruturada a Carreira de Auditoria da
Receita Federal do Brasil, objeto de questionamento pela Procuradoria Geral da República na
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 4.616, em tramitação no Supremo Tribunal
Federal (STF). A escolha desse tema deve-se à sua importância para toda a Administração
Pública e os seus servidores. Adotou-se como metodologia o estudo de um caso “teórico”, que
consiste na questão de se saber se é constitucionalmente viável reestruturações de carreiras
que impliquem, simultaneamente, em alteração de nomenclatura de cargo, atualização de suas
atribuições e elevação de grau de escolaridade para investiduras futuras. Far-se-á o
desenvolvimento de uma explanação, a partir da discussão de conceitos que serão utilizados
como ferramentas de uma análise cruzada de caso, mediante cotejamento com casos similares
que foram objeto de outras ADIns, já julgadas. Primeiramente far-se-á uma breve discussão
sobre Hermenêutica e controle de constitucionalidade, um panorama sobre a evolução deste
no mundo ocidental e no Brasil, com foco no controle abstrato e, mais particularmente, na
ADIn. Em seguida, far-se-á uma discussão sobre a organização da Administração Pública,
com foco nos conceitos de cargo público, carreira e provimento de cargo, tanto sob a ótica
doutrinária como positivada. Finalmente, far-se-á a análise de constitucionalidade dos
dispositivos legais questionados na ADIn 4.616, trazendo à colação os argumentos em favor e
contra a tese da alegada inconstitucionalidade e o entendimento da Corte Constitucional a
respeito da matéria nela tratada, expresso na sua jurisprudência, especificamente na Súmula nº
685, assim como nos julgados das ADIns 1.591/RS, 2.713/DF e 2.335/SC, nas quais o STF
enfrentou questões semelhantes, manifestando-se pela constitucionalidade. Também será
analisada a recente ADIn 3.857/CE, em que o STF se manifestou pela inconstitucionalidade
da reestruturação da carreira do fisco do Estado do Ceará. A nossa análise dessa
jurisprudência objetiva demonstrar a improcedência da alegação de inconstitucionalidade dos
dispositivos legais atacados pela Procuradoria-Geral da República no caso concreto.
Palavras-chave:
Direito
Constitucional.
Direito
Constitucionalidade. Provimento de cargo público.
Administrativo.
Controle
de
MATOS, Luis Joacy Barreto de. Analysis of the constitutionality of the legislation
challenged by the Direct Action of Unconstitutionality n. 4616. UFS: São Cristóvão, 2011.
ABSTRACT
This paper aims, in essence, to analyze the constitutionality of the legal provisions of the
legislation which restructured the Federal Revenue Tax Auditing Career in Brazil, subjected
to investigation by the Attorney General's Office in the Direct Action of Unconstitutionality
(ADIn) number 4616, which is currently in progress in the Supreme Federal Court. This
theme was chosen due to its importance for both the public administration and the civil
servants at the federal, state and municipal levels. The adopted methodology was the study of
a "theoretical" case, which bears the question of knowing the constitutional viability of
restructuring careers that involve, simultaneously, change in job classification, further duties
and a higher level of education for future endowments. There will be the development of an
explanation, from the discussion of concepts that will be used as tools in a cross-case analysis,
by mutual comparison with similar cases that were subject to other ADIns already tried and
sentenced. First there will be a brief discussion of Hermeneutics and Constitutionality
Control, an overview of its evolution in the western world and in Brazil, focusing on abstract
control and, more particularly, on the ADIn. Then there will be a discussion about the
organization of the Public Administration, focusing on the concepts of public office, career
and job provision, both from the doctrinal and positive perspectives. Finally, there will be an
analysis of the constitutionality of legal provisions questioned by the ADIn 4616, bringing to
the fore the arguments for and against the thesis of the alleged unconstitutionality and the
understanding of the Constitutional Court on its matter, expressed in its jurisprudence,
specifically in Precedent No. 685, as well as in the case records of ADINs 1.591/RS, and
2.713/DF 2.335/SC, in which the Supreme Court faced similar issues, voting for the
constitutionality. It also will be analyzed the recent ADIn 3.857/CE in which the Supreme
Court expressed itself for the unconstitutionality of the restructuring of the tax auditing career
of the State of Ceará. Our analysis of this jurisprudence aims to demonstrate the
unfoundedness of the allegation of unconstitutionality of the legal provisions attacked by the
Attorney General's Office in the concrete case.
Keywords: Constitutional Law. Administrative Law. Constitutionality Control. Provision for
public office.
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO, 8
2.
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, 12
3.
2.1
Controle concentrado de constitucionalidade, 21
2.2
Ação direta de inconstitucionalidade, 30
ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 44
3.1
Conceito de cargo público e de carreira, 53
3.2
Disposições constitucionais e entendimentos doutrinários e jurisprudenciais
quanto à investidura em cargo público efetivo, 59
3.3
A Carreira de Auditoria e a reestruturação da Secretaria da Receita Federal do
Brasil, 79
4.
A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 4.616, 82
4.1
Fundamentos da alegação de inconstitucionalidade de dispositivos legais da
reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, 84
4.2
Argumentos da Advocacia-Geral da União em favor da constitucionalidade da
reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, 108
4.3
Decisões do Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade de legislações
de reestruturação de carreiras questionadas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs.
1.591/RS, 2.713/DF e 2.335/SC, 114
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS, 120
6.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 126
8
1. INTRODUÇÃO
Neste trabalho se objetiva fazer uma análise da constitucionalidade dos dispositivos
legais
questionados
pelo
Procurador-Geral
da
República
na
Ação
Direta
de
Inconstitucionalidade (ADIn) nº 4.616, concernentes à reestruturação da Carreira de Auditoria
da Secretaria da Receita Federal do Brasil, mais particularmente das alterações
implementadas nos cargos de Técnico do Tesouro Nacional e Técnico da Receita Federal.
Tal tema foi escolhido em função da grande relevância das reestruturações de carreiras
para a Administração Pública do Brasil e os seus servidores no momento contemporâneo, que
faz ressair a importância de que se reveste o julgamento da citada ADIn, pois diversos
aspectos envolvendo essa questão certamente serão objeto de apreciação e de aprofundadas
discussões na Suprema Corte brasileira, inclusive com a participação de segmentos da
sociedade organizada que foram admitidos ao feito na qualidade de “amicus curiae”, tendo
sido admitidas três entidades como tais. Daí se espera que surja uma decisão balizadora para a
Administração Pública, que dissipe ambiguidades e estabeleça conceitos com clareza.
Com o advento do Estado Social e a revolução tecnológica que se processou em todo o
mundo a partir da segunda metade do século XX, notadamente no último quarto daquele
século, cresceram as demandas sociais por serviços públicos, pois a figura do Estado adquiriu
mais proeminência nesse novo contexto econômico, social, tecnológico e político.
Assim, o ritmo das transformações sociais se intensificou como jamais ocorreu na
história conhecida da humanidade. Tais mutações sociais, com suas vertentes econômicas,
tecnológicas, sociológicas e políticas, necessariamente condicionaram o Direito, exigindo que
ele refletisse as demandas da sociedade, que reclama permanentemente por serviços cada vez
mais abrangentes e qualificados da máquina que ela própria, sociedade, custeia.
Deste modo, assume grande relevo a discussão acerca da instrumentalidade e
funcionalidade da máquina pública, pois esta precisa de práticas eficientes e meios eficazes, a
fim de atingir a efetividade tão desejada e exigida, da qual tanto necessita a sociedade, que,
afirmamos uma vez mais, custeia essa máquina e merece como contrapartida nada menos que
serviços que correspondam ao esforço coletivo para a implantação de tal máquina e sua
manutenção.
Neste trabalho, tratar-se-á da análise de constitucionalidade de toda a legislação
envolvida no processo de reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita
Federal do Brasil, a partir da arguição de inconstitucionalidade da Procuradoria-Geral da
9
República de determinados dispositivos dessa legislação e dos fundamentos de sua
argumentação, da manifestação da Advocacia-Geral da União e dos seus argumentos a esse
respeito e, finalmente, da jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que já
se debruça sobre o caso em tela.
Assim, a questão que se propõe aqui levantar e discutir com o intuito de encontrar-se
uma resposta razoável e plausível pode se consubstanciar na seguinte pergunta: podem estar
conformes à Constituição Federal reestruturações de carreiras da Administração Pública
mediante transformação de cargos públicos efetivos, envolvendo extinção de cargos
existentes, criação de cargos novos correlatos, alteração de nomenclatura, atualização de
atribuições e, inclusive, elevação do grau de escolaridade exigido para investidura nos cargos
assim transformados?
Para levar a termo tal intento, adotou-se o instrumento metodológico que consiste no
desenvolvimento de uma explanação baseada em análise cruzada de um caso “teórico”, tal
qual definido por Yin (2005, p. 151), a partir dos dados obtidos de decisões já prolatadas em
sede de controle concentrado de constitucionalidade em relação à matéria objeto deste estudo.
O caso “teórico” aqui se expressa precisamente na pergunta anteriormente formulada,
que conduzirá a investigação em busca de ao menos uma resposta minimamente consistente.
O trabalho está dividido em três capítulos, sendo os dois primeiros destinados à discussão de
conceitos afetos ao questionamento formulado na ADIn 4.616, com o objetivo de fornecer as
ferramentas de trabalho para utilização no terceiro capítulo, em cujo âmbito se fará a análise
do tema de forma mais aprofundada.
Assim, no primeiro capítulo será feita uma discussão sobre a questão da interpretação
da norma jurídica, particularmente da norma de matriz constitucional. Inicialmente, far-se-á
uma discussão sobre Hermenêutica de um modo geral, com ênfase na Hermenêutica Jurídica.
Segue-se a isso a discussão do controle de constitucionalidade e, mais especificamente, sobre
controle concentrado de constitucionalidade, fazendo-se também uma pequena incursão pela
história do controle de constitucionalidade em alguns países ocidentais e no Brasil.
Finalmente, aborda-se mais detalhadamente o instrumento de controle abstrato de
constitucionalidade que interessa a este trabalho, a ação direta de inconstitucionalidade.
No segundo capítulo, aborda-se a organização da Administração Pública, com ênfase
na discussão dos conceitos mais pertinentes ao presente trabalho, quais sejam cargo público,
carreira e provimento de cargo público. No âmbito da discussão desses conceitos, aqui
10
também já se inicia a análise de constitucionalidade que se aprofundará no terceiro capítulo.
Finaliza-se este capítulo com o relato da história da Carreira de Auditoria da Secretaria da
Receita Federal do Brasil.
No terceiro e último capítulo, adentra-se no cerne deste trabalho. Procede-se, em
primeiro lugar, à análise dos fundamentos da arguição de inconstitucionalidade dos
dispositivos legais questionados na ADIn nº 4.616. Em seguida, faz-se a análise da
manifestação da Advocacia-Geral da União em defesa da constitucionalidade dos aspectos da
reestruturação combatidos pela Procuradoria-Geral da República. Finalmente, debruça-se
sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que se considera relevante em relação à
matéria tratada, para dela se extrair o seu sentido e alcance, fazendo-se um cotejamento com a
situação submetida à análise do Colendo Tribunal no caso concreto.
Com relação a esse procedimento da última parte do terceiro capítulo, entende-se
como jurisprudência relevante a Súmula nº 685 e as decisões proferidas nas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade nºs. 1.591, 2.713, 2.335 e 3.857.
Assim, a Súmula nº 685 é importante porque se trata de uma indicação do
entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito da matéria de que tratavam as ações
intentadas, cujas decisões proferidas no mesmo sentido declararam a inconstitucionalidade
das situações nelas retratadas.
As decisões proferidas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs. 1.591, 2.713 e
2.335 são relevantes porque nelas se declarou a constitucionalidade das situações nelas
retratadas, e, mais que isso, são situações assemelhadas ou muito assemelhadas com a
situação objeto da ADIn nº 4.616. Além disso, são julgados mais recentes, sendo que a
decisão proferida no julgamento da ADIn nº 2.335 é a mais recente no sentido da declaração
da constitucionalidade e que invoca as decisões proferidas nas ADIns nºs. 1.591 e 2.713.
Dentre essas três decisões citadas, consideramos paradigma aquela referente à ADIn nº
2.335 para as reestruturações de carreiras mediante extinção de cargos existentes, criação de
cargos novos e transposição dos ocupantes dos cargos extintos para os cargos novos, pois dois
dos cargos envolvidos eram originariamente de nível médio e já houvera elevação do nível de
escolaridade para investidura nesses cargos muito antes da reestruturação, situação que
abarca, portanto, o caso do cargo de Técnico do Tesouro Nacional, que era de nível médio e
também teve elevado o nível de escolaridade exigido para investidura, quando passou a se
chamar Técnico da Receita Federal.
11
A decisão proferida na ADIn nº 3.857 é importante porque se trata de reestruturação
de carreira, é a mais recente, de 2008, e porque o Supremo Tribunal Federal manifestou-se
pela inconstitucionalidade. Assim, tal decisão é importante para se cotejar a situação nela
retratada com aquela que foi objeto da ADIn nº 2.335, que teve decisão em sentido inverso,
bem como com aquelas que suscitaram a edição da Súmula nº 685.
Seguindo essa abordagem metodológica, consegue-se demonstrar que não incide
inconstitucionalidade na alteração da nomenclatura do cargo de Técnico do Tesouro Nacional
para Técnico da Receita Federal, com a simultânea formalização e atualização de atribuições,
elevação do nível de escolaridade de médio para superior para investidura no cargo e a
transposição dos ocupantes do cargo de Técnico do Tesouro Nacional para o de Técnico da
Receita Federal e que não incide tampouco inconstitucionalidade na transformação do cargo
de Técnico da Receita Federal, de nível superior, para Analista Tributário da Receita Federal,
também de nível superior, com nova formalização das atribuições do cargo e a passagem dos
ocupantes do cargo de Técnico da Receita Federal para o de Analista Tributário da Receita
Federal do Brasil.
Buscando alcançar o resultado mencionado no parágrafo anterior, este trabalho
também consegue ir além, propiciando contribuições e subsídios para a discussão do tema
tratado. Uma das conclusões mais importantes a que se chegou é que, na hipótese do STF
manter seu entendimento exarado na ementa da ADIn 2.335, a Súmula nº 685 carece de
atualização, para nela incluir os dois elementos que, no entendimento do STF, caracterizam a
constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de reestruturações de carreiras, conforme o
caso: I – as carreiras distintas a que pertencia o cargo anteriormente existente e extinto e
aquela a que pertence o cargo novo para o qual foram transpostos os ocupantes do cargo
extinto, que caracteriza a inconstitucionalidade da reestruturação da carreira (Súmula nº 685);
II - a similitude de atribuições entre o cargo anteriormente existente e extinto e aquelas do
cargo novo para o qual foram transpostos os ocupantes do cargo extinto, que caracteriza a
constitucionalidade da reestruturação da carreira (ementa do acórdão da ADIn nº 2.335).
A reunião desses dois elementos numa mesma súmula nos parece imprescindível, pois
com a redação atual da Súmula nº 685, em certos casos a literalidade do seu texto colide com
o entendimento exarado na ementa do acórdão da ADIn nº 2.335, que, inclusive, é posterior à
referida Súmula, criando uma aparente contradição jurisprudencial, como se demonstra neste
trabalho.
12
2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Neste capítulo, far-se-á uma breve discussão sobre Hermenêutica e suas implicações
no âmbito da interpretação do texto jurídico, particularmente na seara do Controle de
Constitucionalidade.
Far-se-á
um
breve
panorama
do
histórico
do
controle
de
constitucionalidade no mundo ocidental e no Brasil. Em seguida, adentrar-se-á no controle
concentrado de constitucionalidade de forma mais detalhada e, por fim, na ação de controle
abstrato de constitucionalidade que interessa a este trabalho, a ação direta de
constitucionalidade.
A necessidade de interpretação do texto no qual está contida a norma jurídica decorre
do traço inerente da linguagem: a equivocidade, que decorre da possibilidade de pluralidade
de significados. De acordo com Ferraz Júnior (1994, p. 255):
Ao disciplinar a conduta humana, as normas jurídicas usam palavras, signos
linguísticos que devem expressar o sentido daquilo que deve ser. Este uso oscila
entre o aspecto onomasiológico da palavra, isto é, o uso corrente para a designação
de um fato, e o aspecto semasiológico, isto é, a sua significação normativa. Os dois
aspectos podem coincidir, mas nem sempre isto ocorre. O legislador, nestes termos,
usa vocábulos que tira da linguagem cotidiana, mas frequentemente lhes atribui um
sentido técnico, apropriado à obtenção da disciplina desejada. Este sentido técnico
não é absolutamente independente, mas está ligado de algum modo ao sentido
comum, sendo por isso, passível de dúvidas que emergem da tensão entre ambos.
Prossegue mais adiante o referido autor (1994, p. 256):
A determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos
seus textos e intenções, tendo em vista decidibilidade de conflitos constitui a tarefa
da dogmática hermenêutica. Trata-se de uma finalidade prática, no que se distingue
de objetivos semelhantes das demais ciências humanas. Na verdade, o propósito
básico do jurista não é simplesmente compreender um texto, como faz, por exemplo,
o historiador ao estabelecer-lhe o sentido e o movimento no seu contexto, mas
também determinar-lhe a força e o alcance, pondo o texto normativo em presença
dos dados atuais de um problema.
Diante desse traço peculiar da linguagem, que se expressa por signos, o mencionado
autor cita Hans Kelsen para ponderar que um autor do porte dele, que se empenhou em
conferir à dogmática jurídica uma estatura reconhecidamente científica, questionou se seria
factível chegar-se a uma teoria científica da hermenêutica jurídica, que permitisse falar-se da
verdade de uma interpretação, em oposição à falsidade. Assim, quando realiza o ato
interpretativo do conteúdo da norma, o órgão intérprete define-lhe o sentido e, segundo
Kelsen, essa interpretação é fruto de um ato volitivo e sua força vinculante repousa tão
somente na competência do órgão, por exemplo, o juiz. Kelsen reconhece que tais atos de
vontade se baseiam em atos cognitivos, os conhecimentos doutrinários do juiz, por exemplo,
13
todavia se houver um descompasso entre ambos, o ato de vontade prevalecerá sobre o de
conhecimento.
Ferraz Júnior (1994, p. 262) afirma que, de acordo com Kelsen, os conteúdos
normativos, objetivo de uma interpretação doutrinária, são, por sua natureza linguística,
plurívocos, o que exige uma vontade competente para que se fixe um sentido dentre os
possíveis. E indaga: “O que ocorre, então, quando a interpretação é mero ato de
conhecimento? Não seria possível descobrir-lhe um fundamento, por exemplo, a verdade, que
lhe permitisse adquirir a qualidade de obter aquela aceitação geral?”
Mais uma vez ele cita Kelsen e afirma que para este tal hipótese é irrealizável, porque,
se fosse admitida, estar-se-ia criando a ficção da univocidade das palavras da norma,
afirmando ainda que para o renomado jurista vienense o papel da ciência jurídica é o de
conhecer o direito, descrevendo-o com rigor, o que exige método e obediência a cânones
formais e materiais. Deste modo, cabe à ciência jurídica descrever o objeto da hermenêutica,
ou seja, as múltiplas possibilidades dos conteúdos normativos postas pela vontade do
legislador, e querer ir além dessa demonstração, valendo-se de artifícios ditos metódicos, é
falsear o resultado e ultrapassar as fronteiras da ciência.
A desistência de Kelsen de buscar uma teoria para a hermenêutica jurídica com o
objetivo de encontrar um sentido unívoco e inequívoco para o conteúdo da norma jurídica,
fundamentada no argumento de que o ato interpretativo é, antes de tudo, um ato de vontade,
revela a natureza mesma do Direito, ou seja, aquilo a que se chama de conteúdo jurídico nada
mais é que a expressão daquilo a que se denomina de conteúdo político, manifesto no
ordenamento jurídico positivado.
Isso remete a uma velha discussão no âmbito do Direito, inclusive do Direito
Constitucional: a dicotomia entre político e jurídico. No controle de constitucionalidade, tal
dicotomia se expressa na contraposição clássica entre controle formal e controle material, o
primeiro considerado jurídico, o segundo considerado político, concepção essa herdada da
ideologia do Estado Liberal, que surgiu no rastro do movimento cultural iluminista e com a
revolução econômica burguesa, sucedendo o Estado Absolutista Feudal. A partir de então, a
recém-emancipada burguesia fez prevalecer os seus interesses e valores, estabelecendo os
direitos fundamentais do indivíduo como proteção deste contra o arbítrio do Estado, dando
especial relevo a eles, e implementando os instrumentos necessários ao exercício desses
direitos, a exemplo do controle de constitucionalidade por via de exceção implantado nos
14
Estados Unidos da América, acionado unicamente a partir de ações judiciais envolvendo
casos concretos de violação direta ou reflexa de direitos constitucionais encaminhadas à
apreciação da Suprema Corte daquele País.
Essa falsa dicotomia entre político e jurídico ou entre Política e Direito já havia sido
percebida por Karl Marx em artigo que publicou no ano de 1842, citado no ensaio de Willis
Guerra Filho (A Contribuição de Marx para o Direito, 1993), assim como num capítulo de
obra do historiador francês Pierre Vilar traduzido pela historiadora Ilka Stern Cohen, da PUCSP (História do Direito, História Total, 2006). Formado em Filosofia e Direito, Marx criticou
em tal artigo uma lei editada pelo então Ministro para Legislação da Prússia, que era ninguém
menos que Friedrich Carl Von Savigny, seu ex-professor e expoente da Escola Historicista do
Direito. Enquanto teórico dessa Escola, Savigny defendia a aplicação do direito
consuetudinário, propugnava que o Direito deveria levar em conta, primeiramente, o chamado
espírito do povo, e condenava a letra fria da lei em desconformidade com os costumes, nos
quais a Escola Historicista enxergava uma sabedoria popular que não poderia ser desprezada
pelos legisladores positivos.
Contudo, ao tornar-se Ministro do Governo, Savigny, que era fazendeiro, editou uma
lei que criminalizava a coleta de galhos caídos de árvores, equiparando-a a roubo de lenha. Os
camponeses coletavam, por gerações a fio, os galhos de árvores caídos para poderem se
aquecer durante o rigoroso inverno daquela região; isso era um costume arraigado naquela
sociedade e sempre fora tolerado. Contudo, a partir de então, tal prática tornou-se subitamente
ilegal, ameaçando a sobrevivência dos camponeses que dela dependiam. Além disso, a lei
previa a alternativa de conversão da pena de trabalhos forçados em multa e esta deveria
reverter em favor do suposto ofendido e não do Estado.
Marx assinala que, em primeiro lugar, essa lei revela desproporcionalidade na
proteção dos bens jurídicos envolvidos, pois coloca o direito de propriedade num patamar
superior ao direito de sobrevivência do ser humano, ou seja, a propriedade acima da vida. Em
segundo lugar, a lei revela seu espírito patrimonialista, pois a pena, que incidia sobre o
imputado, migra para o âmbito das relações privadas ao prever a alternativa de sua conversão
em multa e esta, por seu turno, revertia em favor de um particular e não em favor dos cofres
públicos. Em terceiro lugar, numa análise estritamente jurídica, em que critica seu ex-mestre,
ele mostra que a lei configura uma incoerência em relação à pessoa do Ministro, pois este era
expoente da Escola Histórica do Direito, que preconizava a prevalência do direito
consuetudinário, a qual clamava para que os legisladores auscultassem o espírito do povo.
15
Com isso, Marx conclui que esse episódio mostra o caráter classista do Direito, ou seja, que
este é tão somente a expressão dos interesses da classe dominante, que tem força para impor a
sua vontade política. Assim, ele se desinteressa pelo Direito e vai se dedicar aos estudos de
Economia Política, que é para ele o campo no qual onde se desenrolam os conflitos sociais
relevantes que condicionam toda a superestrutura sócio-econômica da qual o Direito é apenas
um elemento.
Não se deve esquecer também que esse cenário visto por Marx correspondia ao Estado
Liberal nos primórdios do capitalismo industrial, marcado pela brutal exploração da força de
trabalho, em que um dos traços distintivos foi a política de dificultar a permanência dos
camponeses na zona rural para que estes migrassem para as cidades, a fim de suprirem a
necessidade de mão-de-obra das fábricas emergentes (na Inglaterra, já vinham ocorrendo os
chamados cercamentos das áreas rurais com a finalidade de expulsar os camponeses para as
cidades com o intuito de fornecer mão-de-obra para as fábricas). Assim, é possível que a lei
comentada por ele também tivesse a finalidade de forçar os camponeses a deixarem a zona
rural e migrarem para as cidades, o que igualmente corroboraria a análise feita por ele, ou
seja, uma lei editada para atender os interesses classistas da nascente burguesia industrial.
Esse breve panorama histórico serve para mostrar que o elemento político é parte
intrínseca do elemento jurídico e o próprio Kelsen também corrobora esse entendimento ao
afirmar que a escolha de um sentido dentre vários possíveis no texto de uma norma jurídica
evidencia um ato volitivo e não propriamente cognitivo ou científico, o que significa um ato
essencialmente político. Ademais, vale frisar que as leis são produzidas por um órgão político,
o Parlamento, que integra a estrutura política do Estado, e expressam a vontade política das
forças prevalecentes nele representadas.
As normas constitucionais são de natureza política por excelência, tendo em vista que
regem a estrutura fundamental do Estado, atribuem competências aos poderes, dispõem sobre
os direitos humanos fundamentais, fixam o comportamento dos órgãos estatais e servem,
finalmente, para balizar a atuação dos governos, já que estes não podem ignorá-las no
exercício de suas atribuições.
Conforme Bonavides (2010, p. 296), nos países de constituições formais e rígidas,
como o Brasil, há uma distinção primordial entre o poder constituinte e os poderes
constituídos, do que resulta a superioridade das normas constitucionais, produzidas pelo poder
constituinte, sobre a legislação infraconstitucional, obra do poder constituído, configurando
16
um sistema hierarquizado de normas, cujo fundamento de validade é a norma de hierarquia
imediatamente superior, tal qual concebido por Kelsen. A interpretação constitucional se
prende, sobretudo, a tais ordenamentos estatais. Assim, quanto mais rígida a Constituição,
mais avulta a importância da interpretação, mais flexíveis e maleáveis devem ser os métodos
interpretativos, de modo que seja possível fazer uma adequação do estatuto básico às
necessidades do meio político e social, pois do contrário adviria uma rápida acumulação de
elementos configuradores de crise, que pode levar a uma ruptura da ordem constitucional, seja
pela via do golpe de Estado, com o estabelecimento de uma nova Assembléia Constituinte e a
produção de uma nova ordem constitucional, seja pela via do processo revolucionário, que
também implicará na produção de outra ordem constitucional sob inspiração de outro tipo de
ideologia política.
Assim, confrontada com a necessidade de renovação, a ordem constitucional pode
perfeitamente atender essa necessidade por três caminhos usuais: o estabelecimento de uma
nova Constituição, a revisão formal do texto vigente e os recursos aos meios interpretativos.
Trilhando-se este último, podem ser obtidos expressivos resultados de alteração de sentido
das normas constitucionais sem que se faça necessária a modificação do seu texto formal.
O ponto sensível nesse processo interpretativo diz respeito à questão de como deve ser
exercitado o controle de constitucionalidade, instrumento necessário para fazer valer as
disposições constitucionais, sem comprometer o princípio da separação dos poderes estatais.
A dificuldade que surge diz respeito ao órgão que deve ser incumbido de fazer esse controle,
o qual pode ser visto como privilegiado e causar um desequilíbrio entre os poderes estatais,
sacrificando o princípio da separação dos poderes: deve ser um órgão jurisdicional ou um
órgão político?
A França adotou o controle político logo nos primeiros anos que se seguiram à
Revolução Francesa e ele foi mal sucedido, tendo uma existência efêmera e sendo servil ao
Chefe do Poder Executivo. Outras tentativas mal sucedidas na França foram feitas em 1852 e
1946. Somente em 1958 ocorreu a primeira tentativa bem sucedida de tal controle, com a
instituição do Conselho Constitucional, órgão que não pertence a nenhum dos três poderes e
que se mantém até os dias de hoje, sendo suas decisões vinculantes para todos os poderes.
Os Estados Unidos da América adotaram o controle jurisdicional e conheceram um
período de desequilíbrio entre os poderes estatais, no qual a Suprema Corte foi alvo de muitas
críticas, pois esta se converteu numa espécie de poder acima dos demais e entravava os
17
avanços sociais naquele País por conta de um perfil extremamente conservador dos seus
membros, os quais procuravam manter estática a estrutura do Estado Liberal visando à sua
permanência e solidez. Em razão disso, aquela Corte adotava uma interpretação
particularmente hostil da legislação trabalhista e da intervenção estatal. Esse período durou de
1880 a 1936 e ficou conhecido como governo dos juízes, dada a ascendência da Suprema
Corte frente aos demais poderes, sendo vista como uma espécie de Constituinte em sessão
permanente, dada à amplitude com que interpretava a Constituição, sempre contrária às leis.
Uma terceira Casa do Congresso, nas palavras de Harold J. Laski, citado por Bonavides em
nota de rodapé (2010, p. 313). Esse desequilíbrio foi posteriormente corrigido naquele País, a
partir da política do New Deal do presidente Franklin Roosevelt, com a pressão feita por este
sobre ela, com o apoio da opinião pública. Também contribuiu para o arejamento da Suprema
Corte a renovação dos seus membros, que antes, em regra, somente se “aposentavam” com a
morte.
O controle jurisdicional foi igualmente adotado pelo Brasil a partir da Constituição de
1891. Na Constituição Imperial de 1824 não havia controle de constitucionalidade
jurisdicional, havia somente um tímido dispositivo constitucional que previa um controle
político de constitucionalidade pelo Parlamento do Império, que mais soava como uma mera
declaração formal estéril: “Art. 173. A Assembléa Geral no principio das suas Sessões
examinará, se a Constituição Politica do Estado tem sido exactamente observada, para prover,
como fôr justo”.
Também deve ser frisado que a Constituição Imperial, embora formal, era flexível.
Somente as partes que dispunham sobre os direitos individuais e a organização do Estado
eram definidas pelo próprio texto constitucional como matéria constitucional. A matéria
restante da Constituição era considerada matéria de natureza ordinária e estava sujeita aos
mesmos ritos da legislação ordinária.
O controle de constitucionalidade introduzido no Brasil pela Constituição de 1891, sob
a égide do jurista Ruy Barbosa, inspirado no sistema estadunidense, contemplava apenas a
modalidade pela via de exceção ou incidental, ou seja, mediante casos concretos, e assim
mesmo somente se admitia tal controle com relação à violação de direitos individuais. Mais
adiante, Ruy Barbosa passou a admitir que lides de caráter político também fossem objeto de
controle de constitucionalidade, desde que envolvessem em seu bojo a violação de direitos
individuais. Ele era visceralmente contrário ao controle de constitucionalidade por via de
ação, por ser este de natureza política, já que envolveria os poderes estatais. Assim, admitia
18
somente o controle constitucional por via de exceção por ser este considerado tipicamente
judicial. Ele argumentava que a cassação de atos do Poder Executivo ou do Legislativo pelo
Poder Judiciário conferiria a este uma autoridade soberana para cassar os atos daqueles e
criaria uma cizânia entre os poderes da União, comprometendo a estabilidade política do País.
O advento da Constituição de 1934 traz um marco importante na lenta marcha do País
rumo ao controle de constitucionalidade por via de ação. O marco inovador consiste no
parágrafo segundo do art. 12, que previa como requisito de validade para intervenção da
União em Estado-Membro, por inobservância de determinados princípios constitucionais, a
provocação da Corte Suprema pelo Procurador-Geral da República para que aquela tomasse
conhecimento da lei federal que houvesse decretado a intervenção, condicionada, ainda, à
declaração de sua constitucionalidade:
Art 12 - A União não intervirá em negócios peculiares aos Estados, salvo:
I - para manter a integridade nacional;
II - para repelir invasão estrangeira, ou de um Estado em outro;
III - para pôr termo à guerra civil;
IV - para garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes Públicos estaduais;
V - para assegurar a observância dos princípios constitucionais especificados nas
letras a a h , do art. 7º, nº I, e a execução das leis federais;
VI - para reorganizar as finanças do Estado que, sem motivo de força maior,
suspender, por mais de dois anos consecutivos, o serviço da sua dívida fundada;
VII - para a execução de ordens e decisões dos Juízes e Tribunais federais.
§ 1º - Na hipótese do nº VI, assim como para assegurar a observância dos princípios
constitucionais (art. 7º, nº I), a intervenção será decretada por lei federal, que lhe
fixará a amplitude e a duração, prorrogável por nova lei. A Câmara dos Deputados
poderá eleger o Interventor, ou autorizar o Presidente da República a nomeá-lo.
§ 2º - Ocorrendo o primeiro caso do nº V, a intervenção só se efetuará depois que a
Corte Suprema, mediante provocação do Procurador-Geral da República, tomar
conhecimento da lei que a tenha decretado e lhe declarar a constitucionalidade.
Digna de nota, segundo Bonavides (2010, p. 328) é a engenhosidade do artifício de
que se valeu o constituinte pátrio para introduzir esse germe do controle de
constitucionalidade por via de ação no ordenamento jurídico brasileiro: com o objetivo de
salvaguardar o princípio da separação dos poderes, a declaração de inconstitucionalidade
pronunciada pela Corte Suprema não acarretava anulação da lei eivada de vício, mas a
19
suspensão desta do ordenamento jurídico. Todavia, o resultado prático era exatamente o
mesmo da anulação. Com efeito, a lei inquinada do vício de inconstitucionalidade
pronunciada pela Corte Constitucional permaneceria no ordenamento jurídico, porém com sua
execução suspensa. Com esse artifício, objetivou-se evitar a ocorrência daquilo que Ruy
Barbosa temia com a instituição do controle direto de constitucionalidade, isto é, o melindre
entre os poderes estatais e a conseqüente desavença entre eles. A esse respeito, dispõe a
Constituição de 1934:
Art 91 - Compete ao Senado Federal:
[...]
IV - suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação
ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder
Judiciário;
[...]
Art 96 - Quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo de
lei ou ato governamental, o Procurador Geral da República comunicará a decisão ao
Senado Federal para os fins do art. 91, nº IV, e bem assim à autoridade legislativa ou
executiva, de que tenha emanado a lei ou o ato.
A Constituição de 1946 retoma o caminho da semente de um controle por via de ação
iniciado com a Constituição de 1934, porém interrompido pela Constituição de 1937, e
introduz uma nova alteração para a decretação de intervenção da União em Estado-Membro
por conta de lesão a princípios constitucionais. Desta feita, para que a intervenção fosse
decretada, era necessária a provocação prévia do Procurador-Geral da República submetendo
ao Supremo Tribunal Federal o ato argüido de inconstitucionalidade, e que esta fosse por ele
declarada:
Art 7º - O Governo federal não intervirá nos Estados salvo para:
I - manter a integridade nacional;
II - repelir invasão estrangeira ou a de um Estado em outro;
III - pôr termo a guerra civil;
IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes estaduais;
V - assegurar a execução de ordem ou decisão judiciária;
VI - reorganizar as finanças do Estado que, sem motivo de força maior, suspender,
por mais de dois anos consecutivos, o serviço da sua dívida externa fundada;
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios:
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a) forma republicana representativa;
b) independência e harmonia dos Poderes;
c) temporariedade das funções eletivas, limitada a duração destas à das funções
federais correspondentes;
d) proibição da reeleição de Governadores e Prefeitos, para o período imediato;'
e) autonomia municipal;
f) prestação de contas da Administração;
g) garantias do Poder Judiciário.
Art 8º - A intervenção será decretada por lei federal nos casos dos nº s VI e VII do
artigo anterior.
Parágrafo único - No caso do nº VII, o ato arguido de inconstitucionalidade será
submetido pelo Procurador-Geral da República ao exame do Supremo Tribunal
Federal, e, se este a declarar, será decretada a intervenção.
Todavia, conforme discorre Bonavides (2010, p. 330), o alargamento do âmbito
material do controle constitucional por via de ação só ocorreu com a mudança introduzida
pela Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1965, que deu nova redação à alínea
k do art. 101, inciso I, da Constituição de 1946.
Desde então, atribuiu-se à mais alta Corte do Brasil a competência para processar e
julgar originariamente representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza
normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República. Tal
instituto de controle foi preservado pela Constituição de 1967 e pela Emenda Constitucional
nº 1, de 1969.
