UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS DEPARTAMENTO DE DIREITO LUIS JOACY BARRETO DE MATOS ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEGISLAÇÃO QUESTIONADA PELA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.616 São Cristóvão - SE 2011 LUIS JOACY BARRETO DE MATOS ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEGISLAÇÃO QUESTIONADA PELA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.616 Monografia apresentada ao Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva. Aracaju - SE 2011 LUIS JOACY BARRETO DE MATOS ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEGISLAÇÃO QUESTIONADA PELA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.616 Monografia apresentada ao Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva. Aprovada em 21 de dezembro de 2011. Banca Examinadora: ___________________________________________________________ Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva (UFS) - Orientador ___________________________________________________________ Profª. Drª. Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva (UFS) __________________________________________________________ Vilma Leite Machado Amorim – Procuradora do Trabalho da 20ª Região (membro externo) Dedico aos meus pais, Belaura Barreto de Matos e Mozart Filgueiras de Matos, que me trouxeram à existência, e aos meus avós paternos, Alzira Filgueiras de Matos e Benigno Dantas de Matos, que me criaram e se empenharam em proporcionar todos os meios ao seu alcance para o meu desenvolvimento intelectual. AGRADECIMENTOS Agradeço sinceramente ao meu Orientador, por acreditar em mim e por sua paciência para comigo, um orientando intelectualmente pouco disciplinado. Agradeço especialmente ao meu ex-professor de Direito Constitucional, Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, atualmente Ministro do Supremo Tribunal Federal, por ter enxergado em mim talento para o Direito, o que certamente contribuiu para que eu, uma pessoa de hábitos pouco disciplinados, chegasse ao final deste curso de graduação. Agradeço a ele, sobretudo, pelas suas magníficas aulas, permeadas por sua visão holística e humanitária do Direito e da vida, que tem marcado o seu labor profissional na mais alta Corte do Poder Judiciário brasileiro, dando sua contribuição para concretizar o Estado de Direito Democrático no Brasil, de que é exemplo o seu magnífico voto estendendo às uniões estáveis homoafetivas os mesmos direitos reconhecidos às uniões estáveis heteroafetivas, acompanhado por todos os seus pares, numa decisão unânime e histórica, um marco no âmbito dos Direitos Humanos em nosso País, que o coloca num patamar mais elevado no concerto das Nações. Nunca me esqueci, aliás, de uma frase por ele proferida numa de suas aulas, no segundo semestre letivo do ano 2000, que se revelou profética: “a Constituição Federal de 1988 é uma bomba democrática de efeito retardado”. Agradeço também aos professores Andréa Depieri de Albuquerque Reginato, que ministrou a disciplina Introdução ao Estudo do Direito, e Maurício Gentil Monteiro, que ministrou as disciplinas Fundamentos Históricos do Direito Brasileiro e Sociologia Jurídica, importantes para a formação de uma visão crítica daqueles que se iniciam no estudo do Direito. Agradeço, ainda, a Silvânio de Andrade, meu maior amigo e notável acadêmico da área de Educação Matemática deste País, pelo seu incentivo e apoio para que eu concluísse este Curso de Graduação em Direito. MATOS, Luis Joacy Barreto de. Análise de constitucionalidade da legislação questionada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4.616. UFS. São Cristóvão, 2011. RESUMO Este trabalho objetiva, precipuamente, fazer uma análise de constitucionalidade dos dispositivos legais da legislação mediante a qual foi reestruturada a Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, objeto de questionamento pela Procuradoria Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 4.616, em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF). A escolha desse tema deve-se à sua importância para toda a Administração Pública e os seus servidores. Adotou-se como metodologia o estudo de um caso “teórico”, que consiste na questão de se saber se é constitucionalmente viável reestruturações de carreiras que impliquem, simultaneamente, em alteração de nomenclatura de cargo, atualização de suas atribuições e elevação de grau de escolaridade para investiduras futuras. Far-se-á o desenvolvimento de uma explanação, a partir da discussão de conceitos que serão utilizados como ferramentas de uma análise cruzada de caso, mediante cotejamento com casos similares que foram objeto de outras ADIns, já julgadas. Primeiramente far-se-á uma breve discussão sobre Hermenêutica e controle de constitucionalidade, um panorama sobre a evolução deste no mundo ocidental e no Brasil, com foco no controle abstrato e, mais particularmente, na ADIn. Em seguida, far-se-á uma discussão sobre a organização da Administração Pública, com foco nos conceitos de cargo público, carreira e provimento de cargo, tanto sob a ótica doutrinária como positivada. Finalmente, far-se-á a análise de constitucionalidade dos dispositivos legais questionados na ADIn 4.616, trazendo à colação os argumentos em favor e contra a tese da alegada inconstitucionalidade e o entendimento da Corte Constitucional a respeito da matéria nela tratada, expresso na sua jurisprudência, especificamente na Súmula nº 685, assim como nos julgados das ADIns 1.591/RS, 2.713/DF e 2.335/SC, nas quais o STF enfrentou questões semelhantes, manifestando-se pela constitucionalidade. Também será analisada a recente ADIn 3.857/CE, em que o STF se manifestou pela inconstitucionalidade da reestruturação da carreira do fisco do Estado do Ceará. A nossa análise dessa jurisprudência objetiva demonstrar a improcedência da alegação de inconstitucionalidade dos dispositivos legais atacados pela Procuradoria-Geral da República no caso concreto. Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Constitucionalidade. Provimento de cargo público. Administrativo. Controle de MATOS, Luis Joacy Barreto de. Analysis of the constitutionality of the legislation challenged by the Direct Action of Unconstitutionality n. 4616. UFS: São Cristóvão, 2011. ABSTRACT This paper aims, in essence, to analyze the constitutionality of the legal provisions of the legislation which restructured the Federal Revenue Tax Auditing Career in Brazil, subjected to investigation by the Attorney General's Office in the Direct Action of Unconstitutionality (ADIn) number 4616, which is currently in progress in the Supreme Federal Court. This theme was chosen due to its importance for both the public administration and the civil servants at the federal, state and municipal levels. The adopted methodology was the study of a "theoretical" case, which bears the question of knowing the constitutional viability of restructuring careers that involve, simultaneously, change in job classification, further duties and a higher level of education for future endowments. There will be the development of an explanation, from the discussion of concepts that will be used as tools in a cross-case analysis, by mutual comparison with similar cases that were subject to other ADIns already tried and sentenced. First there will be a brief discussion of Hermeneutics and Constitutionality Control, an overview of its evolution in the western world and in Brazil, focusing on abstract control and, more particularly, on the ADIn. Then there will be a discussion about the organization of the Public Administration, focusing on the concepts of public office, career and job provision, both from the doctrinal and positive perspectives. Finally, there will be an analysis of the constitutionality of legal provisions questioned by the ADIn 4616, bringing to the fore the arguments for and against the thesis of the alleged unconstitutionality and the understanding of the Constitutional Court on its matter, expressed in its jurisprudence, specifically in Precedent No. 685, as well as in the case records of ADINs 1.591/RS, and 2.713/DF 2.335/SC, in which the Supreme Court faced similar issues, voting for the constitutionality. It also will be analyzed the recent ADIn 3.857/CE in which the Supreme Court expressed itself for the unconstitutionality of the restructuring of the tax auditing career of the State of Ceará. Our analysis of this jurisprudence aims to demonstrate the unfoundedness of the allegation of unconstitutionality of the legal provisions attacked by the Attorney General's Office in the concrete case. Keywords: Constitutional Law. Administrative Law. Constitutionality Control. Provision for public office. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO, 8 2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, 12 3. 2.1 Controle concentrado de constitucionalidade, 21 2.2 Ação direta de inconstitucionalidade, 30 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 44 3.1 Conceito de cargo público e de carreira, 53 3.2 Disposições constitucionais e entendimentos doutrinários e jurisprudenciais quanto à investidura em cargo público efetivo, 59 3.3 A Carreira de Auditoria e a reestruturação da Secretaria da Receita Federal do Brasil, 79 4. A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 4.616, 82 4.1 Fundamentos da alegação de inconstitucionalidade de dispositivos legais da reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, 84 4.2 Argumentos da Advocacia-Geral da União em favor da constitucionalidade da reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, 108 4.3 Decisões do Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade de legislações de reestruturação de carreiras questionadas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs. 1.591/RS, 2.713/DF e 2.335/SC, 114 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS, 120 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 126 8 1. INTRODUÇÃO Neste trabalho se objetiva fazer uma análise da constitucionalidade dos dispositivos legais questionados pelo Procurador-Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 4.616, concernentes à reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, mais particularmente das alterações implementadas nos cargos de Técnico do Tesouro Nacional e Técnico da Receita Federal. Tal tema foi escolhido em função da grande relevância das reestruturações de carreiras para a Administração Pública do Brasil e os seus servidores no momento contemporâneo, que faz ressair a importância de que se reveste o julgamento da citada ADIn, pois diversos aspectos envolvendo essa questão certamente serão objeto de apreciação e de aprofundadas discussões na Suprema Corte brasileira, inclusive com a participação de segmentos da sociedade organizada que foram admitidos ao feito na qualidade de “amicus curiae”, tendo sido admitidas três entidades como tais. Daí se espera que surja uma decisão balizadora para a Administração Pública, que dissipe ambiguidades e estabeleça conceitos com clareza. Com o advento do Estado Social e a revolução tecnológica que se processou em todo o mundo a partir da segunda metade do século XX, notadamente no último quarto daquele século, cresceram as demandas sociais por serviços públicos, pois a figura do Estado adquiriu mais proeminência nesse novo contexto econômico, social, tecnológico e político. Assim, o ritmo das transformações sociais se intensificou como jamais ocorreu na história conhecida da humanidade. Tais mutações sociais, com suas vertentes econômicas, tecnológicas, sociológicas e políticas, necessariamente condicionaram o Direito, exigindo que ele refletisse as demandas da sociedade, que reclama permanentemente por serviços cada vez mais abrangentes e qualificados da máquina que ela própria, sociedade, custeia. Deste modo, assume grande relevo a discussão acerca da instrumentalidade e funcionalidade da máquina pública, pois esta precisa de práticas eficientes e meios eficazes, a fim de atingir a efetividade tão desejada e exigida, da qual tanto necessita a sociedade, que, afirmamos uma vez mais, custeia essa máquina e merece como contrapartida nada menos que serviços que correspondam ao esforço coletivo para a implantação de tal máquina e sua manutenção. Neste trabalho, tratar-se-á da análise de constitucionalidade de toda a legislação envolvida no processo de reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, a partir da arguição de inconstitucionalidade da Procuradoria-Geral da 9 República de determinados dispositivos dessa legislação e dos fundamentos de sua argumentação, da manifestação da Advocacia-Geral da União e dos seus argumentos a esse respeito e, finalmente, da jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que já se debruça sobre o caso em tela. Assim, a questão que se propõe aqui levantar e discutir com o intuito de encontrar-se uma resposta razoável e plausível pode se consubstanciar na seguinte pergunta: podem estar conformes à Constituição Federal reestruturações de carreiras da Administração Pública mediante transformação de cargos públicos efetivos, envolvendo extinção de cargos existentes, criação de cargos novos correlatos, alteração de nomenclatura, atualização de atribuições e, inclusive, elevação do grau de escolaridade exigido para investidura nos cargos assim transformados? Para levar a termo tal intento, adotou-se o instrumento metodológico que consiste no desenvolvimento de uma explanação baseada em análise cruzada de um caso “teórico”, tal qual definido por Yin (2005, p. 151), a partir dos dados obtidos de decisões já prolatadas em sede de controle concentrado de constitucionalidade em relação à matéria objeto deste estudo. O caso “teórico” aqui se expressa precisamente na pergunta anteriormente formulada, que conduzirá a investigação em busca de ao menos uma resposta minimamente consistente. O trabalho está dividido em três capítulos, sendo os dois primeiros destinados à discussão de conceitos afetos ao questionamento formulado na ADIn 4.616, com o objetivo de fornecer as ferramentas de trabalho para utilização no terceiro capítulo, em cujo âmbito se fará a análise do tema de forma mais aprofundada. Assim, no primeiro capítulo será feita uma discussão sobre a questão da interpretação da norma jurídica, particularmente da norma de matriz constitucional. Inicialmente, far-se-á uma discussão sobre Hermenêutica de um modo geral, com ênfase na Hermenêutica Jurídica. Segue-se a isso a discussão do controle de constitucionalidade e, mais especificamente, sobre controle concentrado de constitucionalidade, fazendo-se também uma pequena incursão pela história do controle de constitucionalidade em alguns países ocidentais e no Brasil. Finalmente, aborda-se mais detalhadamente o instrumento de controle abstrato de constitucionalidade que interessa a este trabalho, a ação direta de inconstitucionalidade. No segundo capítulo, aborda-se a organização da Administração Pública, com ênfase na discussão dos conceitos mais pertinentes ao presente trabalho, quais sejam cargo público, carreira e provimento de cargo público. No âmbito da discussão desses conceitos, aqui 10 também já se inicia a análise de constitucionalidade que se aprofundará no terceiro capítulo. Finaliza-se este capítulo com o relato da história da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil. No terceiro e último capítulo, adentra-se no cerne deste trabalho. Procede-se, em primeiro lugar, à análise dos fundamentos da arguição de inconstitucionalidade dos dispositivos legais questionados na ADIn nº 4.616. Em seguida, faz-se a análise da manifestação da Advocacia-Geral da União em defesa da constitucionalidade dos aspectos da reestruturação combatidos pela Procuradoria-Geral da República. Finalmente, debruça-se sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que se considera relevante em relação à matéria tratada, para dela se extrair o seu sentido e alcance, fazendo-se um cotejamento com a situação submetida à análise do Colendo Tribunal no caso concreto. Com relação a esse procedimento da última parte do terceiro capítulo, entende-se como jurisprudência relevante a Súmula nº 685 e as decisões proferidas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs. 1.591, 2.713, 2.335 e 3.857. Assim, a Súmula nº 685 é importante porque se trata de uma indicação do entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito da matéria de que tratavam as ações intentadas, cujas decisões proferidas no mesmo sentido declararam a inconstitucionalidade das situações nelas retratadas. As decisões proferidas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs. 1.591, 2.713 e 2.335 são relevantes porque nelas se declarou a constitucionalidade das situações nelas retratadas, e, mais que isso, são situações assemelhadas ou muito assemelhadas com a situação objeto da ADIn nº 4.616. Além disso, são julgados mais recentes, sendo que a decisão proferida no julgamento da ADIn nº 2.335 é a mais recente no sentido da declaração da constitucionalidade e que invoca as decisões proferidas nas ADIns nºs. 1.591 e 2.713. Dentre essas três decisões citadas, consideramos paradigma aquela referente à ADIn nº 2.335 para as reestruturações de carreiras mediante extinção de cargos existentes, criação de cargos novos e transposição dos ocupantes dos cargos extintos para os cargos novos, pois dois dos cargos envolvidos eram originariamente de nível médio e já houvera elevação do nível de escolaridade para investidura nesses cargos muito antes da reestruturação, situação que abarca, portanto, o caso do cargo de Técnico do Tesouro Nacional, que era de nível médio e também teve elevado o nível de escolaridade exigido para investidura, quando passou a se chamar Técnico da Receita Federal. 