Interessante episódio é citado por Bonavides (2010, p. 331), envolvendo o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB). Esse partido ajuizou uma Reclamação, junto ao Supremo
Tribunal Federal (STF), contra o Procurador-Geral da República por este ter mandado
arquivar uma representação que lhe fora dirigida pela referida organização partidária arguindo
a inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 1.077, de 26 de janeiro de 1970, que estabelecera a
censura prévia na divulgação de livros e periódicos, sendo julgada improcedente pela Corte
Constitucional. Essa decisão do Supremo Tribunal se escorou no entendimento de que a
titularidade da representação é exclusiva do Procurador-Geral da República, conforme a
dicção do texto constitucional então vigente, cabendo a este decidir quais casos deveria
encaminhar à Corte Constitucional, pois se fosse obrigado a encaminhar quaisquer
representações que lhe fossem dirigidas, já não seria titular exclusivo daquela competência,
21
ficando rebaixado a mero mensageiro ou intermediário doutra fonte primária e paralela, que
seria, então, qualquer interessado.
Tal controvérsia só foi solucionada com o advento da Constituição de 1988. Com
efeito, esta, em seu art. 103, dispõe que, além do Procurador-Geral da República, são
legitimados para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade o Presidente da República, a
Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia
Legislativa, o Governador de Estado, o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, partido
político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de
classe de âmbito nacional.
2.1 CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE
O controle concentrado de constitucionalidade por via de ação e por órgão
jurisdicional é de matriz européia. Em alguns países europeus, adotou-se o controle por órgão
jurisdicional ordinário, em outros, órgão jurisdicional especializado. Como exemplo do
primeiro tipo, Bonavides (2010, p. 309) cita a Suíça. Como exemplo do segundo tipo, cita a
Áustria, a Alemanha, a Itália, a Espanha e Portugal.
No primeiro caso, o controle é realizado por um órgão jurisdicional ordinário, a
Suprema Corte, que aprecia os casos de inconstitucionalidade das leis produzidas pelas
assembléias cantonais, sendo qualquer cidadão legitimado para fazer uso dele; todavia, tal
controle não alcança as leis federais daquele País. A Áustria também era exemplo dessa
modalidade de controle jurisdicional por via de ação até 1920; até então, o controle também
ficava a cargo da Suprema Corte do País e apenas o Governo Federal possuía legitimidade
para lançar mão dele.
Com relação à segunda modalidade, a própria Áustria passou a ser um exemplo dele
após a positivação do Tribunal Constitucional na Constituição austríaca em 1º de outubro de
1920, inovação legislativa naquele País inspirada em Hans Kelsen, que defendia a idéia de um
órgão que enfeixasse toda a competência para decidir matéria de constitucionalidade. No
entanto, somente com a reforma constitucional de 1929 alargou-se a legitimação para suscitar
a controvérsia sobre constitucionalidade, estendendo-a aos órgãos jurisdicionais ordinários;
contudo, estes só poderiam fazê-lo por meio da via de exceção. Cappelletti (1972 apud
BONAVIDES, 2010, p. 310) afirma que tal característica fez com que o sistema de controle
constitucional austríaco assumisse uma feição híbrida, em razão da coexistência de uma via
de exceção.com a via de ação.
22
Já no caso alemão, seu sistema de controle concentrado de constitucionalidade por
órgão jurisdicional especializado foi introduzido em 23 de maio de 1949, centralizado no
Tribunal Constitucional Karlsruhe, composto de duas câmaras, cada uma delas formada por
doze juízes. Uma cuida das demandas impetradas por particulares e a outra, de questões
relacionadas com a salvaguarda do sistema federativo. Suas decisões têm força de lei e os
textos legais que não forem anulados recebem uma interpretação conforme à Constituição. A
exemplo do sistema austríaco, no qual órgãos jurisdicionais ordinários podem suscitar
controvérsia constitucional pela via de exceção, no sistema alemão os juízes ordinários podem
submeter matéria de constitucionalidade ao Tribunal Constitucional também pela via de
exceção, o que o faz assemelhar-se ao sistema austríaco, pois em ambos coexistem as duas
formas de controle constitucional, a de ação e a de exceção, conquanto no sistema alemão
haja preponderância do controle pela via de ação.
Também merece uma breve menção o sistema de controle constitucional italiano. A
Corte Constitucional da Itália foi instalada em 23 de abril de 1965. A peculiaridade desse
sistema de controle constitucional é que o citado órgão de controle constitucional concentrado
não integra o Poder Judiciário, ao contrário do Tribunal Constitucional alemão, que integra o
Poder Judiciário daquele País por expressa disposição constitucional. O referido tribunal
italiano é composto por 15 juízes, sendo cinco escolhidos pelo Poder Judiciário, cinco pelo
Presidente da República e cinco pelo Poder Legislativo. Bonavides (2010, p. 311) assinala
que a crítica a se fazer ao sistema de controle de constitucionalidade italiano reside no fato de
que os cidadãos não podem acioná-lo e somente os juízes ordinários ou administrativos
podem acessá-lo para suscitar controvérsias constitucionais relativas a leis.
A nosso ver, contudo, afora a exclusão dos cidadãos ou de entidades representativas da
sociedade civil como partes legitimadas para acioná-lo, o sistema italiano de controle
concentrado de constitucionalidade nos parece muito interessante, pois tal controle é feito por
um órgão que não compõe o Poder Judiciário, no entanto é formado por juízes e nele estão
representados, em partes igualitárias, os três poderes do Estado. Deste modo, tal sistema se
nos afigura como o mais equilibrado do ponto de vista da salvaguarda da separação e
equilíbrio dos poderes, ponto sensível nas reflexões de Ruy Barbosa, quando este se
posicionou contrário à introdução do controle de constitucionalidade pela via de ação no
Brasil, alegando que um dos poderes, o Poder Judiciário, ficaria investido da faculdade de
cassar atos dos outros dois, o Executivo e o Legislativo, e isso poderia acarretar desarmonia
entre eles.
23
Feitas essas considerações sobre os sistemas de controle constitucional concentrado
nesses três países, passemos agora em revista mais pormenorizada o sistema de controle
concentrado vigente no Brasil, instaurado pela Constituição Federal de 1988.
Conforme assinala Cunha Júnior (2010, p. 163), a Constituição vigente ampliou e
aperfeiçoou o controle concentrado. Primeiramente, alargando o rol dos legitimados para
acioná-lo, como já mencionado, mas também criando novas ações diretas, além de acenar
para a possibilidade de adoção de efeitos vinculantes nas decisões proferidas em sede das
ações próprias desse sistema de controle, aproximando muito o Supremo Tribunal Federal
brasileiro dos Tribunais Constitucionais europeus.
Desse modo, fica instaurada uma fiscalização abstrata de leis e atos normativos do
Poder Público em conflito com a Constituição. Isso ocorre mediante ajuizamento de uma ação
direta, cujo pedido principal é a própria declaração de inconstitucionalidade ou de
constitucionalidade, distinguindo-se do controle difuso, em cujo âmbito a questão
constitucional se limita à mera questão prejudicial, suscitada como incidente ou causa de
pedir, porém nunca como pedido. Assim, o controle concentrado é provocado pela via
principal, com a instauração de uma ação direta, por meio da qual se provoca o Supremo
Tribunal Federal para que este resolva uma antinomia entre uma norma infraconstitucional e
uma norma constitucional, sem qualquer análise ou exame de caso concreto, visando-se, em
última instância, a supremacia da Constituição. Deve-se frisar que a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental também admite o rito incidental, de natureza
subjetivo-objetiva, por meio do qual a arguição é proposta diretamente ao STF em razão de
controvérsia constitucional relevante em discussão perante qualquer juízo ou tribunal,
referente à aplicação de lei ou ato do Poder Público questionado em face de algum preceito
fundamental.
Jorge Miranda (1996 apud CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 164) afirma que a
inconstitucionalidade se caracteriza primordialmente pela violação de norma específica
insculpida na Constituição, seja a Federal, seja a dos Estados, seja a Lei Orgânica do Distrito
Federal. Em segundo lugar, a inconstitucionalidade diz respeito ao comportamento do ente
estatal, que tanto pode ser comissivo ou positivo (uma ação), como omissivo ou negativo
(uma omissão), na medida em que existirá inconstitucionalidade tanto em face de um ato
praticado contra disposição de uma norma constitucional como em razão da inércia do Poder
Público diante da disposição de uma norma constitucional que determina um certo agir. Tal
comportamento estatal, seja positivo ou negativo, pode ser normativo ou não normativo, geral
24
ou individual, abstrato ou concreto. O que importa é que a relação de desconformidade entre a
Constituição e o comportamento estatal deve ser necessariamente direta, que se traduza numa
violação direta e imediata de uma norma constitucional.
Deve-se assinalar que o atributo de inconstitucionalidade é próprio somente dos
comportamentos do Poder Público, não sendo possível cogitar-se de inconstitucionalidade de
atos dos particulares, ainda que normativos. Em segundo lugar, o descompasso entre os atos
do Poder Público e a Constituição deve ser direto e imediato, não existindo, pois,
“inconstitucionalidade indireta ou mediata”, já que esta última nada mais é que uma
ilegalidade, que não se confunde com a noção rigorosa de inconstitucionalidade.
Como já foi dito, a inconstitucionalidade de ato do Poder Público deve ser arguida em
relação a norma específica da Constituição, não sendo admissível o Supremo Tribunal Federal
reconhecer inconstitucionalidade em relação à Constituição como um todo, porém é relevante
assinalar que a incompatibilidade entre o ato que se pretende impugnar e preceito expresso na
Constituição não deve atender, tão somente, ou prevalentemente, à letra do texto
constitucional, mas buscar o sentido, o espírito, o real significado e alcance da norma.
Segundo Cunha Júnior (2010, p. 167-171), a inconstitucionalidade pode apresentar-se
ainda sob diferentes tipos: a) inconstitucionalidade formal e material; b) inconstitucionalidade
total e parcial; c) inconstitucionalidade originária e superveniente; d) inconstitucionalidade
antecedente (ou imediata) e conseqüente (ou derivada); e e) inconstitucionalidade progressiva.
A formal compreende a inconstitucionalidade orgânica e a inconstitucionalidade
formal propriamente dita. A primeira decorre do vício de incompetência do órgão de onde
provém o ato normativo; esta é tão grave que o STF tem entendido que a sanção a projeto de
lei com vício de iniciativa não tem o condão de saná-lo, conforme decidido nas ADIns
103/RO, Rel. Min. Sidney Sanches, DJU de 15.12.1995, e 873-1-RS, Rel. Min. Maurício
Correia, DJU de 22.08.1997. A segunda decorre de inobservância do procedimento legislativo
fixado pela Constituição, a exemplo de lei complementar aprovada sem o quórum exigido.
A material refere-se ao conteúdo do ato normativo, sendo materialmente
inconstitucional todo ato normativo que não se adéqua ao conteúdo dos princípios e regras da
Constituição, devendo-se lembrar que todas as normas constitucionais servem de paradigma
material para o controle de constitucionalidade dos atos normativos, sejam elas explicitadas
ou implícitas, desde que determinadas.
25
A inconstitucionalidade é total quando o vício contamina todo o ato normativo e
parcial quando a mácula atinge o ato somente em parte, podendo ser um artigo, parágrafo,
inciso ou alínea do texto legal, ou ainda uma expressão de qualquer um destes, não incidindo
aí a vedação contida no §2º do art. 66 da Constituição Federal, que veda ao Presidente da
República o veto parcial de dispositivo de projeto de lei encaminhado para sua apreciação.
Em regra, a inconstitucionalidade formal contamina todo o ato, sendo ele, em
princípio, totalmente inconstitucional. Cunha Júnior cita Clemerson Clève para frisar que este
alerta que existem, todavia, casos da espécie em que a inconstitucionalidade do ato pode ser
apenas parcial, a exemplo de dispositivo de ato de lei ordinária que trata de matéria reservada
à lei complementar; nesse caso, somente tal dispositivo seria eivado do vício de
inconstitucionalidade.
Ao contrário da hipótese aventada no parágrafo antecedente, Cunha Júnior reporta-se
ao mesmo autor para informar que tanto este como a jurisprudência do STF tem admitido
situações nas quais a inconstitucionalidade parcial acarreta a nulidade total do ato. Isso ocorre
quando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma faz com que as normas restantes,
embora conformes à Constituição, deixem de ter qualquer significado autônomo ou então no
caso da norma declarada inconstitucional fazer parte de uma regulamentação global à qual
emprestava sentido e justificação.
A inconstitucionalidade é originária quando ela surge com o simples nascimento do
ato, que já nasce maculado. É superveniente quando se manifesta posteriormente em razão de
uma alteração constitucional, ou de uma interpretação renovada da Constituição ou, ainda, em
decorrência
de
alteração
das
condições
fáticas.
Cabe
aqui
distinguir
entre
inconstitucionalidade formal superveniente e inconstitucionalidade material superveniente: a
primeira ocorre quando o ato normativo foi produzido segundo um procedimento ou por um
órgão que eram os previstos à época, mas que foram posteriormente alterados por reforma
constitucional; a segunda ocorre quando o ato era materialmente compatível com o conteúdo
da norma constitucional à época de sua produção, tornando-se posteriormente incompatível
com o novo conteúdo da norma constitucional. A primeira delas não tem sido admitida, ou
seja, aceita-se a norma anterior produzida regularmente dentro dos cânones legais então
vigentes e cujo conteúdo material se coaduna com a Constituição; exemplo disso pode ser
dado com o Código Tributário Nacional: embora tenha sido produzido como lei ordinária,
seguindo a tramitação inerente a ela, foi recepcionado pela Constituição vigente como lei
complementar. Quanto à segunda delas, o ato normativo anterior será automaticamente
26
atingido pela inconstitucionalidade material superveniente; nesse caso, não se fala em
controle abstrato da constitucionalidade do ato em questão, mas de sua revogação tácita,
muito embora seja possível, nessa hipótese, manejar a ação de Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental, em face do que dispõe o art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.882/99.
A inconstitucionalidade antecedente ou imediata resulta da direta e imediata violação
de norma constitucional. Por seu turno, a consequente ou derivada resulta de um efeito reflexo
da inconstitucionalidade imediata, ou seja, é aquela que atinge certo ato por atingir outro de
que ele depende: trata-se da chamada inconstitucionalidade por arrastamento ou atração. Isso
pode ocorrer intra-norma e inter-normas. No primeiro caso, quando a norma (dispositivo) é
dependente da norma impugnada (outro dispositivo) no mesmo diploma legal. No segundo
caso, quando a norma encontra o seu fundamento de validade em outra norma que foi
impugnada ou mantém relação de dependência com um terceiro ato já declarado
inconstitucional; exemplifica-se com o regulamento em relação à lei, a lei em relação à
medida provisória (no caso de conversão) ou a lei delegada em relação à lei de autorização
(resolução do Congresso Nacional).
A progressiva ocorre quando uma lei ou norma, ainda constitucional, transita
gradualmente para o terreno da inconstitucionalidade, em decorrência de modificação
superveniente de determinado estado fático ou jurídico. Exemplifica-se com a decisão do STF
no Recurso Extraordinário RE 147.776-SP, relatado pelo Min. Sepúlveda Pertence, na qual a
Corte Constitucional entendeu que, enquanto o Estado de São Paulo não instituir e organizar a
Defensoria Pública local, como prevê o art. 134 da Constituição da República, subsistirá,
íntegra, na condição de norma ainda constitucional, a regra contida no art. 68 do Código de
Processo Penal, até que se implementem as condições que viabilizem a transferência
constitucional de atribuições. O dispositivo sob comento prevê que a execução da sentença
condenatória de reparação de dano de pessoa hipossuficiente será promovida pelo Ministério
Público; tal competência foi transferida para a Defensoria Pública, porém no caso concreto
não havia Defensoria Pública instalada para dar cumprimento à disposição constitucional. Em
razão disso, o STF mitigou, no caso concreto, a inconstitucionalidade da execução feita pelo
Ministério Público, dispondo que tal norma permanecerá vigente até que a União ou o EstadoMembro organizem, de fato e de direito, a Defensoria Pública.
Assinala Cunha Júnior (2010, p. 171) que na configuração constitucional atual o
controle concentrado de constitucionalidade das leis ou atos normativos federais ou estaduais,
de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, pode ser provocado, pela via
27
principal, por meio das seguintes ações diretas: ação direta de inconstitucionalidade por ação,
ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ação direta de inconstitucionalidade
interventiva, ação declaratória de constitucionalidade e argüição de descumprimento de
preceito fundamental.
Os Estados-Membros também foram autorizados pela Constituição de 1988 a
instituírem um sistema de controle de constitucionalidade de suas leis ou atos normativos
estaduais e municipais em face de suas Constituições Estaduais, por meio da ação direta de
inconstitucionalidade, tanto por ação como por omissão, de competência exclusiva dos
respectivos Tribunais de Justiça, vedando que se atribua a legitimação para agir apenas a um
único órgão, como dispõe o art. 125, §2º. Por outro lado, o art. 35, IV, primeira parte, da Carta
Magna também franqueou aos Estados-Membros a criação da ação direta de
inconstitucionalidade interventiva, também de competência exclusiva dos Tribunais de
Justiça, proposta pelo Procurador-Geral de Justiça, visando a assegurar a observância dos
princípios indicados na Constituição Estadual
As ações especiais mediante as quais se suscita o controle concentrado-principal de
constitucionalidade possuem caráter de ação objetiva, as quais deflagram um processo
objetivo por meio do qual será solucionada uma controvérsia constitucional. Por intermédio
delas não se compõe qualquer conflito de interesse e, por sua natureza objetiva, não há partes
nem contenda, não há disputa nem tutela de direitos subjetivos. Por haver em tais ações tão
somente a defesa objetiva da Constituição, não se admite desistência, como, inclusive, a esse
respeito dispõe o artigo 5º da Lei nº 9.868/99, que regula o procedimento das mesmas.
Também não cabe a aplicação do instituto da suspeição, conforme ADIn 2.321-MC, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ de 10/06/05, na qual também se decidiu pela inaplicabilidade do instituto
do impedimento; todavia, este último é admitido nos casos em que o magistrado atuou como
requerente, requerido, Advogado-Geral da União e Procurador-Geral da República, como se
decidiu nas ADIn 4, Rel. Min. Sidney Sanches, DJ de 25/06/93. Não se admite também
intervenção de terceiros por qualquer de suas modalidades, como dispõe o art. 7º da Lei
9.868/99, embora seja possível a assistência entre os próprios legitimados ativos, com exceção
daquele legitimado que, eventualmente, figure, no processo concreto, como parte ré.
Finalmente, as ações diretas de controle de constitucionalidade não comportam ação
rescisória.
Cada uma das ações diretas cumpre uma função importante na defesa objetiva da
Constituição. Com relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Ação e à Ação
28
Declaratória de Constitucionalidade, naquela busca-se eliminar do ordenamento positivo uma
lei ou ato normativo conflitante com a Constituição, com a pronúncia de sua
inconstitucionalidade, ao passo que nesta procura-se a preservação de lei ou ato normativo
federal, cuja inconstitucionalidade esteja está sendo suscitada em sede controle constitucional
difuso, com a declaração de sua constitucionalidade.
No tocante à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Ação e à Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão, a diferença entre ambas repousa no fato daquela destinarse a suprimir a norma lesiva à Constituição e desta buscar suprir a omissão ou ausência da
norma ou de medida necessária à efetividade de norma constitucional. Por seu turno, a Ação
Direta
de
Inconstitucionalidade
Interventiva
diferencia-se
da
Ação
Direta
de
Inconstitucionalidade Genérica, seja por ação ou omissão, em virtude daquela preordenar-se a
sancionar politicamente o Estado-Membro ou o Distrito Federal com a intervenção federal e a
conseqüente supressão de sua autonomia política em razão de inobservância dos denominados
princípios constitucionais sensíveis. Quanto à Argüição de Descumprimento de Preceito
Constitucional, não se confunde com as demais ações diretas, pois seu caráter é subsidiário
em relação a elas, além de seu escopo ser limitado à defesa das normas constitucionais
qualificadas como preceitos fundamentais.
Conforme já se assinalou, as ações próprias do controle abstrato de constitucionalidade
não admitem, em regra, a intervenção de terceiros, como nesse sentido dispõem os artigos 7º e
18 da Lei nº 9.868/99, os quais se referem, respectivamente, à Ação Direta de
Inconstitucionalidade e à Ação Direta de Constitucionalidade. Todavia, o citado Diploma
Legal mitigou essa vedação ao dispor no §2º do art. 7º sobre a possibilidade de admissão de
intervenção de outros órgãos e entidades, em razão da relevância da matéria e a
representatividade dos postulantes, que podem intervir no feito na qualidade de “amicus
curiae” (“amigo da Cúria ou da Corte”), figura originária do direito anglo-saxão, desde que
demonstrem interesse objetivo em relação à questão tratada, constituindo-se num terceiro
especial que intervém para auxiliar a Corte.
O STF exarou o seu entendimento nesse sentido, ratificando a disposição de ordem
processual contida na referida norma infraconstitucional, no julgamento da ADIn-MC nº
2.130-SC, relatada pelo Min. Celso de Mello, ao analisar pedido de intervenção naquele feito
formulado pela Associação dos Magistrados Catarinenses para que nele atuasse na qualidade
de “amicus curiae”, em razão do caráter objetivo dessas ações. Trata-se de um instrumento
democrático que possibilita ao cidadão adentrar no mundo fechado do processo de controle
29
abstrato de constitucionalidade para debater temas jurídicos de interesse da sociedade,
permitindo uma interlocução com a opinião pública, o que contribui para legitimar o exercício
da jurisdição constitucional.
Questão instigante que se pode colocar em discussão é se o co-legitimado ativo para
propor as ações diretas inerentes ao controle abstrato de constitucionalidade não estaria
habilitado a intervir no processo de controle abstrato para assistir o proponente. Como já
assinalado, não se admite tal intervenção de terceiros, entendimento esse já exarado,
inclusive, pelo STF. Contudo, a vedação legal e jurisprudencial a esse respeito não guarda
coerência com o status de co-legitimados, a eles atribuído pela Constituição, pois estes podem
propor as referidas ações, não se justificando que não possam intervir como assistentes
litisconsorciais. Em relação a isso, manifestamos nossa concordância com os autores Fredie
Didier Júnior, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, mencionados por Cunha
Júnior (2010, p. 178-179), os quais sustentam que os co-legitimados pelo artigo 103 da
Constituição Federal deveriam poder atuar na qualidade assemelhada à de “assistente
litisconsorcial” do art. 54 do Código de Processo Civil na Ação Direta de
Inconstitucionalidade ajuizada por outro co-legitimado. Todavia, com o advento da Lei nº
12.063, de 27 de outubro de 2009, que introduziu alterações na Lei nº 9.868/99, já se admite a
manifestação por escrito dos demais co-legitimados na Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Omissão, podendo os mesmos requererem a juntada de documentos considerados úteis
para o exame da matéria, assim como apresentar memoriais. Isso talvez represente um passo
no sentido de que venham a ser admitidos também na Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Ação.
De tudo quanto foi exposto, percebe-se sem dificuldade que o sistema brasileiro de
controle concentrado de constitucionalidade é híbrido, pois o órgão incumbido desse controle,
o Supremo Tribunal Federal, tanto o faz por meio do controle abstrato ou direto como por
meio do controle por via de exceção ou incidental. Esse hibridismo está expresso de forma
eloquente num dos instrumentos processuais de tal controle, a Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental. Esta admite duas modalidades: a direta, de natureza estritamente
objetiva, a exemplo das demais ações diretas, e a incidental, provocada diretamente ao STF a
partir de discussão de controvérsia constitucional suscitada em caso concreto discutido em
tribunal.
Pode-se afirmar, assim, que o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade se
encontra posicionado dentre aqueles mais avançados do mundo, possibilitando, inclusive, a
30
participação da sociedade civil por meio da figura dos legitimados para manusear as ações
diretas, assim como por meio do “amicus curiae”, faltando, talvez, aperfeiçoá-lo ainda mais,
admitindo, por exemplo, a assistência litisconsorcial dos legitimados para acionar o controle
direto de constitucionalidade, de modo a não entravar o bom andamento do processo. O
alargamento da participação da sociedade civil na Administração Pública e nos destinos do
País por meio desse instrumento certamente contribuirá para legitimar o Estado Brasileiro
perante a sociedade civil brasileira.
2.2 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
No tópico antecedente, foram delineadas as características básicas das ações diretas de
controle de constitucionalidade instituídas pela Constituição Federal de 1988, particularmente
da ação direta de inconstitucionalidade. Ali ficou expresso que esta se divide em três
modalidades: por ação, por omissão e interventiva, as quais já foram conceituadas.
Para este trabalho, interessa particularmente a ação direta de inconstitucionalidade por
ação, pois o seu objetivo é precisamente analisar os fundamentos da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 4.616, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República a partir de
representação formulada pelo Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil
– SINDIFISCO, mediante a qual se questiona a constitucionalidade de dispositivos da Lei de
Conversão nº 10.593/2002, resultante da Medida Provisória nº 1.815/1999 e suas reedições,
diploma legal aquele que sofreu alterações mediante a Lei nº 11.457/2007. A Lei 10.593/2002
reestruturou a Carreira de Auditoria da então Secretaria da Receita Federal, a qual teve sua
denominação posteriormente alterada pela Lei nº 11.457/2007, que também reestruturou o
próprio Órgão, incorporando à sua estrutura a extinta Secretaria de Receita Previdenciária,
passando parte dos servidores desta (os Auditores Fiscais da Previdência Social) para o
quadro da agora Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Assim, neste tópico, discorrer-se-á sobre alguns aspectos específicos da ação direta de
inconstitucionalidade por ação, que não foram abordados no tópico anterior.
O primeiro aspecto a ser detalhado é aquele referente aos detentores da legitimidade
ad causam para manusear esse instrumento processual. Conforme ensina Cunha Júnior (2010,
p. 192-193), existem dois tipos de legitimados, em decorrência da orientação jurisprudencial
do STF, exarada na decisão da ADIn nº 1.507-MC-AgR, tendo como relator o Min. Carlos
Velloso, DJ de 06/06/97, a saber: os legitimados universais e os não universais ou especiais.
No primeiro rol, figuram o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da
31
Câmara dos Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil e partido político com representação no Congresso Nacional; no
segundo rol, figuram o Governador de Estado-Membro, a Mesa de Assembléia Legislativa, a
confederação sindical e as entidades de classe de âmbito nacional. Com relação a este
segundo tipo de legitimados, ficou assentado nessa decisão que deve ser demonstrada a
pertinência temática ou o interesse de agir dos mesmos, diferentemente dos legitimados do
primeiro tipo, para os quais não se exige tal demonstração.
Além disso, o STF tem consolidado uma jurisprudência restritiva estabelecendo que,
na área sindical, somente as Confederações constituídas em consonância com o disposto no
art. 535 da CLT, que são aquelas formadas por um mínimo de três Federações, possuem
legitimidade para a propositura de ADIn, ficando excluídas as Federações, mesmo que de
âmbito nacional.
Quanto aos partidos políticos, somente os Diretórios Nacionais podem agir em nome
das respectivas agremiações. Vale também destacar que a perda superveniente da
representação parlamentar no Congresso Nacional pela agremiação partidária não acarreta a
perda de sua legitimidade ad causam em ação direta de inconstitucionalidade já em curso,
conforme entendimento mais recente do STF, expresso na ADIn 2.159-AgR, Rel. Min.
Gilmar Mendes, DJ de 24/08/94.
Com referência às entidades de classe de âmbito nacional, o STF fixou um critério
objetivo por aplicação analógica da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, segundo o qual só
reconhece como legitimadas para exercitar o controle abstrato de constitucionalidade as
entidades que possuam associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação,
exigindo-se, ainda, que tais associados ou membros estejam vinculados entre si pelo exercício
da mesma atividade econômica ou profissional. Vale mencionar que o STF passou a
reconhecer também entidades de classe que se apresentem como associações de associações
ou que possuam composição heterogênea, reunindo no seu quadro social pessoas físicas e
jurídicas; esse entendimento foi fixado no julgamento da ADIn 3.153 AgR/DF.
É oportuno frisar que o STF vem reconhecendo que parte dos legitimados ad causam
para propositura dessa ação direta, especificados no art. 103 da Constituição Federal, também
possuem capacidade postulatória, prescindindo da representação por advogado, a saber: o
Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a
Mesa da Assembléia Legislativa do Estado-Membro da Câmara Legislativa do Distrito
32
Federal, o Governador de Estado-Membro ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da
República e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Assim, enquanto
perdurar tal condição, tais legitimados podem praticar quaisquer atos ordinariamente
privativos de advogado. Tal entendimento ficou assentado nos julgamentos das ADIns 96-9 –
Ro (medida liminar, DJ de 10/11/89) e 120-Am (Pleno), Rel. Min. Moreira Alves, julgamento
em 20.03.96, DJU de 26.04.96. Quanto aos demais legitimados, devem fazer-se assistir por
advogado, apresentando a procuração de outorga de poderes específicos para impugnar a
norma, entendimento assentado na ADIN (QO) 2.187-BA, Rel. Min. Octávio Galloti,
julgamento em 24.05.2000.
Não há a menor dúvida de que as Constituições Estaduais devem estar conformes aos
princípios e às disposições da Constituição Federal. Questão interessante é aquela que diz
respeito à competência para o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade que
impugna lei ou ato administrativo em face de norma da Constituição Estadual que repete o
texto de norma da Constituição Federal. Para resolver essa questão, Horta (1988 apud
CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 196-197) leva a efeito construção doutrinária que permite
distinguir entre as normas da Constituição Federal de reprodução obrigatória no texto das
Constituições Estaduais, que chama de “normas de reprodução”, em contraste com aquelas a
que denomina “normas de imitação”, cujo teor é idêntico às normas constitucionais federais e
que são incluídas no texto da Constituição Estadual pelo Estado-Membro no exercício de sua
autonomia política, não sendo de observância obrigatória. Considera que a matéria
envolvendo aquelas deveria ser da competência do STF, ao passo que a matéria envolvendo
estas deveria ser da competência dos Tribunais de Justiça.
Assinala que o STF, a esse respeito, fixou o entendimento de que as decisões dos
Tribunais de Justiça referentes às normas de reprodução obrigatória são passíveis de recurso à
Corte Constitucional mediante recurso extraordinário; devendo-se frisar que, muito embora o
recurso extraordinário seja próprio do controle difuso, a decisão proferida pelo STF terá efeito
erga omnis, como ficou assentado nas decisões referentes aos RE 187.142-RJ, Rel. Min. Ilmar
Galvão, DJU de 02.10.98 e RE 199281-SP, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em
11.11.98) Por outro lado, as decisões dos Tribunais de Justiça concernentes às chamadas
“normas de imitação” são irrecorríveis.
É interessante registrar que as leis e os atos normativos municipais contestados por
afrontarem
a
Constituição
Federal
não
podem
ser
objeto
de
ação
direta
de
inconstitucionalidade junto ao STF. O que se admite, nesse caso, é o manuseio da argüição de
33
descumprimento de preceito fundamental, que possui caráter subsidiário em relação às demais
ações diretas, se a matéria objeto da contestação estiver inserida no rol daquelas passíveis de
provocação ao STF por meio da ADPF. Para as demais matérias, essas deverão ser argüidas
em face da Constituição Estadual, pois os Estados-Membros foram autorizados pela
Constituição Federal em seu art. 125, §2º, a instituírem representação de inconstitucionalidade
de leis ou atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição Estadual, sendo o
Tribunal de Justiça o órgão detentor de competência exclusiva para realizar tal controle de
constitucionalidade.
Tais disposições relativas aos municípios nos parecem perfeitamente coerentes, vistas
de uma perspectiva sistêmica. Assim, no que pertine às leis e atos normativos municipais,
caso ofendam preceitos fundamentais, podem ser atacados diretamente junto ao STF por meio
de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental; caso ofendam normas
constitucionais de reprodução obrigatória pelas Constituições Estaduais, podem ser atacados
por Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Tribunal de Justiça. Deste modo, nenhum
preceito de alta relevância insculpido na Constituição Federal, de observância obrigatória pela
Constituição Estadual, que seja eventualmente violado pelo ente municipal, escapará do
controle de constitucionalidade. Esse procedimento para o controle de constitucionalidade das
leis e atos normativos municipais nos parece perfeitamente coerente com o sistema federativo.
Além disso, desafoga o STF, que ficaria ainda mais assoberbado com as demandas oriundas
de violação de preceitos constitucionais por leis e atos normativos municipais, caso estes
pudessem ser objeto de ação direta junto à mais alta Corte do País.
Outro aspecto que deve ser salientado é aquele que diz respeito à natureza dos atos do
Poder Público passíveis de controle abstrato de constitucionalidade. Anteriormente, o STF
não admitia que lhe fosse submetido, para a realização de tal controle, ato do Poder Público
que tivesse efeitos concretos, a exemplo de lei que declara a utilidade pública ou o interesse
social de determinado imóvel para fins de desapropriação, que concede isenção fiscal a
empresa, que cria um município, autarquia ou fundação pública, que autoriza a criação de
uma sociedade de economia mista ou empresa pública, que autoriza a alienação de um bem
público ou a doação, pelo Poder Executivo, de determinado imóvel público. Tal postura do
STF se baseava no fundamento de que os atos que lhe fossem encaminhados para esse tipo de
controle deveriam se revestir dos atributos de generalidade, abstração e impessoalidade.
Porém, tal entendimento foi posteriormente alterado, por meio da ADIn 4.048-MC, Rel. Min.
34
Gilmar Mendes, julgamento em 14.05.2008, DJE de 22.08.2008, citada por Cunha Júnior
(2010, p. 201), no qual o STF exarou o seu novel entendimento, sustentando que
O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma
controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independentemente do caráter
geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto.
Os atos suscetíveis de controle abstrato por via de ação direta de inconstitucionalidade
são, de modo geral, aqueles previstos no art. 59 da Constituição Federal:
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
VII - resoluções.
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e
consolidação das leis.
Além daqueles, Cunha Júnior (2010, p. 207-208) menciona outros, a saber: decretolegislativo do Congresso Nacional e decreto de promulgação do Presidente da República,
relativos à incorporação no ordenamento jurídico interno de disposições de tratados
internacionais ratificados pelo Brasil; regulamentos, quando estes são de execução e invadem
domínio de reserva legal ou quando se trata de regulamentos autônomos ou independentes,
que se relacionam diretamente com a Constituição e possuem força de lei, a exemplo de
decreto autônomo editado pelo Poder Executivo, conforme ficou assentado no julgamento da
ADIn 1.969-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 05/03/04; e regimentos dos tribunais.
O procedimento referente à Ação Direta de Inconstitucionalidade está contido na Lei
nº 9.868, de 10 de novembro de 1999.
A decisão proferida pelo STF que declara a inconstitucionalidade ou a
constitucionalidade da lei ou do ato normativo impugnado ou questionado tem eficácia contra
todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública
federal, estadual e municipal. Deve-se assinalar que o STF vem atribuindo essa vinculação
35
não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos fundamentos determinantes da
decisão, que podem ser aplicados em outras ações, inclusive fora da ação direta. A isso o
próprio Tribunal denominou de efeito transcendente dos motivos determinantes, como
ocorreu no julgamento da Reclamação nº 2896, Rel. Min. Celso de Mello, DJU, de
18.03.2005, ensejando o surgimento da teoria da transcendência dos motivos determinantes,
exposta por Pedro Lenza, citado por Cunha Júnior (2010, p. 214).
Nesse ponto, cabe uma crítica ao sistema pátrio de controle concentrado de
constitucionalidade: a declaração de inconstitucionalidade não tem efeito vinculante em
relação ao Poder Legislativo, ou seja, este poderá, se assim o quiser, produzir outra lei de teor
exatamente igual ao da lei impugnada pelo STF. A nosso ver, isso compromete a relação de
equilíbrio entre os poderes, pois em tal hipótese ocorre uma demonstração de desrespeito de
um poder em relação ao outro, sobretudo ao órgão incumbido de fazer o controle abstrato de
constitucionalidade. Tal conduta do Poder Legislativo numa tal hipótese só seria aceitável se
o STF exarasse uma decisão notoriamente esdrúxula, emulando o pior período vivido pela
Suprema Corte dos Estados Unidos da América, o qual ficou, como já dito, conhecido como
“governo dos juízes”, pois a mesma se arvorou a interpretar ao seu bel-prazer todas as normas
que lhe foram encaminhadas, atropelando todos os demais poderes constituídos e entravando
o desenvolvimento daquele País, o que acarretou muitas queixas e lhe rendeu violentas
críticas.
A declaração de inconstitucionalidade acarreta, em regra, a pronúncia da nulidade
desde o nascedouro do ato, produzindo, portanto, efeitos ex tunc, não atingindo, no entanto, a
sentença transitada em julgado, cujo fundamento tenha sido a lei ou ato normativo fulminado
pela declaração de inconstitucionalidade. Esse efeito retroativo tem, inclusive, o condão de
produzir efeitos repristinatórios, isto é, restabelecer a legislação anterior que havia sido
revogada pela lei declarada nula. Todavia, tal nulidade retroativa é mitigada pelo art. 27 da
Lei 9.868/99 ao permitir que o STF, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo, objetivando salvaguardar o princípio da segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, desde que se pronuncie por maioria de dois terços de seus membros, restrinja
os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decida que ela só tenha eficácia a partir
de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Deste modo,
concedeu-se ao STF o poder de excepcionar a regra geral do efeito erga omnis e do efeito ex
tunc, para emprestar a essas decisões efeitos mais limitados e efeitos constitutivos ex nunc ou
pro futuro.
36
Nessa flexibilização da produção de efeitos da declaração de inconstitucionalidade, o
Brasil se assemelha à Áustria e à Alemanha: nesses países, o efeito da anulação da lei
inconstitucional é, no máximo, ex nunc, sendo freqüentemente diferido, concedendo-se ao
órgão de onde emanou a norma impugnada um prazo para a elaboração de outra norma
semelhante livre do vício de inconstitucionalidade que fulminou aquela. Tal procedimento,
adotado pelos Tribunais Constitucionais daqueles países, visa a salvaguardar a segurança
jurídica, em razão dos danos que poderia provocar a imediata anulação da lei inquinada de
inconstitucionalidade. Ademais, Kelsen considerava que a lei declarada inconstitucional só o
era a partir daquele momento; até então, ela era uma lei perfeitamente válida dentro do
ordenamento jurídico.
Esse entendimento de Kelsen, expresso na sua Teoria Pura do Direito, resulta da sua
concepção de que não existem leis intrinsecamente inconstitucionais; para ele, existem apenas
leis que são retiradas da ordem jurídica mediante declaração de inconstitucionalidade, da
mesma forma que uma lei retira outra da ordem jurídica, revogando-a. Por essa razão, ele
rejeita categoricamente que a lei declarada inconstitucional seja nula desde a sua entrada na
ordem jurídica. Esse posicionamento decorre do fato de que ele abstrai o aspecto valorativo da
norma jurídica, que ele entende estar fora do escopo do objeto da Ciência do Direito, pois esse
aspecto, para ele, pertence ao terreno da Política e não do Direito. A respeito deste último
aspecto, discorre Kelsen (1996, p. 1-2):
A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em
geral, não de uma ordem jurídica especial. É teoria geral do Direito, não
interpretação de particulares normas jurídicas, nacionais ou internacionais. Contudo,
fornece uma teoria da interpretação.
Como teoria, quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio objeto. Procura
responder a esta questão: o que é e como é o Direito? Mas já não lhe importa a
questão de saber como deve ser o Direito, ou como deve ele ser feito. É ciência
jurídica e não política do Direito.
Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela
se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito, e excluir deste
conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa,
rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a
ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio
metodológico fundamental.
[...]. De um modo inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se confundido com a
psicologia e a sociologia, com a ética e a teoria política. Esta confusão pode
37
porventura explicar-se pelo fato de estas ciências se referirem a objetos que
indubitavelmente têm uma estreita conexão com o Direito. Quando a Teoria Pura
empreende delimitar o conhecimento do Direito em face destas disciplinas, fá-lo não
por ignorar ou, muito menos, por negar essa conexão, mas porque intenta evitar um
sincretismo metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os
limites que lhe são impostos pela natureza do seu objeto.
Assim, o que ele quer dizer é que a Teoria Pura do Direito pretende oferecer um meio
de se conhecer e de se interpretar o Direito dentro de qualquer ordem jurídica positiva, não
fazendo parte de seu objeto questionar os valores de tal ou qual ordem jurídica, mas tão
somente estudá-lo para conhecê-lo e aplicá-lo. Sob essa ótica, pouco importa se se trata de
uma ordem jurídica democrática, autoritária, fascista, nazista, etc.; o que importa é conhecer
cada sistema hierarquizado de normas jurídicas em que cada norma tem o seu fundamento de
validade naquela que lhe é imediatamente superior e à qual esteja vinculada, até se chegar à
norma superior do sistema, a qual, por seu turno, tem seu fundamento de validade na chamada
norma fundamental, de natureza não jurídica, a qual nada mais é, em última instância, que o
poder político prevalecente em dada sociedade e em dado momento histórico capaz de
propiciar a manutenção de tal ordem jurídica. Em decorrência dessa concepção do Direito,
afirma Kelsen (1996, p. 300) sobre inconstitucionalidade:
[...] Se a afirmação, corrente na jurisprudência tradicional, de que uma lei é
inconstitucional há de ter um sentido jurídico possível, não pode ser tomada ao pé da
letra. O seu significado apenas pode ser o de que a lei em questão, de acordo com a
Constituição, pode ser revogada não só pelo processo usual, quer dizer, por uma
outra lei, segundo o princípio lex posterior derogat priori, mas também através de
um processo especial, previsto pela Constituição. Enquanto, porém, não for
revogada, tem de ser considerada como válida; e, enquanto for válida, não pode ser
inconstitucional. (grifos do autor citado).
A conseqüência desse ponto de vista é a rejeição do conceito de nulidade da norma
jurídica. A esse respeito, Kelsen (1996, p. 306-308) sustenta que o mero ingresso de uma lei
em dada ordem jurídica, confere-lhe, por si só, o atributo de juridicidade. Sob sua ótica,
somente é admissível a anulabilidade, com efeitos ex nunc , admitindo, no entanto, para certos
casos, a anulação com efeito retroativo:
Do que acima fica dito também resulta que, dentro de uma ordem jurídica não pode
haver algo como a nulidade, que uma norma pertencente a uma ordem jurídica não
pode ser nula mas apenas pode ser anulável. Mas esta anulabilidade prevista pela
ordem jurídica pode ter diferentes graus. Uma norma jurídica em regra somente é
anulada com efeitos para futuro, por forma que os efeitos já produzidos que deixa
38
para trás permanecem intocados. Mas também pode ser anulada com efeito
retroativo, por forma tal que os atos jurídicos que ela deixou atrás de si sejam
destruídos: tal, por exemplo, a anulação de uma lei penal, acompanhada da anulação
de todas as decisões judiciais proferidas com base nela; ou de uma lei civil,
acompanhada da anulação de todos os negócios jurídicos celebrados e decisões
jurisdicionais proferidas com fundamento nessa lei. Porém, a lei foi válida até a sua
anulação. Ela não era nula desde o início. Não é, portanto, correto, o que se afirma
quando a decisão anulatória da lei é designada como “declaração de nulidade”,
quando o órgão que anula a lei declara na sua decisão essa lei como “nula desde o
início” (ex tunc). (grifos do autor citado).
Esse entendimento do notável mestre vienense decorre do exercício intelectual que fez
na sua obstinada busca por um status científico para o Direito, que até então tinha sido um
apêndice da Religião e da Filosofia; assim, queria ele, a todo custo, evitar que o Direito se
tornasse um apêndice da Política ou até mesmo da Sociologia. Para isso, isolou da norma
jurídica um elemento que lhe é intrínseco e do qual decorre o seu teor material ou substantivo,
inseparável da mesma, o elemento político, por ele retirado deliberadamente do objeto da
ciência jurídica que intentava inaugurar, do que resultou uma espécie de autopoiese do
Direito, ou seja, o Direito bastando a si mesmo. Essa atitude acabou por lhe render fortes
críticas, pois serviu até mesmo para legitimar sistemas de leis como o do regime nazista na
Alemanha, já que a juridicidade estaria assegurada desde que tivessem sido produzidas dentro
do regular processo legislativo.
Por outro lado, há de se convir que se esse entendimento do brilhante jurista vienense
fosse aplicado à realidade da cultura brasileira, ou seja, se aqui a declaração de
inconstitucionalidade acarretasse, em regra, a produção de efeitos ex nunc, certamente haveria
muito mais problemas que os já existentes em relação à produção de leis e atos normativos
eivados de inconstitucionalidade. Neste país, pródigo de agentes políticos e públicos de
condutas tão deploráveis no trato com a coisa pública, como o demonstram fartamente o
noticiário que circula diariamente nos meios midiáticos e a expressiva quantidade de ações de
improbidade administrativa que tramitam no Poder Judiciário, sabedores disso, tais agentes
produziriam leis e atos normativos verdadeiramente facinorosos para locupletarem a si
mesmos e a terceiros com o dinheiro público e vantagens indevidas de todo tipo, pois teriam a
certeza de que os atos praticados com base na legislação que fosse declarada inconstitucional
não seriam atingidos retroativamente. Assim, o que serve na Áustria e na Alemanha para
salvaguardar o princípio da segurança jurídica, aqui serviria para salvaguardar a corrupção e a
impunidade dos agentes, pois, como se sabe, é perfeitamente possível perpetrar atentados aos
39
princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa mantendo-se dentro dos marcos
da legalidade estrita. Portanto, foi mais que acertada a decisão dos legisladores pátrios em
favor da produção de efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo.
Vale ressaltar ainda que, mesmo num regime democrático do ponto de vista da
produção do Direito, isto é, sob o ponto de vista formal, podem ser produzidas leis de
natureza antidemocrática. Daí a afirmação de o Brasil é um Estado Democrático de Direito,
mas ainda não é um Estado de Direito Democrático (informação verbal).1 Isso pode parecer,
para alguns, um mero jogo de palavras, porém são expressões reveladoras: com efeito,
“Estado Democrático de Direito” refere-se à forma de produção do Direito, ou seja, mediante
instituições e ritos próprios de um regime democrático, diz respeito ao aspecto processual ou
adjetivo do Direito. Contudo, “Estado de Direito Democrático” refere-se ao conteúdo do
Direito produzido, ou seja, diz respeito ao aspecto material ou substantivo do Direito.
Seguramente, tal assertiva do ilustre mestre ainda permanece atual, naturalmente em menor
grau, devido aos avanços sociais que ocorreram no País no período que se seguiu à sua
afirmativa.
Como já assinalado, uma das formas mais eficazes de renovar a Constituição, de modo
que esta contemple as demandas sociais, prevenindo um acúmulo de elementos de crise
desestabilizadores da governabilidade, são as técnicas interpretativas. Cunha Júnior (2010, p.
219) assinala que em relação aos efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade, o
STF vem adotando técnicas compatíveis com o controle abstrato de constitucionalidade, como
é o caso da técnica da interpretação conforme a Constituição, de matriz alemã, e da declaração
parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.
Não é demais lembrar, por exemplo, que há não muitos anos havia na cultura da
magistratura brasileira, refletida na jurisprudência conservadora do Poder Judiciário, o
entendimento de que os princípios constitucionais não passavam de belas declarações
insculpidas na nossa Constituição Federal e que os mesmos não se revestiriam da qualidade
de norma jurídica positiva, portanto não se poderia prolatar uma sentença fundamentada em
tais princípios, sobretudo se houvesse regulamentação infraconstitucional da matéria dispondo
em sentido diverso ao do texto constitucional ou se não houvesse regulamentação
1
Afirmação do mestre constitucionalista pátrio Carlos Ayres Britto, atualmente Ministro do Supremo
Tribunal Federal, em aula que ministrou no seu curso de Direito Constitucional na Universidade Federal de
Sergipe, no segundo semestre letivo do ano 2000.
40
infraconstitucional de tal matéria. Isso começou a ser quebrado pela corrente da magistratura
que se insurgiu contra esse legalismo estrito em descompasso com os princípios e com o
espírito da Constituição Federal, sobretudo no Rio grande do Sul e em Santa Catarina, com o
movimento que ficou conhecido como Direito Alternativo, sendo o juiz e atual
desembargador gaúcho Amilton Bueno de Carvalho o seu maior expoente. Hoje, pode-se
dizer que tal entendimento legalista encontra-se superado, ainda que haja magistrados
recalcitrantes
no
seu
labor cotidiano,
condicionados
pela cultura do
legalismo
infraconstitucional estrito.
A técnica da interpretação conforme a Constituição preserva a norma cujo texto possui
caráter polissêmico e declara a ação direta de inconstitucionalidade parcialmente procedente,
declarando inconstitucionais os sentidos admissíveis para tal texto que não se coadunem com
o espírito da Carta Magna. Tal técnica interpretativa equipara-se a uma declaração de
inconstitucionalidade sem redução de texto, mas segundo Cunha Júnior (2010, p. 219), com
esta não se confunde.
Assim, a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto é a técnica que
consiste em considerar inconstitucional determinada hipótese de aplicação da lei, sem
proceder a qualquer alteração do seu texto normativo. Distingue-se da técnica da interpretação
conforme, pois, por meio desta, o STF exclui determinadas hipóteses de interpretação da
norma, para lhe emprestar aquela que lhe compatibilize com o espírito contido no texto
constitucional, ao passo que na técnica da declaração parcial de inconstitucionalidade sem
redução de texto o STF exclui determinadas hipóteses de aplicação da norma, as quais seriam
aparentemente viáveis e que conduziriam a uma inconstitucionalidade. Dito de outra forma,
na interpretação conforme se trata de escolher um sentido mais adequado para a norma em
face da Constituição; já na declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto,
trata-se de invalidar a premissa de aplicação da norma, que é uma hipótese descabida de
aplicação da mesma. Essa distinção entre ambas vem sendo feita pelo STF, de que são
exemplos as decisões proferidas nas ADIns 491 e 939.
Cunha Júnior (2010, p. 221) menciona, ainda, outra técnica decisória de matriz alemã,
que ele reputa aplicável ao Brasil, cujo uso entre nós nos parece merecedor de crítica. Trata-se
da técnica denominada apelo ao legislador, mediante a qual o Tribunal reconhece a
constitucionalidade da lei, mas recomenda ao legislador que formule disposição
complementar que a corrija, sob pena dessa migrar para o terreno da inconstitucionalidade. O
Congresso Nacional, no entanto, não tem obrigação de acatar esse apelo do STF e produzir a
41
lei solicitada. Caso o Congresso Nacional fique inerte, a lei declarada ainda constitucional
reputar-se-á válida até que, mediante nova provocação, a Corte profira nova decisão. Tendo
em vista o perfil pouco responsável do nosso Poder Legislativo, que tem se revelado, ao longo
dos anos, bastante omisso quanto aos seus deveres legislativos, consideramos tal técnica
inócua, semelhante àquela aplicada ao mandado de injunção, mediante a qual o STF fazia o
mesmo tipo de solicitação ao Congresso Nacional, desta feita para suprir ausência de
regulamentação infraconstitucional de direito previsto na Constituição, cujo exercício ficava
inviabilizado em razão da inexistência de tal regulamentação. Em razão da inércia em que se
quedava o Congresso Nacional quanto ao pedido do STF, a parte interessada era obrigada a
provocar novamente o STF, pelo mesmo motivo, apenas com a diferença de que na segunda
provocação levava-se a informação que o Congresso Nacional não tinha editado a lei
solicitada. A nosso ver, esse tipo de técnica só consegue mesmo frustrar o cidadão na sua
pretensão de exercer um legítimo direito que lhe é assegurado pela Constituição, mas que não
pode fazê-lo pela inação dos poderes constituídos.
Também é mencionado por Cunha Júnior (2010, p. 221) que o STF vem adotando a
técnica da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade quando a situação
ensejadora da propositura da ação mostrar-se absolutamente inalterada em virtude do estado
de fato consolidado ou a pronúncia dos seus efeitos propiciar um agravamento do seu estado
de inconstitucionalidade. Tal caso é exemplificado com a decisão proferida na ADIn 3.316,
Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 09.05.2007, DJ de 29.06.2007, a qual tratava da criação
de município por lei estadual de Mato Grosso após a Emenda Constitucional Federal nº 15/96
sem que ainda existisse a lei complementar federal prevista na referida Emenda. A ação direta
foi julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciada a nulidade
pelo prazo de 24 meses.
Quanto ao quórum, é necessária a presença de pelo menos oito Ministros para o STF
proferir a decisão final e o voto de pelo menos seis deles para proclamar a constitucionalidade
ou a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado, conforme o caso, de acordo
com o que dispõe o art. 23 da Lei nº 9.868/99. Não sendo alcançada a maioria necessária nele
prevista e estando ausentes Ministros em número que possa influir no resultado do
julgamento, o parágrafo único do mesmo dispositivo legal exige que o julgamento seja
suspenso, a fim de se aguardar o comparecimento dos Ministros ausentes, até que se atinja o
número necessário para prolação da decisão.
42
A decisão declaratória da inconstitucionalidade ou da constitucionalidade da lei ou do
ato normativo em sede de ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de
constitucionalidade é irrecorrível, admitindo apenas embargos declaratórios, e não pode ser
objeto de ação rescisória.
Cumpre frisar que no sistema brasileiro de controle abstrato de constitucionalidade
não se admite a argüição de inconstitucionalidade de normas de status inferior da própria
Constituição em relação às chamadas cláusulas pétreas em face destas, como assinala Moraes
(2006, p. 669). Esse é um traço distintivo do sistema brasileiro em relação ao sistema alemão
de controle concentrado de constitucionalidade, pois no nosso sistema considera-se a norma
inserta no texto da Carta Magna como de natureza intrinsecamente constitucional, só podendo
dela ser retirada por meio de emenda constitucional.
Sobre o prazo para interposição de ação direta, salienta Moraes (2006, p. 681), citando
manifestação do STF na ADIn nº 1.247-9-PA – medida liminar, Rel. Min. Celso de Mello, DJ
de 08.09.1995, que a ação direta de inconstitucionalidade não está sujeita à observância de
qualquer prazo de natureza prescricional ou decadencial, tendo em vista que os atos
inconstitucionais não se convalidam pelo transcurso do tempo.
Quanto à abrangência do exame do Supremo Tribunal Federal da arguição de
inconstitucionalidade a ele submetida, frisa Moraes (2006, p. 687) que a nossa Corte
Constitucional não está adstrita aos fundamentos ou à causa de pedir, embora esteja
condicionada ao pedido, podendo declarar a inconstitucionalidade por fundamentos diversos
daqueles invocados na argüição do autor da ação direta. Nesse mesmo sentido se pronuncia
Cunha Júnior (2010, p. 174), acrescentando que também os Tribunais de Justiça dos Estados,
no exercício do Controle Abstrato de Constitucionalidade das leis ou atos municipais e
estaduais em face da Constituição Estadual, não estão adstritos aos fundamentos do pedido, e
possuem igualmente ampla liberdade para examinar as normas constitucionais que servirão de
referência para a fiscalização da constitucionalidade, pois nas ações diretas a causa de pedir é
aberta.
Com relação a esse último aspecto, entendemos que nas ações diretas do controle
abstrato de constitucionalidade deveria haver mitigação da vinculação do órgão jurisdicional
ao pedido. Isso porque, diferentemente das ações que envolvem caso concreto, aqui não
existem direitos subjetivos em questão, os quais podem ser exercitados pela parte interessada
ou não, pois tais direitos são geralmente disponíveis. Portanto, como nas ações diretas do
43
controle concentrado de constitucionalidade não há direitos disponíveis subjetivos em
questão, entendemos que a nossa Corte Suprema deveria ter ampla liberdade para analisar,
com toda a profundidade, amplitude e alcance possíveis, a questão a ela submetida.
Finalmente, cumpre-nos registrar que nos parece que a técnica de interpretação
conforme o espírito da constituição, atualmente adotada pelo STF, é particularmente adequada
à nossa Constituição Federal, tendo em vista o seu caráter inclusivo, de numerus apertus, que
é proclamado no parágrafo 2º do seu artigo 5º: “ Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
A nosso ver, tal técnica se constitui num instrumento hermenêutico que propicia o
permanente aperfeiçoamento material da nossa Carta Magna sem que seja necessário alterarse o seu texto formal, de modo a que, cada vez mais, o seu cognome de “Constituição Cidadã”
se consubstancie na melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro, seu artífice e
destinatário.
44
3. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Neste capítulo, discorrer-se-á sobre a natureza da função administrativa e da
Administração Pública, buscando-se elucidar conceitos que serão utilizados como ferramentas
no capítulo conseqüente, em cujo âmbito se dará o desenvolvimento do cerne deste trabalho.
Aqui também se fará um histórico detalhado da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita
Federal do Brasil, desde a sua gênese até os dias atuais, que traz no seu bojo a história da
reestruturação do próprio Órgão onde está sediada a referida Carreira, tendo em vista que a
história da mencionada Carreira está diretamente atrelada àquela do Órgão onde se insere.
Encerrando o capítulo, proceder-se-á a uma discussão a respeito das disposições
constitucionais e infraconstitucionais com relação ao provimento de cargo público efetivo.
O conceito mais completo e abrangente de Administração Pública é certamente aquele
que integra tanto o aspecto formal ou orgânico como o aspecto material ou instrumental a ela
relacionados. Assim, poder-se-ia dizer que Administração Pública é o conjunto dos órgãos e
entidades dotados de instrumentalidade para desempenharem as funções e atribuições que lhe
são cometidas e que visam à realização dos objetivos colimados pela Constituição Federal em
prol do bem-estar social e em consonância com os princípios por ela estabelecidos.
Mas passemos em revista o pensamento a esse respeito de alguns dos principais
doutrinadores pátrios da área do Direito Administrativo.
Para Meirelles (2002, p. 62-64), organização da Administração é a estruturação legal
das entidades e órgãos que irão desempenhar as funções por meio de agentes públicos, que
são pessoas físicas. Tal organização comumente se faz por lei e, excepcionalmente, por
decreto e normas inferiores quando não exige a criação de cargos nem implica em aumento da
despesa pública. Recorrendo ao magistério de Paul Meyer, administrativista estadunidense,
ensina o mestre pátrio que ao Direito Administrativo incumbe determinar as regras jurídicas
de organização e funcionamento do complexo estatal, ao passo que as técnicas de
administração indicam os instrumentos e a conduta mais adequada ao pleno desempenho das
atribuições da Administração. Assim, seriam distintas dimensões que devem coexistir e
permear toda a organização estatal, autárquica, fundacional e paraestatal com o fito de bem
ordenar os órgãos, distribuir as funções, fixar as competências e capacitar os agentes públicos
para a satisfatória prestação dos serviços públicos ou de interesse coletivo, objetivo último do
Governo e do Estado.
45
Nesse ponto, ele estabelece o confronto entre Governo e Administração. Frisa que
andam juntos e freqüentemente se confunde um com o outro, muito embora expressem
conceitos distintos sob vários aspectos. Assim, Governo, em sentido formal, é o conjunto de
Poderes e órgãos constitucionais; trata-se, pois, do complexo de funções estatais básicas. No
sentido operacional, é a condução política dos negócios públicos. O Governo ora se identifica
com os Poderes e órgãos supremos do Estado, ora se manifesta nas funções originárias desses
Poderes e órgãos como expressão da Soberania. O traço distintivo e constante do Governo,
porém, é sua expressão política de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e
de manutenção da ordem jurídica vigente; o Governo atua por meio de atos de Soberania ou,
ao menos, de autonomia política na condução dos negócios públicos.
Por seu turno, esclarece o notável mestre, Administração Pública é, no sentido formal,
conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo, ao passo que, no
sentido material, é conjunto das funções necessárias à execução dos serviços públicos em
geral. Na acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos
serviços inerentes ao Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Enfeixando
uma visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à
realização de serviços, objetivando a satisfação das necessidades coletivas. Ressalta ele que a
Administração Pública não pratica atos de governo, mas de execução, com maior ou menor
autonomia funcional, de acordo com a competência do órgão e de seus respectivos agentes,
que se traduzem precisamente nos chamados atos administrativos.
Continua seu raciocínio afirmando que Governo é atividade política e discricionária,
enquanto Administração é atividade neutra, geralmente vinculada à lei ou à norma técnica.
Governo é conduta independente, ao passo que administração é conduta hierarquizada. O
Governo
comanda
com
responsabilidade
constitucional
e
política,
todavia
sem
responsabilidade profissional pela execução, enquanto a Administração executa sem
responsabilidade constitucional ou política, mas com responsabilidade legal e técnica pela
execução. Do exposto, afirma ele, não se deve deduzir que a Administração não tenha poder
decisório. Ela o tem, mas apenas na esfera de suas atribuições e dentro dos limites legais que
circunscrevem sua competência executiva, podendo opinar e decidir apenas sobre assuntos
jurídicos, técnicos, financeiros ou de conveniência e oportunidade administrativas, sem que
lhe seja cometida qualquer faculdade de opção política a respeito da matéria.
Passemos, agora, ao pensamento de Bandeira de Mello (2002, p. 27-35) a respeito das
funções do Estado.
46
Segundo esse autor, função pública, no Estado Democrático de Direito, consiste na
atividade exercida no cumprimento do dever de satisfazer o interesse público por meio dos
usos dos poderes instrumentalmente necessários, que são conferidos pela ordem jurídica.
Ele assinala que nos dias atuais, no mundo ocidental, prevalece de forma esmagadora,
no âmbito doutrinário, a concepção de que o Estado se caracteriza por uma trilogia de
funções: a legislativa, a administrativa ou executiva e a jurisdicional. Ressalva, no entanto,
vozes dissonantes desse entendimento quase unânime, citando Hans Kelsen, segundo o qual
as funções estatais são duas: a de criar o Direito, que consiste na produção da legislação, e a
de executar o Direito, encargo que é levado a efeito tanto pela Administração como pela
Jurisdição. Frisa, ainda, que há determinados atos estatais que parecem não se amoldar bem a
esse modelo de função estatal tripartida.
O ilustre administrativista pátrio faz, então, uma interessante discussão a respeito da
natureza das funções estatais. Desse modo, ele afirma que essa trilogia não corresponde a uma
essência inexorável da natureza das coisas, é pura e simplesmente uma singular e notável
construção política muito bem sucedida, tendo em vista que recebeu uma ampla e invulgar
consagração jurídica. Sua concepção por Montesquieu teve, a seu ver, um viés ideológico,
visando a impedir a concentração de poderes de modo a preservar a liberdade dos homens
contra abusos e tiranias dos governantes.
Em seguida, expõe o raciocínio utilizado por Montesquieu na formulação de sua
célebre teoria da separação dos poderes. Segundo o trecho por ele traduzido da obra do
pensador francês:
É uma experiência eterna que todo homem que tem poder tende a abusar dele e só
pára quando encontra limites. Por isso, para que não possa abusar do poder, torna-se
necessário que o poder detenha o poder. Quando na mesma pessoa ou no mesmo
colegiado o poder legislativo estiver reunido ao poder executivo, não há liberdade,
porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado façam leis tirânicas
para executá-las tiranicamente. Também não há liberdade se o poder de julgar não
estiver separado do poder legislativo e do poder executivo. Se ele estiver confundido
com o poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria
arbitrário, pois o juiz seria legislador; por outro lado, se ele estiver confundido com
o poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se
o mesmo homem ou o mesmo corpo de principais, nobres ou povo, exercessem estes
três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar as
questões dos particulares.
47
Observa Bandeira de Mello que nos diversos Direitos Constitucionais positivos, dentre
os quais o brasileiro, a distribuição das funções estatais não se processa de modo a preservar
com rigidez absoluta a exclusividade de cada poder no desempenho da função que lhe confere
o respectivo nome. Tal solução normativa resultaria, em princípio, do expresso propósito de
estabelecer os chamados freios e contrapesos, mecanismo mediante o qual se pretende
promover um melhor equilíbrio articulado entre os chamados poderes, os quais, assinala, são,
em realidade, órgãos do Poder, pois este é uno.
Prossegue o renomado administrativista discorrendo sobre os critérios de distinção das
funções do Estado. Afirma que, em última instância, esses podem ser reduzidos a somente
dois: um critério orgânico ou subjetivo, que propõe identificar a função por meio de quem a
produz; e um critério objetivo, que leva em conta a atividade, entendida como um dado
objeto, em oposição a um sujeito.
A respeito do critério objetivo, assinala que este se subdivide em dois outros: um
critério material ou substancial, que procura reconhecer a função a partir de elementos
intrínsecos a ela, e um critério formal, que se apega basicamente em características “de
direito”, ou seja, em atributos que se deduzem especificamente do tratamento normativo que
lhes corresponda, independentemente da similitude material que tais ou quais atividades
possam apresentar entre si.
Pondera que, de acordo com tais formulações, tanto Legislativo, como Judiciário,
como Executivo, exerceriam as três funções estatais: de modo normal e típico, aquelas que
lhes correspondem primariamente e, em caráter menos comum, ou até mesmo em certas
situações invulgares tal qual ocorre no processo de impeachment, funções que, em princípio,
seriam pertinentes a outros poderes ou, mais apropriadamente, a outros órgãos do Poder.
Por fim, conclui que o critério adequado para identificar as funções estatais é o formal,
ou seja, aquele que se prende a características que ficam impregnadas em tal ou qual função
pelo próprio Direito. Deste modo, função legislativa é aquela em que o Estado, e somente ele,
exerce por meio de normas gerais, inovando inicialmente na ordem jurídica, que se fundam
direta e imediatamente na Constituição. Função jurisdicional é aquela em que o Estado, e
somente ele, exerce por meio de decisões que solucionam controvérsias com força de coisa
julgada. E, finalmente, função administrativa é aquela em que o Estado, ou quem desempenhe
esse papel, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos, cujo traço distintivo,
no sistema constitucional brasileiro, é o fato de ser desempenhada por meio de
48
comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, sujeitos todos a
controle de legalidade pelo Poder Judiciário.
Debrucemo-nos agora sobre o entendimento de Gasparini (2009, p. 43-46). Ele
menciona três critérios para definir Administração Pública: o negativista ou residual, o formal
e o material.
O primeiro é aquele segundo o qual administração pública é toda atividade do Estado
que não seja legislativa e judiciária. Ele sublinha que esse critério parece se originar nas
formações sociais primitivas, embrionárias das formações estatais, nas quais o poder estava
concentrado na mão do chefe, que administrava, legislava e julgava. Ao se retirar dele,
posteriormente, as atividades de legislar e julgar, teria restado a atividade de administrar.
Porém, tal critério não é satisfatório, posto que os vocábulos legislar e julgar, que seriam, em
tese, intrínsecos, respectivamente, às atividades legislativa e judiciária, são vocábulos
equívocos, ou seja, possuem mais de um sentido.
O critério formal, também chamado de orgânico ou subjetivo, é aquele que aponta
para um conjunto de órgãos incumbidos das funções administrativas.
Quanto ao critério material, também denominado de objetivo, administração pública é
um complexo de atividades concretas e imediatas desempenhadas pelo Estado sob os termos e
condições da lei, com vistas ao atendimento das necessidades coletivas.
De acordo com o critério formal, administração pública é sinônimo de Estado
(Administração Pública); já segundo o critério material, corresponde a atividade
administrativa (administração pública). Citando José Afonso da Silva, ele afirma que,
segundo aquele constitucionalista, o artigo 37 da Constituição Federal usa a locução
“Administração Pública” com esses dois sentidos ao asseverar que o citado dispositivo utilizase da noção de conjunto orgânico ao falar em Administração Pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ao passo
que também se utiliza da noção de atividade administrativa quando determina sua submissão
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência da licitação
e os de organização do pessoal administrativo.
A organização estatal é matéria de ordem constitucional, cabendo ao Direito
Constitucional discipliná-la, por meio da Constituição, ao passo que a criação, estruturação,
alteração e atribuições das competências dos órgãos da Administração Pública são temas de
ordem administrativa, cabendo ao Direito Administrativo a sua disciplina, mediante a lei, a
49
exemplo do que exige o art. 88 da Constituição Federal quanto à criação, estruturação e
atribuições dos Ministérios. Deve-se frisar, no entanto, que esta última hipótese não significa
que a Constituição não possa dispor sobre tais matérias; trata-se apenas de explicitação dos
princípios da boa técnica legislativa.
A instituição de órgãos da Administração Pública, assim como sua estruturação,
alteração e atribuição de competências só podem ser reguladas mediante lei de iniciativa do
Presidente da República, tal qual dispõe o art. 61, §1º, alínea e, da Constituição Federal,
excetuando-se o que concerne às Casas do Congresso Nacional, na forma do disposto nos arts.
51, inciso IV, e 52, inciso XIII, da Constituição Federal. Da mesma forma, faz-se necessária
lei stricto sensu específica para criação de entidades governamentais como autarquias e lei
stricto sensu autorizadora específica para criação de fundações públicas, empresas públicas e
sociedades de economia mista. Tais diretrizes se aplicam às três esferas de governo: federal,
estadual e municipal.
Cabe, nesse ponto, fazermos uma reflexão sobre o conceito mais atualizado de
Administração Pública. Como vimos, existem doutrinadores do Direito Administrativo pátrio
que já buscam haurir nas formulações de teóricos de outros países referências para extraírem
uma definição mais instrumental de Administração Pública, condizente com as necessidades
contemporâneas, inclusive em países cujos sistemas de interpretação constitucional se esteiam
em princípios significativamente distintos daqueles que norteiam a nossa hermenêutica
constitucional pátria quanto à margem de autonomia de ação da Administração Pública, a
exemplo dos Estados Unidos da América, cujo Direito Constitucional se funda na chamada
teoria dos poderes implícitos, de inspiração liberal e que vem funcionando muito bem naquele
país em virtude dos valores que permeiam a sua sociedade civil, calcada na cultura do mérito.
A teoria dos poderes implícitos, em breves palavras, é aquela segundo a qual pode a
Administração Pública valer-se dos instrumentos que considere mais apropriados visando a
atingir a efetividade esperada de suas ações no cumprimento das funções e atribuições que lhe
são cometidas, no interesse do bem-estar social e do interesse público. A despeito disso, como
vimos no capítulo antecedente, até mesmo naquele país, vivendo sob a égide da referida teoria
constitucional, verificou-se que durante o período 1880-1936 a Suprema Corte, movida pela
ideologia típica do liberalismo econômico e político, tolheu sistematicamente o Poder
Executivo federal em suas iniciativas que visavam à solução de controvérsias administrativas
envolvendo os negócios públicos e à modernização daquele país, inclusive na esfera
trabalhista e social. Aliás, percebe-se que até nos dias atuais a área social é vista de forma
50
enviesada por expressivos segmentos sociais representados no Parlamento daquele país, como
o demonstram as resistências no Congresso Nacional em relação às políticas sociais inclusivas
que a gestão atual da Administração Pública Federal estadunidense tenta implementar. De
qualquer modo, a partir do governo de Franklin Delano Roosevelt, a Administração Pública
Federal daquele País conseguiu superar as resistências da Suprema Corte e implementar a sua
política do New Deal, plano governamental de recuperação da economia do País, após a
débâcle de 1929, de forte conteúdo intervencionista estatal na economia, calcado em fortes
investimentos em infra-estrutura, políticas de geração de emprego, avanço da legislação
trabalhista e social, culminando com o advento do chamado Estado de Bem-Estar-Social, o
Welfare State.
A respeito dessa teoria, vale registrar reflexões feitas por Story (1873 apud
BONAVIDES, 2010, p. 468-469), nome exponencial do constitucionalismo estadunidense,
visando a conseguirmos um melhor entendimento da mesma, bem como buscar seus pontos
de contato com a hermenêutica constitucional contemporânea:
O trecho seguinte de Story contém sobre o assunto lúcidas e admiráveis reflexões,
que traçam e antecipam de certo modo a moderna metodologia do sistema
constitucional assentada sobre bases axiológicas, históricas e teleológicas, de que se
acha impregnado todo o conteúdo da matéria constitucional. Senão, vejamos:
‘Quando se vislumbram o caráter da Constituição mesma, os objetivos que intenta
colimar, os poderes que confere, os deveres que impõe e os direitos que assegura,
bem como o fato histórico conhecido de que muitas de suas provisões foram matéria
de compromisso de opiniões e interesses opostos, alcançaremos provavelmente a
conclusão de que nenhuma regra uniforme de interpretação pode aplicar-se-lhe, que
não consinta, embora positivamente não o exija, muitas modificações em sua
presente aplicação a determinadas cláusulas. E talvez a mais segura regra de
interpretação seja afinal de contas aquela que, empregando todas as luzes e recursos
da história contemporânea, se volte para a natureza e objetivos dos direitos, deveres
e competências específicas, dando às palavras que os exprimem uma força e função
compatíveis com seu legítimo significado, de modo que se possa justamente
assegurar e lograr os fins propostos’.
Continua discorrendo Bonavides (2010, p. 469), no rastro do pensamento de Story,
acerca da necessidade de harmonia entre os instrumentos governamentais e as legítimas
aspirações sociais, afirmando que:
A Constituição é sobretudo um instrumento de governo, ou seja, de governo nos
limites da lei, da ordem jurídica solidamente estabelecida e dos postulados
essenciais de um Estado de Direito que, havendo limitado o poder no legítimo
51
interesse da Sociedade, se conduz segundo princípios superiores e tutelares da
liberdade e do respeito à pessoa humana.
Em outra oportunidade, mais uma vez manifesta-se Story (1873 apud BONAVIDES,
2010, p. 469) em defesa de uma interpretação teleológica, invocando a coerência entre os fins
e os meios, em razão das demandas sociais em permanente transformação:
A Constituição se esboça qual moldura jurídica de um governo que, segundo Story,
‘pressupõe a existência de uma pequena mutabilidade em suas funções, relativas
àqueles que lhe estão sujeitos, e a uma perpétua flexibilidade no adaptar-se às suas
necessidades, hábitos, ocupações e fraquezas’ A relação íntima entre o texto e os
fins da Constituição, com prevalência destes, ao ensejo de uma controvérsia
interpretativa, foi expressa por Story quando ponderou que ‘nenhuma corte de
justiça poderá interpretar uma cláusula constitucional em ordem a frustrar-lhe os
óbvios fins, se do mesmo passo couber outra interpretação que, acorde com o texto e
o sentido da Constituição, venha observá-los e protegê-los’.