11 A decisão proferida na ADIn nº 3.857 é importante porque se trata de reestruturação de carreira, é a mais recente, de 2008, e porque o Supremo Tribunal Federal manifestou-se pela inconstitucionalidade. Assim, tal decisão é importante para se cotejar a situação nela retratada com aquela que foi objeto da ADIn nº 2.335, que teve decisão em sentido inverso, bem como com aquelas que suscitaram a edição da Súmula nº 685. Seguindo essa abordagem metodológica, consegue-se demonstrar que não incide inconstitucionalidade na alteração da nomenclatura do cargo de Técnico do Tesouro Nacional para Técnico da Receita Federal, com a simultânea formalização e atualização de atribuições, elevação do nível de escolaridade de médio para superior para investidura no cargo e a transposição dos ocupantes do cargo de Técnico do Tesouro Nacional para o de Técnico da Receita Federal e que não incide tampouco inconstitucionalidade na transformação do cargo de Técnico da Receita Federal, de nível superior, para Analista Tributário da Receita Federal, também de nível superior, com nova formalização das atribuições do cargo e a passagem dos ocupantes do cargo de Técnico da Receita Federal para o de Analista Tributário da Receita Federal do Brasil. Buscando alcançar o resultado mencionado no parágrafo anterior, este trabalho também consegue ir além, propiciando contribuições e subsídios para a discussão do tema tratado. Uma das conclusões mais importantes a que se chegou é que, na hipótese do STF manter seu entendimento exarado na ementa da ADIn 2.335, a Súmula nº 685 carece de atualização, para nela incluir os dois elementos que, no entendimento do STF, caracterizam a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de reestruturações de carreiras, conforme o caso: I – as carreiras distintas a que pertencia o cargo anteriormente existente e extinto e aquela a que pertence o cargo novo para o qual foram transpostos os ocupantes do cargo extinto, que caracteriza a inconstitucionalidade da reestruturação da carreira (Súmula nº 685); II - a similitude de atribuições entre o cargo anteriormente existente e extinto e aquelas do cargo novo para o qual foram transpostos os ocupantes do cargo extinto, que caracteriza a constitucionalidade da reestruturação da carreira (ementa do acórdão da ADIn nº 2.335). A reunião desses dois elementos numa mesma súmula nos parece imprescindível, pois com a redação atual da Súmula nº 685, em certos casos a literalidade do seu texto colide com o entendimento exarado na ementa do acórdão da ADIn nº 2.335, que, inclusive, é posterior à referida Súmula, criando uma aparente contradição jurisprudencial, como se demonstra neste trabalho. 12 2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Neste capítulo, far-se-á uma breve discussão sobre Hermenêutica e suas implicações no âmbito da interpretação do texto jurídico, particularmente na seara do Controle de Constitucionalidade. Far-se-á um breve panorama do histórico do controle de constitucionalidade no mundo ocidental e no Brasil. Em seguida, adentrar-se-á no controle concentrado de constitucionalidade de forma mais detalhada e, por fim, na ação de controle abstrato de constitucionalidade que interessa a este trabalho, a ação direta de constitucionalidade. A necessidade de interpretação do texto no qual está contida a norma jurídica decorre do traço inerente da linguagem: a equivocidade, que decorre da possibilidade de pluralidade de significados. De acordo com Ferraz Júnior (1994, p. 255): Ao disciplinar a conduta humana, as normas jurídicas usam palavras, signos linguísticos que devem expressar o sentido daquilo que deve ser. Este uso oscila entre o aspecto onomasiológico da palavra, isto é, o uso corrente para a designação de um fato, e o aspecto semasiológico, isto é, a sua significação normativa. Os dois aspectos podem coincidir, mas nem sempre isto ocorre. O legislador, nestes termos, usa vocábulos que tira da linguagem cotidiana, mas frequentemente lhes atribui um sentido técnico, apropriado à obtenção da disciplina desejada. Este sentido técnico não é absolutamente independente, mas está ligado de algum modo ao sentido comum, sendo por isso, passível de dúvidas que emergem da tensão entre ambos. Prossegue mais adiante o referido autor (1994, p. 256): A determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista decidibilidade de conflitos constitui a tarefa da dogmática hermenêutica. Trata-se de uma finalidade prática, no que se distingue de objetivos semelhantes das demais ciências humanas. Na verdade, o propósito básico do jurista não é simplesmente compreender um texto, como faz, por exemplo, o historiador ao estabelecer-lhe o sentido e o movimento no seu contexto, mas também determinar-lhe a força e o alcance, pondo o texto normativo em presença dos dados atuais de um problema. Diante desse traço peculiar da linguagem, que se expressa por signos, o mencionado autor cita Hans Kelsen para ponderar que um autor do porte dele, que se empenhou em conferir à dogmática jurídica uma estatura reconhecidamente científica, questionou se seria factível chegar-se a uma teoria científica da hermenêutica jurídica, que permitisse falar-se da verdade de uma interpretação, em oposição à falsidade. Assim, quando realiza o ato interpretativo do conteúdo da norma, o órgão intérprete define-lhe o sentido e, segundo Kelsen, essa interpretação é fruto de um ato volitivo e sua força vinculante repousa tão somente na competência do órgão, por exemplo, o juiz. Kelsen reconhece que tais atos de vontade se baseiam em atos cognitivos, os conhecimentos doutrinários do juiz, por exemplo, 13 todavia se houver um descompasso entre ambos, o ato de vontade prevalecerá sobre o de conhecimento. Ferraz Júnior (1994, p. 262) afirma que, de acordo com Kelsen, os conteúdos normativos, objetivo de uma interpretação doutrinária, são, por sua natureza linguística, plurívocos, o que exige uma vontade competente para que se fixe um sentido dentre os possíveis. E indaga: “O que ocorre, então, quando a interpretação é mero ato de conhecimento? Não seria possível descobrir-lhe um fundamento, por exemplo, a verdade, que lhe permitisse adquirir a qualidade de obter aquela aceitação geral?” Mais uma vez ele cita Kelsen e afirma que para este tal hipótese é irrealizável, porque, se fosse admitida, estar-se-ia criando a ficção da univocidade das palavras da norma, afirmando ainda que para o renomado jurista vienense o papel da ciência jurídica é o de conhecer o direito, descrevendo-o com rigor, o que exige método e obediência a cânones formais e materiais. Deste modo, cabe à ciência jurídica descrever o objeto da hermenêutica, ou seja, as múltiplas possibilidades dos conteúdos normativos postas pela vontade do legislador, e querer ir além dessa demonstração, valendo-se de artifícios ditos metódicos, é falsear o resultado e ultrapassar as fronteiras da ciência. A desistência de Kelsen de buscar uma teoria para a hermenêutica jurídica com o objetivo de encontrar um sentido unívoco e inequívoco para o conteúdo da norma jurídica, fundamentada no argumento de que o ato interpretativo é, antes de tudo, um ato de vontade, revela a natureza mesma do Direito, ou seja, aquilo a que se chama de conteúdo jurídico nada mais é que a expressão daquilo a que se denomina de conteúdo político, manifesto no ordenamento jurídico positivado. Isso remete a uma velha discussão no âmbito do Direito, inclusive do Direito Constitucional: a dicotomia entre político e jurídico. No controle de constitucionalidade, tal dicotomia se expressa na contraposição clássica entre controle formal e controle material, o primeiro considerado jurídico, o segundo considerado político, concepção essa herdada da ideologia do Estado Liberal, que surgiu no rastro do movimento cultural iluminista e com a revolução econômica burguesa, sucedendo o Estado Absolutista Feudal. A partir de então, a recém-emancipada burguesia fez prevalecer os seus interesses e valores, estabelecendo os direitos fundamentais do indivíduo como proteção deste contra o arbítrio do Estado, dando especial relevo a eles, e implementando os instrumentos necessários ao exercício desses direitos, a exemplo do controle de constitucionalidade por via de exceção implantado nos 14 Estados Unidos da América, acionado unicamente a partir de ações judiciais envolvendo casos concretos de violação direta ou reflexa de direitos constitucionais encaminhadas à apreciação da Suprema Corte daquele País. Essa falsa dicotomia entre político e jurídico ou entre Política e Direito já havia sido percebida por Karl Marx em artigo que publicou no ano de 1842, citado no ensaio de Willis Guerra Filho (A Contribuição de Marx para o Direito, 1993), assim como num capítulo de obra do historiador francês Pierre Vilar traduzido pela historiadora Ilka Stern Cohen, da PUCSP (História do Direito, História Total, 2006). Formado em Filosofia e Direito, Marx criticou em tal artigo uma lei editada pelo então Ministro para Legislação da Prússia, que era ninguém menos que Friedrich Carl Von Savigny, seu ex-professor e expoente da Escola Historicista do Direito. Enquanto teórico dessa Escola, Savigny defendia a aplicação do direito consuetudinário, propugnava que o Direito deveria levar em conta, primeiramente, o chamado espírito do povo, e condenava a letra fria da lei em desconformidade com os costumes, nos quais a Escola Historicista enxergava uma sabedoria popular que não poderia ser desprezada pelos legisladores positivos. Contudo, ao tornar-se Ministro do Governo, Savigny, que era fazendeiro, editou uma lei que criminalizava a coleta de galhos caídos de árvores, equiparando-a a roubo de lenha. Os camponeses coletavam, por gerações a fio, os galhos de árvores caídos para poderem se aquecer durante o rigoroso inverno daquela região; isso era um costume arraigado naquela sociedade e sempre fora tolerado. Contudo, a partir de então, tal prática tornou-se subitamente ilegal, ameaçando a sobrevivência dos camponeses que dela dependiam. Além disso, a lei previa a alternativa de conversão da pena de trabalhos forçados em multa e esta deveria reverter em favor do suposto ofendido e não do Estado. Marx assinala que, em primeiro lugar, essa lei revela desproporcionalidade na proteção dos bens jurídicos envolvidos, pois coloca o direito de propriedade num patamar superior ao direito de sobrevivência do ser humano, ou seja, a propriedade acima da vida. Em segundo lugar, a lei revela seu espírito patrimonialista, pois a pena, que incidia sobre o imputado, migra para o âmbito das relações privadas ao prever a alternativa de sua conversão em multa e esta, por seu turno, revertia em favor de um particular e não em favor dos cofres públicos. Em terceiro lugar, numa análise estritamente jurídica, em que critica seu ex-mestre, ele mostra que a lei configura uma incoerência em relação à pessoa do Ministro, pois este era expoente da Escola Histórica do Direito, que preconizava a prevalência do direito consuetudinário, a qual clamava para que os legisladores auscultassem o espírito do povo. 15 Com isso, Marx conclui que esse episódio mostra o caráter classista do Direito, ou seja, que este é tão somente a expressão dos interesses da classe dominante, que tem força para impor a sua vontade política. Assim, ele se desinteressa pelo Direito e vai se dedicar aos estudos de Economia Política, que é para ele o campo no qual onde se desenrolam os conflitos sociais relevantes que condicionam toda a superestrutura sócio-econômica da qual o Direito é apenas um elemento. Não se deve esquecer também que esse cenário visto por Marx correspondia ao Estado Liberal nos primórdios do capitalismo industrial, marcado pela brutal exploração da força de trabalho, em que um dos traços distintivos foi a política de dificultar a permanência dos camponeses na zona rural para que estes migrassem para as cidades, a fim de suprirem a necessidade de mão-de-obra das fábricas emergentes (na Inglaterra, já vinham ocorrendo os chamados cercamentos das áreas rurais com a finalidade de expulsar os camponeses para as cidades com o intuito de fornecer mão-de-obra para as fábricas). Assim, é possível que a lei comentada por ele também tivesse a finalidade de forçar os camponeses a deixarem a zona rural e migrarem para as cidades, o que igualmente corroboraria a análise feita por ele, ou seja, uma lei editada para atender os interesses classistas da nascente burguesia industrial. Esse breve panorama histórico serve para mostrar que o elemento político é parte intrínseca do elemento jurídico e o próprio Kelsen também corrobora esse entendimento ao afirmar que a escolha de um sentido dentre vários possíveis no texto de uma norma jurídica evidencia um ato volitivo e não propriamente cognitivo ou científico, o que significa um ato essencialmente político. Ademais, vale frisar que as leis são produzidas por um órgão político, o Parlamento, que integra a estrutura política do Estado, e expressam a vontade política das forças prevalecentes nele representadas. As normas constitucionais são de natureza política por excelência, tendo em vista que regem a estrutura fundamental do Estado, atribuem competências aos poderes, dispõem sobre os direitos humanos fundamentais, fixam o comportamento dos órgãos estatais e servem, finalmente, para balizar a atuação dos governos, já que estes não podem ignorá-las no exercício de suas atribuições. Conforme Bonavides (2010, p. 296), nos países de constituições formais e rígidas, como o Brasil, há uma distinção primordial entre o poder constituinte e os poderes constituídos, do que resulta a superioridade das normas constitucionais, produzidas pelo poder constituinte, sobre a legislação infraconstitucional, obra do poder constituído, configurando 16 um sistema hierarquizado de normas, cujo fundamento de validade é a norma de hierarquia imediatamente superior, tal qual concebido por Kelsen. A interpretação constitucional se prende, sobretudo, a tais ordenamentos estatais. Assim, quanto mais rígida a Constituição, mais avulta a importância da interpretação, mais flexíveis e maleáveis devem ser os métodos