[...]
Mas Story também adverte contra o sacrifício da letra da Constituição, isto é, contra
a desvinculação entre o espírito e a palavra da Carta, para mostrar que ambos devem
ser igualmente respeitados. Nesse ponto sua lição, que é a de um clássico das letras
jurídicas e da experiência constitucional, se alteia a limites inexcedíveis. Afirma ele
por igual haver-se ponderado com grande exação, que apesar de o espírito de um
instrumento, sobretudo em se tratando de uma Constituição, fazer jus a um
acatamento equivalente ao que se presta ao texto literal, ainda assim o espírito há de
ser extraído primacialmente da letra.
Prossegue ainda Story (1873 apud Bonavides, 2010, p. 471), discorrendo mais
detidamente sobre a referida teoria balizadora do Direito Constitucional estadunidense,
mencionando outro expoente do constitucionalismo estadunidense, o juiz Marshall, que
defende a interpretação contextualizada da Constituição, em sintonia com os anseios do povo,
a qual deve possuir características de norma genérica, sustentando não ser conveniente que ela
disponha acerca dos meios de que se deve lançar mão para consecução dos seus objetivos:
A doutrina do juiz Marshall, a que excelentemente se refere Story, é a de que as
palavras podem comportar várias acepções, mas o que em verdade importa com
respeito a uma legítima interpretação da Constituição é descer com veracidade ao
tema, ao contexto, às intenções do povo, qual se depreendem do instrumento
constitucional. Dizia Marshall com razão que as Constituições foram feitas para
durar e tolher crises resultantes de negócios humanos. Reporta-se ainda o Mestre
americano, escudado em razões contidas numa decisão judicial, à inevitável
52
necessidade de linguagem genérica como a que mais convém às Constituições. Com
citações desse julgado, demonstra ele que sendo a Constituição uma carta das
liberdades, não é o instrumento mais apto e escorreito para fazer minudente
especificação de poderes ou declarar os meios mediante os quais devem estes ser
exercitados.
O posicionamento do juiz Marshall a respeito da teoria dos poderes implícitos em
relação ao Poder Público estadunidense, assentado na célebre decisão da demanda McCulloch
versus Maryland, em 1819, é assim explicitado por Willoughby (1910 apud Bonavides, 2010,
p. 472):
Os poderes implícitos foram aliás objeto de algumas ponderações clássicas de
Marshall emitidas no aresto da Suprema Corte ao ensejo da demanda McCulloch
versus Maryland. Disse o insigne jurista: “Pode-se com assaz razão sustentar que um
governo, ao qual se cometeram tão amplos poderes (como o dos Estados Unidos),
para cuja execução a felicidade e a prosperidade da nação dependem de modo tão
vital, deve dispor de largos meios para sua execução. Jamais poderá ser de seu
interesse, nem tampouco se presume haja sido sua intenção, paralisar e dificultar-lhe
a execução, negando para tanto os mais adequados meios”.
E, finalmente, fazendo uma crítica dessa teoria de interpretação constitucional, afirma
Bonavides (2010, p. 475):
Os poderes implícitos estão para a hermenêutica constitucional assim como a
separação de poderes para a preservação jurídica da liberdade. Ambos representam
técnicas essencialmente lógicas e racionais extraídas de uma análise ao poder
político, de uma Sociedade que, ao exibir determinada estrutura, já alcançou um
certo grau de desenvolvimento institucional. Se a separação dos poderes é a técnica
que com mais facilidade consente a identificação ou o reconhecimento de suas
matrizes ideológicas, a teoria dos poderes implícitos, sem embargo de encobrir à
primeira vista esse aspecto, não é menos vinculada historicamente ao processo
liberal e à ideologia burguesa. E encobre tal aspecto de modo mais bem-sucedido,
em razão de sua racionalidade aparentemente mais pura. (...). A teoria dos poderes
implícitos, oriunda da hermenêutica constitucional do Estado liberal, representa, por
sem dúvida, dos mais formosos produtos da razão que o liberalismo introduziu no
Direito. Com muito mais felicidade – diga-se aliás – do que a teoria dos direitos
naturais, inalienáveis e imprescritíveis, cujo teor material, como no caso da
propriedade, fez do todo fácil a desmistificação de sua natureza histórica, passageira,
imperdurável, bem como de seus ostensivos vínculos com a ideologia da sociedade
burguesa, da qual fora fruto e expressão.
53
A nosso ver, de tudo quanto foi exposto sobre a teoria dos poderes implícitos, dois
aspectos de grande importância devem ser destacados. O primeiro, que ela se constituiu numa
técnica de interpretação constitucional muito avançada para a sua época e podemos dizer que
antecipou à técnica de interpretação constitucional de matriz alemã tão festejada na
atualidade, que é a técnica de interpretação conforme o espírito da Constituição, que vem
sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal em suas decisões. O segundo, que ela confere
um amplo poder discricionário à Administração Pública, que, no caso da realidade brasileira,
é algo completamente inadmissível. O seu sucesso, nesse aspecto, nos Estados Unidos da
América, deve-se certamente ao perfil cultural da sociedade estadunidense, que se funda
indubitavelmente no mérito como instrumento de ascensão social e econômica. Aqui no
Brasil, onde, infelizmente, predomina a improbidade administrativa na esfera do Poder
Público, do que não deixam dúvida o farto noticiário a esse respeito e as ações judiciais de
improbidade administrativa que pululam no Poder Judiciário, a aplicação da teoria dos
poderes implícitos contribuiria para a ocorrência de descalabros administrativos ainda maiores
que aqueles a que a sociedade assiste com indesejável e danosa frequência.
Assim, é fora de qualquer dúvida que tal teoria aplicada num país como o nosso,
forjado numa cultura patrimonialista e de compadrio, seria indubitavelmente desastrosa para o
interesse público. Para se entrever isso, basta olharmos para o noticiário pródigo acerca de
irregularidades administrativas em todos os recantos do País, relativas a nepotismo, burla do
princípio do concurso público, licitações públicas fraudulentas, contratações diretas em
prejuízo da Administração Pública, superfaturamento de obras públicas, etc.; e tudo isso a
despeito de toda a regulamentação existente que vincula a Administração Pública brasileira.
Todavia, a despeito desse quadro desolador, é forçoso reconhecermos que não se pode
engessar de forma absoluta e rígida a Administração Pública brasileira, sob pena de
comprometer sua eficiência, eficácia e efetividade, quando esta busca, e por vezes consegue
encontrar, soluções responsáveis e exeqüíveis para as questões gerenciais e questões de outra
natureza que se lhes apresentam. Por vezes, iniciativas bem sucedidas são impugnadas sob
argumentos de violação de disposições constitucionais, alegações essas que muitas vezes
estão a serviços de interesses outros que não o interesse público.
3.1 CONCEITO DE CARGO PÚBLICO E DE CARREIRA
Cargo público e carreira comportam conceitos ou definições tanto de ordem legal
como doutrinária. O primeiro caso corresponde àquilo que a lei disponha a esse respeito, ao
passo que o segundo corresponde àquilo que dizem os doutrinadores administrativistas.
54
Assim, na esfera federal, cargo público está conceituado ou definição pelo caput do
art. 3º da Lei nº 8.112, de 11.12.1990; já a sua forma de criação e outras características a ele
inerentes estão descritas no parágrafo único do mesmo dispositivo legal:
o
Art. 3 Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na
estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.
Parágrafo único. Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados
por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para
provimento em caráter efetivo ou em comissão.
Já o conceito de carreira, que na sua acepção legal pode compreender um ou mais
cargos públicos, fica caracterizado no diploma legal que a criou e corresponde à forma
mediante a qual são organizados os cargos públicos. A carreira de que se trata neste trabalho,
por exemplo, a Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, é integrada por dois cargos
públicos efetivos, pois assim dispõe a sua lei de criação. Vale também ressaltar que só há
sentido em falar-se de carreira em se tratando de cargos públicos efetivos, não existindo o
conceito de carreira para cargos públicos em comissão.
A definição de cargo público e de carreira, assim como de classe, também aparece em
outro diploma legal mais genérico, a Lei Federal nº 3.780/60, a qual dispõe sobre
classificação de cargos do serviço civil do Poder Executivo, estabelece os vencimentos
correspondentes e dá outras providências. Observe-se que nesse diploma legal, no lugar do
vocábulo “carreira” (inciso III do art. 4º) aparece a locução “série de classes”:
Art. 4º Para os efeitos desta lei:
I - Cargo é o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um
funcionário, mantidas as características de criação por lei, denominação própria,
número certo e pagamento pelos cofres da União.
II - Classe é o agrupamento de cargos da mesma denominação e com iguais
atribuições e responsabilidades.
III - Série de classes é o conjunto de classes da mesma natureza de trabalho,
dispostas hieràrquicamente, de acôrdo com o grau de dificuldade das atribuições e
nível de responsabilidades, e constituem a linha natural de promoção do funcionário.
Debrucemo-nos agora sobre o conceito doutrinário de cargo público, de classe e de
carreira.
De acordo com Meirelles (2002, p. 392-393):
Cargo público é o lugar instituído na organização do serviço público, com
denominação própria, atribuições e responsabilidades específicas e estipêndio
55
correspondente, para ser provido por um titular, na forma estabelecida em lei. (...)
Os cargos distribuem-se em classes e carreiras, e excepcionalmente criam-se
isolados. Classe - é o agrupamento de cargos na mesma profissão, e com idênticas
atribuições, responsabilidades e vencimentos. As classes constituem os degraus de
acesso na carreira. Carreira – é o agrupamento de classes da mesma profissão ou
atividade, escalonadas segundo a hierarquia do serviço, para acesso privativo dos
titulares dos cargos que a integram, mediante provimento originário. O conjunto de
carreiras e de cargos isolados constitui o quadro permanente do serviço dos diversos
Poderes e órgãos da Administração Pública. As carreiras iniciam-se e terminam nos
respectivos quadros (grifos em itálico e negrito do autor citado).
Já segundo Bandeira de Mello (2003, p. 233-234 e 276-277):
Cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem
expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria,
retribuídas por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei, salvo quando
concernentes aos serviços auxiliares do Legislativo, caso em que se criam por
resolução, da Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou de
outra destas Casas. (...) Os cargos públicos, quanto à sua posição no “quadro”,
classificam-se em (I) de carreira e (II) isolados. Quadro é o conjunto de cargos
isolados ou de carreira. Os cargos serão (I) de carreira quando encartados em uma
série de “classes” escalonada em função do grau de responsabilidade e nível de
complexidade das atribuições. Classe é o conjunto de cargos da mesma natureza de
trabalho. Os cargos dizem-se (II) isolados quando previstos sem inserção em
carreiras. Os cargos também são classificáveis quanto à sua vocação para retenção
dos ocupantes. De acordo com este critério, dividem-se em: cargos de provimento
em comissão, cargos de provimento efetivo e cargos de provimento vitalício,
conforme
predispostos,
respectivamente,
a
receber
ocupantes
transitórios,
permanentes ou com uma garantia ainda mais acentuada de permanência (grifos em
itálico do autor citado).
Passemos agora ao magistério de Gasparini (2009, p. 265) sobre esse mesmo tema. Ele
faz referência às definições de Meirelles e Bandeira de Mello, aqui já expostas, para, então
conceituar:
(...) cargo público é o menor centro hierarquizado de competências da
Administração direta, autárquica e fundacional pública, criado por lei ou
resolução, com denominação própria e número certo. A exigência de lei para sua
criação decorre do disposto no art. 61, §1º, II, a, enquanto a exigência de resolução
funda-se no prescrito nos arts. 51, IV, e 52, XIII, estes combinados com o art. 48,
todos da Constituição Federal (grifos em itálico do autor citado).
56
Prossegue Gasparini (2009, p. 273-275), discorrendo sobre os critérios de classificação
aventados para os cargos públicos:
Várias são as classificações formuladas pelos autores para os cargos públicos.
Poucas, no entanto, têm relevo e funcionalidade. As mais importantes são as que
levam em conta, para a sistematização desejada, os critérios da segurança do
funcionário na titularização do cargo e da posição do cargo no quadro funcional da
Administração Pública. Pelo primeiro, os cargos públicos são de provimento: I – em
comissão; II – efetivo; III – vitalício. Os dois primeiros são criações da lei, enquanto
o último é instituição da Constituição. Pelo segundo desses critérios, os cargos são: I
– isolados; II – de carreira. (...). De provimento efetivo, ou simplesmente cargo
efetivo, é o que confere ao seu titular, em termos de permanência, segurança. É o
cargo ocupado por alguém sem transitoriedade ou adequado a uma ocupação
permanente. (...).
Continua Gasparini seu ensinamento (2009, p. 277-278), discorrendo agora sobre a
classificação segundo o critério da posição do cargo no quadro funcional da Administração
Pública:
Por esse critério, os cargos públicos são bipartidos em isolados e de carreira, cujos
conceitos exigem a prévia noção de classe e de carreira. Classe é um agrupamento
de cargos da mesma profissão ou atividade e de igual padrão de vencimento. Para
fins de “classificação de cargos do serviço civil do Poder Executivo”, a Lei Federal
n. 3.780, de 12 de julho de 1960, estabeleceu que “classe é o agrupamento de cargos
da mesma denominação e com iguais atribuições e responsabilidades” (art. 4º, II).
Para o Estatuto paulista (art. 7º), classe “é o conjunto de cargos da mesma
denominação”. Carreira é um agrupamento de classes da mesma profissão ou
atividade com denominação própria, e, para a referida Lei federal n. 3.780/60, “é o
conjunto de classes da mesma natureza de trabalho, dispostas hierarquicamente, de
acordo com o grau de dificuldade das atribuições e nível de responsabilidade, e
constituem a linha natural de promoção do funcionário”. Essa lei substituiu a palavra
carreira por “série de classes” (art. 4º, III). Para o Estatuto paulista “é o conjunto de
classes da mesma natureza de trabalho, escalonadas segundo o nível de
complexidade e o grau de responsabilidade” (art. 8º). A carreira, ou série de classes,
é o mecanismo de progressão ou ascensão do servidor público civil no quadro de
pessoal a que está integrado, independentemente de concurso. É vedado, sem
concurso, o acesso ou promoção de carreira inferior para outra mais elevada (RT,
725:141). (grifos em itálico do autor).
Feitos esses importantes esclarecimentos, ele prossegue seu raciocínio, definindo
cargo de carreira e cargo isolado:
57
Pode-se definir cargo de carreira como o pertencente a um conjunto de cargos de
mesma denominação, distribuídos por classes escalonadas em função da
complexidade de atribuições e nível de responsabilidade. (...) Esses cargos são de
provimento efetivo e só podem ser titularizados por servidores públicos
estatutários aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos.
Em outras situações, nem mesmo se pode falar em carreira, como ocorre com os
Ministros de Estado. Nessas hipóteses, como não há carreira, diz-se que o cargo é
isolado. Cargo isolado, portanto, é o que não integra qualquer carreira. Os cargos
isolados, dependendo da lei ou resolução de criação, são de provimento efetivo ou
em comissão. O conjunto de cargos de carreira e dos cargos isolados constitui o
quadro de pessoal. No âmbito federal (art. 16 da Lei n. 3.780/60), cada Ministério
tem seu quadro de pessoal. Na esfera dos Estados-Membros, do Distrito Federal e
dos Municípios procede-se de igual modo, embora sem qualquer obediência a essas
leis federais. Procede-se assim devido à racionalidade da estrutura que se acaba
conseguindo. (grifos em itálico do autor e, em negrito, nossos).
Como se vê, Gasparini leciona de forma categórica que somente cargos efetivos
podem ser distribuídos em carreiras. Além disso, como se depreende do ensinamento dos três
autores citados, toda carreira, a rigor, é composta de cargos de mesma denominação,
escalonados em classes, mediante as quais ocorre a ascensão do titular de cada um deles sem
que seja necessário este submeter-se a concurso público. Assim, a nosso ver, pode-se falar em
carreira stricto sensu e carreira lato sensu: a primeira corresponde à definição doutrinária e à
definição geral insculpida na Lei nº 3.780/60, enquanto a segunda corresponde à definição
dada pela lei específica de criação de cada carreira, que determina quais são os cargos que a
compõem. De qualquer modo, num caso ou noutro, é vedada a progressão ou ascensão do
ocupante de um cargo para outro cargo distinto daquele, ainda que integrante da mesma
carreira lato sensu. Caso o titular de um deles queira ingressar em outro cargo de
denominação e atribuições distintas e mais complexas da própria Carreira lato sensu de que o
cargo que ocupa faça parte, deverá necessariamente submeter-se a concurso público, pois esse
provimento só poderá ser originário, por força de disposição constitucional.
É oportuno aqui consignar o entendimento de Gasparini (2009, p. 269-270) a respeito
do processo de criação e extinção de cargos públicos. Ele principia seu magistério citando o
art. 48 da Constituição Federal, que dispõe sobre criação, transformação e extinção de cargos:
Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não
exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias
de competência da União, especialmente sobre:
(...)
58
X - criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas,
observado o que estabelece o art. 84, VI, b; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
Em seguida, esclarece que, no âmbito do Executivo Federal, a lei é de iniciativa
exclusiva do Presidente da República, como dispõe o art. 61, §1º, II, a, da Constituição
Federal, que, todavia, não menciona a transformação de cargo. Pondera que, a despeito dessa
omissão no texto da Carta Magna, seria inconstitucional a lei originada de projeto de
iniciativa parlamentar que transformasse cargos no âmbito do Poder Executivo. Isso porque,
se se admite que a transformação implica numa extinção, a qual, nos termos do art. 84, XXV,
da Constituição Federal, é privativa do Presidente da República e também implica numa
criação de novo cargo, que, de acordo com o art. 61, §1º, II, a da mesma Lei Maior, também é
exclusiva dessa autoridade, não se pode admitir que a transformação de cargos no Poder
Executivo possa ser promovida por lei oriunda de iniciativa parlamentar, mesmo que o projeto
venha a ter a chancela presidencial com a sua sanção; mesmo assim, não desaparece o vício
de inconstitucionalidade, pois este já se encontra na sua origem. Nem mesmo valendo-se de
emenda constitucional poder-se-ia burlar essa competência exclusiva do Presidente da
República.
No entanto, prossegue ele, é facultado ao parlamentar, apresentar emendas a projeto de
lei dessa natureza. Contudo, tal faculdade não é absoluta por conta de que a emenda não pode
acarretar aumento da despesa prevista no projeto oriundo do Executivo, conforme dispõe o
art. 63, I, da Carta Magna. Também não se pode por emenda parlamentar aumentar o número
de cargos propostos nem alterar os cargos de modo a distribuí-los diferentemente do proposto
pelo Executivo; o máximo que se admite ao parlamentar é reduzir a quantidade de cargos
propostos, caso entenda que a mesma é desnecessária ou excessiva, ou, então, rejeitar o
projeto, pois, neste último caso, estaria exercitando legitimamente a sua função parlamentar.
É importante também deixar aqui registrado o abalizado e esclarecedor magistério de
Meirelles (2002, p. 395-396) a respeito desse tema. Ele repete basicamente o conteúdo do
ensinamento de Gasparini, acrescentando que as emendas parlamentares às leis de criação,
transformação e extinção de cargos, funções ou empregos podem ser feitas desde que “não
ultrapassem os limites qualitativos (natureza ou espécie, ou seja, estreita pertinência com o
objeto do projeto) e quantitativos da proposta, nem desfigurem o projeto original”,
mencionando, a esse respeito, a decisão do STF proferida na ADIn 546-4/DF, DJU de
59
16.05.2000. Esclarece que tais ponderações se aplicam igualmente à Constituição Estadual e
suas Emendas, bem como à Lei Orgânica Municipal, como nesse sentido tem decidido o STF.
3.2 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS E ENTENDIMENTOS DOUTRINÁRIOS E
JURISPRUDENCIAIS
QUANTO À INVESTIDURA EM CARGO
PÚBLICO
EFETIVO
De acordo com a regra geral insculpida na Constituição Federal vigente, o provimento
originário de cargo público efetivo, ou seja, a investidura em cargo público efetivo, só pode
ser feito mediante a via do concurso público de provas ou de provas e títulos. Tal é o que
dispõe o capítulo 37, inciso II, da Carta Magna:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...) II - a
investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso
público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade
do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo
em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Encontram-se na doutrina pátria duas exceções admitidas a essa regra basilar da Carta
Magna, assinaladas por dois insignes administrativistas brasileiros, Cunha Júnior e Gasparini.
Para o primeiro, tal exceção é a reintegração, que consiste em nova investidura em razão do
servidor ter sido desligado ilegalmente do cargo de que era titular. Para o segundo, é a
investidura em cargo que sofreu transformação, que consiste na extinção de um ou mais
cargos existentes e na criação de um ou mais cargos novos, ou seja, a criação do(s) novo(s)
cargo(s) decorre(m) da extinção do(s) cargo(s) existente(s).
Assim, debrucemo-nos primeiramente sobre o ensinamento de Meirelles a respeito de
provimento de cargo público (2002, p. 397-398):
Provimento é o ato pelo qual se efetua o preenchimento do cargo público, com a
designação de seu titular. O provimento pode ser originário ou inicial e derivado.
Provimento inicial é o que se faz através de nomeação, que pressupõe a inexistência
de vinculação entre a situação de serviço anterior do nomeado e o preenchimento do
cargo. Assim, tanto é provimento inicial a nomeação de pessoa estranha aos quadros
do serviço público quanto a de outra que já exercia função pública como ocupante
de cargo não vinculado àquele para o qual foi nomeada. Já, o provimento derivado,
60
que se faz por transferência, promoção, remoção, acesso, reintegração, readmissão,
enquadramento, aproveitamento ou reversão, é sempre uma alteração na situação de
serviço do provido. Em razão do art. 37, II, da CF, qualquer investidura em carreira
diversa daquela em que o servidor ingressou por concurso é, hoje, vedada.
Acrescente-se que a única reinvestidura permitida sem concurso é a reintegração,
decorrente da ilegalidade do ato de demissão.
Passemos agora ao magistério de Gasparini a respeito dessa mesma matéria (2009, p.
280-281):
Consoante doutrina tradicional, em nada alterada pela Constituição de 1988, o
provimento é classificado em originário e derivado. É originário, ou inicial, quando
a nomeação independe de qualquer vinculação do provido com a Administração
Pública direta, autárquica ou fundacional pública. Constitui-se na primeira
investidura, embora a Constituição Federal, no art. 37, II, não o diga. Ressalvados os
cargos de provimento em comissão, pressupõe a aprovação prévia do provido em
concurso de provas ou de provas e títulos. (...). É derivado se a designação depender
de vinculação anterior do provido com a Administração Pública, autárquica e
fundacional
pública.
O
provimento,
no
caso,
deriva,
decorre,
procede
necessariamente do liame anterior. Este tem que existir sob pena de nulidade da
nomeação. (grifos em itálico do autor citado).
Neste ponto, passemos em revista o entendimento doutrinário que, a respeito dessa
matéria, professa Bandeira de Mello (2003, p. 279-280).
86. O ato de designação de alguém para titularizar cargo público denomina-se
provimento. O provimento dos cargos – com a ressalva adiante feita (n. 89), ao se
tratar da nomeação – é sempre da alçada do Poder (Executivo, Legislativo ou
Judiciário) em que estejam integrados.
87. A Lei federal 8.112, de 11.12.90, que dispõe sobre o regime jurídico dos
servidores públicos da União, em seu art. 8º, relaciona as seguintes formas de
provimento de cargo: (a) nomeação; (b) promoção; (c) readaptação; (d) reversão;
(e) aproveitamento; (f) reintegração; e (g) recondução. Desde a Lei 9.527, de
10.12.97, foram extintas as figuras da “transferência” e da “ascensão”.
88. Ditas formas podem ser assim organizadas, de acordo com a excelente
sistematização do Prof. Osvaldo Aranha Bandeira de Mello: a) provimento
autônomo ou originário; b) provimentos derivados, os quais compreendem
hipóteses de derivação vertical, derivação horizontal e derivação por reingresso.
(grifos do autor citado).
Em seguida, Bandeira de Mello (2003, p. 280-281) discorre acerca dos tipos de
provimento, de acordo com a classificação por ele adotada:
61
89. O provimento autônomo ou originário é aquele em que alguém é preposto no
cargo independentemente do fato de ter, não ter, haver ou não tido algum vínculo
com cargo público. Vale dizer, o provimento não guarda qualquer relação com a
anterior situação do provido. Por isto se diz autônomo ou, então, originário.
A única forma de provimento originário é a nomeação, a qual se define, pois, como
o provimento autônomo de um servidor em cargo público.
(...)
92. Os provimentos derivados, como o nome indica, são aqueles que derivam, ou
seja, que se relacionam com o fato de o servidor ter ou haver tido algum vínculo
anterior com cargo público. Nele se radica a causa do ulterior provimento. O
provimento derivado, consoante dito, pode ser vertical, horizontal ou por reingresso.
(grifos em itálico e negrito do autor citado).
Continua o renomado autor discorrendo sobre o tema, detalhando as modalidades de
provimento derivado, de acordo com a classificação por ele adotada (2003, p. 281-283):
93. Provimento derivado vertical é aquele em que o servidor é guindado para cargo
mais elevado. Efetua-se através de promoção – por merecimento ou antiguidade,
critérios alternados de efetuá-la.
94. Promoção é a elevação para cargo de nível mais alto dentro da própria carreira.
(...)
95. Provimento derivado horizontal é aquele em que o servidor não ascende, nem é
rebaixado em sua posição funcional. Com a extinção legal da transferência, o único
provimento derivado horizontal é a readaptação (a qual, aliás, não é senão uma
modalidade de transferência).
96. Readaptação é a espécie de transferência efetuada a fim de prover o servidor em
outro cargo mais compatível com sua superveniente limitação de capacidade física
ou mental, apurada em inspeção médica.
(...)
97. O provimento derivado por reingresso é aquele em que o servidor retorna ao
serviço ativo do qual estava desligado. Compreende as seguintes modalidades: a)
reversão; b) aproveitamento; c) reintegração; e d) recondução.
98. (a) Reversão é o reingresso do aposentado no serviço ativo, ex officio ou “a
pedido”, por não subsistirem, ou não mais subsistirem, as razões que lhe
determinaram a aposentação. (...).
99. (b) Aproveitamento é o reingresso do servidor estável, que se encontrava em
disponibilidade, no mesmo cargo dantes ocupado ou em cargo de equivalentes
62
atribuições e vencimentos compatíveis. Disponibilidade, relembre-se, é o ato pelo
qual o Poder Público transfere para a inatividade remunerada servidor estável cujo
cargo venha a ser extinto ou ocupado por outrem em decorrência de reintegração,
sem que o desalojado proviesse de cargo anterior ao qual pudesse ser reconduzido e
sem que existisse outro da mesma natureza para alocá-lo.
(...)
100. (c) Reintegração é o retorno do servidor ilegalmente desligado de seu cargo ao
mesmo, que dantes ocupava, ou, não sendo possível, ao seu sucedâneo ou
equivalente, com integral reparação dos prejuízos que lhe advieram do ato injurídico
que o atingira. Tal reconhecimento tanto pode vir de decisão administrativa como
judicial.
101. (d) Recondução é o retorno do servidor estável ao cargo que dantes titularizava,
quer por ter sido inabilitado no estágio probatório relativo a outro cargo para o qual
subsequentemente fora nomeado, quer por haver sido desalojado dele em
decorrência de reintegração do precedente ocupante. (grifos em itálico e em negrito
do autor citado).
Gasparini (2009, p. 282) também se posiciona no mesmo sentido de Bandeira de
Mello no que tange à classificação do provimento derivado por reingresso:
O provimento derivado diz-se por reingresso quando há o retorno do servidor que se
desligara da Administração Pública direta, autárquica e fundacional pública. São
formas de reingresso: a reintegração, o aproveitamento, a reversão e a recondução.
Dá-se a reintegração do servidor ao cargo que antes ocupava porque fora desligado
ilegalmente. Nessa hipótese, o retorno faz-se com a plena restauração dos direitos
violados (volta para o mesmo cargo, com todas as vantagens) e com o integral
ressarcimento dos prejuízos sofridos (recebe todos os vencimentos, com juros e
correção monetária), não obstante decisão em contrário do STF (RDA, 127:377) no
que concerne à correção. A reintegração pode ser judicial (decorre de decisão do
Poder Judiciário em ação de anulação do ato jurídico cumulada com reintegração do
servidor) ou administrativa (deriva de decisão da entidade a que se ligava o
servidor), conforme prevê o art. 28 do Estatuto Federal. (grifos em itálico do autor).
Feitas essas transcrições, podemos notar que Bandeira de Mello e Gasparini possuem
um entendimento diverso de Meirelles quanto à natureza do provimento de cargo público pela
via da reintegração do servidor.
Para Bandeira de Mello e Gasparini, reintegração é uma espécie da modalidade
reingresso, uma das modalidades de provimento derivado, em razão desta decorrer de uma
decisão judicial ou administrativa que tem como nexo causal com a Administração Pública o
63
injusto desligamento do servidor do cargo público integrante do quadro do órgão ou da
entidade a que pertencia, isso a despeito de ter havido uma ruptura total e, em princípio,
irreversível de tal vínculo. É esse caráter de irreversibilidade administrativa, quebrado
somente pela decisão judicial, que a difere das demais espécies da modalidade de provimento
derivado por reingresso, a saber: reversão, aproveitamento e recondução, pois nestas, em que
pese o servidor se desvincular do quadro de servidores ativos do órgão ou entidade estatal,
esse desligamento não tem o caráter de irreversibilidade, que é próprio da demissão.
Em contrapartida, Meirelles trata a reintegração como um exemplo de provimento
originário sem exigência de concurso público, como uma exceção à regra geral insculpida na
Constituição Federal para investidura em cargo público. A nosso ver, ele adotou esse
entendimento em virtude da demissão provocar uma ruptura, uma descontinuidade do ponto
de vista administrativo, que se assemelha, sob esse aspecto, à exoneração solicitada pelo
servidor público, que possui caráter definitivo, pois é irretratável.
Consideramos o sistema de classificação adotado por Bandeira de Mello e Gasparini
mais coerente, pois a reintegração necessariamente faz remissão ao vínculo que anteriormente
existia e que foi rompido unilateralmente de forma ilegal, que é precisamente o nexo de
causalidade que suscita a decisão judicial ou administrativa determinando a reintegração do
servidor ao mesmo cargo público do órgão ou entidade a que estava anteriormente vinculado,
diferentemente de uma pessoa que se exonerou de determinado cargo, submeteu-se a novo
concurso público para o mesmo cargo e é nele investido como qualquer outra pessoa que
jamais possuiu vínculo com os órgãos e entidades do aparato estatal.
A propósito de Gasparini (2009, p. 268), queremos deixar aqui registrada a nossa
discordância com o entendimento por ele esposado quanto aos atos normativos necessários
para alteração ou modificação de elementos do cargo público, ao menos no que se refere ao
Poder Executivo Federal:
Alerte-se que, se o elemento (nome, padrão, referência, requisito de provimento,
atribuição) foi instituído por lei, somente por ato igual pode ser modificado, se se
tratar de cargo do Executivo, de suas autarquias e fundações públicas, do Judiciário
ou das Cortes de Contas. Se se tratar de cargos do Legislativo, só podem ser
modificados por resolução desse Poder.
Nossa divergência com o ilustre autor repousa no fato de que a própria Constituição
Federal, certamente com fundamento no princípio da autotutela da Administração Pública,
confere ao Presidente da República poderes para promover por meio de decreto autônomo a
64
reorganização da máquina pública que não implique em aumento da despesa, e a extinção de
funções e cargos públicos vagos, como se verifica da leitura do art. 84, VI:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(...)
VI - dispor, mediante decreto, sobre:
(Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar
aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela
Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;
(Incluída pela
Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
Neste ponto, julgamos oportuno abordar o relevante tema da transformação de cargos
públicos no âmbito do Poder Executivo, trazendo o entendimento de Gasparini e Clenício
Duarte a esse respeito.
Assim, reportando-se a esse tema, afirma Gasparini (2009, p. 267):
A transformação de cargo, por sua vez, significa uma alteração de molde a atingir
sua natureza. O cargo era efetivo; com a transformação, passa a ser em comissão.
Assim, nada se altera quando a modificação introduzida diz respeito tão-só à
quantidade de cargos, à denominação, ao acréscimo ou supressão de alguma de suas
atribuições. Com a transformação o que se tem realmente é a extinção de um ou de
alguns cargos e a criação de outro ou de outros. Essa extinção e criação acontecem
sem necessidade de menção. Ocorrem automática e simultaneamente quando um
cargo é transformado em outro.
Por seu turno, sobre esse tema discorre Clenício Duarte (RDP 18/140 apud
MEIRELLES, 2002, p. 395), trazendo à colação importante decisão do Pleno do STF
proferida em sede de julgamento da ADIn 266-0-RJ, DJU de 06.08.1993:
A transformação de cargos, funções e empregos do Executivo é admissível desde
que realizada por lei de sua iniciativa. Pela transformação extinguem-se os cargos
anteriores e se criam os novos, que serão providos por concurso ou por simples
enquadramento dos servidores já integrantes da Administração, mediante apostila de
seus títulos de nomeação. Assim, a investidura nos novos cargos poderá ser
originária (para os estranhos ao serviço público) ou derivada (para os servidores
que forem enquadrados), desde que preencham os requisitos da lei. Também podem
ser transformadas funções em cargos, observados o procedimento legal e a
investidura originária ou derivada, na forma da lei. Todavia, se a transformação
65
“implicar em alteração do título e das atribuições do cargo, configura novo
provimento”, que exige concurso público. (grifo nosso)
Como se vê do ensinamento de Clenício Duarte, é perfeitamente admissível, à luz da
jurisprudência da nossa Corte Constitucional, a transformação de cargos mediante extinção de
cargos existentes e criação de novos cargos que lhes correspondam, desde que não haja
cumulativamente alteração de nomenclatura e de atribuições.
Quanto a Gasparini, mais uma vez manifestamos nossa discordância com seu
entendimento, desta feita em relação à necessária alteração da natureza do cargo extinto em
relação ao cargo criado, o que colide com a própria compreensão do STF a respeito do tema.
Com efeito, observemos que nem Clenício Duarte, como o endosso de Meirelles, nem o
entendimento do STF que aquele menciona colocam a condicionante de alteração da natureza
do cargo como requisito obrigatório para validade de sua transformação.
Frisemos também a interessante observação de Gasparini no trecho transcrito, quando
afirma que nos casos em que há somente alteração de nomenclatura e acréscimo ou supressão
de atribuições do cargo, não existe nenhuma alteração substantiva de sua natureza. Nesse
particular aspecto, concordamos com o entendimento dele, pois tais alterações dizem respeito
à autonomia que tem a Administração Pública para implementar modificações em sua
estrutura orgânica e operacional com vistas a alcançar os objetivos colimados, em
consonância com os princípios constitucionais que a regem, notadamente o da eficiência.
À vista da transformação de cargos, pode-se questionar acerca de que tipo de situação
exigiria uma transformação de cargos, ou seja, a extinção de um ou mais cargos para a criação
de um ou mais cargos que lhe sejam correlatos. Para responder a essa questão, tomemos como
exemplo uma carreira da Administração Pública Federal que possui um histórico um tanto
semelhante ao da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil. Trata-se da Carreira
Finanças e Controle, que se encontra distribuída por dois órgãos, a Secretaria do Tesouro
Nacional do Ministério da Fazenda e a Controladoria-Geral da União.
Faremos, agora, um breve histórico da mencionada Carreira e dos Órgãos a ela
relacionados. Em 1986, foi criada, no âmbito do Ministério da Fazenda, a Secretaria do
Tesouro Nacional (STN); por seu turno, a Secretaria Federal de Controle já existia antes da
STN e sua origem remontava à Comissão de Coordenação das Inspetorias-Gerais de Finanças,
criada por meio do Decreto nº 64.777, de 3.7.1969. Posteriormente, por força do Decreto n.
84.362, de 31.12.1979, as Inspetorias passaram a ser denominadas Secretarias de Controle
66
Interno – CISET. Em 1986, ocorreu a reformulação do sistema por meio do Decreto nº.
93.874, de 23.12.1986, que dispunha a respeito do Sistema de Administração Financeira,
Contabilidade e Auditoria, bem como organizava o Sistema de Controle Interno do Poder
Executivo. Integravam o sistema a Secretaria do Tesouro Nacional, como órgão central, as
Secretarias de Controle Interno dos Ministérios e as unidades de competência equivalente,
como órgãos setoriais. Assim, por meio do Decreto-Lei nº 2.346, é criada em 1987 a Carreira
Finanças e Controle, composta pelos cargos de Analista de Finanças e Controle e Técnico de
Finanças e Controle, distribuída pelos órgãos integrantes do referido sistema. Mais adiante,
em 2002, a Secretaria Federal de Controle sai da órbita do Ministério da Fazenda e migra para
a estrutura da Corregedoria-Geral da União, que em 2003 vem a se tornar a ControladoriaGeral da União.
Assim, do mesmo modo que a Secretaria da Receita Federal procedeu em 1999 a uma
alteração da nomenclatura dos cargos da Carreira de Auditoria com o objetivo de criar uma
identidade entre os cargos integrantes da mesma e o Órgão onde estava sediada, conforme
relatado no tópico a seguir, do mesmo modo a nomenclatura dos cargos integrantes da
Carreira Finanças e Controle atualmente não condiz com os Órgãos em que se encontram
lotados os servidores que a compõem. Desta forma, se se pretender fazer uma adequação de
nomenclatura dos cargos de modo que fiquem identificados com os órgãos do quadro a que
pertençam, será forçoso a Administração Pública proceder à transformação desses cargos,
extinguindo ambos e criando quatro novos cargos, sendo dois na Secretaria do Tesouro
Nacional e dois na Controladoria-Geral da União, nos quais serão enquadrados os ocupantes
dos cargos hoje existentes, constituindo, isso, um exemplo ilustrativo de utilização do
instituto da transformação de cargos. Observe-se que, nesse caso, não haveria nenhuma
alteração da natureza dos cargos, contrariando o entendimento de Gasparini, mas em perfeita
sintonia com o magistério de Clenício Duarte, endossado por Meirelles, e o citado
entendimento do STF.
Para finalizar este tópico, não podemos deixar de fazer uma reflexão pertinente sobre o
tratamento doutrinário do conceito de cargo público e de carreira, a partir do pensamento dos
doutrinadores administrativistas pátrios expresso nos excertos aqui transcritos.
Conforme se vê a partir da classificação das diversas modalidades de provimento
derivado de cargos, observa-se que os doutrinadores consideram um cargo com todas as suas
classes e níveis como sendo uma carreira, já que a ascensão funcional do servidor se dá por
esses níveis e classes, configurando o provimento derivado vertical, que dispensa o concurso
67
público. Por outro lado, dentro desse mesmo raciocínio doutrinário, percebe-se que cada nível
e sua respectiva classe configurariam um cargo dentro do próprio cargo. Disso se pode inferir
que cada cargo, qualitativamente falando, seria, na realidade, composto por uma série de
cargos de mesma denominação em progressão vertical, com atribuições distintas em cada
classe.
Esse raciocínio doutrinário apresenta uma falha na medida em que, dentro de uma
mesma classe, as atribuições não variam de acordo com cada nível e o servidor ascende
dentro de cada classe por meio dos níveis, sendo essa ascensão feita pelo critério de
antiguidade, enquanto que para passar à classe imediatamente superior o servidor deve se
submeter a uma avaliação. Deste modo, somente na ascensão de uma classe para outra ocorre
o que os doutrinadores afirmaram, ou seja, o servidor passa para um cargo imediatamente
superior, com maior remuneração em decorrências das atribuições e responsabilidades mais
complexas. Tal não ocorre, no entanto, na ascensão dentro da mesma classe por meio dos
respectivos níveis; assim, neste caso, o servidor ascende para um cargo com maior
remuneração e com atribuições e responsabilidades de graus de complexidade idênticos à do
nível anterior em que estava posicionado.
Por outro lado, deve-se frisar que no Sistema de Administração de Pessoal Federal
(SIAPE) essa concepção doutrinária de cargo público não aparece na configuração do
sistema: o servidor está sempre ocupando o mesmo cargo de certa denominação, enquanto
nele permanecer, ao qual é atribuído um determinado número e esse permanece até a
aposentação, independentemente da ascensão do servidor se dar por entre os níveis e por entre
as classes do cargo de que é titular.
Em manifestação exarada no Parecer anexado à petição inicial da ADIn 4.616, em
consulta formulada pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do
Brasil - SINDIFISCO, o administrativista pátrio Pedro Lenza, citado no artigo de Oliveira
(ADI 4616, 2011), manifesta seu entendimento sobre o conceito de carreira. Reportando-se
diretamente à Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, chega ao ponto
de afirmar que entende ser inconstitucional a manutenção de cargos incomunicáveis abrigados
sob a mesma Carreira, definida como tal na sua lei de criação e nas suas posteriores
alterações, a que denominamos de carreira lato sensu.
Sustenta ainda o citado autor que, a seu ver, o cargo de Analista Tributário da Receita
Federal do Brasil é de natureza administrativa e deveria ser apartado da Carreira de Auditoria,
68
a qual, segundo ele, só deveria comportar os cargos de Auditor-Fiscal, pois, em sua visão,
somente os ocupantes deste cargo são autoridades fiscais.
Nesse ponto, manifestamos nossa mais veemente divergência acerca do ponto de vista
explicitado pelo ilustre administrativista. Entendemos que autoridade é aquela investida de
competência para responder em nome da Administração Pública perante terceiros, judicial ou
extrajudicialmente, na qualidade de representante legal dos órgãos públicos da Administração
Direta, como das entidades da Administração Indireta, designada por ato administrativo
específico que lhe confiram tais poderes. Assim, servidores públicos comuns que sejam
ocupantes de cargos públicos efetivos, sejam eles quais forem, não se revestem da condição
de autoridades administrativas em razão da natureza das atribuições do cargo de que são
ocupantes.
Para sustentar o nosso ponto de vista a respeito do conceito de autoridade
administrativa, socorremo-nos do brilhante magistério de Bandeira de Mello (2003, p. 228229), que aponta um requisito objetivo para se identificar uma autoridade administrativa:
aquela que pode ser caracterizada como sujeito passivo de mandado de segurança.
Assim discorre o eminente jurista pátrio a respeito dessa matéria:
A noção de agente público não é construção sistemática de caráter meramente
acadêmico, mas tem repercussão no ordenamento jurídico positivo. Com efeito, é ela
que deve ser tomada como ponto de partida – e não o conceito de servidor público
ou funcionário público – para o subseqüente reconhecimento de quem pode ser
caracterizado como sujeito passivo de mandado de segurança (“autoridade”).
Deveras, quem pôde ou teve que manejar poderes correlatos ao exercício de uma
função pública há de ter seus atos contrastados judicialmente pelas mesmas vias
instituídas como prestantes para o controle dos atos estatais.
(...)
A noção de agente público é prestante também por abranger todos os sujeitos
apontados nas Leis 4.898, de 9.12.65, e 8.429, de 2.6.92, (...), as quais cuidam de
sanções aplicáveis aos praticantes de “abuso de autoridade” ou atos de “improbidade
administrativa”.
Desta forma, entendemos que não se sustenta o argumento expendido por Pedro Lenza
em defesa da exclusão dos ATRFB da Carreira de Auditoria sob o fundamento, a nosso ver
equivocado, de que os somente os Auditores Fiscais estão investidos da qualidade de
autoridades fiscais. Na realidade, autoridades fiscais são aquelas detentoras de competência
legal que lhes foi atribuída ou delegada para responderem perante terceiros, judicial e
69
extrajudicialmente, em nome da Administração Pública. Deste modo, tanto Auditores
Fiscais como Analistas Tributários são servidores ocupantes de cargos de mesma
natureza, não havendo sustentação jurídica, portanto, para a tese de que a Carreira de
Auditoria se resuma aos cargos de Auditor-Fiscal. Só podemos entender a defesa de tal tese a
partir de interesses corporativistas da entidade representativa dos servidores públicos
ocupantes dos cargos de Auditor-Fiscal, a qual, inclusive, foi a subscritora da representação
que originou a ADIn nº 4.616.
Para fragilizar ainda mais a tese defendida por Pedro Lenza, esse entendimento
externado pelo ilustre administrativista parece não encontrar ressonância na jurisprudência do
Supremo
Tribunal
Federal
e
desconhecemos,
inclusive,
qualquer
argüição
de
inconstitucionalidade que tenha chegado ao STF sob tal fundamento, bem como qualquer
posicionamento da nossa Corte Constitucional que sinalize um entendimento nessa direção;
aliás, muito pelo contrário, como se depreende de diversos excertos de manifestações da Corte
Maior.
Como discorreremos mais detalhadamente no capítulo seguinte, já existem decisões da
nossa Suprema Corte declarando a constitucionalidade de reestruturações de carreiras que
envolveram, ainda que em alguma fase do processo, alteração de nomenclatura e/ou de
atribuições de cargos públicos elevação de grau de escolaridade para investidura no cargo e
até mesmo unificação de cargos distintos em um único cargo (ADIns nºs. 1591/RS, 2713/DF
e 2335/SC). Em tais decisões, fica patente que o STF sopesou princípios constitucionais em
aparente conflito, a exemplo do princípio da eficiência, insculpido no caput do art. 37 da
Carta Magna, em face do princípio do concurso público, insculpido em seu art. 37, II,
declarando a constitucionalidade de tais reestruturações, com fundamento na autonomia que
possui a Administração Pública para se valer dos instrumentos que considere mais adequados
à reorganização do seu aparato instrumental, aí incluída a sua força de trabalho, com vistas a
alcançar os seus objetivos institucionais, em consonância com a eficiência que lhe é exigida
pela Constituição Federal em princípio solenemente proclamado por ela.
Assim, a título de ilustração adicional do posicionamento contrário a essa tese
levantada por Pedro Lenza e claramente já rechaçada por decisões do STF, transcrevemos, no
âmbito desta discussão que já antecipa a discussão que faremos no capítulo seguinte sobre o
entendimento jurisprudencial da nossa mais alta Corte, alguns excertos de manifestações de
Ministros do STF em diversas ADIns, a respeito de reestruturações de carreiras que ocorreram
70
efetivamente no âmbito da Administração Pública, nos quais aparecem termos de significados
controversos no Direito Administrativo.
Comecemos primeiramente pela manifestação do Min. Octávio Gallotti, relator da
ADIn nº 266/RJ, aliás invocada pelo Procurador Geral da República, em defesa de sua tese de
inconstitucionalidade na ADIn 4.616, objeto deste trabalho. Nessa manifestação, aparecem os
conceitos de transposição e transformação de cargos, como conceitos mutuamente
contrapostos:
A chamada “transposição” simplesmente reside na “passagem de um cargo atual
para cargo idêntico da mesma natureza, do novo sistema classificatório” (art. 14, IV,
a, do Decreto-lei nº 408-78, do Rio de Janeiro) ou no “deslocamento de um cargo
existente para classe de atribuições correlatas do novo sistema” (art. 9º, § 1º, b, do
Decreto federal nº 70.320-72).
Já a “transformação” chega a consistir na “alteração de titulação e atribuições do
cargo com seu ocupante” (art. 14, IV, b, do Decreto estadual citado), ou na
“alteração das atribuições de um cargo existente” (art. 9º, § 1º, a, do Decreto federal
nº 70.320-72).
Como se vê, ao passo que a transposição não atinge a natureza ou as atribuições
essenciais do cargo, são ambas alteradas (além da denominação), pela chamada
transformação, por meio da qual se opera uma modificação substancial, capaz de
intrinsicamente caracterizar um novo provimento do cargo. (…) A transformação de
cargos foi concebida como instrumento transitório da aplicação de determinado
plano de classificação (o da Lei federal nº 5.645, de 1970). (grifos nossos).
Vejamos agora a manifestação do Ministro Marco Aurélio na ADIn nº 1.854/PI, do
final da década de 90:
(...) admito a promoção vertical quando os cargos estão situados em uma mesma
carreira, e, aqui, na verdade, a lei complementar do Estado do Piauí disciplinou a
carreira de policial, tida como um grande todo. Ao fazê-lo, ao meu ver, não
acarretou, em si, a pecha de inconstitucional. (…) Entendo que esta lei presta
homenagem à carreira, incentivando-a, bem como estimula o aprimoramento do
servidor, acenando a este com a possibilidade, mediante aperfeiçoamento, de galgar
posições mais elevadas. Em síntese, admito como harmônica com a Carta da
República a chamada promoção vertical, desde que haja um elo, considerada a
razoabilidade, entre os cargos, e aqui vejo essa ligação.
71
No mesmo sentido manifestou-se, nessa mesma ADIn, o Ministro Carlos Velloso:
O que a Constituição não admite é a ascensão, vale dizer, passar o servidor de um
cargo menor a um maior, ambos de carreiras diferentes. Penso que a lei pode, o
que é salutar, estabelecer carreiras. O cidadão ingressar no serviço público, por
exemplo, como investigador e chegar a delegado, desde que isto esteja previsto na
lei e com obsvervância dos requisitos nesta exigidos. É a carreira do policial.
Se a lei viesse a estabelecer que o servidor ingressaria como auxiliar, podendo
chegar a técnico, seria bom, aproveitando inclusive experiências. (…) A
Constituição não quer que as carreiras fiquem estagnadas. De sorte que a lei
estabelece carreira e acho que as tarefas exercidas pelo investigador, pelo escrivão
e pelo delegado são semelhantes. (…) Penso que o Supremo Tribunal Federal não
deve tornar estagnadas carreiras no serviço público. No primeiro momento,
decidimos com rigor, quase que numa interpretação literal da Constituição, e o Sr.
Ministro Sepúlveda Pertence deu os motivos por que o fizemos, já que vínhamos de
um tempo em que muito se abusou. Vínhamos, repito, de um tempo de abuso, e o
Supremo Tribunal Federal agiu com rigor. É hora, entretanto, de começarmos a
construir no sentido de tornarmos as carreiras do serviço público mais
atraentes. (grifos nossos)
A propósito dessas manifestações, exaradas por ambos os Ministros, reconhecendo a
possibilidade da Administração Pública instituir carreiras compostas por cargos distintos, com
atribuições de diferentes graus de complexidade e comunicáveis entre si, entendemos que a
apreciação da ADIn nº 4.616 será uma oportunidade para, dentre diversas outras definições, o
Supremo Tribunal Federal firmar de forma contundente o seu entendimento sobre esse
controvertido tema, a fim de afastar definitivamente quaisquer ambigüidades, definindo com
clareza o sentido e o alcance da norma constitucional insculpida no inciso II do art. 37 da
Carta Magna. Se o STF se pronunciar em favor da possibilidade de tal forma de organização
ou reestruturação de carreiras da Administração Pública, terá que definir, por outro lado,
como esta lidará com a eventual situação de falta de cargos para investidura de servidores por
via derivada, oriundos de outro cargo.
Assim, a título apenas exemplificativo, tomemos a Carreira de Auditoria e
imaginemos o caso hipotético em que seja fixada em lei possibilidade dos Analistas
Tributários ascenderem ao cargo de Auditores Fiscais ao cumprirem o interstício temporal do
último nível da última classe. Poderia ocorrer a inexistência de cargos vagos de Auditor Fiscal
para serem preenchidos. Por outro lado, sabemos que cargos públicos só podem ser criados
72
por meio de lei, a administração não pode simplesmente criá-los por mero ato administrativo.
Vale frisar, inclusive, que, inicialmente, os cargos da Carreira de Auditoria do Tesouro
Nacional se comunicavam entre si por disposição expressa do art. 4º do Decreto-Lei nº
2.225/85, que criou a referida Carreira, ou seja, um Técnico do Tesouro Nacional podia
ascender ao cargo de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional desde que preenchidos os requisitos
para investidura neste cargo. Claro que se pode alegar que tal norma não teria sido
recepcionada pela nova ordem constitucional inaugurada em 1988 porque feriria o princípio
do concurso público para provimento originário de cargo público; cumpre ressaltar que esse
dispositivo do Diploma Legal citado não foi expressamente revogado quando da edição da
Medida Provisória nº 1.915/99, nem nas suas reedições, nem na respectiva Lei de Conversão
(10.593/2002).
Acerca desse tema, não nos furtaremos de nos manifestarmos sobre ele.
Primeiramente, é forçoso reconhecer que num país de tradição patrimonialista, de
fisiologismo político e da prática do compadrio, verdadeiro mal endêmico da cultura
brasileira, que, aliás, não se limita ao plano político, mas permeia toda a Sociedade, o
eventual reconhecimento da possibilidade de existência de carreiras integradas por diferentes
cargos comunicáveis entre si representa grande perigo ao princípio do concurso público, o
qual, aliás, é diariamente ignorado, burlado e violado por administradores públicos do tipo
que acabamos de mencionar, espalhados, mormente, por Prefeituras Municipais de todo o
País, a despeito do comando constitucional relativo ao concurso público.
Por outro lado, a observância estrita do sentido literal do texto que contém a norma
insculpida no inciso II do art. 37 da Constituição Federal engessa, amarra e cria dificuldades
para a Administração Pública solucionar determinadas questões pontuais que se apresentam
aqui e ali. Assim, por exemplo, consideremos o caso hipotético de uma dada carreira
composta por dois tipos de cargos. Pode ocorrer que, do ponto de vista da Administração
Pública, objetivando otimizar sua força de trabalho, levando em conta a qualificação
profissional do seu corpo de servidores e em atendimento ao princípio constitucional da
eficiência, entender que seja mais viável reestruturar tal carreira, de modo a tornar os seus
cargos comunicáveis, possibilitando a ascensão dos ocupantes de um tipo de cargo para o
outro, tal qual ocorria na plena vigência do Decreto-Lei nº 2.225/85, colocando, inclusive, um
dos cargos em regime de extinção por considerar ser mais racional, do ponto de vista da
organização do trabalho, a existência de um único tipo de cargo.
73
Todavia, acreditamos que o ponto de vista defendido pelos dois citados Ministros do
STF, um dos quais já não mais o compõem, dificilmente será adotado pela maioria do atual
Colegiado, como já sinalizou o julgamento da ADIn nº 3.857/CE, em dezembro de 2008. De
fato, a criação de carreiras formadas por cargos de atribuições de distinto grau de
complexidade e comunicáveis entre si poderia trazer dificuldades à Administração em dado
momento, caso não existissem cargos vagos para acomodar servidores que tivessem adquirido
o direito de passar da última classe e último nível de determinado cargo para o nível inicial da
primeira classe do cargo imediatamente superior. Além disso, poderia haver inibição da
realização de concursos públicos dos cargos de nível mais complexo.
Por outro lado, embora o Direito Administrativo brasileiro seja constitucionalizado, ao
contrário do Direito Administrativo dos Estados Unidos da América, como já expusemos,
entendemos que não pode a Administração Pública ficar engessada de forma absoluta e
tolhida da possibilidade de reorganizar-se permanentemente em benefício da coletividade a
quem ela assiste, o que inclui a permanente otimização de sua força de trabalho, que
eventualmente se expressa por meio de reestruturação de carreiras e até dos próprios órgãos e
entidades da Administração Pública, como ocorreu no caso da reestruturação da Carreira de
Auditoria, que esteve inserida num contexto maior de reestruturação da própria Secretaria da
Receita Federal do Brasil. Assim, revela-se necessário, a bem da coletividade, razão de ser e
destinatária dos serviços prestados pela Administração Pública estatal, sopesar princípios
constitucionais, de modo que um não dificulte ou mesmo inviabilize a realização do outro em
determinadas circunstâncias e contextos específicos, impondo-se ao nosso Tribunal
Constitucional a tarefa de encontrar um ponto de equilíbrio entre os princípios que aqui
aparecem em aparente conflito, o do concurso público e o da eficiência, de modo que sejam
preservados os princípios da moralidade e da impessoalidade.
Como se percebe, essas reflexões são necessárias e fundamentais para que se possa
apreender o entendimento do STF a respeito do conceito por ele adotado de cargo e de
carreira quando editou, por exemplo, a Súmula nº 685, que enuncia ser inconstitucional a
investidura de servidores em cargos de carreira distinta daquela que anteriormente ocupavam,
assim como nas decisões em que se pronunciou pela constitucionalidade da reestruturação de
carreiras, a exemplo daquelas que fora objeto de contestação nas ADIns 1.591/RS, 2713/DF e
2.335/SC; em todas essas decisões, o STF parece ter adotado claramente o conceito legal de
carreira, ou seja, aquele que é definido em sua lei de criação e não o conceito doutrinário que
aparece usualmente nos manuais de Direito Administrativo. No próximo capítulo,
74
procuraremos extrair o sentido dado pelo STF a esses vocábulos mediante análise mais detida
do espírito contido em seus próprios julgados mais significativos e representativos dessa
matéria, alguns dos quais aqui já antecipamos a título de ilustrar a discussão sobre o conceito
de carreira expresso nos textos das decisões que carregam o seu conteúdo.
Deste modo, em face de tudo quanto foi aqui exposto, consideramos de excepcional
importância o julgamento da ADIn 4.616, no qual se espera que o STF venha a exaurir a
matéria, de modo a que a decisão a ser proferida seja clara e completa o suficiente para se
constituir num marco balizador para toda a Administração Pública, pois, a nosso ver essa será
uma oportunidade singular para se definir com precisão e clareza o sentido e o alcance de
vocábulos próprios do Direito Administrativo cercados de ambiguidade na doutrina pátria,
tais como carreira, transposição e transformação de cargos públicos, bem como formas
admissíveis de investidura em cargo público, a fim de bem caracterizar aquilo que pode ou
não pode fazer a Administração Pública em matéria de organização da força de trabalho da
máquina administrativa em sintonia com o princípio constitucional da eficiência, mas sem que
tenha, para isso, que chocar-se com o princípio do concurso para investidura em cargo
público, também solenemente consagrado no nosso texto constitucional. Este último princípio
guarda, inclusive, relação muito próxima e íntima com outros princípios de matriz
constitucional regentes da Administração Pública, a exemplo dos princípios da
impessoalidade, da moralidade e da isonomia, os quais são, em essência, a razão e o motivo
da adoção do princípio do concurso público, além do próprio princípio da eficiência, com o
fito de evitar abusos num País de tradição tão patrimonialista, marcado pela cultura do
compadrio e do nepotismo, como é o caso do nosso.
Assim, por exemplo, como deveria ser entendida uma eventual reorganização da
citada Carreira Finanças e Controle, tomada neste trabalho como exemplo ilustrativo, se esta
tiver os dois atuais cargos extintos e forem criados quatro cargos novos, com alteração de
nomenclatura para melhor identificá-los ou associá-los com os respectivos órgãos em cujo
quadro se encontrem, e com atualização de suas respectivas atribuições, compatíveis com a
situação fática e as necessidades dos tempos atuais?
Relembrando o ensinamento de Gasparini, este entende que a transformação ocorre
quando há extinção de cargos, criação de novos cargos e alteração de sua natureza, por
exemplo, de cargo efetivo para cargo em comissão. Tal entendimento parece ser
compartilhado pelo Min. Octávio Gallotti, conforme visto no excerto transcrito, quando este
faz a diferenciação entre transposição e transformação, afirmando que o primeiro instituto não
75
fere a Constituição, que seria ferida pelo segundo. Todavia, no exemplo hipotético que
levantamos, relativo à Carreira Finanças e Controle, não ocorreria em tal caso nenhuma
alteração na natureza dos cargos, mas apenas uma adequação de nomenclatura e atualização
de atribuições. Poderia ocorrer, inclusive, no âmbito de tal reestruturação dessa carreira,
elevação do grau de escolaridade mínimo exigido para futuras investiduras no cargo de
Técnico de Finanças e Controle, de médio para superior, sem que isso caracterizasse a criação
de um novo cargo, mas tão somente a redefinição das características de um cargo já existente,
tal como ocorreu, a nosso ver, com o cargo de Técnico do Tesouro Nacional quando passou a
se chamar Técnico da Receita Federal, momento em que se passou a exigir o nível superior
para investidura e se fez a atualização de suas atribuições, bem como posteriormente quando a
nomenclatura deste foi alterada para Analista Tributário da Receita Federal do Brasil no
âmbito da reestruturação da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil e do próprio
Órgão.
A propósito dos dispositivos da Lei nº 11.457 combatidos na ADIn 4.616, observamos
uma certa incongruência terminológica, pois ali se fala de transformação de cargos, sem que
tenha havido qualquer alteração na natureza dos mesmos (art. 10). Todavia, acreditamos que o
uso dos vocábulos “transformados” (art. 10) e “transformação” (arts. 10 e 14) se deveu à
inexistência de outro mais apropriado para retratar a reestruturação da Carreira de Auditoria.
Deste modo, podemos considerar que se trata, em realidade, de “transformação de cargo lato
sensu” (reorganização dos cargos, mediante alteração de nomenclatura e de atribuições, sem
alteração de sua natureza) e em oposição a transformação de cargo em sentido estrito (com
alteração de sua natureza e atribuições e, eventualmente, nomenclatura e remuneração) .
Também é oportuno aqui registrar, a título informativo e também para enriquecer a
discussão que aqui se faz a respeito do conceito de carreira, que também está tramitando no
STF a ADIn nº 4.151, ajuizada pela Associação Nacional dos Servidores da Secretaria da
Receita Previdenciária – UNASLAF, na qual argui a inconstitucionalidade do art. 012, § 005º,
da Lei nº 11.457, de 2007, a inconstitucionalidade por omissão do art. 010, II, da mesma Lei,
e ainda, a inconstitucionalidade do art. 257, da Medida Provisória nº 441, de 2008. A Lei nº
11.457/2007 é precisamente aquela que reestruturou a Secretaria da Receita Federal e
extinguiu a Secretaria da Receita Previdenciária do Ministério da Previdência Social, criando
a Secretaria da Receita Federal do Brasil.
A inconstitucionalidade alegada nessa ADIn reside, dentre outras coisas, no fato dos
cargos de Analista Previdenciário e Técnico Previdenciário, integrantes da Carreira
76
Previdenciária, não terem sido transformados no cargo de Analista Tributário da Receita
Federal do Brasil, ao passo que o cargo de Auditor-Fiscal da Receita Previdenciária foi
transformado no cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Acessando-se o
acompanhamento processual no sítio eletrônico do STF, verifica-se que houve alteração do
relator, com base no art. 38 do Regimento Interno do STF, passando a relatoria para o
Ministro Gilmar Mendes, possivelmente por ser relator de processos conexos, a exemplo da
ADIn objeto deste trabalho; os autos já estão conclusos ao relator desde 26.10.2011 e
provavelmente as duas ADIns serão julgadas em conjunto.
A Advocacia-Geral da União também já se manifestou nessa ADIn. Sua
manifestação em defesa da constitucionalidade da legislação combatida está centrada no
conceito legal de carreira, ou seja, de sua lei de criação, como podemos perceber no seguinte
excerto citado no artigo de Oliveira (ADI 4616, 2011), o qual transcrevemos a seguir:
(…)
Como sabido, a Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, proporcionou a
reforma da administração tributária federal, mediante a junção das atribuições e do
aparato estatal da Secretaria da Receita Previdenciária e da Secretaria da Receita
Federal, sob a denominação Secretaria da Receita Federal do Brasil. À novel
secretaria reservou-se a competência de planejar, executar, acompanhar e avaliar as
atividades relativas à tributação e a fiscalização, arrecadação, cobrança e
recolhimento das contribuições sociais.
A referida redistribuição e transformação dos cargos da Carreira de
Auditoria-Fiscal da Previdência Social mostram-se legítimas, na medida em que
havia perfeita correspondência dessa carreira, no tocante ao nível de escolaridade e
atribuições, com a da Auditoria-Fiscal da Receita Federal, convolada na Carreira de
Auditoria-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Ou seja, coexistiam duas carreiras
semelhantes, devidamente organizadas, uma ligada ao Ministério da Previdência e
outra ao Ministério da Fazenda que foram reunidas sob a denominação de Carreira
de Auditoria-Fiscal da Receita Federal do Brasil.
De se registrar que a Carreira de Auditoria-Fiscal da Previdência Social
abrangia somente os Auditores-Fiscais, enquanto que a Carreira de Auditoria-Fiscal
da Receita Federal compunham-se dos cargos de Auditor-Fiscal e de Técnico da
Receita Federal. Este último, por consagrar-se em cargo de nível superior, a partir da
edição da Medida Provisória nº 1.915/99, foi transformado no cargo de AnalistaTributário da Receita Federal do Brasil, criado, por sua vez, pela Lei nº 11.457/07.
(…)
Dessa forma, considerando que não havia exata correspondência entre os
cargos das Carreiras de Auditoria da Previdência e de Auditoria da Receita Federal,
especificamente aos cargos de Técnico e de Analista Previdenciários, que
integravam uma segunda carreira (Carreira Previdenciária), tornou-se inviável a
transformação dos aludidos cargos auxiliares nos novos cargos de AnalistaTributário, de forma a inseri-los na Carreira de Auditoria-Fiscal da Receita Federal
do Brasil.
77
(…)
A migração de servidores entre carreiras distintas, por meio de
transformação de cargos, ofende o primado constitucional do concurso como
condição de acesso a cargos e empregos públicos, porquanto proporciona a
titularidade de cargos que não integram a carreira na qual os servidores foram
investidos, originária e regularmente.
A nosso ver, em princípio, está perfeito o raciocínio expendido pela AdvocaciaGeral da União com relação à transformação dos cargos da Carreira Previdenciária no cargo
de Analista Tributário da Receita Federal do Brasil; a manifestação da Procuradoria Geral da
República foi nesse mesmo sentido. Caso tal transformação fosse efetivada, estar-se-ia
incorrendo na vedação ditada pela Súmula nº 685, a qual nos parece mostrar claramente que o
STF inclinou-se em favor do conceito legal de carreira, quando enuncia:
“É INCONSTITUCIONAL TODA MODALIDADE DE PROVIMENTO QUE
PROPICIE AO SERVIDOR INVESTIR-SE, SEM PRÉVIA APROVAÇÃO EM
CONCURSO PÚBLICO DESTINADO AO SEU PROVIMENTO, EM CARGO
QUE NÃO INTEGRA A CARREIRA NA QUAL ANTERIORMENTE
INVESTIDO.
Todavia, é preciso verificar se não há similitude de atribuições entre os citados cargos
da Carreira Previdenciária e aquelas do cargo de Analista Tributário da Receita Federal do
Brasil, pois este foi o fundamento invocado pela AGU para considerar legítima a
transformação dos cargos de Auditor Fiscal da Previdência Social em cargos de Auditor
Fiscal da Receita Federal do Brasil.
Muito embora os cargos de Auditor Fiscal da Previdência Social e de Auditor Fiscal
da Receita Federal do Brasil também fossem de carreiras distintas, a exemplo dos cargos da
Carreira Previdenciária em relação ao cargo de Analista Tributário da Receita Federal do
Brasil, havia, segundo a AGU, perfeita correspondência entre o nível de escolaridade e as
atribuições dos mesmos. Contudo, vale frisar que, na decisão referente à ADIn nº 1.591/RS,
relativa à reestruturação da carreira do fisco gaúcho, o STF considerou constitucional a
extinção de dois cargos de diferentes graus de escolaridade, um de nível superior e outro de
nível médio, e a passagem dos seus ocupantes para um novo e único cargo de nível superior,
criado em substituição aos dois cargos extintos.
Com efeito, um dos critérios básicos utilizados pelo STF para reconhecer a
constitucionalidade de reestruturações de carreiras, nas quais ocorreram extinções de cargos
existentes e criação de cargos novos, com alocação nestes últimos dos ocupantes dos
78
primeiros, é precisamente a similitude de atribuições, como ficou assentado na ementa do
acórdão da ADIn nº 2.335/SC, que ora transcrevemos:
EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Complementar nº 189, de
17 de janeiro de 2000, do Estado de Santa Catarina, que extinguiu os cargos e as
carreiras de Fiscal de Tributos Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator
e Escrivão de Exatoria, e criou, em substituição, a de Auditor Fiscal da Receita
Estadual. 3. Aproveitamento dos ocupantes dos cargos extintos nos recém criados. 4.
Ausência de violação ao princípio constitucional da exigência de concurso público,
haja vista a similitude das atribuições desempenhadas pelos ocupantes dos cargos
extintos. 5. Precedentes: ADI 1591, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 16.6.2000;
ADI 2713, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 7.3.2003. 6. Ação julgada improcedente.
Faremos uma análise mais acurada a respeito da Súmula nº 685 e da citada ADIn nº
2.335 no próximo capítulo, quando estivermos nos debruçando mais detidamente no
entendimento jurisprudencial da nossa Corte Constitucional sobre o tema, mediante o exame
do caráter das decisões reiteradas que levaram à edição da mesma.
É oportuno citar, ainda, que tramita no Tribunal Regional Federal da Primeira Região
a Ação Civil Pública nº 1999.34.00.021695-4/DF), por meio da qual o Ministério Público
Federal (MPF), pretende impor à União Federal a obrigação de não fazer a transposição dos
ocupantes do cargo de Técnico do Tesouro Nacional para o então recém-criado cargo de
Técnico da Receita Federal. Uma liminar foi inicialmente deferida e depois cassada. O MPF
interpôs recurso de apelação. Consultando-se o sítio eletrônico do citado Tribunal
(http://www.trf1.jus.br/Processos/ProcessosTRF/ctrf1proc/ctrf1proc.php), verifica-se que o
recurso de apelação tramita desde 2002, quando foi interposto, e neste ano de 2011 houve 41
movimentações, inclusive com vistas da Advocacia-Geral da União (AGU) em 31.08.2011,
que devolveu os autos em 06.09.2011. Caso o STF se pronuncie pela improcedência da ADIn
4.616, essa Ação Civil Pública perderá o objeto.
Como vimos no capítulo antecedente, o traço marcante da linguagem humana é a
equivocidade, a pluralidade de significados dos signos utilizados para exprimir o pensamento
humano. No que concerne a esses três conceitos, percebemos a dimensão da importância da
forma pela qual o STF efetivamente interpreta as normas jurídicas para prolatar suas decisões.
Também necessitamos interpretar o entendimento do STF a partir de suas próprias decisões já
existentes a respeito da matéria objeto da ADIn 4.616, a fim de que possamos vislumbrar o
provável resultado do julgamento.
79
3.3 A CARREIRA DE AUDITORIA E A REESTRUTURAÇÃO DA SECRETARIA DA
RECEITA FEDERAL DO BRASIL
A história da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil está
primorosamente descrita, com riqueza de detalhes, na Nota RFB/Asesp/nº 21/2011, elaborada
pela Secretaria da Receita Federal do Brasil para subsidiar a Advocacia-Geral da União com
informações necessárias à sua manifestação na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.616,
requerida pelo Supremo Tribunal Federal. O histórico, além do relato propriamente dito da
história da Carreira, está entremeado de comentários.
A referida Nota da Secretaria da Receita Federal do Brasil também procede a uma
análise jurídica dos pontos questionados pela Procuradoria-Geral da República, à luz do
histórico da Carreira de Auditoria, porém deixaremos para nos debruçar sobre o mérito da
argumentação da defesa da União Federal quando analisarmos o documento da AdvocaciaGeral da União no capítulo subsequente.
Faremos agora uma breve retrospectiva da Carreira de Auditoria, sediada na Secretaria
da Receita Federal do Brasil. Conforme se vê no citado documento, essa Carreira foi criada
em 1985, por meio do Decreto-Lei nº 2.225, de 10.01.1985, sob a denominação de Carreira de
Auditoria do Tesouro Nacional, composta pelos cargos de Auditor-Fiscal do Tesouro
Nacional (AFTN), de nível superior, e Técnico do Tesouro Nacional (TTN), de nível médio.
Tal diploma legal não trazia as atribuições dos cargos, que foram posteriormente
regulamentadas mediante o Decreto Federal nº 90.928, de 07.02.1985, o qual não trazia, no
entanto, atribuições devidamente detalhadas na forma de tarefas, mas apenas indicava em seu
art 2º as características das classes de que se compunham ambos os cargos.
Posteriormente à criação dessa Carreira, foi criada a Secretaria do Tesouro Nacional
(STN) em 1986, o que se deu por meio do Decreto Federal nº 92.452, de 10.03.1986,
mediante a união da antiga Comissão de Programação Financeira e da Secretaria de Controle
Interno do Ministério da Fazenda, informação essa que consta no sítio eletrônico oficial da
STN.
Então, mediante a Medida Provisória nº 1.915, de 29.06.1999 e suas posteriores
reedições, que culminaram na Medida Provisória nº 46, de 25.06.2002, convertida na Lei nº
10.593, de 06.12.2002, na qual as disposições do art. 9º da Medida Provisória original
passaram a constar do art. 17 da Lei de Conversão, foi reestruturada a Carreira de Auditoria
do Tesouro Nacional, que passou a se chamar Carreira de Auditoria da Receita Federal,
80
passando os cargos a se denominarem Auditor-Fiscal da Receita Federal (AFRF) e Técnico da
Receita Federal (TRF), em substituição, respectivamente, às nomenclaturas de Auditor-Fiscal
do Tesouro Nacional (AFTN) e Técnico do Tesouro Nacional (TTN). Nessa ocasião, foi
alterado o nível de escolaridade exigido para ingresso no cargo de Técnico, de nível médio
para nível superior. A razão apontada na sobredita Nota da Receita Federal para alteração da
nomenclatura desses cargos foi identificar ambos os cargos com o Órgão a que pertenciam,
pois a nomenclatura havia se tornado ambígua em razão da criação da Secretaria do Tesouro
Nacional após a criação da Carreira de Auditoria, o que relacionava o nome dos cargos com
aquela Secretaria não com a Secretaria da Receita Federal.