interpretativos, de modo que seja possível fazer uma adequação do estatuto básico às necessidades do meio político e social, pois do contrário adviria uma rápida acumulação de elementos configuradores de crise, que pode levar a uma ruptura da ordem constitucional, seja pela via do golpe de Estado, com o estabelecimento de uma nova Assembléia Constituinte e a produção de uma nova ordem constitucional, seja pela via do processo revolucionário, que também implicará na produção de outra ordem constitucional sob inspiração de outro tipo de ideologia política. Assim, confrontada com a necessidade de renovação, a ordem constitucional pode perfeitamente atender essa necessidade por três caminhos usuais: o estabelecimento de uma nova Constituição, a revisão formal do texto vigente e os recursos aos meios interpretativos. Trilhando-se este último, podem ser obtidos expressivos resultados de alteração de sentido das normas constitucionais sem que se faça necessária a modificação do seu texto formal. O ponto sensível nesse processo interpretativo diz respeito à questão de como deve ser exercitado o controle de constitucionalidade, instrumento necessário para fazer valer as disposições constitucionais, sem comprometer o princípio da separação dos poderes estatais. A dificuldade que surge diz respeito ao órgão que deve ser incumbido de fazer esse controle, o qual pode ser visto como privilegiado e causar um desequilíbrio entre os poderes estatais, sacrificando o princípio da separação dos poderes: deve ser um órgão jurisdicional ou um órgão político? A França adotou o controle político logo nos primeiros anos que se seguiram à Revolução Francesa e ele foi mal sucedido, tendo uma existência efêmera e sendo servil ao Chefe do Poder Executivo. Outras tentativas mal sucedidas na França foram feitas em 1852 e 1946. Somente em 1958 ocorreu a primeira tentativa bem sucedida de tal controle, com a instituição do Conselho Constitucional, órgão que não pertence a nenhum dos três poderes e que se mantém até os dias de hoje, sendo suas decisões vinculantes para todos os poderes. Os Estados Unidos da América adotaram o controle jurisdicional e conheceram um período de desequilíbrio entre os poderes estatais, no qual a Suprema Corte foi alvo de muitas críticas, pois esta se converteu numa espécie de poder acima dos demais e entravava os 17 avanços sociais naquele País por conta de um perfil extremamente conservador dos seus membros, os quais procuravam manter estática a estrutura do Estado Liberal visando à sua permanência e solidez. Em razão disso, aquela Corte adotava uma interpretação particularmente hostil da legislação trabalhista e da intervenção estatal. Esse período durou de 1880 a 1936 e ficou conhecido como governo dos juízes, dada a ascendência da Suprema Corte frente aos demais poderes, sendo vista como uma espécie de Constituinte em sessão permanente, dada à amplitude com que interpretava a Constituição, sempre contrária às leis. Uma terceira Casa do Congresso, nas palavras de Harold J. Laski, citado por Bonavides em nota de rodapé (2010, p. 313). Esse desequilíbrio foi posteriormente corrigido naquele País, a partir da política do New Deal do presidente Franklin Roosevelt, com a pressão feita por este sobre ela, com o apoio da opinião pública. Também contribuiu para o arejamento da Suprema Corte a renovação dos seus membros, que antes, em regra, somente se “aposentavam” com a morte. O controle jurisdicional foi igualmente adotado pelo Brasil a partir da Constituição de 1891. Na Constituição Imperial de 1824 não havia controle de constitucionalidade jurisdicional, havia somente um tímido dispositivo constitucional que previa um controle político de constitucionalidade pelo Parlamento do Império, que mais soava como uma mera declaração formal estéril: “Art. 173. A Assembléa Geral no principio das suas Sessões examinará, se a Constituição Politica do Estado tem sido exactamente observada, para prover, como fôr justo”. Também deve ser frisado que a Constituição Imperial, embora formal, era flexível. Somente as partes que dispunham sobre os direitos individuais e a organização do Estado eram definidas pelo próprio texto constitucional como matéria constitucional. A matéria restante da Constituição era considerada matéria de natureza ordinária e estava sujeita aos mesmos ritos da legislação ordinária. O controle de constitucionalidade introduzido no Brasil pela Constituição de 1891, sob a égide do jurista Ruy Barbosa, inspirado no sistema estadunidense, contemplava apenas a modalidade pela via de exceção ou incidental, ou seja, mediante casos concretos, e assim mesmo somente se admitia tal controle com relação à violação de direitos individuais. Mais adiante, Ruy Barbosa passou a admitir que lides de caráter político também fossem objeto de controle de constitucionalidade, desde que envolvessem em seu bojo a violação de direitos individuais. Ele era visceralmente contrário ao controle de constitucionalidade por via de ação, por ser este de natureza política, já que envolveria os poderes estatais. Assim, admitia 18 somente o controle constitucional por via de exceção por ser este considerado tipicamente judicial. Ele argumentava que a cassação de atos do Poder Executivo ou do Legislativo pelo Poder Judiciário conferiria a este uma autoridade soberana para cassar os atos daqueles e criaria uma cizânia entre os poderes da União, comprometendo a estabilidade política do País. O advento da Constituição de 1934 traz um marco importante na lenta marcha do País rumo ao controle de constitucionalidade por via de ação. O marco inovador consiste no parágrafo segundo do art. 12, que previa como requisito de validade para intervenção da União em Estado-Membro, por inobservância de determinados princípios constitucionais, a provocação da Corte Suprema pelo Procurador-Geral da República para que aquela tomasse conhecimento da lei federal que houvesse decretado a intervenção, condicionada, ainda, à declaração de sua constitucionalidade: Art 12 - A União não intervirá em negócios peculiares aos Estados, salvo: I - para manter a integridade nacional; II - para repelir invasão estrangeira, ou de um Estado em outro; III - para pôr termo à guerra civil; IV - para garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes Públicos estaduais; V - para assegurar a observância dos princípios constitucionais especificados nas letras a a h , do art. 7º, nº I, e a execução das leis federais; VI - para reorganizar as finanças do Estado que, sem motivo de força maior, suspender, por mais de dois anos consecutivos, o serviço da sua dívida fundada; VII - para a execução de ordens e decisões dos Juízes e Tribunais federais. § 1º - Na hipótese do nº VI, assim como para assegurar a observância dos princípios constitucionais (art. 7º, nº I), a intervenção será decretada por lei federal, que lhe fixará a amplitude e a duração, prorrogável por nova lei. A Câmara dos Deputados poderá eleger o Interventor, ou autorizar o Presidente da República a nomeá-lo. § 2º - Ocorrendo o primeiro caso do nº V, a intervenção só se efetuará depois que a Corte Suprema, mediante provocação do Procurador-Geral da República, tomar conhecimento da lei que a tenha decretado e lhe declarar a constitucionalidade. Digna de nota, segundo Bonavides (2010, p. 328) é a engenhosidade do artifício de que se valeu o constituinte pátrio para introduzir esse germe do controle de constitucionalidade por via de ação no ordenamento jurídico brasileiro: com o objetivo de salvaguardar o princípio da separação dos poderes, a declaração de inconstitucionalidade pronunciada pela Corte Suprema não acarretava anulação da lei eivada de vício, mas a 19 suspensão desta do ordenamento jurídico. Todavia, o resultado prático era exatamente o mesmo da anulação. Com efeito, a lei inquinada do vício de inconstitucionalidade pronunciada pela Corte Constitucional permaneceria no ordenamento jurídico, porém com sua execução suspensa. Com esse artifício, objetivou-se evitar a ocorrência daquilo que Ruy Barbosa temia com a instituição do controle direto de constitucionalidade, isto é, o melindre entre os poderes estatais e a conseqüente desavença entre eles. A esse respeito, dispõe a Constituição de 1934: Art 91 - Compete ao Senado Federal: [...] IV - suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário; [...] Art 96 - Quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental, o Procurador Geral da República comunicará a decisão ao Senado Federal para os fins do art. 91, nº IV, e bem assim à autoridade legislativa ou executiva, de que tenha emanado a lei ou o ato. A Constituição de 1946 retoma o caminho da semente de um controle por via de ação iniciado com a Constituição de 1934, porém interrompido pela Constituição de 1937, e introduz uma nova alteração para a decretação de intervenção da União em Estado-Membro por conta de lesão a princípios constitucionais. Desta feita, para que a intervenção fosse decretada, era necessária a provocação prévia do Procurador-Geral da República submetendo ao Supremo Tribunal Federal o ato argüido de inconstitucionalidade, e que esta fosse por ele declarada: Art 7º - O Governo federal não intervirá nos Estados salvo para: I - manter a integridade nacional; II - repelir invasão estrangeira ou a de um Estado em outro; III - pôr termo a guerra civil; IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes estaduais; V - assegurar a execução de ordem ou decisão judiciária; VI - reorganizar as finanças do Estado que, sem motivo de força maior, suspender, por mais de dois anos consecutivos, o serviço da sua dívida externa fundada; VII - assegurar a observância dos seguintes princípios: 20 a) forma republicana representativa; b) independência e harmonia dos Poderes; c) temporariedade das funções eletivas, limitada a duração destas à das funções federais correspondentes; d) proibição da reeleição de Governadores e Prefeitos, para o período imediato;' e) autonomia municipal; f) prestação de contas da Administração; g) garantias do Poder Judiciário. Art 8º - A intervenção será decretada por lei federal nos casos dos nº s VI e VII do artigo anterior. Parágrafo único - No caso do nº VII, o ato arguido de inconstitucionalidade será submetido pelo Procurador-Geral da República ao exame do Supremo Tribunal Federal, e, se este a declarar, será decretada a intervenção. Todavia, conforme discorre Bonavides (2010, p. 330), o alargamento do âmbito material do controle constitucional por via de ação só ocorreu com a mudança introduzida pela Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1965, que deu nova redação à alínea k do art. 101, inciso I, da Constituição de 1946. Desde então, atribuiu-se à mais alta Corte do Brasil a competência para processar e julgar originariamente representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República. Tal instituto de controle foi preservado pela Constituição de 1967 e pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Interessante episódio é citado por Bonavides (2010, p. 331), envolvendo o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Esse partido ajuizou uma Reclamação, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), contra o Procurador-Geral da República por este ter mandado arquivar uma representação que lhe fora dirigida pela referida organização partidária arguindo a inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 1.077, de 26 de janeiro de 1970, que estabelecera a censura prévia na divulgação de livros e periódicos, sendo julgada improcedente pela Corte Constitucional. Essa decisão do Supremo Tribunal se escorou no entendimento de que a titularidade da representação é exclusiva do Procurador-Geral da República, conforme a dicção do texto constitucional então vigente, cabendo a este decidir quais casos deveria encaminhar à Corte Constitucional, pois se fosse obrigado a encaminhar quaisquer representações que lhe fossem dirigidas, já não seria titular exclusivo daquela competência, 21 ficando rebaixado a mero mensageiro ou intermediário doutra fonte primária e paralela, que seria, então, qualquer interessado. Tal controvérsia só foi solucionada com o advento da Constituição de 1988. Com efeito, esta, em seu art. 103, dispõe que, além do Procurador-Geral da República, são legitimados para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa, o Governador de Estado, o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. 2.1 CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE O controle concentrado de constitucionalidade por via de ação e por órgão jurisdicional é de matriz européia. Em alguns países europeus, adotou-se o controle por órgão jurisdicional ordinário, em outros, órgão jurisdicional especializado. Como exemplo do primeiro tipo, Bonavides (2010, p. 309) cita a Suíça. Como exemplo do segundo tipo, cita a Áustria, a Alemanha, a Itália, a Espanha e Portugal. No primeiro caso, o controle é realizado por um órgão jurisdicional ordinário, a Suprema Corte, que aprecia os casos de inconstitucionalidade das leis produzidas pelas assembléias cantonais, sendo qualquer cidadão legitimado para fazer uso dele; todavia, tal controle não alcança as leis federais daquele País. A Áustria também era exemplo dessa modalidade de controle jurisdicional por via de ação até 1920; até então, o controle também ficava a cargo da Suprema Corte do País e apenas o Governo Federal possuía legitimidade para lançar mão dele. Com relação à segunda modalidade, a própria Áustria passou a ser um exemplo dele após a positivação do Tribunal Constitucional na Constituição austríaca em 1º de outubro de 1920, inovação legislativa naquele País inspirada em Hans Kelsen, que defendia a idéia de um órgão que enfeixasse toda a competência para decidir matéria de constitucionalidade. No entanto, somente com a reforma constitucional de 1929 alargou-se a legitimação para suscitar a controvérsia sobre constitucionalidade, estendendo-a aos órgãos jurisdicionais ordinários; contudo, estes só poderiam fazê-lo por meio da via de exceção. Cappelletti (1972 apud BONAVIDES, 2010, p. 310) afirma que tal característica fez com que o sistema de controle constitucional austríaco assumisse uma feição híbrida, em razão da coexistência de uma via de exceção.com a via de ação. 22 Já no caso alemão, seu sistema de controle concentrado de constitucionalidade por órgão jurisdicional especializado foi introduzido em 23 de maio de 1949, centralizado no Tribunal Constitucional Karlsruhe, composto de duas câmaras, cada uma delas formada por doze juízes. Uma cuida das demandas impetradas por particulares e a outra, de questões relacionadas com a salvaguarda do sistema federativo. Suas decisões têm força de lei e os textos legais que não forem anulados recebem uma interpretação conforme à Constituição. A exemplo do sistema austríaco, no qual órgãos jurisdicionais ordinários podem suscitar controvérsia constitucional pela via de exceção, no sistema alemão os juízes ordinários podem submeter matéria de constitucionalidade ao Tribunal Constitucional também pela via de exceção, o que o faz assemelhar-se ao sistema austríaco, pois em ambos coexistem as duas formas de controle constitucional, a de ação e a de exceção, conquanto no sistema alemão haja preponderância do controle pela via de ação. Também merece uma breve menção o sistema de controle constitucional italiano. A Corte Constitucional da Itália foi instalada em 23 de abril de 1965. A peculiaridade desse sistema de controle constitucional é que o citado órgão de controle constitucional concentrado não integra o Poder Judiciário, ao contrário do Tribunal Constitucional alemão, que integra o Poder Judiciário daquele País por expressa disposição constitucional. O referido tribunal italiano é composto por 15 juízes, sendo cinco escolhidos pelo Poder Judiciário, cinco pelo Presidente da República e cinco pelo Poder Legislativo. Bonavides (2010, p. 311) assinala que a crítica a se fazer ao