No ano seguinte à edição da Medida Provisória nº 1.915/99 foram regulamentadas
formalmente as atribuições de ambos os cargos por meio do Decreto Federal nº 3.611, de
27.09.2000, em cumprimento à disposição contida no § 3º do art. 4º da citada Medida
Provisória de origem.
Mais adiante, surge a Lei nº 11.457, de 16.03.2007, alterando dispositivos da Lei nº
10.593/2002, extinguindo a Secretaria da Receita Previdenciária (SRP) do Ministério da
Previdência Social e alterando a nomenclatura da Secretaria da Receita Federal para
Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), passando para o quadro desta os cargos
oriundos da Carreira de Auditoria da Previdência Social da secretaria extinta e seus
respectivos ocupantes. Concomitantemente, ocorre nova alteração de nomenclatura dos cargos
do quadro do Órgão, que passam a se denominar: Auditor-Fiscal da Receita Federal (AFRF),
Auditor-Fiscal da Previdência Social (AFPS) e Analista Tributário da Receita Federal do
Brasil (ATRFB), correspondendo esta última denominação à alteração da nomenclatura do
cargo de Técnico da Receita Federal (TRF). Os citados cargos oriundos da Carreira de
Auditoria da Previdência Social são transformados em cargos de Auditor-Fiscal da Receita
Federal do Brasil.
Finalmente, vem a lume em 2008 um novo ato regulamentador das atribuições dos
cargos da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, reestruturada em
2007 pela Lei nº 11.657. Tal regulamento é editado para atender à nova configuração
organizacional do Órgão, em cumprimento ao disposto pelo §3º do art. 6º da Lei nº 10.593.
Trata-se do Decreto Federal nº 6.641, de 10 de novembro de 2008, estabelecendo as
atribuições atualizadas dos dois cargos integrantes da Carreira de Auditoria, em substituição
ao Decreto Federal nº 3.611/2000, após a reestruturação do Órgão mediante a transformação
da Secretaria da Receita Federal em Secretaria da Receita Federal do Brasil.
81
Este é, portanto, em resumo, o histórico da Carreira de Auditoria da Secretaria da
Receita Federal do Brasil, necessário para a contextualização e a compreensão da controvérsia
de constitucionalidade suscitada pelo Procurador-Geral da República por meio da Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 4.616, que será analisada mais pormenorizadamente no capítulo
seguinte deste trabalho.
82
4. A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.616
Este capítulo constitui o cerne deste trabalho, do qual os dois anteriores se configuram
como fontes de ferramentas jurídicas, sejam conceituais ou instrumentais, a serem utilizadas
no nosso trabalho de análise dos fundamentos jurídicos invocados pela Procuradoria-Geral da
República quanto à alegada inconstitucionalidade de dispositivos legais da legislação que
promoveu alterações na Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil. Para tal
desiderato, utilizaremos o entendimento jurisprudencial do próprio Supremo Tribunal Federal,
com o fito de deduzirmos, a partir dele, o possível desfecho da mesma, que certamente
instaurará um marco balizador que servirá de referência para todas as esferas da
Administração Pública no que concerne à permanente reorganização de seus órgãos,
necessidade ditadas pelos imperativos de modernização com vistas ao satisfatório
desempenho de suas funções, aí incluídas as reestruturações de carreiras.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.616, que tramita no Supremo Tribunal
Federal, foi ajuizada pelo Procurador-Geral da República, a partir de representação do
Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – SINDIFISCO.
Nela,
o
Procurador-Geral
da
República
requer
ao
STF
que
declare
a
inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos legais:
a) da expressão “ocupados e”, constante do inciso II do art. 10 da Lei nº 11.457, de 16
de março de 2007, bem assim do § 3º do mesmo artigo;
b) da expressão “e de Técnico do Tesouro Nacional”, constante do art. 17 da Lei nº
10.593, de 6 de dezembro de 2002, bem assim do Anexo VI da mesma lei;
c) da expressão “e de Técnico do Tesouro Nacional”, constante do art. 9º da Medida
Provisória nº 1.915, de 29 de junho de 1999, bem assim das disposições similares de suas
reedições; e
d) do Anexo VI da Medida Provisória nº 1.915, de 29 de junho de 1999, e de suas
reedições.
Foram admitidos ao feito, na qualidade de “amicus curiae”, o Sindicato Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil - SINDIFISCO, o Sindicato Nacional dos
Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil – SINDIRECEITA – e o Instituto dos
Auditores Fiscais do Estado da Bahia – IAF.
Preliminarmente, impende fazermos um comentário a respeito da admissão das três
entidades no feito na qualidade de “amicus curiae”.
83
Das três entidades citadas, não resta a menor dúvida quanto à legitimidade de duas
delas, a saber: o SINDIFISCO, autor da representação junto à Procuradoria-Geral da
República que ensejou o ajuizamento da ADIn nº 4.616, e o SINDIRECEITA, que congrega
os membros da categoria profissional que será diretamente atingida caso o STF se pronuncie
pela procedência das alegações de inconstitucionalidade. Todavia, não conseguimos
vislumbrar a razão da admissão do IAF ao feito, tendo em vista tratar-se de entidade que
congrega auditores fiscais do Estado da Bahia, portanto de outra esfera da Administração
Pública. Desse modo, a nosso ver, não está claramente configurada a pertinência temática ou
o interesse de agir dessa Entidade que justifique sua admissão no feito na qualidade de
“amicus curiae”; portanto, a nosso ver, não ficou caracterizada, em relação a essa Entidade, a
sua representatividade adequada para atuação no feito. Seu interesse na matéria tratada é
apenas mediato, como o é para os auditores fiscais estaduais das outras Unidades da
Federação e para os auditores fiscais dos Municípios.
Também devemos registrar que chamou a nossa atenção, em consulta à tramitação da
referida ADIn, a excessiva demora do relator para se manifestar em relação ao pedido do
SINDIRECEITA para sua admissão no feito como “amicus curiae”, contrastando com a maior
agilidade demonstrada para pronunciar-se sobre idêntico pedido do IAF.
Com efeito, o SINDIRECEITA solicitou sua admissão no feito em 01.09.2011 e o
IAF, em 14.09.2011. O pedido do IAF foi deferido em 17.11.2011. Quanto à petição do
SINDIRECEITA, a mesma foi deferida somente em 29.11.2011, e assim mesmo após
reiteração feita por este em 28.11.2011, quando a Entidade alegou que havia desequilíbrio no
processo, porque já havia dois “amicus curiae” ligados ao pólo ativo da ação, ao passo que
não havia nenhum pronunciamento sobre o seu pedido de habilitação, resultando desequilíbrio
processual e, consequentemente, quebra do princípio da isonomia. O pedido do SINDIFISCO,
apresentado em 17.08.2011, já havia sido prontamente deferido em 19.08.2011, portanto dois
dias depois após a sua formalização.
Feitas essas considerações preliminares e postas essas informações, passemos ao
exame detalhado da arguição de inconstitucionalidade alegada pelo Procurador-Geral da
República e à nossa análise sobre os seus fundamentos, ao exame da defesa da AdvocaciaGeral da União em favor da constitucionalidade dos dispositivos legais impugnados,
acompanhada também da nossa análise quanto aos respectivos fundamentos, e, finalmente, à
nossa análise à luz do entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal quando enfrentou a
matéria em casos assemelhados ao da reestruturação de carreira objeto da ADIn 4.616, em
84
especial as decisões proferidas no julgamento das ADIns nºs. 1.591/RS, 2.713/DF e 2.335/SC,
quando o STF se pronunciou pela constitucionalidade dos dispositivos legais nelas
impugnados.
Faremos uma confrontação entre o entendimento do STF pela constitucionalidade
manifestado nessas três ADIns citadas e aquele manifestado quando da edição da Súmula nº
685, resultado do julgamento de diversas outras ADINs mais antigas, cujo enunciado veda a
investidura de servidor em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido,
bem como aquele manifestado no julgamento da ADIn 3.857/CE, quando se pronunciou pela
inconstitucionalidade da legislação ali combatida.
4.1 FUNDAMENTOS DA ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE
DISPOSITIVOS
LEGAIS
DA
REESTRUTURAÇÃO
DA
CARREIRA
DE
AUDITORIA DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL
Debrucemo-nos agora sobre os argumentos expendidos pelo Procurador-Geral da
República (PGR) em sua peça exordial.
Sustenta ele que a Medida Provisória nº 1.915, de 1999, ao transpor os ocupantes do
cargo de Técnico do Tesouro Nacional (TTN) para o cargo de Técnico da Receita Federal
(TRF), teria investido servidores ocupantes de cargo de nível médio em cargo de nível de
escolaridade superior, em suposta afronta à regra do concurso público insculpida no art. 37,
inciso II, da Constituição, porque, segundo ele, reportando-se às atividades exercidas pelo
Técnico do Tesouro Nacional, “não há dúvida de que elas são menos complexas do que
aquelas desempenhadas por um Técnico da Receita Federal”.
Prosseguindo em sua argumentação, afirma que, ulteriormente, em face de o art. 10, II,
da Lei no 11.457, de 2007, ao se transformar o cargo de Técnico da Receita Federal no cargo
de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil (ATRFB), teria ocorrido “alteração nas
atribuições dos cargos”, pois as tarefas cometidas ao Técnico da Receita Federal, previstas no
§ 2º do art. 6º da Lei nº 10.593, de 2002, seriam distintas daquelas atribuídas a um AnalistaTributário da Receita Federal do Brasil, além de menos complexas, de acordo com o disposto
na nova redação dada ao mesmo § 2º do art. 6º da Lei nº 10.593, de 2002, pelo art. 9º da Lei
nº 11.457, de 2007.
Desse modo, no entendimento do Autor, os ocupantes do cargo de Técnico da Receita
Federal teriam sido investidos em um novo cargo sem se submeterem a concurso público, o
de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, cuja natureza seria definida por
85
atribuições e nível de complexidade distintos daqueles que caracterizavam o cargo de TRF,
em suposta afronta ao art. 37, inciso II, da Constituição de 1988.
Além disso, alega o Autor que o § 3º do art. 10 da Lei nº 11.457, de 2007, teria
propiciado que candidatos aprovados em concurso público para o cargo de Técnico da Receita
Federal, regulado por edital publicado anteriormente à edição da Lei nº 11.457, de 2007,
fossem nomeados para o cargo de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, cujas
atribuições e nível de complexidade seriam distintos daqueles inerentes ao cargo de Técnico
da Receita Federal, também em suposta violação ao art. 37, inciso II, da Constituição de 1988.
Adicionalmente, o Autor requer medida cautelar a fim de suspender a eficácia dos
dispositivos impugnados até o julgamento do mérito, sob a alegação de que os argumentos
expendidos na petição inicial configuram a presença do fumus boni iuris e que o pagamento
das remunerações do cargo de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, conforme a
tabela vigente, aos Técnicos do Tesouro Nacional e aos Técnicos da Receita Federal,
ocupantes supostamente indevidos do cargo de Analista Tributário da Receita Federal,
acarretaria prejuízo aos cofres públicos, de difícil reparação, restando, então, caracterizado o
periculum in mora.
Preliminarmente, devemos esclarecer que o requerimento de medida cautelar foi
prejudicado em razão do despacho do relator, Ministro Gilmar Mendes, que, em razão da
relevância da matéria, adotou o rito sumário, previsto no art. 12 da Lei nº 9.868/99. Porém,
entendemos que, independentemente disso, não estão de modo algum presentes os elementos
caracterizadores do fumus bom iuris, já que existe jurisprudência no STF reconhecendo a
constitucionalidade de reestruturações de carreiras em moldes similares aos daquela que é
objeto da controvérsia, a exemplo das decisões proferidas nas ADIns nºs. 1.591/RS e
2.335/SC.
Voltando ao tema principal, exposta a linha básica de argumentação do ProcuradorGeral da República, devemos aqui consignar, de plano, que notamos uma incoerência em sua
arguição de inconstitucionalidade. O elemento-chave caracterizador da inconstitucionalidade
alegada é precisamente a transposição de servidores de um cargo para outro; assim, a arguição
de inconstitucionalidade deveria ter sido feita para ocupantes atuais dos dois cargos da
Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, Auditor-Fiscal da Receita Federal do
Brasil (AFRFB) e Analista Tributário da Receita Federal do Brasil (ATRFB), e não apenas
para ocupantes atuais do cargo de ATRFB, pois, a nosso ver, dentro do raciocínio
desenvolvido pelo PGR, a migração dos Técnicos do Tesouro Nacional, de nível médio, para
o cargo de Técnico da Receita Federal, de nível superior, seria apenas um elemento
86
agravante
da
transposição,
porquanto
o
elemento
básico
e
primordial
da
inconstitucionalidade alegada residiria na transposição de servidores propriamente dita,
mediante investidura em outro novo cargo sem concurso público, o que ocorreu para ambos
os cargos então integrantes da Carreira de Auditoria em cada momento considerado.
Aliás, corroborando o nosso raciocínio aqui desenvolvido, é de grande importância
frisar que no momento da segunda transposição, qual seja a passagem dos ocupantes do cargo
de Técnico da Receita Federal, nele investidos originariamente, para o cargo de Analista
Tributário da Receita Federal, não existia tal elemento agravante, pois estes dois cargos eram
de nível superior, o que reforça a gritante e injustificável incoerência do Exmo. Procurador
Geral da República no seu pedido de declaração de inconstitucionalidade apenas para os
ocupantes do cargo de Técnico da Receita Federal, sob o equivocado argumento de que as
atribuições desses dois cargos citados seriam notoriamente distintas em grau de
complexidade, o que não reflete a realidade dos fatos, como logo adiante iremos demonstrar.
Assim, o Autor arguiu apenas, e seletivamente, a inconstitucionalidade da transposição
de ocupantes atuais do cargo de ATRFB, oriundos dos cargos de TTN e TRF, satisfazendo,
dessa forma, a pretensão da Entidade subscritora da representação que originou a ADIn sob
comento e parte diretamente interessada no deslinde dessa questão em favor do seu ponto de
vista a respeito dessa matéria, omitindo-se, portanto, o PGR de arguir também a
inconstitucionalidade da transposição dos ocupantes do cargo de AFTN para o cargo de
AFRF e de ocupantes do cargo de AFRF, nele originariamente investidos, para o cargo de
AFRFB.
Fazemos essa afirmação em razão do fato de que, na linha argumentativa desenvolvida
pelo PGR, o elemento essencial da inconstitucionalidade é, ou deveria ser, o instituto da
investidura em cargo público de forma derivada, sem observância do princípio do concurso
público, pois é irrelevante, sob esse aspecto, o nível do cargo para o qual o servidor foi
transposto: a vedação de investidura em cargo de carreira distinta daquela anteriormente
ocupada pelo servidor transposto independe do nível do cargo, como não deixa a menor
dúvida a esse respeito o teor da Súmula nº 685 do STF, sobre a qual nos debruçaremos mais
adiante, no curso do desenvolvimento deste capítulo .
Observamos, ainda, outra incoerência da arguição de inconstitucionalidade
desenvolvida pelo PGR: ele utiliza implícita e simultaneamente dois conceitos distintos de
carreira: um para os Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil e outro para os
Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. Para os primeiros, em face da própria arguição
de inconstitucionalidade, fica implícito que ele trata os ocupantes do cargo de ATRFB
87
anteriormente ocupantes do cargo de TTN e TRF como servidores que eram anteriormente
ocupantes de cargo de carreira distinta. Em relação aos segundos, ele os trata como ocupantes
de cargo anteriormente existente que apenas sofreu alteração de nomenclatura, muito embora
os dispositivos legais impugnados, a saber, o caput do art. 9º da Medida Provisória nº
1.915/99 e o caput do art. 17 da Lei nº 10.593/2002 disponham sobre a transposição de
servidores de ambos os cargos (AFTN e TTN), e o art. 10 da Lei nº 11.457/2007 disponha
sobre a transformação de ambos os cargos, sendo os AFRF objeto do inciso I (omitido pelo
PGR na exordial) e os ATRF, objeto do inciso II do citado dispositivo. Tal tratamento
diferenciado dos ocupantes dos dois cargos, quanto ao alegado vício de inconstitucionalidade,
por parte do Procurador Geral da República não se justifica, pois, como já dissemos, o fato do
novo cargo (AFRFB) ser de nível superior, para o qual os ocupantes do cargo de AFRF foram
transpostos, não descaracterizaria uma eventual transposição inconstitucional de servidores
para novos cargos, dentro do raciocínio adotado pelo PGR, pois para caracterização desta é
irrelevante o fato do nível dos cargos envolvidos serem diferentes ou iguais.
Porém, a maior incoerência que surge, à vista dessa linha argumentativa do Autor, é a
passagem dos ocupantes dos cargos de Auditor-Fiscal da Previdência Social para os cargos de
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, incorporados ao quadro da Secretaria da Receita
Federal do Brasil por força do inciso I do art. 10 da Lei nº 11.457/2007, com a transposição
dos ocupantes dos cargos transformados (AFPS) para o novo cargo criado (AFRFB). Isto
porque, com base no raciocínio do Autor, tal transformação estaria eivada de
inconstitucionalidade tanto sob a ótica do conceito doutrinário de carreira como sob a ótica do
conceito legal de carreira, este último, a nosso ver, o conceito claramente adotado pelo STF
nas suas decisões, como já exemplificado no capítulo antecedente mediante a transcrição de
alguns excertos de precedentes daquela Corte Constitucional.
Assim, haveria inconstitucionalidade sob a ótica do conceito doutrinário de carreira
porque o cargo de Auditor-Fiscal da Previdência Social também constituía uma série
escalonada de cargos, organizados em classes e níveis, por meio dos quais se dava a ascensão
funcional dos membros da Carreira; logo, a passagem destes para outro cargo corresponderia
à transposição dos mesmos para outra Carreira, já que os cargos de Auditor-Fiscal da
Previdência Social e Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil eram incomunicáveis. Por
outro lado, haveria vício de inconstitucionalidade sob a ótica do conceito legal de carreira,
que, a nosso ver, repetimos mais uma vez, é o claramente adotado pelo STF como se
depreende da Súmula nº 685, assim como das decisões em que se pronunciou pela
constitucionalidade das legislações de reestruturação de carreiras questionadas nas ADIns
88
nºs. 1591/RS 2713/DF e 2335/SC, já que o cargo de Auditor-Fiscal da Previdência Social
integrava a Carreira de Auditoria Fiscal da Previdência Social, distinta, portanto, da então
Carreira de Auditoria da Receita Federal, diferentemente do caso dos Técnicos da Receita
Federal, que já integravam a referida Carreira. Assim, a nosso ver, o PGR não poderia, sob
nenhuma hipótese, dentro da linha de raciocínio por ele adotada, ter deixado de arguir a
inconstitucionalidade da passagem dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Previdência
Social para o cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, pois a mesma está eivada
de tal vício sob qualquer dos conceitos de carreira que se adote.
E é precisamente nesse ponto que exsurge uma contradição na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal. Como já assinalado no capítulo antecedente, o Colendo Tribunal
tem utilizado dois parâmetros para tratar a questão da transposição de servidores de um cargo
para outro. O primeiro é aquele que levou à edição da Súmula nº 685, ou seja, é
inconstitucional a transposição de servidor de um cargo para outro se a carreira em que ele
estava anteriormente inserido era diferente daquela em que se encontra o novo cargo para o
qual foi ele transposto.
O fundamento teleológico desse entendimento é o de que, sendo carreiras distintas, as
atribuições dos respectivos cargos que a compõem não guardam relação entre si. Assim, por
exemplo, não é admissível que o ocupante de um cargo de motorista que foi extinto seja
transposto para um cargo de Técnico em Contabilidade, por exemplo, pois embora ambos
exijam somente o nível médio para investidura, a natureza de suas atribuições é
completamente diversa, sendo inadmissível tal transposição. E essa foi precisamente a razão
pela qual foi editada a referida Súmula, para coibir os chamados “trens da alegria”, de triste
lembrança, agora sob o rótulo de reestruturação de carreiras.
O outro parâmetro utilizado pelo STF é o da similitude de atribuições entre os cargos
existentes que vieram a ser extintos e os novos cargos nos quais os ocupantes dos cargos
extintos foram aproveitados. Esse foi precisamente o caso objeto das ADIns 1.591, 2.713 e
2.335. Nas três situações ocorreram extinções de cargos existentes, criação de cargos novos e
transposição dos ocupantes dos cargos extintos para os novos cargos. Nos três casos, o STF
pronunciou-se pela constitucionalidade dos dispositivos impugnados da legislação mediante
a qual se deram tais reestruturações de carreiras e o fundamento teleológico de tais decisões,
que reconheceram a constitucionalidade da transposição dos servidores dos cargos extintos
para os novos cargos, foi precisamente a similitude entre as atribuições dos novos cargos e
aquelas dos cargos extintos. E é importantíssimo ressaltar que na reestruturação da Carreira
do Fisco do Rio Grande do Sul, que foi objeto da ADIn nº 1.591, houve a transposição de
89
servidores de dois cargos de níveis distintos de escolaridade, superior e médio, que foram
extintos, para um único cargo de nível superior, que os sucedeu. E também na reestruturação
da Carreira do Fisco de Santa Catarina, objeto da ADIn 2.335, foram envolvidos quatro
cargos, sendo que dois deles, em sua origem, haviam sido cargos de nível médio, os quais se
tornaram cargos de nível superior num momento posterior, e quando se deu a reestruturação
daquela Carreira, os quatro já eram cargos de nível superior, que foram, então extintos, e seus
ocupantes transpostos para um único novo cargo de nível superior.
Ocorre que, embora os Auditores Fiscais da Previdência Social pertencessem a uma
carreira completamente distinta da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do
Brasil, é bem provável que suas atribuições tivessem a mesma natureza das desta última, o
que, aliás, foi confirmado pela Advocacia-Geral da União, conforme mencionado no capítulo
antecedente.
Deste modo, entendemos que a Súmula nº 685 necessita sofrer aperfeiçoamento para
abranger situações como essa, em que a carreira na qual se encontravam os servidores
transpostos era diferente da nova carreira, mas suas atribuições eram similares.
Acreditamos que isso mereça ser objeto de discussão e reflexão no Supremo Tribunal
Federal para se evitarem orientações jurisprudenciais que, em determinadas situações,
apresentem contradição entre si. Inclusive, esse caso da transformação de cargos de Auditor
Fiscal da Previdência Social em cargos de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil guarda
conexão com o tema tratado na ADIn nº 4.151, por meio da qual a entidade representativa dos
servidores da Carreira Previdenciária argui inconstitucionalidade por omissão, em razão dos
servidores dessa Carreira não terem sido transpostos para o cargo de Analista Tributário da
Receita Federal do Brasil quando da reestruturação da Secretaria da Receita Federal, efetivada
pela Lei nº 11.457. Possivelmente essa citada ADIn será apreciada juntamente com a ADIn nº
4.616, uma vez que o relator de ambas é o mesmo, Ministro Gilmar Mendes, como já
assinalado no capítulo antecedente, inclusive para o STF fornecer uma solução completa para
tal caso.
Resta, ainda, mais uma incoerência do PGR no excerto transcrito: invoca-se
precedente do STF sobre o instituto da transformação de cargo, com o intuito de reforçar a
caracterização do vício de inconstitucionalidade da passagem dos ocupantes oriundos dos
cargos de TTN e TRF para o cargo de ATRFB por meio de tal instituto (art. 10, II, da Lei nº
11.457). Mais uma vez, o Autor comete uma omissão: Desta feita, omite que o cargo de
Auditor-Fiscal da Receita Federal foi objeto do mesmo instituto, que o transformou no cargo
de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (art. 10, I da Lei 11.457) e, não obstante o
90
instituto ter sido o mesmo aplicado para o cargo de Técnico da Receita Federal, o Autor
afirma que ocorreu apenas uma mera alteração da denominação do cargo.
Sabedor de que, em relação à investidura em cargo público sem concurso público, o
entendimento que o STF tem adotado para reconhecer a constitucionalidade de
reestruturações de carreiras se prende basicamente à similitude de atribuições, o PGR
procurou demonstrar a alegada inconstitucionalidade de parte da reestruturação da então
Carreira de Auditoria da Receita Federal focando na diferença do grau de complexidade entre
o rol de atribuições dos ocupantes do cargo de Analista Tributário da Receita Federal e
daquelas dos ocupantes dos cargos de denominação distinta que o antecederam, os cargos de
Técnico da Receita Federal e de Técnico do Tesouro Nacional, os quais, na realidade, são o
mesmo cargo com denominações distintas, a exemplo do ocorrido com o cargo de AFTN,
posteriormente convertido em AFRF e AFRFB. Observe-se que o PGR ignora o fato de que
os ocupantes dos cargos de TTN e TRF que, ao final, foram transpostos para o cargo de
ATRFB, são oriundos precisamente da mesma Carreira, cujo nome também sofreu duas
alterações; não obstante invoca a Súmula nº 685, que se refere a casos em que os ocupantes
transpostos para cargos novos são oriundos de cargos de carreiras absolutamente díspares,
caso completamente distinto daquele de que trata a legislação combatida na ADIn nº 4.616.
Com relação a esse aspecto, assim discorre o Procurador-Geral da República na
exordial:
A medida provisória impugnada, ao efetivar a transposição dos ocupantes do cargo
de Técnico do Tesouro Nacional para o cargo de Técnico da Receita Federal (art.
9º), admitiu a investidura em cargos de nível de escolaridade superior- Técnico da
Receita Federal - a servidores outrora ocupantes de cargos de nível médio – Técnico
do Tesouro Nacional.
Embora o diploma anterior (DL 2225/85) não tenha estabelecido, especificamente,
quais são as atividades exercidas por um Técnico do Tesouro Nacional, não há
dúvida de que elas são menos complexas do que aquelas desempenhadas por um
Técnico da Receita Federal, haja vista que, para a investidura neste último cargo, a
MP 1.915/99 passou a exigir nível de escolaridade superior. A regra constitucional
acerca do concurso público exige que este se faça de acordo com a natureza e
complexidade do cargo ou emprego público. Por permitir a investidura em cargo
diverso, com nível de complexidade maior do que aquele que originalmente
ocupavam, o art. 9º da MP 1.915/99 violou o art. 37, II da CR".
O Supremo Tribunal Federal possui entendimento sumulado no sentido de que “é
inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se,
sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo
que não integra a carreira na qual anteriormente investido” (Súmula 685/STF).
91
Esse posicionamento não é novo na Suprema Corte. Há muito, o Pleno já havia
decidido que, “embora, em princípio, admissível a ‘transposição’ do servidor para
cargo idêntico de mesma natureza em novo sistema de classificação, o mesmo não
sucede com a chamada ‘transformação’ que, visto implicar em alteração do título e
das atribuições do cargo, configura novo provimento, a depender da exigência de
concurso público, inscrita no art. 37, II, da Constituição. (ADI 266, Rel. Min.
Octávio Gallotti, DJ de 6/8/1993).
O trecho transcrito da peça vestibular revela equívoco interpretativo da Súmula nº 685
do STF e faz sobressaírem duas novas incoerências do Procurador Geral da República.
Primeiramente, quanto à interpretação da citada Súmula. O Autor ignora o fato de que
a mesma contém a expressão “em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente
investido”. Ora, os ocupantes do cargo de TTN transpostos para o cargo de TRF (que, na
realidade, nada mais é que o cargo de TTN com nomenclatura diferente e elevação do nível de
escolaridade exigido para futuras investiduras) integravam anteriormente cargo da mesma
Carreira, qual seja a Carreira de Auditoria, tendo havido tão somente a alteração da
nomenclatura da carreira já existente e não a criação de uma nova carreira, situação esta
necessária para incidir a vedação contida na referida Súmula, o que, como visto, não foi o
caso.
Como se pode deduzir a partir da sua linha de argumentação, o PGR se vale do
conceito doutrinário de carreira, o qual, como já exposto no capítulo antecedente, consiste
num conjunto escalonado de cargos de mesma denominação, diferenciados por classes e
níveis, por meio dos quais se dá a ascensão funcional do servidor (provimento derivado),
tanto pelo critério de antiguidade (na passagem de um nível para o nível imediatamente
superior) como pelo critério do mérito (na passagem de uma classe para a classe
imediatamente superior). E aí assoma a primeira incoerência: como consequência desse
conceito de carreira adotado pelo PGR em sua arguição de inconstitucionalidade, invocado
para atingir somente ocupantes dos cargos de ATRFB anteriormente ocupantes do cargo de
TTN, também teria incorrido no mesmo vício de inconstitucionalidade a passagem dos
ocupantes dos cargos de AFTN para os cargos de AFRFB, pois estariam anteriormente
ocupando cargos de carreira distinta, pois os ocupantes do cargo de AFTN foram transpostos
para o cargo de AFRF, tal qual os ocupantes dos cargos de TTN foram transpostos para o
cargo de AFRF, como dispõe o art. 9º da Medida Provisória nº 1.915/99 e os anexos V e VI,
que se tornou o art. 17 da Lei nº 10.593/2002 e os anexos V e VI.
92
Com relação às atribuições dos cargos de TTN e TRF, a argumentação do Autor se
funda numa suposta maior complexidade daquelas inerentes ao cargo de TRF em relação às
inerentes ao cargo de TTN, tese essa que estaria corroborada pela elevação do grau de
escolaridade exigido para investidura no cargo de TRF. Deve-se observar, no entanto, que foi
omitido pelo Autor o Decreto nº 90.928, de 07.02.1985, editado em cumprimento ao disposto
no art. 10 do Decreto-Lei nº 2.225, de 10.01.1985 (Diploma Legal de criação da Carreira de
Auditoria), o qual estabeleceu as características das atividades de ambos os cargos, AFTN e
TTN. O Autor também omitiu na exordial o Decreto nº 3.611, de 28.09.2000, que
regulamentou as atribuições de ambos os cargos, AFTN e TRF, em cumprimento à disposição
contida no §3º do art. 6º da Medida Provisória nº 1.971-16, de 27.09.2000, uma das reedições
da Medida Provisória nº 1.915/99.
Transcrevemos a seguir as características das atividades dos cargos de AFTN e TTN,
descritas no art. 2º do Decreto nº 90.928/85:
Art. 2º As classes integrantes da Carreira de Auditoria do Tesouro Nacional,
distribuídas nos níveis superior e médio, têm as seguintes características:
a) Classes de Nível Superior
Atividades de nível superior relacionadas com a direção das Unidades Centrais,
Regionais, Sub-regionais e Locais, Assessoramento e Assistência especializados
com vistas à adequação da política tributária ao desenvolvimento econômico,
envolvendo planejamento, coordenação, controle, orientação, supervisão e
treinamento, e compreendendo:
Classe Especial - formulação e compatibilização dos objetivos de tributação,
arrecadação,
fiscalização
e
informações
econômico-fiscais,
elaboração
e
compatibilização de programas nacionais, regionais e setoriais, execução de tarefas
de grandes complexidade e responsabilidade, com ampla autonomia em pesquisa,
análise e interpretação de situações altamente diversificadas e, ainda, execução e
supervisão de auditoria-fiscal de grande complexidade; 1ª Classe - elaboração e
compatibilização de programas nacionais, regionais e setoriais, execução de tarefas
de grandes complexidade e responsabilidade, com autonomia em interpretação e
aplicação da legislação tributária e, ainda, execução e supervisão de auditoria-fiscal
de grande complexidade;
2ª Classe - elaboração e compatibilização de programas regionais e setoriais,
execução de tarefas de média complexidade e grande responsabilidade, com
autonomia em interpretação e aplicação da legislação tributária e, ainda, supervisão
e execução de auditoria-fiscal complexa;
3ª Classe - execução de tarefas complexas e de grande responsabilidade, com
autonomia em interpretação e aplicação da legislação tributária e, ainda, supervisão
e execução de auditoria fiscal.
93
b) Classes de Nível Médio
Atividades de nível médio de apoio operacional relacionadas com os encargos
específicos de competência da Secretaria da Receita Federal, compreendendo:
Classe Especial e 1ª - coordenação, controle, orientação e execução de trabalhos de
médias complexidade e responsabilidade;
2ª e 3ª Classes - controle e execução de trabalhos de médias complexidade e
responsabilidade".
Por outro lado, edital de concurso público realizado pela Secretaria da Receita Federal
para o cargo de TTN no ano de 1998 já discriminava as atribuições desse cargo:
“3 – DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO
Ao cargo de Técnico do Tesouro Nacional correspondem as atribuições referentes às
atividades de nível médio de apoio operacional relacionadas com os encargos
específicos de competência da Secretaria da Receita Federal (alínea "b" do art. 2o do
Decreto no 90.928/85). O Técnico do Tesouro Nacional desempenha, na
administração tributária, atividades nas áreas de administração, tributação,
arrecadação, fiscalização, controle aduaneiro e informações econômico-fiscais,
compreendendo, entre outras atividades, examinar a parte final formal dos
processos, acompanhar as operações de carga, descarga e movimentação de
mercadorias e/ou bagagens, além das operações de trânsito aduaneiro, receber
documentos de declarações de importação, executar operações preliminares para o
desembaraço, auxiliar nos trabalhos relativos à administração de recursos humanos e
de material e à programação orçamentária e financeira e, ainda, a realização de
trabalhos pertinentes a estudos, pesquisas, processamento de dados e atendimento ao
público.”
Transcrevemos agora as atribuições dos cargos de AFRF e TRF, tais como definidas
no art. 4º da Medida Provisória nº 1.915/99:
Art. 4o São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita
Federal, no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal, relativamente
aos tributos e às contribuições por ela administrados:
I - em caráter privativo:
a) constituir, mediante lançamento, o crédito tributário;
b) elaborar e proferir decisões em processo administrativo-fiscal, ou delas participar,
bem assim em relação a processos de restituição de tributos e de reconhecimento de
benefícios fiscais;
c) executar procedimentos de fiscalização, inclusive os relativos ao controle
aduaneiro, objetivando verificar o cumprimento das obrigações tributárias pelo
sujeito passivo, praticando todos os atos definidos na legislação especifica, inclusive
os relativos à apreensão de mercadorias, livros, documentos e assemelhados;
d) proceder à orientação do sujeito passivo no tocante à aplicação da legislação
tributária, por intermédio de atos normativos e solução de consultas;
94
e) supervisionar as atividades de orientação do sujeito passivo efetuadas por
intermédio de mídia eletrônica, telefone e plantão fiscal;
II - em caráter geral, as demais atividades inerentes à competência da Secretaria da
Receita Federal.
§ 1o O Poder Executivo poderá, dentre as atividades de que trata o inicio II, cometer
seu exercício, em caráter privativo, ao Auditor-Fiscal da Receita Federal.
§ 2º Incumbe ao Técnico da Receita Federal auxiliar o Auditor-Fiscal da Receita
Federal no exercício de suas atribuições.
§ 3º O Poder Executivo, observado o disposto neste artigo, disporá sobre as
atribuições dos cargos de Auditor-Fiscal da Receita Federal e de Técnico da Receita
Federal".
A citada Medida Provisória, após diversas reedições, culminou na Medida Provisória
nº 46, de 25.06.2002, a qual se converteu na Lei nº 10.593, de 06.12.2002, em cujo art. 6º
estavam descritas as atribuições dos dois cargos:
Art. 6º São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal,
no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal do Ministério da
Fazenda, relativamente aos tributos e às contribuições por ela administrados:
I - em caráter privativo:
a) constituir, mediante lançamento, o crédito tributário;
b) elaborar e proferir decisões em processo administrativo-fiscal, ou delas participar,
bem como em relação a processos de restituição de tributos e de reconhecimento de
benefícios fiscais;
c) executar procedimentos de fiscalização, inclusive os relativos ao controle
aduaneiro, objetivando verificar o cumprimento das obrigações tributárias pelo
sujeito passivo, praticando todos os atos definidos na legislação específica, inclusive
os relativos à apreensão de mercadorias, livros, documentos e assemelhados;
d) proceder à orientação do sujeito passivo no tocante à aplicação da legislação
tributária, por intermédio de atos normativos e solução de consultas; e e)
supervisionar as atividades de orientação do sujeito passivo efetuadas por intermédio
de mídia eletrônica, telefone e plantão fiscal; e
II - em caráter geral, as demais atividades inerentes à competência da Secretaria da
Receita Federal.
§ 1º O Poder Executivo poderá, dentre as atividades de que trata o inciso II, cometer
seu exercício, em caráter privativo, ao Auditor-Fiscal da Receita Federal.
§ 2º Incumbe ao Técnico da Receita Federal auxiliar o Auditor-Fiscal da Receita
Federal no exercício de suas atribuições.
§ 3º O Poder Executivo, observado o disposto neste artigo, disporá sobre as
atribuições dos cargos de Auditor-Fiscal da Receita Federal e de Técnico da Receita
Federal.”