sistema de controle de constitucionalidade italiano reside no fato de que os cidadãos não podem acioná-lo e somente os juízes ordinários ou administrativos podem acessá-lo para suscitar controvérsias constitucionais relativas a leis. A nosso ver, contudo, afora a exclusão dos cidadãos ou de entidades representativas da sociedade civil como partes legitimadas para acioná-lo, o sistema italiano de controle concentrado de constitucionalidade nos parece muito interessante, pois tal controle é feito por um órgão que não compõe o Poder Judiciário, no entanto é formado por juízes e nele estão representados, em partes igualitárias, os três poderes do Estado. Deste modo, tal sistema se nos afigura como o mais equilibrado do ponto de vista da salvaguarda da separação e equilíbrio dos poderes, ponto sensível nas reflexões de Ruy Barbosa, quando este se posicionou contrário à introdução do controle de constitucionalidade pela via de ação no Brasil, alegando que um dos poderes, o Poder Judiciário, ficaria investido da faculdade de cassar atos dos outros dois, o Executivo e o Legislativo, e isso poderia acarretar desarmonia entre eles. 23 Feitas essas considerações sobre os sistemas de controle constitucional concentrado nesses três países, passemos agora em revista mais pormenorizada o sistema de controle concentrado vigente no Brasil, instaurado pela Constituição Federal de 1988. Conforme assinala Cunha Júnior (2010, p. 163), a Constituição vigente ampliou e aperfeiçoou o controle concentrado. Primeiramente, alargando o rol dos legitimados para acioná-lo, como já mencionado, mas também criando novas ações diretas, além de acenar para a possibilidade de adoção de efeitos vinculantes nas decisões proferidas em sede das ações próprias desse sistema de controle, aproximando muito o Supremo Tribunal Federal brasileiro dos Tribunais Constitucionais europeus. Desse modo, fica instaurada uma fiscalização abstrata de leis e atos normativos do Poder Público em conflito com a Constituição. Isso ocorre mediante ajuizamento de uma ação direta, cujo pedido principal é a própria declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, distinguindo-se do controle difuso, em cujo âmbito a questão constitucional se limita à mera questão prejudicial, suscitada como incidente ou causa de pedir, porém nunca como pedido. Assim, o controle concentrado é provocado pela via principal, com a instauração de uma ação direta, por meio da qual se provoca o Supremo Tribunal Federal para que este resolva uma antinomia entre uma norma infraconstitucional e uma norma constitucional, sem qualquer análise ou exame de caso concreto, visando-se, em última instância, a supremacia da Constituição. Deve-se frisar que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental também admite o rito incidental, de natureza subjetivo-objetiva, por meio do qual a arguição é proposta diretamente ao STF em razão de controvérsia constitucional relevante em discussão perante qualquer juízo ou tribunal, referente à aplicação de lei ou ato do Poder Público questionado em face de algum preceito fundamental. Jorge Miranda (1996 apud CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 164) afirma que a inconstitucionalidade se caracteriza primordialmente pela violação de norma específica insculpida na Constituição, seja a Federal, seja a dos Estados, seja a Lei Orgânica do Distrito Federal. Em segundo lugar, a inconstitucionalidade diz respeito ao comportamento do ente estatal, que tanto pode ser comissivo ou positivo (uma ação), como omissivo ou negativo (uma omissão), na medida em que existirá inconstitucionalidade tanto em face de um ato praticado contra disposição de uma norma constitucional como em razão da inércia do Poder Público diante da disposição de uma norma constitucional que determina um certo agir. Tal comportamento estatal, seja positivo ou negativo, pode ser normativo ou não normativo, geral 24 ou individual, abstrato ou concreto. O que importa é que a relação de desconformidade entre a Constituição e o comportamento estatal deve ser necessariamente direta, que se traduza numa violação direta e imediata de uma norma constitucional. Deve-se assinalar que o atributo de inconstitucionalidade é próprio somente dos comportamentos do Poder Público, não sendo possível cogitar-se de inconstitucionalidade de atos dos particulares, ainda que normativos. Em segundo lugar, o descompasso entre os atos do Poder Público e a Constituição deve ser direto e imediato, não existindo, pois, “inconstitucionalidade indireta ou mediata”, já que esta última nada mais é que uma ilegalidade, que não se confunde com a noção rigorosa de inconstitucionalidade. Como já foi dito, a inconstitucionalidade de ato do Poder Público deve ser arguida em relação a norma específica da Constituição, não sendo admissível o Supremo Tribunal Federal reconhecer inconstitucionalidade em relação à Constituição como um todo, porém é relevante assinalar que a incompatibilidade entre o ato que se pretende impugnar e preceito expresso na Constituição não deve atender, tão somente, ou prevalentemente, à letra do texto constitucional, mas buscar o sentido, o espírito, o real significado e alcance da norma. Segundo Cunha Júnior (2010, p. 167-171), a inconstitucionalidade pode apresentar-se ainda sob diferentes tipos: a) inconstitucionalidade formal e material; b) inconstitucionalidade total e parcial; c) inconstitucionalidade originária e superveniente; d) inconstitucionalidade antecedente (ou imediata) e conseqüente (ou derivada); e e) inconstitucionalidade progressiva. A formal compreende a inconstitucionalidade orgânica e a inconstitucionalidade formal propriamente dita. A primeira decorre do vício de incompetência do órgão de onde provém o ato normativo; esta é tão grave que o STF tem entendido que a sanção a projeto de lei com vício de iniciativa não tem o condão de saná-lo, conforme decidido nas ADIns 103/RO, Rel. Min. Sidney Sanches, DJU de 15.12.1995, e 873-1-RS, Rel. Min. Maurício Correia, DJU de 22.08.1997. A segunda decorre de inobservância do procedimento legislativo fixado pela Constituição, a exemplo de lei complementar aprovada sem o quórum exigido. A material refere-se ao conteúdo do ato normativo, sendo materialmente inconstitucional todo ato normativo que não se adéqua ao conteúdo dos princípios e regras da Constituição, devendo-se lembrar que todas as normas constitucionais servem de paradigma material para o controle de constitucionalidade dos atos normativos, sejam elas explicitadas ou implícitas, desde que determinadas. 25 A inconstitucionalidade é total quando o vício contamina todo o ato normativo e parcial quando a mácula atinge o ato somente em parte, podendo ser um artigo, parágrafo, inciso ou alínea do texto legal, ou ainda uma expressão de qualquer um destes, não incidindo aí a vedação contida no §2º do art. 66 da Constituição Federal, que veda ao Presidente da República o veto parcial de dispositivo de projeto de lei encaminhado para sua apreciação. Em regra, a inconstitucionalidade formal contamina todo o ato, sendo ele, em princípio, totalmente inconstitucional. Cunha Júnior cita Clemerson Clève para frisar que este alerta que existem, todavia, casos da espécie em que a inconstitucionalidade do ato pode ser apenas parcial, a exemplo de dispositivo de ato de lei ordinária que trata de matéria reservada à lei complementar; nesse caso, somente tal dispositivo seria eivado do vício de inconstitucionalidade. Ao contrário da hipótese aventada no parágrafo antecedente, Cunha Júnior reporta-se ao mesmo autor para informar que tanto este como a jurisprudência do STF tem admitido situações nas quais a inconstitucionalidade parcial acarreta a nulidade total do ato. Isso ocorre quando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma faz com que as normas restantes, embora conformes à Constituição, deixem de ter qualquer significado autônomo ou então no caso da norma declarada inconstitucional fazer parte de uma regulamentação global à qual emprestava sentido e justificação. A inconstitucionalidade é originária quando ela surge com o simples nascimento do ato, que já nasce maculado. É superveniente quando se manifesta posteriormente em razão de uma alteração constitucional, ou de uma interpretação renovada da Constituição ou, ainda, em decorrência de alteração das condições fáticas. Cabe aqui distinguir entre inconstitucionalidade formal superveniente e inconstitucionalidade material superveniente: a primeira ocorre quando o ato normativo foi produzido segundo um procedimento ou por um órgão que eram os previstos à época, mas que foram posteriormente alterados por reforma constitucional; a segunda ocorre quando o ato era materialmente compatível com o conteúdo da norma constitucional à época de sua produção, tornando-se posteriormente incompatível com o novo conteúdo da norma constitucional. A primeira delas não tem sido admitida, ou seja, aceita-se a norma anterior produzida regularmente dentro dos cânones legais então vigentes e cujo conteúdo material se coaduna com a Constituição; exemplo disso pode ser dado com o Código Tributário Nacional: embora tenha sido produzido como lei ordinária, seguindo a tramitação inerente a ela, foi recepcionado pela Constituição vigente como lei complementar. Quanto à segunda delas, o ato normativo anterior será automaticamente 26 atingido pela inconstitucionalidade material superveniente; nesse caso, não se fala em controle abstrato da constitucionalidade do ato em questão, mas de sua revogação tácita, muito embora seja possível, nessa hipótese, manejar a ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, em face do que dispõe o art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.882/99. A inconstitucionalidade antecedente ou imediata resulta da direta e imediata violação de norma constitucional. Por seu turno, a consequente ou derivada resulta de um efeito reflexo da inconstitucionalidade imediata, ou seja, é aquela que atinge certo ato por atingir outro de que ele depende: trata-se da chamada inconstitucionalidade por arrastamento ou atração. Isso pode ocorrer intra-norma e inter-normas. No primeiro caso, quando a norma (dispositivo) é dependente da norma impugnada (outro dispositivo) no mesmo diploma legal. No segundo caso, quando a norma encontra o seu fundamento de validade em outra norma que foi impugnada ou mantém relação de dependência com um terceiro ato já declarado inconstitucional; exemplifica-se com o regulamento em relação à lei, a lei em relação à medida provisória (no caso de conversão) ou a lei delegada em relação à lei de autorização (resolução do Congresso Nacional). A progressiva ocorre quando uma lei ou norma, ainda constitucional, transita gradualmente para o terreno da inconstitucionalidade, em decorrência de modificação superveniente de determinado estado fático ou jurídico. Exemplifica-se com a decisão do STF no Recurso Extraordinário RE 147.776-SP, relatado pelo Min. Sepúlveda Pertence, na qual a Corte Constitucional entendeu que, enquanto o Estado de São Paulo não instituir e organizar a Defensoria Pública local, como prevê o art. 134 da Constituição da República, subsistirá, íntegra, na condição de norma ainda constitucional, a regra contida no art. 68 do Código de Processo Penal, até que se implementem as condições que viabilizem a transferência constitucional de atribuições. O dispositivo sob comento prevê que a execução da sentença condenatória de reparação de dano de pessoa hipossuficiente será promovida pelo Ministério Público; tal competência foi transferida para a Defensoria Pública, porém no caso concreto não havia Defensoria Pública instalada para dar cumprimento à disposição constitucional. Em razão disso, o STF mitigou, no caso concreto, a inconstitucionalidade da execução feita pelo Ministério Público, dispondo que tal norma permanecerá vigente até que a União ou o EstadoMembro organizem, de fato e de direito, a Defensoria Pública. Assinala Cunha Júnior (2010, p. 171) que na configuração constitucional atual o controle concentrado de constitucionalidade das leis ou atos normativos federais ou estaduais, de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, pode ser provocado, pela via 27 principal, por meio das seguintes ações diretas: ação direta de inconstitucionalidade por ação, ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ação direta de inconstitucionalidade interventiva, ação declaratória de constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental. Os Estados-Membros também foram autorizados pela Constituição de 1988 a instituírem um sistema de controle de constitucionalidade de suas leis ou atos normativos estaduais e municipais em face de suas Constituições Estaduais, por meio da ação direta de inconstitucionalidade, tanto por ação como por omissão, de competência exclusiva dos respectivos Tribunais de Justiça, vedando que se atribua a legitimação para agir apenas a um único órgão, como dispõe o art. 125, §2º. Por outro lado, o art. 35, IV, primeira parte, da Carta Magna também franqueou aos Estados-Membros a criação da ação direta de inconstitucionalidade interventiva, também de competência exclusiva dos Tribunais de Justiça, proposta pelo Procurador-Geral de Justiça, visando a assegurar a observância dos princípios indicados na Constituição Estadual As ações especiais mediante as quais se suscita o controle concentrado-principal de constitucionalidade possuem caráter de ação objetiva, as quais deflagram um processo objetivo por meio do qual será solucionada uma controvérsia constitucional. Por intermédio delas não se compõe qualquer conflito de interesse e, por sua natureza objetiva, não há partes nem contenda, não há disputa nem tutela de direitos subjetivos. Por haver em tais ações tão somente a defesa objetiva da Constituição, não se admite desistência, como, inclusive, a esse respeito dispõe o artigo 5º da Lei nº 9.868/99, que regula o procedimento das mesmas. Também não cabe a aplicação do instituto da suspeição, conforme ADIn 2.321-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 10/06/05, na qual também se decidiu pela inaplicabilidade do instituto do impedimento; todavia, este último é admitido nos casos em que o magistrado atuou como requerente, requerido, Advogado-Geral da União e Procurador-Geral da República, como se decidiu nas ADIn 4, Rel. Min. Sidney Sanches, DJ de 25/06/93. Não se admite também intervenção de terceiros por qualquer de suas modalidades, como dispõe o art. 7º da Lei 9.868/99, embora seja possível a assistência entre os próprios legitimados ativos, com exceção daquele legitimado que, eventualmente, figure, no processo concreto, como parte ré. Finalmente, as ações diretas de controle de constitucionalidade não comportam ação rescisória. Cada uma das ações diretas cumpre uma função importante na defesa objetiva da Constituição. Com relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Ação e à Ação 28 Declaratória de Constitucionalidade, naquela busca-se eliminar do ordenamento positivo uma lei ou ato normativo conflitante com a Constituição, com a pronúncia de sua inconstitucionalidade, ao passo que nesta procura-se a preservação de lei ou ato normativo federal, cuja inconstitucionalidade esteja está sendo suscitada em sede controle constitucional difuso, com a declaração de sua constitucionalidade. No tocante à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Ação e à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, a diferença entre ambas repousa no fato daquela destinarse a suprimir a norma lesiva à Constituição e desta buscar suprir a omissão ou ausência da norma ou de medida necessária à efetividade de norma constitucional. Por seu turno, a Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva diferencia-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica, seja por ação ou omissão, em virtude daquela preordenar-se a sancionar politicamente o Estado-Membro ou o Distrito Federal