95
A regulamentação mais detalhada dessas atribuições definidas no citado dispositivo
legal estava contida no Decreto nº 3.611/2000, as quais ora se transcreve:
"Art.1º São atribuições do ocupante do cargo efetivo de Auditor-Fiscal da Receita
Federal qualquer atividade atribuída à Carreira de Auditoria da Receita Federal e,
em caráter privativo:
I- constituir, mediante lançamento, o crédito tributário;
II- elaborar e proferir decisões em processo administrativo-fiscal, ou delas
participar, bem assim em relação a processos de restituição e de reconhecimento de
benefícios fiscais;
III- executar procedimentos fiscais, inclusive os relativos ao controle aduaneiro,
objetivando verificar o cumprimento das obrigações tributárias pelo sujeito passivo,
praticando todos os atos definidos na legislação específica, incluídos os relativos à
apreensão de mercadorias, livros, documentos e assemelhados;
IV- proceder à orientação do sujeito passivo no tocante à aplicação da legislação
tributária, por intermédio de atos normativos e solução de consultas;
V- supervisionar as atividades de orientação do sujeito passivo efetuadas por
intermédio de mídia eletrônica, telefone e plantão fiscal.
Art. 2º Incumbe ao ocupante do cargo efetivo de Técnico da Receita Federal auxiliar
o Auditor-Fiscal da Receita Federal, no desempenho das atribuições privativas desse
cargo e sob a supervisão do Auditor-Fiscal da Receita Federal, especialmente:
I - em relação ao disposto no inciso II do artigo anterior, analisar e instruir
processos, ressalvada a atribuição privativa do Auditor-Fiscal da Receita Federal
para proferir decisões, intimar sujeito passivo e requerer diligências, em processos
submetidos a julgamento em instância administrativa;
II - em relação ao disposto no inciso III do artigo anterior:
a) proceder à conferência de livros, documentos e mercadorias do sujeito passivo,
inclusive mediante elaboração de relatório, relativamente aos procedimentos fiscais
de:
1. fiscalização, diligência e revisão de declarações;
2. concessão, controle e cassação de regime aduaneiro especial ou atípico;
3. controle de internação de mercadorias em áreas de livre comércio;
4. vigilância e repressão aduaneiras;
5. controle do trânsito de mercadorias;
6. vistoria e busca aduaneiras;
7. revisão de despacho aduaneiro;
8. conferência física de mercadorias e conferência final de manifesto;
b) participar de atividades de pesquisa e investigação fiscais, ressalvada a atribuição
privativa do Auditor-Fiscal da Receita Federal para emitir relatórios conclusivos;
c) realizar a retenção e a validação lógica de arquivos magnéticos do sujeito passivo,
bem assim a extração dos dados;
96
d) efetuar a seleção de passageiros e de bagagem, para fins de conferência
aduaneira;
e) realizar visita aduaneira a veículos procedentes do exterior;
f) elaborar informações e realizar vistorias relativas ao alfandegamento de recintos;
g) participar de procedimento de auditoria da rede arrecadadora de receitas federais;
III - em relação ao disposto no inciso IV do artigo anterior, elaborar estudos técnicos
e tributários;
IV - em relação ao disposto no inciso V do artigo anterior, proceder à orientação do
sujeito passivo por intermédio de mídia eletrônica, telefone e plantão fiscal.
Art. 3º São atribuições dos ocupantes dos cargos efetivos de Auditor-Fiscal da
Receita Federal e de Técnico da Receita Federal, em caráter geral e concorrente:
I - lavrar termo de revelia e de perempção;
II - analisar o desempenho e efetuar a previsão da arrecadação;
III - analisar pedido de retificação de documento de arrecadação;
IV - executar atividade de atendimento ao contribuinte.
Art. 4º Os ocupantes dos cargos efetivos de Auditor-Fiscal da Receita Federal e de
Técnico da Receita Federal, em caráter geral e concorrente, poderão ainda exercer
atribuições inespecíficas da Carreira de Auditoria da Receita Federal, desde que
inerentes às competências da Secretaria da Receita Federal, em especial:
I - executar atividades pertinentes às áreas de programação e de execução
orçamentária e financeira, contabilidade, licitação e contratos, material, patrimônio,
recursos humanos e serviços gerais;
II - executar atividades na área de informática, inclusive as relativas à prospecção,
avaliação, internalização e disseminação de novas tecnologias e metodologias;
III - executar procedimentos que garantam a integridade, a segurança e o acesso aos
dados e às informações da Secretaria da Receita Federal;
IV - atuar nas auditorias internas das atividades dos sistemas operacionais da
Secretaria da Receita Federal;
V - integrar comissão de processo administrativo disciplinar."
Assim, diferentemente do alegado pelo Autor, havia atos regulamentadores das
atividades e atribuições dos cargos de Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional e de Técnico do
Tesouro Nacional desde o início da Carreira de Auditoria, assim como dos cargos de AuditorFiscal da Receita Federal e de Técnico da Receita Federal.
Examinando-se a descrição das atividades e atribuições de ambos os atos normativos,
verifica-se que o Decreto nº 3.611/2000 descrevia as atribuições de cada cargo – AFRF e TRF
– mais detalhadamente, ao passo que o Decreto nº 90.928/85 descrevia características das
atividades desenvolvidas por ambos os cargos, sem especificar ou detalhar tarefas, ou seja, o
primeiro documento descreve as atividades de forma genérica e o segundo, de forma mais
97
específica, o que não significa necessariamente que as atividades do cargo de TRF tenham se
tornado mais complexas que aquelas desempenhadas pelos ocupantes do cargo de TTN. De
qualquer modo, percebe-se que se mantém uma posição relativa equivalente entre a
complexidade das tarefas do TRF em relação às do AFRF e do TTN em relação às do AFTN.
Como já visto no capítulo antecedente, quando transcrevemos a ementa do Acórdão prolatado
pelo STF no julgamento da ADIn nº 2335/SC, o que caracteriza a compatibilidade de
atribuições entre um cargo extinto e um novo cargo criado no qual são alocados os ocupantes
do cargo extinto, é a similitude e a natureza das atribuições de um e de outro. Vale ressaltar
que similitude de atribuições não significa identidade de atribuições; similitude significa
semelhança, identidade significa igualdade.
Assim, conforme manifestação do Min. Carlos Velloso do STF na ADIn 1.854/PI, que
mencionamos no capítulo anterior, “a Constituição não quer que as carreiras fiquem
engessadas”, até porque a Administração Pública está sujeita ao princípio constitucional da
eficiência, de modo que não é concebível nem razoável que as atribuições dos cargos públicos
fiquem absolutamente imutáveis. Sucedem-se transformações sociais e tecnológicas que
exigem a permanente atualização da Administração Pública, razão pela qual tornam-se
necessárias as reestruturações tanto da organização dos próprios órgãos em sua estrutura
formal e instrumental, como das carreiras dos seus servidores.
Deste modo, quando foi criada a Carreira de Auditoria, em meados da década de 80, o
nível médio de escolaridade era razoável para um cargo como o de Técnico do Tesouro
Nacional, pois naquela época era muito pequeno o contingente de pessoas detentoras de nível
superior, além do que a presença da tecnologia, aí incluída a informática, era muito menor que
no final da década seguinte, quando a carreira foi reestruturada e o cargo de TTN foi
transformado no cargo de TRF com a elevação do nível de escolaridade para futuras
investiduras no mesmo.
Com relação à segunda fase da reestruturação da Carreira de Auditoria, afirma o
Procurador Geral da República na exordial:
"19. Não há dúvidas de que houve alteração nas atribuições dos cargos, em
decorrência da transformação operada. As tarefas desenvolvidas por um Técnico da
Receita Federal seguramente são distintas das que desenvolve um AnalistaTributário da Receita Federal. Enquanto o Técnico limitava-se a auxiliar o AuditorFiscal no exercício de suas atribuições, o Analista-tributário atua ainda no exame de
processos administrativos e em outras atividades inerentes às competências da
Secretaria
da
Receita
Federal,
podendo,
inclusive,
exercer
atividades
concorrentemente com o Auditor-fiscal (art. 6º, §2º, II e III, da Lei 10.593/2002)".
98
20. O vício está exatamente na investidura em novo cargo público – AnalistaTributário da Receita Federal do Brasil – com atribuições e nível de complexidade
diversos daquele inicialmente ocupado pelo servidor - Técnico da Receita Federal e
para o qual seria necessária a realização de novo concurso público. Donde se conclui
que a investidura em tal cargo, nos moldes estabelecidos pelo art. 10, II, da lei no
11.547/2007, se deu mediante ascensão funcional, em afronta ao disposto no art. 37,
II, da CR.
(...)
23. Porém, a norma impugnada também permitiu que candidatos aprovados em
concurso público para o cargo de Técnico da Receita Federal fossem nomeados para
o cargo de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil. Aqui a situação é
diversa, uma vez que, conforme ressaltado anteriormente, as atribuições e a
complexidade do cargo Analista-Tributário são distintas das do cargo de Técnico da
Receita Federal.
Continuemos, portanto, com a transcrição das atribuições dos cargos de AFRFB e
ATRF, atualizadas quando da segunda reestruturação da Carreira de Auditoria, ocorrida
mediante a Lei nº 11.457/2007, cujo art. 9º deu nova redação ao art. 6º da Lei nº 10.593, de
2002:
(...)
“Art.
6º São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita
Federal do Brasil:
I - no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil e em
caráter privativo:
a) constituir, mediante lançamento, o crédito tributário e de contribuições;
b) elaborar e proferir decisões ou delas participar em processo administrativo-fiscal,
bem como em processos de consulta, restituição ou compensação de tributos e
contribuições e de reconhecimento de benefícios fiscais;
c) executar procedimentos de fiscalização, praticando os atos definidos na legislação
específica, inclusive os relacionados com o controle aduaneiro, apreensão de
mercadorias, livros, documentos, materiais, equipamentos e assemelhados;
d) examinar a contabilidade de sociedades empresariais, empresários, órgãos,
entidades, fundos e demais contribuintes, não se lhes aplicando as restrições
previstas nos arts. 1.190 a 1.192 do Código Civil e observado o disposto no art.
1.193 do mesmo diploma legal;
99
e) proceder à orientação do sujeito passivo no tocante à interpretação da legislação
tributária;
f) supervisionar as demais atividades de orientação ao contribuinte;
II - em caráter geral, exercer as demais atividades inerentes à competência da
Secretaria da Receita Federal do Brasil.
§ 1o O Poder Executivo poderá cometer o exercício de atividades abrangidas pelo inciso
II do caput deste artigo em caráter privativo ao Auditor-Fiscal da Receita Federal do
Brasil.
§ 2o Incumbe ao Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, resguardadas as
atribuições privativas referidas no inciso I do caput e no § 1o deste artigo:
I - exercer atividades de natureza técnica, acessórias ou preparatórias ao exercício
das atribuições privativas dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil;
II - atuar no exame de matérias e processos administrativos, ressalvado o disposto na
alínea b do inciso I do caput deste artigo;
III - exercer, em caráter geral e concorrente, as demais atividades inerentes às
competências da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
§ 3o Observado o disposto neste artigo, o Poder Executivo regulamentará as
atribuições dos cargos de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e AnalistaTributário da Receita Federal do Brasil.
As atribuições também sofreram nova regulamentação por meio do Decreto nº 6.641,
de 10.11.2008, cujo teor ora se transcreve:
Art. 2o São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal
do Brasil:
I - no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil e em
caráter privativo:
a) constituir, mediante lançamento, o crédito tributário e de contribuições;
b) elaborar e proferir decisões ou delas participar em processo administrativo-fiscal,
bem como em processos de consulta, restituição ou compensação de tributos e
contribuições e de reconhecimento de benefícios fiscais;
100
c) executar procedimentos de fiscalização, praticando os atos definidos na legislação
específica, inclusive os relacionados com o controle aduaneiro, apreensão de
mercadorias, livros, documentos, materiais, equipamentos e assemelhados;
d) examinar a contabilidade de sociedades empresariais, empresários, órgãos,
entidades, fundos e demais contribuintes, não se lhes aplicando as restrições
previstas nos arts. 1.190 a 1.192 do Código Civil e observado o disposto no art.
1.193 do mesmo diploma legal;
e) proceder à orientação do sujeito passivo no tocante à interpretação da legislação
tributária; e
f) supervisionar as demais atividades de orientação ao contribuinte; e
II - em caráter geral, exercer as demais atividades inerentes à competência da
Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Art. 3o Incumbe aos ocupantes dos cargos de Analista-Tributário da Receita Federal
do Brasil, resguardadas as atribuições privativas referidas no inciso I do art. 2o:
I - exercer atividades de natureza técnica, acessórias ou preparatórias ao exercício
das atribuições privativas dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil;
II - atuar no exame de matérias e processos administrativos, ressalvado o disposto na
alínea "b" do inciso I do art. 2o; e
III - exercer, em caráter geral e concorrente, as demais atividades inerentes às
competências da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Art. 4o São atribuições dos ocupantes dos cargos efetivos de Auditor-Fiscal da
Receita Federal do Brasil e de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, em
caráter geral e concorrente:
I - lavrar termo de revelia e de perempção;
II - analisar o desempenho e efetuar a previsão da arrecadação; e
III - analisar pedido de retificação de documento de arrecadação.
Art. 5o Os ocupantes dos cargos efetivos de Auditor-Fiscal da Receita Federal do
Brasil e de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, em caráter geral e
concorrente, poderão ainda exercer atribuições inespecíficas da Carreira de
101
Auditoria da Receita Federal do Brasil, desde que inerentes às competências da
Secretaria da Receita Federal do Brasil, em especial:
I - executar atividades pertinentes às áreas de programação e de execução
orçamentária e financeira, contabilidade, licitação e contratos, material, patrimônio,
recursos humanos e serviços gerais;
II - executar atividades na área de informática, inclusive as relativas à prospecção,
avaliação, internalização e disseminação de novas tecnologias e metodologias;
III - executar procedimentos que garantam a integridade, a segurança e o acesso aos
dados e às informações da Secretaria da Receita Federal do Brasil;
IV - atuar nas auditorias internas das atividades dos sistemas operacionais da
Secretaria da Receita Federal do Brasil; e
V - integrar comissão de processo administrativo disciplinar.
Cotejando-se as atribuições do cargo de TRF que estão detalhadas no Decreto nº
3.611/2000 e aquelas do cargo de ATRFB, detalhadas no Decreto nº 6.641/2008, verifica-se
que, ao contrário do alegado pelo Procurador-Geral da República, houve redução das
atribuições específicas dos ATRFB em relação às atribuições específicas dos TFR. Por outro
lado, há uma quase identidade nas atribuições gerais e concorrentes descritas em ambos os
atos normativos, de modo que a monocórdica alegação de elevação do grau de complexidade
entre as atribuições, sustentada pelo Procurador Geral da República, torna-se, neste caso,
indefensável até mesmo do ponto de vista formal.
Para fechar nossa análise quanto a esse argumento sustentado pela Procuradoria-Geral
da República, impende ressaltar que mesmo que houvesse incremento de atribuições para o
cargo de TRF em relação ao de TTN e para o cargo de ATRFB em relação ao cargo de TRF,
porém de mesma natureza, ou seja, referentes a atividades da Secretaria da Receita Federal do
Brasil, isso, de modo algum, a nosso ver, macularia a reestruturação do cargo.
Fazemos essa assertiva porque, conforme já salientamos anteriormente, não pode a
Administração Pública ficar engessada de modo absoluto e obrigada a adotar procedimentos
esdrúxulos para satisfazer suas necessidades de aprimoramento, com vistas a fazer frente a
inovações tecnológicas ou mesmo incorporação de novas atribuições de órgãos e entidades da
Administração Pública Direta e Indireta.
A prosperar o argumento do Procurador-Geral da República, caso a Administração
necessitasse incorporar algumas novas atribuições a determinado cargo, afins com as demais,
102
teria ela que criar novo cargo e realizar novo concurso público. Assim, ela sofreria um
inchaço na quantidade de tipos de cargos públicos. Deste modo, de acordo com tal raciocínio
sustentado pelo PGR, hoje a Secretaria da Receita Federal do Brasil deveria ter em seus
quadros três cargos distintos cujos ocupantes realizariam basicamente as mesmas tarefas:
Técnico do Tesouro Nacional, Técnico da Receita Federal e Analista Tributário da Receita
Federal do Brasil. Imaginemos o ambiente de trabalho que existiria no referido Órgão com
três ocupantes de cargos distintos, remunerados de forma distinta, executando atribuições
similares.
Para fechar nossa análise acerca desse aspecto, consideremos uma situação hipotética
para ilustrar a falta de razoabilidade, para dizer o mínimo, da argumentação do ProcuradorGeral da República, relativa à alegada inconstitucionalidade na elevação do nível de
escolaridade para investiduras futuras no cargo de TRF. Imaginemos, por exemplo, que a
Administração Pública Federal decida elevar o nível de escolaridade para as futuras
investiduras no cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e passe a exigir, além do
nível de graduação, um título de pós-graduação, por exemplo, uma especialização em
determinadas áreas com determinada carga horária mínima ou até mesmo o título de mestre
ou doutor. Pergunta-se: caso isso venha a ocorrer, os atuais ocupantes desse cargo que não
possuem título de pós-graduação se transmudariam subitamente em ocupantes indevidos
desse cargo, como assim foram considerados os ocupantes do cargo de Técnico do Tesouro
Nacional, que teve sua nomenclatura alterada para Técnico da Receita Federal e, mais adiante,
para Analista Tributário da Receita Federal do Brasil? Certamente que não. Tal nível só seria
exigido dos futuros ocupantes desse cargo, da mesma forma que ocorreu com o cargo de
Técnico do Tesouro Nacional. Portanto, nenhuma inconstitucionalidade há no fato de
coexistirem no mesmo cargo ocupantes de níveis de escolaridade distintos que ingressaram
nesse cargo em momentos igualmente distintos e que, ao ingressarem, cumpriram as
exigências então vigentes: tais alterações no cargo se deram em razão de necessidades
surgidas ao longo do tempo, de acordo com as contingências sociais e as exigências de
qualificação de cada período histórico.
Passemos agora ao exame da argumentação fundada na jurisprudência do STF,
invocada pelo Autor.
Invoca o PGR a Súmula nº 685, como se esta tivesse se originado de decisões
reiteradas no mesmo sentido relativas a situações semelhantes àquela tratada na ADIn nº
4.616; já demonstramos que tal interpretação é equívoca, pois as situações ali abrangidas são
aquelas de transposição de servidores de cargos extintos para cargos novos que não guardam
103
nenhuma relação entre si, ou seja, são de carreiras distintas e com atribuições igualmente
distintas e díspares, o que, a toda evidência, não é caso dos outrora ocupantes do cargo de
Técnico do Tesouro Nacional e do cargo de Técnico da Receita Federal.
Também invoca as decisões proferidas nas ADIns 266/RJ e 368/ES, bem como no
Mandado de Segurança 21.420/DF.
Primeiramente, quanto à ADIn 266/RJ e o MS 21.420/DF, cumpre ressaltar que
integram as decisões que levaram à edição da Súmula nº 685. Portanto, nada há a acrescentar,
pois já analisamos a referida Súmula, a qual foi editada com base nos julgados referentes às
seguintes ações, que tratavam de situações assemelhadas: ADIn 308 MC, publicação: DJ de
17/8/1990; ADIn 368 MC, publicação: DJ de 16/11/1990; ADIn 231, publicação: DJ de
13/11/1992; ADIn 245, publicação: DJ de 13/11/1992; ADIn 785 MC, publicação: DJ de
27/11/1992; ADIn 837 MC, publicação: DJ de 23/4/1993; MS 21420, 18/6/1993; ADIn 266,
publicação: DJ de 6/8/1993; ADIn 308, publicação: DJ de 10/9/1993; RE 129943, publicação:
DJ de 4/2/1994; ADIn 248, publicação: DJ de 8/4/1994; ADIn 970 MC, publicação: DJ de
26/5/1995; ADIn 186, publicação: DJ de 15/9/1995; MS 22148, publicação: DJ de 8/3/1996;
RE 150453, publicação: DJ de 11/4/1997; ADIn 1150, publicação: DJ de 17/4/1998; RE
173357, publicação: DJ de 5/2/1999; ADIn 837, publicação: DJ de 25/6/1999; e ADIn 242,
publicação: DJ de 23/3/2001.
No que concerne à ADIn nº 368, trata-se de mero enquadramento de servidores de
nível intermediário para nível médio e de servidores de nível médio para nível superior, feito
pelo Estado do Espírito Santo sem observância da natureza dos cargos e da similitude de
atribuições.
Com relação à ADIn 3.857, trata-se de verdadeiro “trem da alegria” patrocinado pelo
Estado do Ceará, a pretexto de reestruturação da Carreira Tributária do Estado do Ceará,
mediante a transformação do cargo de Auditor Adjunto do Tesouro Estadual, de nível médio,
no cargo de Auditor Fiscal da Receita Estadual, de nível superior, e dos cargos de Técnico do
Tesouro Estadual e Fiscal do Tesouro Estadual, ambos também de nível médio, no cargo de
Fiscal da Receita Estadual, de nível superior, com a transposição dos ocupantes dos cargos
extintos para os novos cargos criados.
Todavia, não foram somente os ocupantes dos três cargos citados que foram
transpostos para os novos cargos criados, também citados. Foram igualmente transpostos para
o grupo ocupacional Tributação, Arrecadação e Fiscalização todos os servidores em
104
exercício na Secretaria da Fazenda há mais de treze anos, conforme disposição contida no
parágrafo único do art. 26 da Lei nº 13.778/2006. Em outras palavras, servidores que ali
estivessem exercendo os seus respectivos cargos, quaisquer que fossem eles, foram
simplesmente transpostos para uma carreira específica e completamente distinta, sem
qualquer relação com a natureza e as atribuições das carreiras ocupadas anteriormente pelos
servidores transpostos, violando frontalmente a Súmula nº 685 do STF.
Sobre essa reestruturação híbrida da Carreira Tributária, mediante transformação de
cargos de nível médio em cargos de nível superior, todos da Carreira Tributária, com a
passagem dos ocupantes dos cargos transformados para os novos cargos, bem como a
transformação de outros cargos estranhos a essa Carreira em cargos dessa Carreira, assim se
manifestou o Min. Marco Aurélio, divergindo do relator, Min. Ricardo Levandovski e do
Min. Carlos Menezes Direito, que já haviam se manifestado pela total inconstitucionalidade,
tanto num caso como noutro, ou seja, tanto em relação à transformação de cargos da própria
Carreira Tributária como em relação à transformação de cargos de carreiras estranhas a ela em
cargos dela:
Presidente, seria interessante discutirmos um pouco mais a matéria, porque temos no
Tribunal três precedentes alusivos ao Estado de Santa Catarina e Rio Grande do Sul
placitando a junção.
Perdoe-me o Ministro Menezes Direito, creio que o art. 27 [da Lei nº 13.778] é
suficientemente explícito no que revela a junção de cargos/funções de Auditor do
Tesouro Nacional, Auditor-Adjunto do Tesouro Nacional, Fiscal do Tesouro
Estadual, Técnico do Tesouro Estadual e Analista do Tesouro Estadual, de acordo
com o anexo V.
Quer dizer, o que aconteceu no Ceará foi o conserto da situação – e é sempre muito
difícil arrumar a Casa – e conforme ressaltado da tribuna, dois governadores, Lúcio
Alcântara e o governador Cid Gomes, placitaram essa lei, endossaram essa lei
aprovada pela Assembléia Estadual, que veio a resultar na racionalização da própria
carreira. Com muita ética, os dois Advogados fizeram sustentações claras e não
veicularam a valia constitucional do parágrafo único, este, sim, a abrir uma avenida
quanto ao aproveitamento de prestadores de serviços diversos no que cogita, sem
especificidade considerado o cargo, de servidores da Administração Direta há mais
de treze anos integrando a área, gênero, de arrecadação do próprio Estado.
Penso que estamos diante – e lembro sempre que a divergência que maior descrédito
ocasiona é a intestina – de um caso concreto, relativo ao Estado do Ceará, que se
mostra idêntico àqueles que resultaram nos precedentes mencionados no memorial
do Sindicato: dois precedentes envolvendo Santa Catarina e um o Rio Grande do
105
Sul. Quando somei o voto aos dos relatores desses casos – nem sempre divirjo -,
placitei as leis. A esta altura, se outro for o enfoque, haverá, mesmo, o dom da
multiplicação de cargos, desarrumando as finanças do Estado do Ceará, no que serão
mantidos os cargos pretéritos e se terá, para atendimento, quem sabe, realmente, de
uma nova clientela, os novos cargos.
Eu caminharia no sentido, sim, de declarar a inconstitucionalidade do parágrafo
único do art. 26, que versa:
Art. 26. (...)
Parágrafo único. Os servidores da Administração Direta – gênero – que se
encontrem, na data da publicação desta Lei – simples exercício, pouco importando a
função – na Secretaria da Fazenda a mais de treze anos – aqui se esqueceu que teria
o verbo “haver” – passam – aqui, passarão – a integrar o grupo ocupacional
Tributação, (...)
No mais, não. No mais, tivemos junção de atividades que se mesclam, como
também tivemos no tocante às leis dos Estados a que me referi.
Claro que o Tribunal, hoje, está com uma composição totalmente diversa, mas nos
três casos anteriores – um deles sob a relatoria do ministro Gallotti; outro ficou
vencido, no caso do Rio Grande do Sul, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes,
e outro, sob a relatoria da ministra Ellen Gracie, penso que esse último é referência
contida em uma das ementas – julgamos a partir da Carta de 1988 e entendemos que,
nesse caso, de junção de atividades semelhantes, praticamente iguais, não se verifica
o drible pernicioso ao concurso público.
Observe-se que o Ministro Marco Aurélio trocou o termo “Estadual” por “Nacional”
ao referir-se a dois dos cargos integrantes da Carreira Tributária do Ceará. Quanto ao mérito,
observe-se que ele se pronunciou por uma inconstitucionalidade parcial, somente em relação
ao dispositivo instituidor do “trem da alegria”, contido no parágrafo único do art. 26 da Lei nº
13.778.
Vejamos agora a manifestação do Ministro Ricardo Levandovski, após a fala do
Ministro Marco Aurélio:
Senhor Presidente, mantenho o meu voto e verifico que recebemos um grande
número de memoriais que transcrevem os Diários Oficiais do Estado do Ceará , os
quais dão conta que motoristas, datilógrafos, desenhistas, agentes prisionais,
orientadores de menores, técnicos de estrada, técnico agrícola, visitador
sanitário, auxiliar de pesquisa, agente municipalista e assim por diante tiveram
os seus cargos transformados em Auditor Fiscal da Receita Estadual e Auditor
106
Adjunto da Receita Estadual, com competência plena. Isso está documentado.
(grifo nosso).
Observe-se, portanto, que os dados apresentados na fala do Ministro Levandovski
revela o “trem da alegria” a todo vapor. Em seguida à sua fala, volta a manifestar-se o
Ministro Marco Aurélio:
Concordo com Vossa Excelência. Realmente, se o Estado, o Executivo, acionou o
parágrafo único do art. 26, acabou aproveitando, indevidamente, esses servidores.
Daí a dizer que, a rigor, a rigor – e essas publicações, penso que estiveram
respaldadas por esse parágrafo único -, temos a inconstitucionalidade desse
dispositivo no que abriu o leque quanto ao aproveitamento na nova carreira.
Agora, se expungirmos esse parágrafo único, ficando apenas o artigo 27, o que
teremos? A junção de cargos/funções de Auditor do Tesouro Estadual, AuditorAdjunto do Tesouro Estadual, Técnico do Tesouro Estadual e Analista do Tesouro
Estadual, que, até pela nomenclatura, podemos afirmar possuidores de atribuições ao
menos assemelhadas.
E prossegue o debate entre ambos, com o Ministro Levandovski retrucando:
Veja Vossa Excelência, por exemplo, o artigo 14, §2º, que eu estou declarando
inconstitucional...
Retoma a palavra o Ministro Marco Aurélio para ponderar:
O parágrafo único, realmente, viabilizou o aproveitamento de motoristas, de
contínuos, desde que estivessem há mais de treze anos na Secretaria, o que não se
coaduna com os ditames constitucionais.
Continua o Ministro Levandovski:
E não apenas isso. Ampliação de competência. Se Vossa Excelência pegar cada um
desses dispositivos que eu, pelo meu voto – e salvo melhor juízo dos eminentes
Pares -, estou declarando inconstitucional, verá que há uma ampliação de
competências que são privativas de agentes que tem nível superior.
Reafirmando o seu ponto de vista, manifesta-se novamente o Ministro Marco Aurélio,
dirigindo-se ao Ministro Levandovski:
Ministro, como ressaltado da tribuna, a exigência da escolaridade decorreu da nova
lei, mas se preservaram situações em homenagem à realidade, no que anteriormente
não se exigia, quando do concurso público efetivado, escolaridade maior. Então,
apenas se congelou essa situação, como disse, para racionalizar, para sanear-se a
diversificação que havia no próprio Estado.
107
Estou seguro de que, expungido o parágrafo único do art. 26, não haverá a
possibilidade, considerados os demais dispositivos, de aproveitamento de servidores
ocupantes de cargos totalmente estranhos à arrecadação considerada a via direta.
Após essa fala do Ministro Marco Aurélio, os Ministros Levandovski e Menezes
Direito mantiveram os seus respectivos votos pela inconstitucionalidade total da lei atacada,
sendo acompanhados pelos Ministros Cezar Peluso, Carmen Lúcia, Ellen Gracie, Joaquim
Barbosa, Carlos Britto e Celso de Mello. O Ministro Marco Aurélio votou pela
inconstitucionalidade parcial, referente somente ao parágrafo único do art. 26 da Lei nº
13.778/2006. O Ministro Eros Grau estava presente, mas não votou, por não ter lido o
relatório, e o Ministro Gilmar Mendes estava ausente.
Com relação a esse julgado, que representa uma aparente inflexão do Colendo
Tribunal em relação à decisão contida na Ementa da ADIn 2.335/SC, de 2003, quanto às
possibilidades de reestruturação de carreiras, mediante extinção de cargos existentes e criação
de cargos novos, com alocação nestes dos ocupantes dos cargos extintos, observa-se que o
tipo de reestruturação de carreira de que aí se tratou é completamente diferente do caso da
Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, pois no caso de que trata a
ADIn nº 4.616 não houve junção de ocupantes de diferentes cargos existentes num cargo
novo. Além disso, parece-nos que o dispositivo manifestamente inconstitucional que permitiu
o acesso à Carreira do Fisco a servidores ocupantes de cargos estranhos a esta terminou por
desqualificar a Lei como um todo aos olhos dos Ministros do STF, à exceção do Ministro
Marco Aurélio. Deste modo, é, a nosso ver, impertinente a invocação, pelo Procurador-Geral
da República, da decisão proferida na ADIn que acabamos de examinar, relativa à legislação
do Estado do Ceará, para servir de fundamento à alegação de inconstitucionalidade formulada
na ADIN 4.616.
Observemos, também, que na sessão que apreciou a ADIn 3.857/CE estava ausente o
Ministro Gilmar Mendes, relator do Acórdão da ADIn 2.713/DF, mencionada na Ementa da
decisão proferida na ADIn 2.335/SC, que também é relator da ADIn 4.616, além do que os
Ministros Menezes Direito e Eros Grau não mais compõem o Colendo Tribunal, além da
Ministra Ellen Gracie, os quais foram substituídos pelos Ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e
Rosa Weber.
Como visto, o caso levado ao STF, por meio da ADIn nº 3.857, nada tem a ver com o
que se questiona na ADIn nº 4.616, que versa sobre alterações ocorridas nos dois cargos
integrantes de uma mesma Carreira, no caso a Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita
108
Federal do Brasil, os quais mudaram de nomenclatura por duas vezes e num deles, que
anteriormente exigia o nível médio como requisito para investidura, passou-se a exigir o nível
superior para futuras investiduras.
Diante dessa decisão, em face da decisão adotada, por exemplo, na ADIn nº 2.335, fica
patente a importância singular que terá o julgamento da ADIn nº 4.616, do qual se espera que
produza uma decisão que venha a fornecer claros critérios mediante os quais possa a
Administração Pública, em todos os níveis, embasar-se para operar reestruturações de suas
carreiras, ditadas por suas necessidades funcionais e instrumentais para otimizar e racionalizar
os seus serviços em prol da Sociedade.
Desta forma, ficam, no nosso entender, fulminados todos os argumentos expendidos
pelo Procurador-Geral da República em defesa da alegada inconstitucionalidade dos
dispositivos da legislação combatidos na exordial da ADIn nº 4.616.
4.2
ARGUMENTOS DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO EM FAVOR DA
CONSTITUCIONALIDADE
DA
REESTRUTURAÇÃO
DA
CARREIRA
DE
AUDITORIA DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL
A Advocacia-Geral da União se manifestou mediante a Mensagem nº 343, de
31.08.2011. Sua argumentação seguiu basicamente a linha de raciocínio desenvolvida na Nota
RFB/Asesp/nº 21/2011, de 4 de julho de 2011, aprovada pelo Secretário da Receita Federal do
Brasil, documento já citado no capítulo antecedente.
Inicia abordando o aspecto instrumental-funcional da Administração Pública, que lhe
impõe o dever de modernizar-se permanentemente para melhor servir à coletividade:
"13. Cumpre destacar que as reestruturações do cargo questionado na ADI 4.616
ocorreram no contexto de reestruturações do Órgão, hoje denominado Secretaria da
Receita Federal do Brasil, ao qual está vinculada a Carreira a que pertence. Portanto,
a medida legal não cuidou, de forma alguma, de aperfeiçoamentos realizados isolada
ou casuisticamente, em favor de um determinado grupo de servidores, mas sim
dentro de um escopo muito maior, no interesse e benefício da Instituição Receita
Federal e da sociedade.
14. Promover reestruturações orgânicas, mais do que uma faculdade, constitui dever
do Estado a fim de adequar os serviços que oferece e as atividades que desenvolve à
evolução social, cultural, educacional, técnica, tecnológica e econômica. com vistas
a melhor atender as demandas que lhe são impostas em meio a um mundo cada vez
mais ágil e sem fronteiras, onde as relações entre pessoas, instituições e Estados se
dinamizam aos saltos.
109
15. Assim, não se pode imaginar que a máquina pública reste inexoravelmente
tolhida de "azeitar as suas próprias engrenagens" de quando em quando, de
aperfeiçoar seus sistemas organizacionais e funcionais, em especial seus recursos
humanos, sob pena de sacrificar a aplicação do princípio constitucional da
eficiência.
16. E, como restará inconteste nesta Nota, não foi outro o espírito das
reestruturações levadas a termo na Receita Federal, operadas, sim, com respeito à
Constituição, não só em relação ao seu arcabouço normativo positivado, em especial
ao disposto no seu art. 37, inciso II, mas com os "pés fincados" nos princípios éticos
e justos que consagram a "Constituição Cidadã".
Tal argumento é o mesmo que já explicitamos neste trabalho, ou seja, deve a
Administração Pública ter certa autonomia para organizar a sua estrutura visando à
consecução eficiente e eficaz dos seus serviços, a fim de alcançar a efetividade desejada.
Em seguida, a Advocacia-Geral da União apresenta interessante argumento referente
às atribuições dos cargos de Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional e de Técnico do Tesouro
Nacional. A primeira alteração de nomenclatura de ambos os cargos, concomitante com a
elevação do grau de escolaridade exigido para futuras investiduras no cargo de Técnico do
Tesouro Nacional, agora denominado Técnico da Receita Federal, é o nó górdio da questão.
Assim, discorre a AGU acerca desse aspecto:
53. Mister apontar que o referido Decreto [90.928/85] já previa que o cargo de
Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional (AFTN), de nível superior, estaria incumbido
de realizar as atividades de grande complexidade, e que ao cargo de Técnico do
Tesouro Nacional (TIN) restariam as atividades de média complexidade, de apoio
operacional, relacionadas com os encargos específicos de competência da então
Secretaria da 'Receita Federal.
54. Portanto, apesar de ainda não estarem detalhadas as atribuições nem em relação
ao Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional (AFTN) nem em relação ao Técnico do
Tesouro Nacional (TIN), conclui-se, em face das características genéricas traçadas,
que a norma em comento já distinguia a complexidade de atribuições para os
diferentes cargos, reservando, somente ao AFTN, as tarefas de grande
complexidade.
55. Importa salientar ainda que a referida norma já previa a possibilidade de tanto o
Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional quanto o Técnico do Tesouro Nacional
realizarem tarefas de média complexidade, o que pode ser traduzido na existência de
possibilidade, já àquela época, de atividades de competência do Órgão serem
realizadas de forma concorrente por ambos os cargos. De fato era isso o que ocorria
na prática, no cotidiano das repartições da Receita Federal.
110
56. Essas considerações são de extrema importância para deixar fora de dúvida que
apesar das reestruturações implementadas no Órgão e na Carreira, não houve
qualquer alteração na complexidade das atribuições de ambos os cargos, pois ao
atual Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (AFRFB) estão reservadas as
atividades mais complexas do Órgão, hoje, tratadas de forma mais específica, como
privativas.