com a intervenção federal e a conseqüente supressão de sua autonomia política em razão de inobservância dos denominados princípios constitucionais sensíveis. Quanto à Argüição de Descumprimento de Preceito Constitucional, não se confunde com as demais ações diretas, pois seu caráter é subsidiário em relação a elas, além de seu escopo ser limitado à defesa das normas constitucionais qualificadas como preceitos fundamentais. Conforme já se assinalou, as ações próprias do controle abstrato de constitucionalidade não admitem, em regra, a intervenção de terceiros, como nesse sentido dispõem os artigos 7º e 18 da Lei nº 9.868/99, os quais se referem, respectivamente, à Ação Direta de Inconstitucionalidade e à Ação Direta de Constitucionalidade. Todavia, o citado Diploma Legal mitigou essa vedação ao dispor no §2º do art. 7º sobre a possibilidade de admissão de intervenção de outros órgãos e entidades, em razão da relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, que podem intervir no feito na qualidade de “amicus curiae” (“amigo da Cúria ou da Corte”), figura originária do direito anglo-saxão, desde que demonstrem interesse objetivo em relação à questão tratada, constituindo-se num terceiro especial que intervém para auxiliar a Corte. O STF exarou o seu entendimento nesse sentido, ratificando a disposição de ordem processual contida na referida norma infraconstitucional, no julgamento da ADIn-MC nº 2.130-SC, relatada pelo Min. Celso de Mello, ao analisar pedido de intervenção naquele feito formulado pela Associação dos Magistrados Catarinenses para que nele atuasse na qualidade de “amicus curiae”, em razão do caráter objetivo dessas ações. Trata-se de um instrumento democrático que possibilita ao cidadão adentrar no mundo fechado do processo de controle 29 abstrato de constitucionalidade para debater temas jurídicos de interesse da sociedade, permitindo uma interlocução com a opinião pública, o que contribui para legitimar o exercício da jurisdição constitucional. Questão instigante que se pode colocar em discussão é se o co-legitimado ativo para propor as ações diretas inerentes ao controle abstrato de constitucionalidade não estaria habilitado a intervir no processo de controle abstrato para assistir o proponente. Como já assinalado, não se admite tal intervenção de terceiros, entendimento esse já exarado, inclusive, pelo STF. Contudo, a vedação legal e jurisprudencial a esse respeito não guarda coerência com o status de co-legitimados, a eles atribuído pela Constituição, pois estes podem propor as referidas ações, não se justificando que não possam intervir como assistentes litisconsorciais. Em relação a isso, manifestamos nossa concordância com os autores Fredie Didier Júnior, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, mencionados por Cunha Júnior (2010, p. 178-179), os quais sustentam que os co-legitimados pelo artigo 103 da Constituição Federal deveriam poder atuar na qualidade assemelhada à de “assistente litisconsorcial” do art. 54 do Código de Processo Civil na Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada por outro co-legitimado. Todavia, com o advento da Lei nº 12.063, de 27 de outubro de 2009, que introduziu alterações na Lei nº 9.868/99, já se admite a manifestação por escrito dos demais co-legitimados na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, podendo os mesmos requererem a juntada de documentos considerados úteis para o exame da matéria, assim como apresentar memoriais. Isso talvez represente um passo no sentido de que venham a ser admitidos também na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Ação. De tudo quanto foi exposto, percebe-se sem dificuldade que o sistema brasileiro de controle concentrado de constitucionalidade é híbrido, pois o órgão incumbido desse controle, o Supremo Tribunal Federal, tanto o faz por meio do controle abstrato ou direto como por meio do controle por via de exceção ou incidental. Esse hibridismo está expresso de forma eloquente num dos instrumentos processuais de tal controle, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Esta admite duas modalidades: a direta, de natureza estritamente objetiva, a exemplo das demais ações diretas, e a incidental, provocada diretamente ao STF a partir de discussão de controvérsia constitucional suscitada em caso concreto discutido em tribunal. Pode-se afirmar, assim, que o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade se encontra posicionado dentre aqueles mais avançados do mundo, possibilitando, inclusive, a 30 participação da sociedade civil por meio da figura dos legitimados para manusear as ações diretas, assim como por meio do “amicus curiae”, faltando, talvez, aperfeiçoá-lo ainda mais, admitindo, por exemplo, a assistência litisconsorcial dos legitimados para acionar o controle direto de constitucionalidade, de modo a não entravar o bom andamento do processo. O alargamento da participação da sociedade civil na Administração Pública e nos destinos do País por meio desse instrumento certamente contribuirá para legitimar o Estado Brasileiro perante a sociedade civil brasileira. 2.2 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE No tópico antecedente, foram delineadas as características básicas das ações diretas de controle de constitucionalidade instituídas pela Constituição Federal de 1988, particularmente da ação direta de inconstitucionalidade. Ali ficou expresso que esta se divide em três modalidades: por ação, por omissão e interventiva, as quais já foram conceituadas. Para este trabalho, interessa particularmente a ação direta de inconstitucionalidade por ação, pois o seu objetivo é precisamente analisar os fundamentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.616, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República a partir de representação formulada pelo Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil – SINDIFISCO, mediante a qual se questiona a constitucionalidade de dispositivos da Lei de Conversão nº 10.593/2002, resultante da Medida Provisória nº 1.815/1999 e suas reedições, diploma legal aquele que sofreu alterações mediante a Lei nº 11.457/2007. A Lei 10.593/2002 reestruturou a Carreira de Auditoria da então Secretaria da Receita Federal, a qual teve sua denominação posteriormente alterada pela Lei nº 11.457/2007, que também reestruturou o próprio Órgão, incorporando à sua estrutura a extinta Secretaria de Receita Previdenciária, passando parte dos servidores desta (os Auditores Fiscais da Previdência Social) para o quadro da agora Secretaria da Receita Federal do Brasil. Assim, neste tópico, discorrer-se-á sobre alguns aspectos específicos da ação direta de inconstitucionalidade por ação, que não foram abordados no tópico anterior. O primeiro aspecto a ser detalhado é aquele referente aos detentores da legitimidade ad causam para manusear esse instrumento processual. Conforme ensina Cunha Júnior (2010, p. 192-193), existem dois tipos de legitimados, em decorrência da orientação jurisprudencial do STF, exarada na decisão da ADIn nº 1.507-MC-AgR, tendo como relator o Min. Carlos Velloso, DJ de 06/06/97, a saber: os legitimados universais e os não universais ou especiais. No primeiro rol, figuram o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da 31 Câmara dos Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e partido político com representação no Congresso Nacional; no segundo rol, figuram o Governador de Estado-Membro, a Mesa de Assembléia Legislativa, a confederação sindical e as entidades de classe de âmbito nacional. Com relação a este segundo tipo de legitimados, ficou assentado nessa decisão que deve ser demonstrada a pertinência temática ou o interesse de agir dos mesmos, diferentemente dos legitimados do primeiro tipo, para os quais não se exige tal demonstração. Além disso, o STF tem consolidado uma jurisprudência restritiva estabelecendo que, na área sindical, somente as Confederações constituídas em consonância com o disposto no art. 535 da CLT, que são aquelas formadas por um mínimo de três Federações, possuem legitimidade para a propositura de ADIn, ficando excluídas as Federações, mesmo que de âmbito nacional. Quanto aos partidos políticos, somente os Diretórios Nacionais podem agir em nome das respectivas agremiações. Vale também destacar que a perda superveniente da representação parlamentar no Congresso Nacional pela agremiação partidária não acarreta a perda de sua legitimidade ad causam em ação direta de inconstitucionalidade já em curso, conforme entendimento mais recente do STF, expresso na ADIn 2.159-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 24/08/94. Com referência às entidades de classe de âmbito nacional, o STF fixou um critério objetivo por aplicação analógica da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, segundo o qual só reconhece como legitimadas para exercitar o controle abstrato de constitucionalidade as entidades que possuam associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação, exigindo-se, ainda, que tais associados ou membros estejam vinculados entre si pelo exercício da mesma atividade econômica ou profissional. Vale mencionar que o STF passou a reconhecer também entidades de classe que se apresentem como associações de associações ou que possuam composição heterogênea, reunindo no seu quadro social pessoas físicas e jurídicas; esse entendimento foi fixado no julgamento da ADIn 3.153 AgR/DF. É oportuno frisar que o STF vem reconhecendo que parte dos legitimados ad causam para propositura dessa ação direta, especificados no art. 103 da Constituição Federal, também possuem capacidade postulatória, prescindindo da representação por advogado, a saber: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa do Estado-Membro da Câmara Legislativa do Distrito 32 Federal, o Governador de Estado-Membro ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Assim, enquanto perdurar tal condição, tais legitimados podem praticar quaisquer atos ordinariamente privativos de advogado. Tal entendimento ficou assentado nos julgamentos das ADIns 96-9 – Ro (medida liminar, DJ de 10/11/89) e 120-Am (Pleno), Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 20.03.96, DJU de 26.04.96. Quanto aos demais legitimados, devem fazer-se assistir por advogado, apresentando a procuração de outorga de poderes específicos para impugnar a norma, entendimento assentado na ADIN (QO) 2.187-BA, Rel. Min. Octávio Galloti, julgamento em 24.05.2000. Não há a menor dúvida de que as Constituições Estaduais devem estar conformes aos princípios e às disposições da Constituição Federal. Questão interessante é aquela que diz respeito à competência para o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade que impugna lei ou ato administrativo em face de norma da Constituição Estadual que repete o texto de norma da Constituição Federal. Para resolver essa questão, Horta (1988 apud CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 196-197) leva a efeito construção doutrinária que permite distinguir entre as normas da Constituição Federal de reprodução obrigatória no texto das Constituições Estaduais, que chama de “normas de reprodução”, em contraste com aquelas a que denomina “normas de imitação”, cujo teor é idêntico às normas constitucionais federais e que são incluídas no texto da Constituição Estadual pelo Estado-Membro no exercício de sua autonomia política, não sendo de observância obrigatória. Considera que a matéria envolvendo aquelas deveria ser da competência do STF, ao passo que a matéria envolvendo estas deveria ser da competência dos Tribunais de Justiça. Assinala que o STF, a esse respeito, fixou o entendimento de que as decisões dos Tribunais de Justiça referentes às normas de reprodução obrigatória são passíveis de recurso à Corte Constitucional mediante recurso extraordinário; devendo-se frisar que, muito embora o recurso extraordinário seja próprio do controle difuso, a decisão proferida pelo STF terá efeito erga omnis, como ficou assentado nas decisões referentes aos RE 187.142-RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 02.10.98 e RE 199281-SP, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 11.11.98) Por outro lado, as decisões dos Tribunais de Justiça concernentes às chamadas “normas de imitação” são irrecorríveis. É interessante registrar que as leis e os atos normativos municipais contestados por afrontarem a Constituição Federal não podem ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade junto ao STF. O que se admite, nesse caso, é o manuseio da argüição de 33 descumprimento de preceito fundamental, que possui caráter subsidiário em relação às demais ações diretas, se a matéria objeto da contestação estiver inserida no rol daquelas passíveis de provocação ao STF por meio da ADPF. Para as demais matérias, essas deverão ser argüidas em face da Constituição Estadual, pois os Estados-Membros foram autorizados pela Constituição Federal em seu art. 125, §2º, a instituírem representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição Estadual, sendo o Tribunal de Justiça o órgão detentor de competência exclusiva para realizar tal controle de constitucionalidade. Tais disposições relativas aos municípios nos parecem perfeitamente coerentes, vistas de uma perspectiva sistêmica. Assim, no que pertine às leis e atos normativos municipais, caso ofendam preceitos fundamentais, podem ser atacados diretamente junto ao STF por meio de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental; caso ofendam normas constitucionais de reprodução obrigatória pelas Constituições Estaduais, podem ser atacados por Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Tribunal de Justiça. Deste modo, nenhum preceito de alta relevância insculpido na Constituição Federal, de observância obrigatória pela Constituição Estadual, que seja eventualmente violado pelo ente municipal, escapará do controle de constitucionalidade. Esse procedimento para o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos municipais nos parece perfeitamente coerente com o sistema federativo. Além disso, desafoga o STF, que ficaria ainda mais assoberbado com as demandas oriundas de violação de preceitos constitucionais por leis e atos normativos municipais, caso estes pudessem ser objeto de ação direta junto à mais alta Corte do País. Outro aspecto que deve ser salientado é aquele que diz respeito à natureza dos atos do Poder Público passíveis de controle abstrato de constitucionalidade. Anteriormente, o STF não admitia que lhe fosse submetido, para a realização de tal controle, ato do Poder Público que tivesse efeitos concretos, a exemplo de lei que declara a utilidade pública ou o interesse social de determinado imóvel para fins de desapropriação, que concede isenção fiscal a empresa, que cria um município, autarquia ou fundação pública, que autoriza a criação de uma sociedade de economia mista ou empresa pública, que autoriza a alienação de um bem público ou a doação, pelo Poder Executivo, de determinado imóvel público. Tal postura do STF se baseava no fundamento de que os atos que lhe fossem encaminhados para esse tipo de controle deveriam se revestir dos atributos de generalidade, abstração e impessoalidade. Porém, tal entendimento foi posteriormente alterado, por meio da ADIn 4.048-MC, Rel. Min. 34 Gilmar Mendes, julgamento em 14.05.2008, DJE de 22.08.2008, citada por Cunha Júnior (2010, p. 201), no qual o STF exarou o seu novel entendimento, sustentando que O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independentemente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Os atos suscetíveis de controle abstrato por via de ação direta de inconstitucionalidade são, de modo geral, aqueles previstos no art. 59 da Constituição Federal: Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. Além daqueles, Cunha Júnior (2010, p. 207-208) menciona outros, a saber: decretolegislativo do Congresso Nacional e decreto de promulgação do Presidente da República, relativos à incorporação no ordenamento jurídico interno de disposições de tratados internacionais ratificados pelo Brasil; regulamentos, quando estes são de execução e invadem domínio de reserva legal ou quando se trata de regulamentos autônomos ou independentes, que se relacionam diretamente com a Constituição e possuem força de lei, a exemplo de decreto autônomo editado pelo Poder Executivo, conforme ficou assentado no julgamento da ADIn 1.969-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 05/03/04; e regimentos dos tribunais. O procedimento referente à Ação Direta de Inconstitucionalidade está contido na Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. A decisão proferida pelo STF que declara a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade da lei ou do ato normativo impugnado ou questionado tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal. Deve-se assinalar que o STF vem atribuindo essa vinculação 35 não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos fundamentos determinantes da decisão, que podem ser aplicados em outras ações, inclusive fora da ação direta. A isso o próprio Tribunal denominou de efeito transcendente dos motivos determinantes, como ocorreu no julgamento da Reclamação nº 2896, Rel. Min. Celso de Mello, DJU, de 18.03.2005, ensejando o surgimento da teoria da transcendência dos motivos determinantes, exposta por Pedro Lenza, citado por Cunha Júnior (2010, p. 214). Nesse ponto, cabe uma crítica ao sistema pátrio de controle concentrado de constitucionalidade: a declaração de inconstitucionalidade não tem efeito vinculante em relação ao Poder Legislativo, ou seja, este poderá, se assim o quiser, produzir outra lei de teor exatamente igual ao da lei impugnada pelo STF. A nosso ver, isso compromete a relação de equilíbrio entre os poderes, pois em tal hipótese ocorre uma demonstração de desrespeito de um poder em relação ao outro, sobretudo ao órgão incumbido de fazer o controle abstrato de constitucionalidade. Tal conduta do Poder Legislativo numa tal hipótese só seria aceitável se o STF exarasse uma decisão notoriamente esdrúxula, emulando o pior período vivido pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, o qual ficou, como já dito, conhecido como “governo dos juízes”, pois a mesma se arvorou a interpretar ao seu bel-prazer todas as normas que lhe foram encaminhadas, atropelando todos os demais poderes constituídos e entravando o desenvolvimento daquele País, o que acarretou muitas queixas e lhe rendeu violentas críticas. A declaração de inconstitucionalidade acarreta, em regra, a pronúncia da nulidade desde o nascedouro do ato, produzindo, portanto, efeitos ex tunc, não atingindo, no entanto, a sentença transitada em julgado, cujo fundamento tenha sido a lei ou ato normativo fulminado pela declaração de inconstitucionalidade. Esse efeito retroativo tem, inclusive, o condão de produzir efeitos repristinatórios, isto é, restabelecer a legislação anterior que havia sido revogada pela lei declarada nula. Todavia, tal nulidade retroativa é mitigada pelo art. 27 da Lei 9.868/99 ao permitir que o STF, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, objetivando salvaguardar o princípio da segurança jurídica ou de excepcional interesse social, desde que se pronuncie por maioria de dois terços de seus membros, restrinja os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decida que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Deste modo, concedeu-se ao STF o poder de excepcionar a regra geral do efeito erga omnis e do efeito ex tunc, para emprestar a essas decisões efeitos mais limitados e efeitos constitutivos ex nunc ou pro futuro. 36 Nessa flexibilização da produção de efeitos da declaração de inconstitucionalidade, o Brasil se assemelha à Áustria e à Alemanha: nesses países, o efeito da anulação da lei inconstitucional é, no máximo, ex nunc, sendo freqüentemente diferido, concedendo-se ao órgão de onde emanou a norma impugnada um prazo para a elaboração de outra norma semelhante livre do vício de inconstitucionalidade que fulminou aquela. Tal procedimento, adotado pelos Tribunais Constitucionais daqueles países, visa a salvaguardar a segurança jurídica, em razão dos danos que poderia provocar a imediata anulação da lei inquinada de inconstitucionalidade. Ademais, Kelsen considerava que a lei declarada inconstitucional só o era a partir daquele momento; até então, ela era uma lei perfeitamente válida dentro do ordenamento jurídico. Esse entendimento de Kelsen, expresso na sua Teoria Pura do Direito, resulta da sua concepção de que não existem leis intrinsecamente inconstitucionais; para ele, existem apenas leis que são retiradas da ordem jurídica mediante declaração de inconstitucionalidade, da mesma forma que uma lei retira outra da ordem jurídica, revogando-a. Por essa razão, ele rejeita categoricamente que a lei declarada inconstitucional seja nula desde a sua entrada na ordem jurídica. Esse posicionamento decorre do fato de que ele abstrai o aspecto valorativo da norma jurídica, que ele entende estar fora do escopo do objeto da Ciência do Direito, pois esse aspecto, para ele, pertence ao terreno da Política e não do Direito. A respeito deste último aspecto, discorre Kelsen (1996, p. 1-2): A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial. É teoria geral do Direito, não interpretação de particulares normas jurídicas, nacionais ou internacionais. Contudo, fornece uma teoria da interpretação. Como teoria, quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio objeto. Procura responder a esta questão: o que é e como é o Direito? Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o Direito, ou como deve ele ser feito. É ciência jurídica e não política do Direito. Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito, e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental. [...]. De um modo inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se confundido com a psicologia e a sociologia, com a ética e a teoria política. Esta confusão pode 37 porventura explicar-se pelo fato de estas ciências se referirem a objetos que indubitavelmente têm uma estreita conexão com o Direito. Quando a Teoria Pura empreende delimitar o conhecimento do Direito em face destas disciplinas, fá-lo não por ignorar ou, muito menos, por negar essa conexão, mas porque intenta evitar um sincretismo metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os limites que lhe são impostos pela natureza do seu objeto. Assim, o que ele quer dizer é que a Teoria Pura do Direito pretende oferecer um meio de se conhecer e de se interpretar o Direito dentro de qualquer ordem jurídica positiva, não fazendo parte de seu objeto questionar os valores de tal ou qual ordem jurídica, mas tão somente estudá-lo para conhecê-lo e aplicá-lo. Sob essa ótica, pouco importa se se trata de uma ordem jurídica democrática, autoritária, fascista, nazista, etc.; o que importa é conhecer cada sistema hierarquizado de normas jurídicas em que cada norma tem o seu fundamento de validade naquela que lhe é imediatamente superior e à qual esteja vinculada, até se chegar à norma superior do sistema, a qual, por seu turno, tem seu fundamento de validade na chamada norma fundamental, de natureza não jurídica, a qual nada mais é, em última instância, que o poder político prevalecente em dada sociedade e em dado momento histórico capaz de propiciar a manutenção de tal ordem jurídica. Em decorrência dessa concepção do Direito, afirma Kelsen (1996, p. 300) sobre inconstitucionalidade: [...] Se a afirmação, corrente na jurisprudência tradicional, de que uma lei é inconstitucional há de ter um sentido jurídico possível, não pode ser tomada ao pé da letra. O seu significado apenas pode ser o de que a lei em questão, de acordo com a Constituição, pode ser revogada não só pelo processo usual, quer dizer, por uma outra lei, segundo o princípio lex posterior derogat priori, mas também através de um processo especial, previsto pela Constituição. Enquanto, porém, não for revogada, tem de ser considerada como válida; e, enquanto for válida, não pode ser inconstitucional. (grifos do autor citado). A conseqüência desse ponto de vista é a rejeição do conceito de nulidade da norma jurídica. A esse respeito, Kelsen (1996, p. 306-308) sustenta que o mero ingresso de uma lei em dada ordem jurídica, confere-lhe, por si só, o atributo de juridicidade. Sob sua ótica, somente é admissível a anulabilidade, com efeitos ex nunc , admitindo, no entanto, para certos casos, a anulação com efeito retroativo: Do que acima fica dito também resulta que, dentro de uma ordem jurídica não pode haver algo como a nulidade, que uma norma pertencente a uma ordem jurídica não pode ser nula mas apenas pode ser anulável. Mas esta anulabilidade prevista pela ordem jurídica pode ter diferentes graus. Uma norma jurídica em regra somente é anulada com efeitos para futuro, por forma que os efeitos já produzidos que deixa 38 para trás permanecem intocados. Mas também pode ser anulada com efeito retroativo, por forma tal que os atos jurídicos que ela deixou atrás de si sejam destruídos: tal, por exemplo, a anulação de uma lei penal, acompanhada da anulação de todas as decisões judiciais proferidas com base nela; ou de uma lei civil, acompanhada da anulação de todos os negócios jurídicos celebrados e decisões jurisdicionais proferidas com fundamento nessa lei. Porém, a lei foi válida até a sua anulação. Ela não era nula desde o início. Não é, portanto, correto, o que se afirma quando a decisão anulatória da lei é designada como “declaração de nulidade”, quando o órgão que anula a lei declara na sua decisão essa lei como “nula desde o início” (ex tunc). (grifos do autor citado). Esse entendimento do notável mestre vienense decorre do exercício intelectual que fez na sua obstinada busca por um status científico para o Direito, que até então tinha sido um apêndice da Religião e da Filosofia; assim, queria ele, a todo custo, evitar que o Direito se tornasse um apêndice da Política ou até mesmo da Sociologia. Para isso, isolou da norma jurídica um elemento que lhe é intrínseco e do qual decorre o seu teor material ou substantivo, inseparável da mesma, o elemento político, por ele retirado deliberadamente do objeto da ciência jurídica que intentava inaugurar, do que resultou uma espécie de autopoiese do Direito, ou seja, o Direito bastando a si mesmo. Essa atitude acabou por lhe render fortes críticas, pois serviu até mesmo para legitimar sistemas de leis como o do regime nazista na Alemanha, já que a juridicidade estaria assegurada desde que tivessem sido produzidas dentro do regular processo legislativo. Por outro lado, há de se convir que se esse entendimento do brilhante jurista vienense fosse aplicado à realidade da cultura brasileira, ou seja, se aqui a declaração de inconstitucionalidade acarretasse, em regra, a produção de efeitos ex nunc, certamente haveria muito mais problemas que os já existentes em relação à produção de leis e atos normativos eivados de inconstitucionalidade. Neste país, pródigo de agentes políticos e públicos de condutas tão deploráveis no trato com a coisa pública, como o demonstram fartamente o noticiário que circula diariamente nos meios midiáticos e a expressiva quantidade de ações de improbidade administrativa que tramitam no Poder Judiciário, sabedores disso, tais agentes produziriam leis e atos normativos verdadeiramente facinorosos para locupletarem a si mesmos e a terceiros com o dinheiro público e vantagens indevidas de todo tipo, pois teriam a certeza de que os atos praticados com base na legislação que fosse declarada inconstitucional não seriam atingidos retroativamente. Assim, o que serve na Áustria e na Alemanha para salvaguardar o princípio da segurança jurídica, aqui serviria para salvaguardar a corrupção e a impunidade dos agentes, pois, como se sabe, é perfeitamente possível perpetrar atentados aos 39 princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa mantendo-se dentro dos marcos da legalidade estrita. Portanto, foi mais que acertada a decisão dos legisladores pátrios em favor da produção de efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Vale ressaltar ainda que, mesmo num regime democrático do ponto de vista da produção do Direito, isto é, sob o ponto de vista formal, podem ser produzidas leis de natureza antidemocrática. Daí a afirmação de o Brasil é um Estado Democrático de Direito, mas ainda não é um Estado de Direito Democrático (informação verbal).1 Isso pode parecer, para alguns, um mero jogo de palavras, porém são expressões reveladoras: com efeito, “Estado Democrático de Direito” refere-se à forma de produção do Direito, ou seja, mediante instituições e ritos próprios de um regime democrático, diz respeito ao aspecto processual ou adjetivo do Direito. Contudo, “Estado de Direito Democrático” refere-se ao conteúdo do Direito produzido, ou seja, diz respeito ao aspecto material ou substantivo do Direito. Seguramente, tal assertiva do ilustre mestre ainda permanece atual, naturalmente em menor grau, devido aos avanços sociais que ocorreram no País no período que se seguiu à sua afirmativa. Como já assinalado, uma das formas mais eficazes de renovar a Constituição, de modo que esta contemple as demandas sociais, prevenindo um acúmulo de elementos de crise desestabilizadores da governabilidade, são as técnicas interpretativas. Cunha Júnior (2010, p. 219) assinala que em relação aos efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade, o STF vem adotando técnicas compatíveis com o controle abstrato de constitucionalidade, como é o caso da técnica da interpretação conforme a Constituição, de matriz alemã, e da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. Não é demais lembrar, por exemplo, que há não muitos anos havia na cultura da magistratura brasileira, refletida na jurisprudência conservadora do Poder Judiciário, o entendimento de que os princípios constitucionais não passavam de belas declarações insculpidas na nossa Constituição Federal e que os mesmos não se revestiriam da qualidade de norma jurídica positiva, portanto não se poderia prolatar uma sentença fundamentada em tais princípios, sobretudo se houvesse regulamentação infraconstitucional da matéria dispondo em sentido diverso ao do texto constitucional ou se não houvesse regulamentação 1 Afirmação do mestre constitucionalista pátrio Carlos Ayres Britto, atualmente Ministro do Supremo Tribunal Federal, em aula que ministrou no seu curso de Direito Constitucional na Universidade Federal de Sergipe, no segundo semestre letivo do ano 2000. 