Esse argumento desmente a alegação do Procurador-Geral da República de que não
havia regulamentação das atribuições do cargo de Técnico do Tesouro Nacional no DecretoLei nº 2.225/85. Todavia, como se vê, as atividades de ambos os cargos da Carreira estavam
descritas de forma genérica no referido Regulamento.
Prossegue a AGU em sua argumentação:
57. Certo é que da simples leitura das características citadas no Decreto nº' 90.928/
de 1985, não é possível identificar, do ponto de vista formal, o rol das atividades que
na prática, eram exercidas pelo Técnico do Tesouro Nacional (TIN) no período de
1985 a junho de 1999. No entanto, da leitura do item 3 do Edital ESAF n° 7, de 13
de fevereiro de 17 1998, que regulou o concurso público para Técnico do Tesouro
Nacional naquele ano, antes de vir ao mundo jurídico a Medida Provisória nº 1.915,
de 1999, resta comprovado que as atividades de fato exercidas pelo então TTN
equivalem-se, ainda hoje, às exercidas pelo Analista-Tributário da Receita Federal
do Brasil (ATRFB), como se verá adiante. Dispunha o citado Edital de abertura do
concurso público no seu item 3, verbis.
"3 DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO
Ao cargo de Técnico do Tesouro Nacional correspondem as atribuições referentes às
atividades de nível médio de apoio operacional relacionadas com os encargos
específicos de competência da Secretaria da Receita Federal (alínea "b" do art. 2fJ
do Decreto nº 90.928/85). O Técnico do Tesouro Nacional desempenha, na
administração tributária, atividades nas áreas de administração, tributação,
arrecadação, fiscalização, controle aduaneiro e informações econômico-fiscais,
compreendendo, entre outras atividades, examinar a parte final formal dos
processos, acompanhar as operações de carga, descarga e movimentação de
mercadorias e/ou bagagens, além das operações de trânsito aduaneiro, receber
documentos de declarações de importação, executar operações preliminares para o
desembaraco, auxiliar nos trabalhos relativos à administração de recursos humanos e
de material e à programação orçamentária e financeira e, ainda, a realização de
trabalhos pertinentes a estudos, pesguisas, processamento de dados e atendimento ao
público,"
58. Constata-se, portanto, que os ocupantes do cargo de Técnico do Tesouro
Nacional já exerciam, antes da Medida Provisória nº 1.915, de 1999, atividades em
111
todas as áreas da Secretaria, inclusive nas áreas finalísticas, como, por exemplo, na
fiscalização, arrecadação, tributação e aduaneira, bem assim já examinava processos
e prestava atendimento ao público, sem inovação substancial no campo de
atribuições.
Nessa parte de sua argumentação, a AGU transcreve edital de concurso público
realizado em 1998 para o cargo de Técnico do Tesouro Nacional, o qual demonstra que os
ocupantes deste cargo já desenvolviam atividades equivalentes àquelas dos Técnicos da
Receita Federal, descritas posteriormente com precisão no Decreto nº 3.611/2000,
regulamentador da Medida Provisória nº 1.915 e suas reedições até a data da edição do
referido Decreto. Nesse ponto, a AGU frisa o motivo da alteração da nomenclatura dos cargos
e da Carreira, qual seja, criar identidade entre o nome dos cargos e da Carreira ao Órgão
Secretaria da Receita Federal do Brasil, o que já foi abordado no capítulo antecedente, quando
se tratou do histórico dessa Carreira.
Prossegue a AGU em sua argumentação, frisando agora que, quanto ao grau de
complexidade, a posição relativa do cargo de Técnico da Receita Federal em relação ao cargo
de Auditor Fiscal da Receita Federal permaneceu equivalente àquela que existia entre o cargo
de Técnico do Tesouro Nacional e Auditor Fiscal do Tesouro Nacional, surgindo, inclusive,
atribuições privativas para o cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal, que antes não
existiam na vigência da nomenclatura de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional:
63. No que tange ao Técnico da Receita Federal, a Medida Provisória nº 1.915, de
1999, tratou de forma genérica as atribuições do cargo, ao preceituar que "Incumbe
ao Técnico da Receita Federal auxiliar o Auditor-Fiscal da Receita Federal no
exercício de suas atribuições/J.
64. Ora, a leitura do termo "auxiliar", expresso na Medida Provisória, indica que o
Técnico deveria exercer atividades preparatórias e complementares ao exercício das
atividades do Auditor, e, sendo assim, não se vislumbra que as tais atividades
auxiliares sejam mais complexas do que as atividades já preconizadas pelo Decreto
nº 90.928, de 1985, pois auxiliar, dar apoio e executar tarefas de média
complexidade se identificam, indicam equivalência.
65. Quando a Medida Provisória especificou as atividades privativas do cargo de
Auditor-Fiscal da Receita Federal, (AFRF) importou dizer que para a este cargo
foram mantidas as atividades de maior complexidade, e para o cargo de Técnico da
Receita Federal (TRF), incumbido de auxiliar o Auditor-Fiscal, foram destinadas as
atividades de média complexidade, permanecendo, inclusive, a identidade das
atribuições de fato já exercidas.
112
A AGU também assinala a omissão do Decreto nº 3.611/2000 na argumentação do
Procurador-Geral da República, frisando que este é fundamental para o cotejamento das
atribuições do Técnico da Receita Federal e aquelas do Analista Tributário da Receita Federal
do Brasil:
79. Na tentativa de mostrar suposta existência de acréscimo de atribuições para o
cargo de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, a Exordial compara o
texto da Lei nº 11.457, de 2007, apenas com a incumbência genérica antes prevista
para o cargo de Técnico da Receita Federal na Medida Provisória 1.915, de 1999,
esquecendo de orientar a comparação, também, pelas disposições do Decreto n"
3.611, de 2000, que detalhou, formalmente, as atribuições do cargo TRF.
Finalmente, a AGU menciona o Decreto 6.641/2008, editado em cumprimento a
dispositivo da Lei 10.593/2002, alterada pela Lei 11.457/2007, o qual fixa as atribuições do
cargo, agora sob a denominação de Analista Tributário da Receita Federal do Brasil, mediante
transformação:
100. Portanto, à vista do citado Decreto, ora vigente, é possível concluir que para o
cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (AFRFB) foram mantidas as
anteriores atribuições privativas, identificadas pelas de maior complexidade do
Órgão. a exemplo de lançamento de crédito tributário, julgamento de processo fiscal,
execução de procedimento de fiscalização, supervisão de atividades de orientação ao
contribuinte, não sendo criada nenhuma nova atividade privativa para o cargo de
Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, nem tampouco estabelecidas novas
atribuições de complexidade díspar das já exercidas desde guando o cargo se
denominava Técnico do Tesouro Nacional.
Em seguida, reporta-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que já foi por
nós citada, as decisões proferidas pelo STF nas ADIns 2.713 e 1.591, manifestando-se pela
constitucionalidade daquelas reestruturações de carreiras.
Mais adiante, a AGU toca na questão da elevação do grau de escolaridade exigido para
futuras investiduras no cargo de Técnico da Receita Federal, afirmando que esta, por si só,
não demonstra que foram atribuídas aos ocupantes deste cargo tarefas mais complexas:
109. Conforme já exaustivamente exposto, não tendo havido alteração da identidade
substancial de atribuições nem do padrão remuneratório, o que mais adiante será
demonstrado, a simples alteração da exigência de nível de escolaridade para futuros
ingressos no cargo não é suficiente para caracterizar a pretensa criação de um novo
cargo público, tampouco a investidura derivada em cargo público.
113
110. A exigência de escolaridade de nível superior para o cargo de Técnico da
Receita Federal (TRF) justificava-se, primeiro, porque as atividades já
desenvolvidas pelo então Técnico do Tesouro Nacional (TTN) eram mais complexas
do que as exercidas pelos demais Técnicos da Administração Pública Federal, o que
exigia do servidor da administração tributária conhecimentos técnicos mais
profundos, cujo ensino regular de segundo grau não era capaz de proporcionar.
Basta verificar o conteúdo programático exigido no Edital ESAF nº 7, de 13 de
fevereiro de 1998, que regulou o Concurso Público para Técnico do Tesouro
Nacional naquele ano, antes da Medida Provisória nº 1915, de 29 de junho de 1999,
exigindo-se, com profundidade, conhecimento de diversas áreas, a saber: Direito
Tributário, Legislação Tributária, Legislação Aduaneira, Direito Constitucional,
Direito Administrativo, Informática, Língua Portuguesa. Contabilidade. RaciocínioLógico Quantitativo, e Inglês ou Espanhol, sem contar o elevado grau de dificuldade
das provas aplicadas. Tal era o grau de dificuldade e complexidade das provas que
os aprovados em concurso para Técnico do Tesouro Nacional eram, em sua maioria,
possuidores de diploma de curso superior.
111. Ademais, a remuneração do Técnico do Tesouro Nacional já era superior à
remuneração da maioria dos cargos técnicos, de nível médio, da Administração
Pública Federal.
112. Outro dado relevante consiste em que os conteúdos programáticos dos
concursos para Técnico do Tesouro Nacional (TTN), Técnico da Receita Federal
(TRF) e Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil (ATRFB) se mantiveram
basicamente os mesmos, bem assim o elevado grau de dificuldade das provas
aplicadas nos respectivos concursos, como é fácil verificar no quadro comparativo a
seguir.
Justifica, em seguida, a elevação do grau de escolaridade para futuras investiduras no
cargo de Técnico da Receita Federal:
119. A razão disso é simples. À época em que o concurso exigia escolaridade de
nível médio, competiam no certame candidatos que possuíam o exato grau de
escolaridade exigido (curso de nível médio) e também candidatos detentores de
diploma de curso superior. Portanto, tais concursos se realizavam mediante
concorrência com amplitude maior do que a amplitude da concorrência dos
concursos posteriores, que, com o mesmo conteúdo programático e com o mesmo
grau de dificuldade, passaram a exigir graduação em nível superior, necessário,
conforme já observado, à adequação do cargo à realidade da esmagadora maioria do
corpo funcional desde antes de 1999, graduada em nível superior, e à desejável
atualização do cargo, conforme a modernização e o aperfeiçoamento operado no
Órgão ao qual resta vinculada a carreira.
114
Para finalizar, comenta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal invocada pelo
Procurador-Geral da República para corroborar a arguida inconstitucionalidade. Assim,
discorre sobre a ADIn 3.857, relacionando os pontos críticos da reestruturação da Carreira
Tributária do Estado do Ceará, que levaram à declaração de sua inconstitucionalidade, dentre
os quais destacamos: 1) transposição para aquela Carreira de servidores estranhos a ela, com
elevação de remuneração; e 2) ampliação do rol de atribuições de certos cargos da Carreira
Tributária. Frisa que os fatos apontados na ADI nº 3.857 não apresentam qualquer semelhança
ou identidade com as reestruturações levadas a efeito na Receita Federal, o que, aliás, já
havíamos afirmado anteriormente.
Quanto à ADI nº 368, destaca que a mesma se refere à criação de uma nova carreira
pelo Estado do Espírito Santo, a de Técnico Judiciário, “para a qual trouxe servidores
estranhos àquela atividade. pertencentes a outras carreiras do Poder judiciário, que não tinham
qualquer identidade com as atribuições ou com o padrão remuneratório delineados para a
carreira de Técnico judiciário.” Tal situação também não guarda qualquer relação com aquela
ocorrente na reestruturação da Carreira da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Também comenta a invocação da decisão proferida no Mandado de Segurança nº
21.420, mediante o qual os Técnicos de Finanças e Controle Externo do Tribunal de Contas
da União “pretendiam obter ascensão funcional para o cargo de Analista daquela Corte, sem
concurso público, situação que não tem nenhuma semelhança com o caso em discussão na
ADI 4.616”.
Conclui afirmando que a propositura da ADIn 4.616 se assenta em premissas
equivocadas, assim como numa análise distorcida das normas mediante as quais se deu a
reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, razão pela
aguarda-se um juízo de improcedência do pedido.
4.3
DECISÕES
DO
SUPREMO
TRIBUNAL
FEDERAL
PELA
CONSTITUCIONALIDADE DE LEGISLAÇÕES DE REESTRUTURAÇÃO DE
CARREIRAS
QUESTIONADAS
NAS
AÇÕES
DIRETAS
DE
INCONSTITUCIONALIDADE NºS. 1.591/RS, 2.713/DF E 2.335/SC
As decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIns 1.591, 2.713 e
2.335, reconhecendo a constitucionalidade da legislação mediante a qual foram reestruturadas
as carreiras a que se referem as referidas ADIns, corroboram os argumentos aqui apresentados
em favor da constitucionalidade da reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da
Receita Federal em todos os seus aspectos, tendo em vista que a mesma se assemelha à
115
reestruturação ocorrida na Carreira do Fisco dos Estados do Rio Grande do Sul (ADIn 1.591)
e do Estado de Santa Catarina (ADIn 2.335).
A ADIn nº 1.591 foi ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores contestando a
reestruturação da Carreira do Fisco do Estado do Rio Grande do Sul, efetivada mediante a Lei
Complementar nº 10.933, de 15.01.1997, que extinguiu os cargos de Auditor de Finanças
Públicas e de Fiscal de Tributos Estaduais, criando um único cargo de Agente Fiscal do
Tesouro do Estado, passando para este novo cargo os ocupantes dos cargos extintos, ambos de
nível superior.
Assim se manifestou o STF na Ementa do Acórdão dessa ADIn:
Unificação, pela Lei Complementar 10.933-97, do Rio Grande do Sul, em nova
carreira de Agente Fiscal do Tesouro, das duas, preexistentes, de Auditor de
Finanças Públicas e de Fiscal de Tributos Estaduais.
Assertiva de preterição da exigência de concurso público rejeitada em face da
afinidade de atribuições das categorias em questão, consolidada por legislação
anterior à Constituição de 1988.
Ação direta julgada por maioria improcedente.
A ADIn nº 2.713 foi ajuizada pela Associação Nacional dos Advogados da União –
ANAUNI, que arguiu a inconstitucionalidade do art. 11 e respectivos parágrafos da Medida
Provisória nº 43, de 25.06.2002, convertida na Lei nº 10.549, de 13.11.2002, que transformou
os cargos efetivos, ocupados e vagos, de Assistente Jurídico, da Carreira de Assistente
Jurídico, em cargos de Advogado da União, da Carreira de Advogado da União, sendo ambas
as carreiras integrantes do quadro da Advocacia-Geral da União, alegando-se ofensa aos arts.
131, caput; 62, §1º, inciso III; 37, inciso II, e 131, §2º, todos da Constituição Federal.
Assim se pronunciou o STF na Ementa do Acórdão dessa ADIN:
Não encontra guarida, na doutrina e na jurisprudência, a pretensão da
requerente de violação ao art. 131, caput, da Carta Magna, uma vez que os
preceitos impugnados não afrontam a reserva de lei complementar exigida
no disciplinamento da organização e do funcionamento da Advocacia-Geral
da União. Precedente: ADI 449, Rel. Min. Carlos Velloso.
Rejeição, ademais, da alegação de violação ao princípio do concurso público
(CF arts. 37,II e 131, § 2º). É que a análise do regime normativo das
carreiras da AGU em exame aponta para uma racionalização, no âmbito da
AGU, do desempenho de seu papel constitucional por meio de uma completa
116
identidade substancial dos cargos em exame, verificada a compatibilidade
funcional e remuneratória, além da equivalência dos requisitos exigidos em
concurso. Precedente: ADI 1.591, Rel. Min. Octavio Gallotti.
Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.
A decisão proferida pelo Colendo Tribunal na ADIn 2.335, cuja ementa do respectivo
Acórdão já foi transcrita no capítulo anterior, pode ser considerada paradigma para
reestruturações de carreira similares, a exemplo da Carreira de Auditoria da Receita Federal
do Brasil.
Com efeito, na reestruturação da Carreira do Fisco de Santa Catarina houve a extinção
dos cargos de Fiscal de Tributos Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator e
Escrivão de Exatoria, todos, então, de nível superior, e criado um novo cargo, Auditor Fiscal
da Receita Estadual, sendo os ocupantes dos quatro cargos extintos transpostos para o novo
cargo criado.
Anteriormente, no entanto, dois desses cargos eram originariamente de nível médio, a
exemplo do cargo de Técnico do Tesouro Nacional, quais sejam, os cargos de Escrivão de
Exatoria e Fiscal de Mercadorias em Trânsito.
Apresentamos agora um breve histórico da Carreira do Fisco do Estado de Santa
Catarina, obtido do sítio eletrônico do Sindicato dos Servidores da Fazenda do Estado da
Bahia:
Em 1970, o governo de Santa Catarina aprovou a Lei 4.426/1970 que originou as
carreiras do Fisco no Estado de Santa Catarina. Em nenhum dos seus artigos, esta
lei, determinou as atribuições dos cargos criados, nem a forma de ingresso nas
carreiras.Os cargos criados pela Lei foram: Fiscal da Fazenda, Auxiliar de
Fiscalização, Coletor, Escrivão da Coletoria, os cargos singulares de Inspetor de
Coletorias, Inspetor Auxiliar de Postos Fiscais e Inspetor de Postos Fiscais, bem
como as funções singulares de Agente Fiscal Rodoviário, ficam transformados
(artigo 4º da Lei).A Lei informava, ainda, que o poder executivo apostilaria os
títulos dos servidores atingidos pelas suas disposições e que reformularia a
classificação, lotação, funcionamento e atribuições das Exatorias Estaduais e demais
órgãos da Secretaria da Fazenda (art. 15 e 16)
Em 1982, a Lei 6.040, alterava o quadro funcional da Sefaz/SC (Administração
Fazendária Superior e Administração Fazendária Intermediária) e a partir deste
momento passava a disciplinar a habilitação profissional exigida para ingresso em
cada cargo e classe do grupo Fiscalização e Arrecadação.
117
Ainda em 1991, o governo catarinense fez aprovar a
Lei 8.248/91. Esta Lei teve
um caráter importante na transformação dos cargos da Sefaz/SC.
A Lei determinava que todos os cargos existentes do grupo de fiscalização e
arrecadação fossem transformados em cargos de nível superior.
Vale lembrar que com a instituição desta Lei, o cargo de Escrivão de Exatoria que
exigia como forma de ingresso à habilitação diploma de nível médio passou à nova
situação de portador de nível superior.
Esta Lei, também, permitiu ao poder executivo disciplinar as atribuições específicas
dos cargos existentes – Fiscal de Tributos Estaduais, Exator, Fiscal de Mercadorias
em Trânsito e Escrivão de Exatoria.
Foi a partir daí que a Lei 8.248 decretou, atribuindo a cada cargo – sobretudo
àqueles que haviam sido alçados, recentemente, à habilitação em diploma superior
(Fiscal de Mercadorias em Trânsito e Escrivão de Exatoria) - a prerrogativa, em
Lei, da constituição do crédito tributário, através da imposição de multa por
descumprimento de obrigação tributária, no desempenho das funções arroladas,
inerentes a cada cargo.
Pode-se concluir, então, que a Lei 8.248/91 permitiu:
a) Que os cargos fossem elencados por níveis de complexidade;
b) Que todos os quatro cargos passassem a constituir o crédito tributário, com
respaldo legal. * Originariamente nem todos os cargos eram de nível superior;
Importante frisar que as Leis 8.246 e 8.248 ambas de 1991, foram alvo de uma
ADIn.. Porém a ação foi indeferida pelo STF, por unanimidade.
Em janeiro de 1992 o governo de Santa Catarina fez aprovar a
Lei
Complementar 43/92 que disporia sobre a remuneração dos servidores civis e
que previa – no seu artigo 7º - a obrigatoriedade de envio à Assembléia Legislativa
de planos de cargos específicos para os servidores considerados como carreiras
típicas de estado.
Então, o governo enviou o projeto e a Assembléia Legislativa de Santa Catarina, em
março de 1993, aprovou a
Lei Complementar 81/93. Esta nova Lei tratava da
estrutura do Plano de Cargos e Vencimentos do Fisco, e descrevia de forma
detalhada as especificações de cada cargo.
Vale observar que a LC 81/93 tratava, dentre outros temas, de uma agregação das
Leis Ordinárias 8.246 e 8.248 de 1991, agora amparadas por outra Lei
(complementar), com maior força.
118
A LC 81/93 foi alvo de uma
ADIn (1030) requerida pelo Procurador Geral da
República.
O Procurador argumentou, em suma, que os cargos de Escrivão de Exatoria e Fiscais
de Mercadorias em Trânsito terem sido alçados à categoria de nível superior e
atribuiu novas funções às categorias do grupo de fiscalização e arrecadação
existente.
As alegações do poder executivo, do Presidente da Assembléia Legislativa de SC e
do Advogado Geral da União:
a) Que as leis existentes nada mais fizeram do que manter os cargos do grupo de
arrecadação e fiscalização num novo grupo, com outra denominação, apenas
passando a exigir para o ingresso na carreira nível superior e que todos os direitos
adquiridos dos atuais ocupantes foram respeitados.
b) Que a LC 81/93 nada mais fez do que atribuir competência a cargos
anteriormente criados para sanar falhas da legislação anterior (cometidas pelo
próprio Estado).
c) Que foram oferecidos ganhos de remuneração aos cargos, mas todos em harmonia
com a Constituição Federal e sem vinculá-los à Carreira de Fiscais de Tributos
Estaduais que continuaram a existir com estrutura e níveis remuneratórios distintos
dos demais cargos.
O STF, em 13/12/1996, considerou procedente a ação, suspendendo os efeitos da
Lei Complementar 81/93.
O governador do estado de Santa Catarina resolveu, então, promover outra reforma
na estrutura organizacional da Sefaz, unificando os cargos numa única carreira na
busca de sanar definitivamente falhas de legislações anteriores e oferecer
racionalidade administrativa ao estado.
A Assembléia Legislativa aprovou a Lei Complementar 189/2000, encaminhada
pelo Governador, onde cargos no quadro único de pessoal da administração direta
foram criados e outros extintos. A Lei transformou os cargos de Fiscal de Tributos
Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator e Escrivão de Exatoria em 650
cargos de Auditores Fiscais da Receita Estadual. (grifos em itálico do texto original).
Como se vê, a história da reestruturação da Carreira do Fisco catarinense é muito
semelhante à da reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do
Brasil. Dois dos cargos envolvidos na referida reestruturação empreendida pela
Administração daquele Estado-Membro, quais sejam Escrivão de Exatoria e Fiscal de
Mercadorias em Trânsito, eram originariamente cargos de nível médio, a exemplo do cargo de
Técnico do Tesouro Nacional.
119
Assim se manifestou o Relator dessa ADIn, o Ministro Gilmar Mendes:
Sr. Presidente, peço vênia a V. Exa, para divergir. Não vislumbro diferença
substancial entre o entendimento que o Tribunal assentou na ADI nº 1.591 e a
orientação ora esposada.
Naquela (sic) precedente discutia-se a constitucionalidade da unificação, promovida
por lei estadual do Rio Grande do Sul, das carreiras de Auditor de Finanças Públicas
e de Fiscal de Tributos Estaduais em uma nova carreira, denominada Agente Fiscal
do Tesouro. Entendeu o Tribunal, sob a relatoria do Ministro Octávio Gallotti, que
rejeitar a tese de que haveria ofensa ao princípio do concurso público, haja vista a
similitude das funções desempenhadas pelas carreiras unificadas. [...]
No caso em exame, do memorial trazido pelo Professor Almiro Couto e Silva, colho
que, em verdade, as carreiras que foram extintas pela lei impugnada, e substituídas
pela carreira de Auditor Fiscal da Receita Estadual, vêm sofrendo um processo de
aproximação e de interpenetração. E, está demonstrado, e que há correspondência e
pertinência temática entre aquelas carreiras. Eventualmente surgem distinções de
grau; algum grupo está incumbido de fiscalizar microempresas, mas não há qualquer
diferença que se possa substancializar.
De modo que, peço vênia a V. Exa, invocando o precedente da ADI nº 1.591 e,
também da ADI 2.713, julgar improcedente a presente ação”.
O fator decisivo aqui, como anteriormente frisado, foi a similitude das atribuições,
conforme consta na Ementa do Acórdão, o qual faz alusão aos dois precedentes, expressos nas
decisões das ADIns 1.591 e 2.713. Vale frisar que essa decisão é, até o momento, a mais
recente no que concerne ao reconhecimento da constitucionalidade em decisões do STF
envolvendo reestruturações de carreiras nesses moldes, datada de 11.06.2003.
De tudo quanto foi exposto, constata-se que as alegações de inconstitucionalidade dos
dispositivos legais apontados na peça vestibular da ADIn nº 4.616 pelo Procurador-Geral da
República são absolutamente improcedentes.
120
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A linguagem humana é equívoca, manifesta-se por meio de signos, e por isso requer
que se faça a interpretação dos textos mediante os quais ela se expressa. Tal equivocidade se
reflete consequentemente na esfera do Direito, mormente nos países cuja ordem jurídica se
caracteriza pela primazia das leis escritas e que possuem constituições rígidas.
A Teoria Pura do Direito de Kelsen procurou conferir ao Direito um status de ciência
autônoma. Para fazê-lo, ele abstraiu o aspecto valorativo contido na norma jurídica por
considerar que tal valoração é inerente ao campo da Política, definindo o objeto do Direito
como o estudo da norma jurídica de per si.
Isso alimentou a dicotomia entre o jurídico e o político, como se o caráter jurídico
fosse excludente do político e vice-versa, muito embora tal contraposição já existisse antes
dele. Isso já se refletia, por exemplo, no controle de constitucionalidade que já havia sido
estabelecido nos Estados Unidos da América, por exemplo, onde só admitia tal controle pela
via de exceção, ou seja, a partir de incidentes em casos concretos suscitados por cidadãos no
âmbito da justiça comum.
Em sua formulação teórica, Kelsen não nega o íntimo e estreito contato entre o
jurídico e o político ou entre o Direito e outras áreas do conhecimento humano, como a
Filosofia, a Sociologia, a Psicologia e a própria Política, porém afirma que tais aspectos não
são pertinentes ao campo da ciência jurídica por ele definido, posto que definiu o objeto de
estudo desta sem elementos que considerava estranhos a ela.
Em sua visão, o aspecto político no Direito se manifesta no momento de sua aplicação,
e isso é objeto já da Hermenêutica Jurídica, para a qual ele desistiu de buscar uma teoria que
possibilitasse extrair-se um único sentido “correto” intrínseco de cada texto, afirmando ser tal
tarefa impossível, pois a decisão é invariavelmente resultante de um ato volitivo, ou seja,
político.
Essa partição do Direito acaba por influenciar as visões que vão se construindo a
respeito dele. Surge, assim, uma falsa dicotomia: a oposição entre conteúdo estritamente
jurídico e conteúdo político, repercutindo até mesmo na conceituação da natureza das normas
jurídicas, criando-se categorias distintas de tais normas. Deste modo, as normas
constitucionais, ainda que indiscutivelmente revestidas de plena juridicidade, a ponto de
sustentar todo o edifício de dada ordem jurídica, são vistas como normas jurídicas de natureza
essencialmente política, posto que determinam a configuração política do Estado em todas as
121
suas facetas, em contraposição com a legislação infraconstitucional, tida como de natureza
tipicamente jurídica, a ponto da atitude dos órgãos jurisdicionais brasileiros, durante muito
tempo, ter sido a de privilegiar a chamada interpretação literal ou a letra da lei, em reverência
total à legalidade estrita e estreita, independentemente das repercussões sociais da aplicação
das leis sob tal viés, mormente quando contrárias a disposições constitucionais.
As normas constitucionais consideradas de natureza política, dentro de tal visão
dicotômica, seriam, por excelência, aquelas respeitantes aos poderes constituídos, à sua
organização e às relações entre eles. As normas tipicamente jurídicas seriam aquelas
respeitantes às disposições endereçadas aos cidadãos.
Afirmamos ser uma falsa dicotomia porque, como bem demonstrou Karl Marx, no seu
conhecido artigo em que critica o caráter classista de uma lei do Governo da Prússia, não
existem normas de conteúdo intrinsecamente político ou jurídico, pois toda e qualquer norma
jurídica está inevitavelmente impregnada de conteúdo político, traduzido na sua expressão
jurídica positivada.
Essa falsa dicotomia suscitou a questão: a quem cometer a tarefa interpretativa da
Constituição? A um órgão político ou a um órgão jurisdicional?
Alguns países optaram pelo controle de constitucionalidade jurisdicional, de que é
exemplo eloquente os Estados Unidos da América, que é feito principalmente pela via de
exceção ou incidental, a partir de casos concretos; também a Alemanha, a Áustria e o Brasil
adotaram o controle de constitucionalidade jurisdicional.
A França, por seu turno, optou pelo controle político de constitucionalidade,
inicialmente mal-sucedido, mas que conseguiu, após muitos percalços, firmar-se ao longo do
tempo e se manter até os dias atuais.
A Itália optou por uma terceira via: um órgão que não pertence à estrutura de nenhum
dos três poderes constituídos e, ao mesmo tempo, com a presença de todos eles em sua
composição: um órgão tripartite formado por quinze juízes, sendo cinco indicados por cada
um dos três poderes, que nos parece a solução mais consentânea com a teoria da separação
dos poderes, que é a pedra de toque da organização estatal de todos ou de quase todos os
países do mundo.
O
Brasil
adotou
inicialmente
um
sistema
de
controle
jurisdicional
de
constitucionalidade nos mesmos moldes do sistema adotado pelos Estados Unidos da
América, ou seja, exclusivamente pela via de exceção.
122
Em 1965, mediante emenda constitucional à Constituição de 1946, o Brasil adota de
forma mais efetiva o controle abstrato de constitucionalidade, timidamente introduzido no
País nas Constituições de 1934 e 1946, que se aperfeiçoa em definitivo com a Constituição
Federal de 1988, alargando-se bastante e adquirindo grande relevância a partir daí. Pode-se
dizer que o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro é híbrido, nele coexistindo o
controle concentrado e o controle difuso de constitucionalidade, o primeiro de índole abstrata
e o segundo, de índole concreta.
A discussão empreendida no segundo capítulo revelou que existem dois conceitos
distintos de carreira, que chegam até a serem opostos entre si: o doutrinário, adotado pelos
juristas administrativistas pátrios, e o legal, que aparece nas respectivas leis de criação das
carreiras quando definem as características e composição das mesmas.
De tal distinção decorrem consequências muito importantes e graves: a depender do
conceito adotado, a reestruturação de determinada carreira pode ser considerada
constitucional ou inconstitucional. Essa é uma das questões que certamente será objeto de
discussão no âmbito do Supremo Tribunal Federal quando este for julgar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 4.616, em tramitação, cuja arguição de inconstitucionalidade é o
elemento motivador de toda a análise que se desenvolve neste trabalho.
Verificou-se que o Supremo Tribunal Federal adota dois critérios distintos para aferir a
constitucionalidade das normas jurídicas de reestruturação de carreiras, que lhe são
submetidas. O primeiro critério, expresso na Súmula nº 685, toma como base o conceito legal
de carreira, ou seja, aquele definido pela respectiva lei de criação da carreira, para afirmar ser
inconstitucional a transposição de servidores anteriormente ocupantes de cargos existentes e
extintos para cargos novos criados em decorrência da extinção daqueles.
Por outro lado, nas decisões proferidas no julgamento das ADIns nºs 1.591, 2.713 e
2.335, a Corte Constitucional manifestou-se pela constitucionalidade da legislação que
reestruturou as carreiras de que ali se tratava e pela possibilidade da transposição dos
servidores ocupantes dos cargos existentes e extintos para os cargos novos criados em
decorrência da extinção daqueles, sob o fundamento da similitude de atribuições entre os
primeiros e os últimos.
Da adoção desses dois critérios distintos para aferição de constitucionalidade de
normas jurídicas instauradoras de reestruturação de carreiras, verificou-se que, em certos
casos, pode haver contradição aparente entre o enunciado da Súmula nº 685 e a Ementa do
123
Acórdão da ADIn nº 2.335. Isso porque um cargo de determinada carreira pode ser
transformado num outro cargo de natureza semelhante, inclusive quanto às atribuições, porém
de carreira distinta, tal qual ocorreu na reestruturação da Carreira de Auditoria da Receita
Federal do Brasil, no bojo da qual os cargos de Auditor Fiscal da Previdência Social foram
extintos e transformados em cargos de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil,
transpondo-se para estes os ocupantes daqueles cargos extintos. De acordo com a Súmula nº
685, a passagem dos ocupantes dos cargos assim extintos caracterizaria uma
inconstitucionalidade, em virtude de serem anteriormente ocupantes de cargo de outra
carreira. Contudo, a similitude de atribuições entre ambos caracterizaria a constitucionalidade,
conforme a Ementa do Acórdão da ADIn nº 2.335. Disso resulta, a nosso ver, a necessidade
de revisão da Súmula nº 685, para integrar os dois critérios, a fim de eliminar possíveis
contradições em casos pontuais, pois sendo um enunciado abstrato de ordem geral, deve
incidir harmoniosamente em quaisquer casos concretos.
Ainda a propósito do conceito de carreira, acreditamos que a apreciação da ADIn nº
4.616 ensejará ao STF discutir a possibilidade de criação de carreiras com cargos
comunicáveis entre si, o que remeterá à discussão do princípio constitucional do concurso
público para provimento originário em cargo público em face de outro princípio de matriz
também constitucional, o princípio da eficiência.
Este trabalho foi estruturado na forma de um estudo de caso “teórico”, expresso
mediante a pergunta acerca de se é possível, em conformidade com as disposições
constitucionais, a Administração Pública reestruturar carreiras mediante alterações,
concomitantes ou não, de nomenclatura de cargo, atualização de atribuições e elevação do
grau de escolaridade exigido para investidura no(s) cargo(s) objeto da transformação.
Para tanto, empreendeu-se essa análise escolhendo-se a legislação que reestruturou a
Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, que teve dispositivos questionados pelo
Procurador-Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.616. Analisou-se
a argumentação do Autor da referida ADIn, bem como da Advocacia-Geral da União e o
entendimento jurisprudencial do próprio Supremo Tribunal Federal, tomando-se as decisões
consideradas mais representativas a respeito de reestruturação de carreiras.
Assim, tomou-se como objeto de análise a Súmula nº 685 e as decisões proferidas nas
ADIns nºs. 1.591, 2.713, 2.335 e 3.857. Observou-se que as situações e reestruturações de
carreiras que levaram à edição da Súmula nº 685, assim como a reestruturação da carreira
124
objeto da ADIn nº 3.857, não correspondem às reestruturações de carreiras questionadas nas
ADIns nºs. 1.591, 2.713 e 2.335.
No primeiro caso, em que o STF se pronunciou pela inconstitucionalidade, ocorreu
transposição de servidores de cargos existentes e extintos para cargos novos, todavia de
carreiras completamente distintas daquelas anteriormente ocupadas pelos servidores
transpostos, de atribuições díspares em relação àquelas anteriormente exercidas por estes.
Já no segundo caso, em que o STF se pronunciou pela constitucionalidade dos
dispositivos legais arguidos como inconstitucionais, ocorreu transposição de servidores de
cargos existentes e extintos para cargos novos, de atribuições semelhantes àquelas dos cargos
anteriormente ocupados pelos servidores transpostos.
Finalmente, passou-se para a análise dos dispositivos legais questionados pela
Procuradoria-Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.616,
verificando-se que a reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal
do Brasil, efetuada mediante a legislação combatida, guarda semelhança com o caso já
enfrentado pelo STF quando se debruçou sobre a ADIn nº 2335, diferenciando-se um do outro
pelo fato de que na reestruturação da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil há
uma relação biunívoca entre os cargos envolvidos, ao passo que na reestruturação da Carreira
do Fisco do Estado de Santa Catarina foram extintos quatro cargos e criado um novo cargo,
sendo transpostos para este os ocupantes dos cargos extintos.
Com efeito, em ambos os casos, ocorreu transformação de cargos, alteração de
nomenclatura de cargos, atualização de atribuições dos cargos e, em determinado momento,
houve elevação do nível exigido de escolaridade para investidura em cargos. Assim sendo,
quanto ao conteúdo, existe quase que uma perfeita identidade entre a reestruturação feita na
Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal e aquela feita na Carreira do Fisco do
Estado de Santa Catarina.
Deste modo, à vista de toda a análise empreendida neste trabalho, constatou-se ser
improcedente a arguição de inconstitucionalidade dos dispositivos questionados da legislação
que reestruturou a Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil e acreditamos que o STF
se pronunciará por sua constitucionalidade.
Além disso, acreditamos também que a Corte Constitucional servir-se-á do ensejo
oferecido para a ampla discussão desse tema, inclusive com a participação da Sociedade
Brasileira por meio das três entidades de classe admitidas ao feito na qualidade de “amicus
125
curiae”, para, ao final, fixar os conceitos atinentes à reestruturação de carreiras e estabelecer
parâmetros bem definidos a serem observados pela Administração Pública na implementação
de reestruturações de carreiras.
126
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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