40 infraconstitucional de tal matéria. Isso começou a ser quebrado pela corrente da magistratura que se insurgiu contra esse legalismo estrito em descompasso com os princípios e com o espírito da Constituição Federal, sobretudo no Rio grande do Sul e em Santa Catarina, com o movimento que ficou conhecido como Direito Alternativo, sendo o juiz e atual desembargador gaúcho Amilton Bueno de Carvalho o seu maior expoente. Hoje, pode-se dizer que tal entendimento legalista encontra-se superado, ainda que haja magistrados recalcitrantes no seu labor cotidiano, condicionados pela cultura do legalismo infraconstitucional estrito. A técnica da interpretação conforme a Constituição preserva a norma cujo texto possui caráter polissêmico e declara a ação direta de inconstitucionalidade parcialmente procedente, declarando inconstitucionais os sentidos admissíveis para tal texto que não se coadunem com o espírito da Carta Magna. Tal técnica interpretativa equipara-se a uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, mas segundo Cunha Júnior (2010, p. 219), com esta não se confunde. Assim, a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto é a técnica que consiste em considerar inconstitucional determinada hipótese de aplicação da lei, sem proceder a qualquer alteração do seu texto normativo. Distingue-se da técnica da interpretação conforme, pois, por meio desta, o STF exclui determinadas hipóteses de interpretação da norma, para lhe emprestar aquela que lhe compatibilize com o espírito contido no texto constitucional, ao passo que na técnica da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto o STF exclui determinadas hipóteses de aplicação da norma, as quais seriam aparentemente viáveis e que conduziriam a uma inconstitucionalidade. Dito de outra forma, na interpretação conforme se trata de escolher um sentido mais adequado para a norma em face da Constituição; já na declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, trata-se de invalidar a premissa de aplicação da norma, que é uma hipótese descabida de aplicação da mesma. Essa distinção entre ambas vem sendo feita pelo STF, de que são exemplos as decisões proferidas nas ADIns 491 e 939. Cunha Júnior (2010, p. 221) menciona, ainda, outra técnica decisória de matriz alemã, que ele reputa aplicável ao Brasil, cujo uso entre nós nos parece merecedor de crítica. Trata-se da técnica denominada apelo ao legislador, mediante a qual o Tribunal reconhece a constitucionalidade da lei, mas recomenda ao legislador que formule disposição complementar que a corrija, sob pena dessa migrar para o terreno da inconstitucionalidade. O Congresso Nacional, no entanto, não tem obrigação de acatar esse apelo do STF e produzir a 41 lei solicitada. Caso o Congresso Nacional fique inerte, a lei declarada ainda constitucional reputar-se-á válida até que, mediante nova provocação, a Corte profira nova decisão. Tendo em vista o perfil pouco responsável do nosso Poder Legislativo, que tem se revelado, ao longo dos anos, bastante omisso quanto aos seus deveres legislativos, consideramos tal técnica inócua, semelhante àquela aplicada ao mandado de injunção, mediante a qual o STF fazia o mesmo tipo de solicitação ao Congresso Nacional, desta feita para suprir ausência de regulamentação infraconstitucional de direito previsto na Constituição, cujo exercício ficava inviabilizado em razão da inexistência de tal regulamentação. Em razão da inércia em que se quedava o Congresso Nacional quanto ao pedido do STF, a parte interessada era obrigada a provocar novamente o STF, pelo mesmo motivo, apenas com a diferença de que na segunda provocação levava-se a informação que o Congresso Nacional não tinha editado a lei solicitada. A nosso ver, esse tipo de técnica só consegue mesmo frustrar o cidadão na sua pretensão de exercer um legítimo direito que lhe é assegurado pela Constituição, mas que não pode fazê-lo pela inação dos poderes constituídos. Também é mencionado por Cunha Júnior (2010, p. 221) que o STF vem adotando a técnica da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade quando a situação ensejadora da propositura da ação mostrar-se absolutamente inalterada em virtude do estado de fato consolidado ou a pronúncia dos seus efeitos propiciar um agravamento do seu estado de inconstitucionalidade. Tal caso é exemplificado com a decisão proferida na ADIn 3.316, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 09.05.2007, DJ de 29.06.2007, a qual tratava da criação de município por lei estadual de Mato Grosso após a Emenda Constitucional Federal nº 15/96 sem que ainda existisse a lei complementar federal prevista na referida Emenda. A ação direta foi julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciada a nulidade pelo prazo de 24 meses. Quanto ao quórum, é necessária a presença de pelo menos oito Ministros para o STF proferir a decisão final e o voto de pelo menos seis deles para proclamar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado, conforme o caso, de acordo com o que dispõe o art. 23 da Lei nº 9.868/99. Não sendo alcançada a maioria necessária nele prevista e estando ausentes Ministros em número que possa influir no resultado do julgamento, o parágrafo único do mesmo dispositivo legal exige que o julgamento seja suspenso, a fim de se aguardar o comparecimento dos Ministros ausentes, até que se atinja o número necessário para prolação da decisão. 42 A decisão declaratória da inconstitucionalidade ou da constitucionalidade da lei ou do ato normativo em sede de ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade é irrecorrível, admitindo apenas embargos declaratórios, e não pode ser objeto de ação rescisória. Cumpre frisar que no sistema brasileiro de controle abstrato de constitucionalidade não se admite a argüição de inconstitucionalidade de normas de status inferior da própria Constituição em relação às chamadas cláusulas pétreas em face destas, como assinala Moraes (2006, p. 669). Esse é um traço distintivo do sistema brasileiro em relação ao sistema alemão de controle concentrado de constitucionalidade, pois no nosso sistema considera-se a norma inserta no texto da Carta Magna como de natureza intrinsecamente constitucional, só podendo dela ser retirada por meio de emenda constitucional. Sobre o prazo para interposição de ação direta, salienta Moraes (2006, p. 681), citando manifestação do STF na ADIn nº 1.247-9-PA – medida liminar, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 08.09.1995, que a ação direta de inconstitucionalidade não está sujeita à observância de qualquer prazo de natureza prescricional ou decadencial, tendo em vista que os atos inconstitucionais não se convalidam pelo transcurso do tempo. Quanto à abrangência do exame do Supremo Tribunal Federal da arguição de inconstitucionalidade a ele submetida, frisa Moraes (2006, p. 687) que a nossa Corte Constitucional não está adstrita aos fundamentos ou à causa de pedir, embora esteja condicionada ao pedido, podendo declarar a inconstitucionalidade por fundamentos diversos daqueles invocados na argüição do autor da ação direta. Nesse mesmo sentido se pronuncia Cunha Júnior (2010, p. 174), acrescentando que também os Tribunais de Justiça dos Estados, no exercício do Controle Abstrato de Constitucionalidade das leis ou atos municipais e estaduais em face da Constituição Estadual, não estão adstritos aos fundamentos do pedido, e possuem igualmente ampla liberdade para examinar as normas constitucionais que servirão de referência para a fiscalização da constitucionalidade, pois nas ações diretas a causa de pedir é aberta. Com relação a esse último aspecto, entendemos que nas ações diretas do controle abstrato de constitucionalidade deveria haver mitigação da vinculação do órgão jurisdicional ao pedido. Isso porque, diferentemente das ações que envolvem caso concreto, aqui não existem direitos subjetivos em questão, os quais podem ser exercitados pela parte interessada ou não, pois tais direitos são geralmente disponíveis. Portanto, como nas ações diretas do 43 controle concentrado de constitucionalidade não há direitos disponíveis subjetivos em questão, entendemos que a nossa Corte Suprema deveria ter ampla liberdade para analisar, com toda a profundidade, amplitude e alcance possíveis, a questão a ela submetida. Finalmente, cumpre-nos registrar que nos parece que a técnica de interpretação conforme o espírito da constituição, atualmente adotada pelo STF, é particularmente adequada à nossa Constituição Federal, tendo em vista o seu caráter inclusivo, de numerus apertus, que é proclamado no parágrafo 2º do seu artigo 5º: “ Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” A nosso ver, tal técnica se constitui num instrumento hermenêutico que propicia o permanente aperfeiçoamento material da nossa Carta Magna sem que seja necessário alterarse o seu texto formal, de modo a que, cada vez mais, o seu cognome de “Constituição Cidadã” se consubstancie na melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro, seu artífice e destinatário. 44 3. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Neste capítulo, discorrer-se-á sobre a natureza da função administrativa e da Administração Pública, buscando-se elucidar conceitos que serão utilizados como ferramentas no capítulo conseqüente, em cujo âmbito se dará o desenvolvimento do cerne deste trabalho. Aqui também se fará um histórico detalhado da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, desde a sua gênese até os dias atuais, que traz no seu bojo a história da reestruturação do próprio Órgão onde está sediada a referida Carreira, tendo em vista que a história da mencionada Carreira está diretamente atrelada àquela do Órgão onde se insere. Encerrando o capítulo, proceder-se-á a uma discussão a respeito das disposições constitucionais e infraconstitucionais com relação ao provimento de cargo público efetivo. O conceito mais completo e abrangente de Administração Pública é certamente aquele que integra tanto o aspecto formal ou orgânico como o aspecto material ou instrumental a ela relacionados. Assim, poder-se-ia dizer que Administração Pública é o conjunto dos órgãos e entidades dotados de instrumentalidade para desempenharem as funções e atribuições que lhe são cometidas e que visam à realização dos objetivos colimados pela Constituição Federal em prol do bem-estar social e em consonância com os princípios por ela estabelecidos. Mas passemos em revista o pensamento a esse respeito de alguns dos principais doutrinadores pátrios da área do Direito Administrativo. Para Meirelles (2002, p. 62-64), organização da Administração é a estruturação legal das entidades e órgãos que irão desempenhar as funções por meio de agentes públicos, que são pessoas físicas. Tal organização comumente se faz por lei e, excepcionalmente, por decreto e normas inferiores quando não exige a criação de cargos nem implica em aumento da despesa pública. Recorrendo ao magistério de Paul Meyer, administrativista estadunidense, ensina o mestre pátrio que ao Direito Administrativo incumbe determinar as regras jurídicas de organização e funcionamento do complexo estatal, ao passo que as técnicas de administração indicam os instrumentos e a conduta mais adequada ao pleno desempenho das atribuições da Administração. Assim, seriam distintas dimensões que devem coexistir e permear toda a organização estatal, autárquica, fundacional e paraestatal com o fito de bem ordenar os órgãos, distribuir as funções, fixar as competências e capacitar os agentes públicos para a satisfatória prestação dos serviços públicos ou de interesse coletivo, objetivo último do Governo e do Estado. 45 Nesse ponto, ele estabelece o confronto entre Governo e Administração. Frisa que andam juntos e freqüentemente se confunde um com o outro, muito embora expressem conceitos distintos sob vários aspectos. Assim, Governo, em sentido formal, é o conjunto de Poderes e órgãos constitucionais; trata-se, pois, do complexo de funções estatais básicas. No sentido operacional, é a condução política dos negócios públicos. O Governo ora se identifica com os Poderes e órgãos supremos do Estado, ora se manifesta nas funções originárias desses Poderes e órgãos como expressão da Soberania. O traço distintivo e constante do Governo, porém, é sua expressão política de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem jurídica vigente; o Governo atua por meio de atos de Soberania ou, ao menos, de autonomia política na condução dos negócios públicos. Por seu turno, esclarece o notável mestre, Administração Pública é, no sentido formal, conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo, ao passo que, no sentido material, é conjunto das funções necessárias à execução dos serviços públicos em geral. Na acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços inerentes ao Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Enfeixando uma visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, objetivando a satisfação das necessidades coletivas. Ressalta ele que a Administração Pública não pratica atos de governo, mas de execução, com maior ou menor autonomia funcional, de acordo com a competência do órgão e de seus respectivos agentes, que se traduzem precisamente nos chamados atos administrativos. Continua seu raciocínio afirmando que Governo é atividade política e discricionária, enquanto Administração é atividade neutra, geralmente vinculada à lei ou à norma técnica. Governo é conduta independente, ao passo que administração é conduta hierarquizada. O Governo comanda com responsabilidade constitucional e política, todavia sem responsabilidade profissional pela execução, enquanto a Administração executa sem responsabilidade constitucional ou política, mas com responsabilidade legal e técnica pela execução. Do exposto, afirma ele, não se deve deduzir que a Administração não tenha poder decisório. Ela o tem, mas apenas na esfera de suas atribuições e dentro dos limites legais que circunscrevem sua competência executiva, podendo opinar e decidir apenas sobre assuntos jurídicos, técnicos, financeiros ou de conveniência e oportunidade administrativas, sem que lhe seja cometida qualquer faculdade de opção política a respeito da matéria. Passemos, agora, ao pensamento de Bandeira de Mello (2002, p. 27-35) a respeito das funções do Estado. 46 Segundo esse autor, função pública, no Estado Democrático de Direito, consiste na atividade exercida no cumprimento do dever de satisfazer o interesse público por meio dos usos dos poderes instrumentalmente necessários, que são conferidos pela ordem jurídica. Ele assinala que nos dias atuais, no mundo ocidental, prevalece de forma esmagadora, no âmbito doutrinário, a concepção de que o Estado se caracteriza por uma trilogia de funções: a legislativa, a administrativa ou executiva e a jurisdicional. Ressalva, no entanto, vozes dissonantes desse entendimento quase unânime, citando Hans Kelsen, segundo o qual as funções estatais são duas: a de criar o Direito, que consiste na produção da legislação, e a de executar o Direito, encargo que é levado a efeito tanto pela Administração como pela Jurisdição. Frisa, ainda, que há determinados atos estatais que parecem não se amoldar bem a esse modelo de função estatal tripartida. O ilustre administrativista pátrio faz, então, uma interessante discussão a respeito da natureza das funções estatais. Desse modo, ele afirma que essa trilogia não corresponde a uma essência inexorável da natureza das coisas, é pura e simplesmente uma singular e notável construção política muito bem sucedida, tendo em vista que recebeu uma ampla e invulgar consagração jurídica. Sua concepção por Montesquieu teve, a seu ver, um viés ideológico, visando a impedir a concentração de poderes de modo a preservar a liberdade dos homens contra abusos e tiranias dos governantes. Em seguida, expõe o raciocínio utilizado por Montesquieu na formulação de sua célebre teoria da separação dos poderes. Segundo o trecho por ele traduzido da obra do pensador francês: É uma experiência eterna que todo homem que tem poder tende a abusar dele e só pára quando encontra limites. Por isso, para que não possa abusar do poder, torna-se necessário que o poder detenha o poder. Quando na mesma pessoa ou no mesmo colegiado o poder legislativo estiver reunido ao poder executivo, não há liberdade, porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado façam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não há liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do poder executivo. Se ele estiver confundido com o poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador; por outro lado, se ele estiver confundido com o poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo de principais, nobres ou povo, exercessem estes três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar as questões dos particulares. 47 Observa Bandeira de Mello que nos diversos Direitos Constitucionais positivos, dentre os quais o brasileiro, a distribuição das funções estatais não se processa de modo a preservar com rigidez absoluta a exclusividade de cada poder no desempenho da função que lhe confere o respectivo nome. Tal solução normativa resultaria, em princípio, do expresso propósito de estabelecer os chamados freios e contrapesos, mecanismo mediante o qual se pretende promover um melhor equilíbrio articulado entre os chamados poderes, os quais, assinala, são, em realidade, órgãos do Poder, pois este é uno. Prossegue o renomado administrativista discorrendo sobre os critérios de distinção das funções do Estado. Afirma que, em última instância, esses podem ser reduzidos a somente dois: um critério orgânico ou subjetivo, que propõe identificar a função por meio de quem a produz; e um critério objetivo, que leva em conta a atividade, entendida como um dado objeto, em oposição a um sujeito. A respeito do critério objetivo, assinala que este se subdivide em dois outros: um critério material ou substancial, que procura reconhecer a função a partir de elementos intrínsecos a ela, e um critério formal, que se apega basicamente em características “de direito”, ou seja, em atributos que se deduzem especificamente do tratamento normativo que lhes corresponda, independentemente da similitude material que tais ou quais atividades possam apresentar entre si. Pondera que, de acordo com tais formulações, tanto Legislativo, como Judiciário, como Executivo, exerceriam as três funções estatais: de modo normal e típico, aquelas que lhes correspondem primariamente e, em caráter menos comum, ou até mesmo em certas situações invulgares tal qual ocorre no processo de impeachment, funções que, em princípio, seriam pertinentes a outros poderes ou, mais apropriadamente, a outros órgãos do Poder. Por fim, conclui que o critério adequado para identificar as funções estatais é o formal, ou seja, aquele que se prende a características que ficam impregnadas em tal ou qual função pelo próprio Direito. Deste modo, função legislativa é aquela em que o Estado, e somente ele, exerce por meio de normas gerais, inovando inicialmente na ordem jurídica, que se fundam direta e imediatamente na Constituição. Função jurisdicional é aquela em que o Estado, e somente ele, exerce por meio de decisões que solucionam controvérsias com força de coisa julgada. E, finalmente, função administrativa é aquela em que o Estado, ou quem desempenhe esse papel, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos, cujo traço distintivo, no sistema constitucional brasileiro, é o fato de ser desempenhada por meio de 48 comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, sujeitos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário. Debrucemo-nos agora sobre o entendimento de Gasparini (2009, p. 43-46). Ele menciona três critérios para definir Administração Pública: o negativista ou residual, o formal e o material. O primeiro é aquele segundo o qual administração pública é toda atividade do Estado que não seja legislativa e judiciária. Ele sublinha que esse critério parece se originar nas formações sociais primitivas, embrionárias das formações estatais, nas quais o poder estava concentrado na mão do chefe, que administrava, legislava e julgava. Ao se retirar dele, posteriormente, as atividades de legislar e julgar, teria restado a atividade de administrar. Porém, tal critério não é satisfatório, posto que os vocábulos legislar e julgar, que seriam, em tese, intrínsecos, respectivamente, às atividades legislativa e judiciária, são vocábulos equívocos, ou seja, possuem mais de um sentido. O critério formal, também chamado de orgânico ou subjetivo, é aquele que aponta para um conjunto de órgãos incumbidos das funções administrativas. Quanto ao critério material, também denominado de objetivo, administração pública é um complexo de atividades concretas e imediatas desempenhadas pelo Estado sob os termos e condições da lei, com vistas ao atendimento das necessidades coletivas. De acordo com o critério formal, administração pública é sinônimo de Estado (Administração Pública); já segundo o critério material, corresponde a atividade administrativa (administração pública). Citando José Afonso da Silva, ele afirma que, segundo aquele constitucionalista, o artigo 37 da Constituição Federal usa a locução “Administração Pública” com esses dois sentidos ao asseverar que o citado dispositivo utilizase da noção de conjunto orgânico ao falar em Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ao passo que também se utiliza da noção de atividade administrativa quando determina sua submissão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência da licitação e os de organização do pessoal administrativo. A organização estatal é matéria de ordem constitucional, cabendo ao Direito Constitucional discipliná-la, por meio da Constituição, ao passo que a criação, estruturação, alteração e atribuições das competências dos órgãos da Administração Pública são temas de ordem administrativa, cabendo ao Direito Administrativo a sua disciplina, mediante a lei, a 49 exemplo do que exige o art. 88 da Constituição Federal quanto à criação, estruturação e atribuições dos Ministérios. Deve-se frisar, no entanto, que esta última hipótese não significa que a Constituição não possa dispor sobre tais matérias; trata-se apenas de explicitação dos princípios da boa técnica legislativa. A instituição de órgãos da Administração Pública, assim como sua estruturação, alteração e atribuição de competências só podem ser reguladas mediante lei de iniciativa do Presidente da República, tal qual dispõe o art. 61, §1º, alínea e, da Constituição Federal, excetuando-se o que concerne às Casas do Congresso Nacional, na forma do disposto nos arts. 51, inciso IV, e 52, inciso XIII, da Constituição Federal. Da mesma forma, faz-se necessária lei stricto sensu específica para criação de entidades governamentais como autarquias e lei stricto sensu autorizadora específica para criação de fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista. Tais diretrizes se aplicam às três esferas de governo: federal, estadual e municipal. Cabe, nesse ponto, fazermos uma reflexão sobre o conceito mais atualizado de Administração Pública. Como vimos, existem doutrinadores do Direito Administrativo pátrio que já buscam haurir nas formulações de teóricos de outros países referências para extraírem uma definição mais instrumental de Administração Pública, condizente com as necessidades contemporâneas, inclusive em países cujos sistemas de interpretação constitucional se esteiam em princípios significativamente distintos daqueles que norteiam a nossa hermenêutica constitucional pátria quanto à margem de autonomia de ação da Administração Pública, a exemplo dos Estados Unidos da América, cujo Direito Constitucional se funda na chamada teoria dos poderes implícitos, de inspiração liberal e que vem funcionando muito bem naquele país em virtude dos valores que permeiam a sua sociedade civil, calcada na cultura do mérito. A teoria dos poderes implícitos, em breves palavras, é aquela segundo a qual pode a Administração Pública valer-se dos instrumentos que considere mais apropriados visando a atingir a efetividade esperada de suas ações no cumprimento das funções e atribuições que lhe são cometidas, no interesse do bem-estar social e do interesse público. A despeito disso, como vimos no capítulo antecedente, até mesmo naquele país, vivendo sob a égide da referida teoria constitucional, verificou-se que durante o período 1880-1936 a Suprema Corte, movida pela ideologia típica do liberalismo econômico e político, tolheu sistematicamente o Poder Executivo federal em suas iniciativas que visavam à solução de controvérsias administrativas envolvendo os negócios públicos e à modernização daquele país, inclusive na esfera trabalhista e social. Aliás, percebe-se que até nos dias atuais a área social é vista de forma 50 enviesada por expressivos segmentos sociais representados no Parlamento daquele país, como o demonstram as resistências no Congresso Nacional em relação às políticas sociais inclusivas que a gestão atual da Administração Pública Federal estadunidense tenta implementar. De qualquer modo, a partir do governo de Franklin Delano Roosevelt, a Administração Pública Federal daquele País conseguiu superar as resistências da Suprema Corte e implementar a sua política do New Deal, plano governamental de recuperação da economia do País, após a débâcle de 1929, de forte conteúdo intervencionista estatal na economia, calcado em fortes investimentos em infra-estrutura, políticas de geração de emprego, avanço da legislação trabalhista e social, culminando com o advento do chamado Estado de Bem-Estar-Social, o Welfare State. A respeito dessa teoria, vale registrar reflexões feitas por Story (1873 apud BONAVIDES, 2010, p. 468-469), nome exponencial do constitucionalismo estadunidense, visando a conseguirmos um melhor entendimento da mesma, bem como buscar seus pontos de contato com a hermenêutica constitucional contemporânea: O trecho seguinte de Story contém sobre o assunto lúcidas e admiráveis reflexões, que traçam e antecipam de certo modo a moderna metodologia do sistema constitucional assentada sobre bases axiológicas, históricas e teleológicas, de que se acha impregnado todo o conteúdo da matéria constitucional. Senão, vejamos: ‘Quando se vislumbram o caráter da Constituição mesma, os objetivos que intenta colimar, os poderes que confere, os deveres que impõe e os direitos que assegura, bem como o fato histórico conhecido de que muitas de suas provisões foram matéria de compromisso de opiniões e interesses opostos, alcançaremos provavelmente a conclusão de que nenhuma regra uniforme de interpretação pode aplicar-se-lhe, que não consinta, embora positivamente não o exija, muitas modificações em sua presente aplicação a determinadas cláusulas. E talvez a mais segura regra de interpretação seja afinal de contas aquela que, empregando todas as luzes e recursos da história contemporânea, se volte para a natureza e objetivos dos direitos, deveres e competências específicas, dando às palavras que os exprimem uma força e função compatíveis com seu legítimo significado, de modo que se possa justamente assegurar e lograr os fins propostos’. Continua discorrendo Bonavides (2010, p. 469), no rastro do pensamento de Story, acerca da necessidade de harmonia entre os instrumentos governamentais e as legítimas aspirações sociais, afirmando que: A Constituição é sobretudo um instrumento de governo, ou seja, de governo nos limites da lei, da ordem jurídica solidamente estabelecida e dos postulados essenciais de um Estado de Direito que, havendo limitado o poder no legítimo 51 interesse da Sociedade, se conduz segundo princípios superiores e tutelares da liberdade e do respeito à pessoa humana. Em outra oportunidade, mais uma vez manifesta-se Story (1873 apud BONAVIDES, 2010, p. 469) em defesa de uma interpretação teleológica, invocando a coerência entre os fins e os meios, em razão das demandas sociais em permanente transformação: A Constituição se esboça qual moldura jurídica de um governo que, segundo Story, ‘pressupõe a existência de uma pequena mutabilidade em suas funções, relativas àqueles que lhe estão sujeitos, e a uma perpétua flexibilidade no adaptar-se às suas necessidades, hábitos, ocupações e fraquezas’ A relação íntima entre o texto e os fins da Constituição, com prevalência destes, ao ensejo de uma controvérsia interpretativa, foi expressa por Story quando ponderou que ‘nenhuma corte de justiça poderá interpretar uma cláusula constitucional em ordem a frustrar-lhe os óbvios fins, se do mesmo passo couber outra interpretação que, acorde com o texto e o sentido da Constituição, venha observá-los e protegê-los’. [...] Mas Story também adverte contra o sacrifício da letra da Constituição, isto é, contra a desvinculação entre o espírito e a palavra da Carta, para mostrar que ambos devem ser igualmente respeitados. Nesse ponto sua lição, que é a de um clássico das letras jurídicas e da experiência constitucional, se alteia a limites inexcedíveis. Afirma ele por igual haver-se ponderado com grande exação, que apesar de o espírito de um instrumento, sobretudo em se tratando de uma Constituição, fazer jus a um acatamento equivalente ao que se presta ao texto literal, ainda assim o espírito há de ser extraído primacialmente da letra. Prossegue ainda Story (1873 apud Bonavides, 2010, p. 471), discorrendo mais detidamente sobre a referida teoria balizadora do Direito Constitucional estadunidense, mencionando outro expoente do constitucionalismo estadunidense, o juiz Marshall, que defende a interpretação contextualizada da Constituição, em sintonia com os anseios do povo, a qual deve possuir características de norma genérica, sustentando não ser conveniente que ela disponha acerca dos meios de que se deve lançar mão para consecução dos seus objetivos: A doutrina do juiz Marshall, a que excelentemente se refere Story, é a de que as palavras podem comportar várias acepções, mas o que em verdade importa com respeito a uma legítima interpretação da Constituição é descer com veracidade ao tema, ao contexto, às intenções do povo, qual se depreendem do instrumento constitucional. Dizia Marshall com razão que as Constituições foram feitas para durar e tolher crises resultantes de negócios humanos. Reporta-se ainda o Mestre americano, escudado em razões contidas numa decisão judicial, à inevitável 52 necessidade de linguagem genérica como a que mais convém às Constituições. Com citações desse julgado, demonstra ele que sendo a Constituição uma carta das liberdades, não é o instrumento mais apto e escorreito para fazer minudente especificação de poderes ou declarar os meios mediante os quais devem estes ser exercitados. O posicionamento do juiz Marshall a respeito da teoria dos poderes implícitos em relação ao Poder Público estadunidense, assentado na célebre decisão da demanda McCulloch versus Maryland, em 1819, é assim explicitado por Willoughby (1910 apud Bonavides, 2010, p. 472): Os poderes implícitos foram aliás objeto de algumas ponderações clássicas de Marshall emitidas no aresto da Suprema Corte ao ensejo da demanda McCulloch versus Maryland. Disse o insigne jurista: “Pode-se com assaz razão sustentar que um governo, ao qual se cometeram tão amplos poderes (como o dos Estados Unidos), para cuja execução a felicidade e a prosperidade da nação dependem de modo tão vital, deve dispor de largos meios para sua execução. Jamais poderá ser de seu interesse, nem tampouco se presume haja sido sua intenção, paralisar e dificultar-lhe a execução, negando para tanto os mais adequados meios”. E, finalmente, fazendo uma crítica dessa teoria de interpretação constitucional, afirma Bonavides (2010, p. 475): Os poderes implícitos estão para a hermenêutica constitucional assim como a separação de poderes para a preservação jurídica da liberdade. Ambos representam técnicas essencialmente lógicas e racionais extraídas de uma análise ao poder político, de uma Sociedade que, ao exibir determinada estrutura, já alcançou um certo grau de desenvolvimento institucional. Se a separação dos poderes é a técnica que com mais facilidade consente a identificação ou o reconhecimento de suas matrizes ideológicas, a teoria dos poderes implícitos, sem embargo de encobrir à primeira vista esse aspecto, não é menos vinculada historicamente ao processo liberal e à ideologia burguesa. E encobre tal aspecto de modo mais bem-sucedido, em razão de sua racionalidade aparentemente mais pura. (...). A teoria dos poderes implícitos, oriunda da hermenêutica constitucional do Estado liberal, representa, por sem dúvida, dos mais formosos produtos da razão que o liberalismo introduziu no Direito. Com muito mais felicidade – diga-se aliás – do que a teoria dos direitos naturais, inalienáveis e imprescritíveis, cujo teor material, como no caso da propriedade, fez do todo fácil a desmistificação de sua natureza histórica, passageira, imperdurável, bem como de seus ostensivos vínculos com a ideologia da sociedade burguesa, da qual fora fruto e expressão. 53 A nosso ver, de tudo quanto foi exposto sobre a teoria dos poderes implícitos, dois aspectos de grande importância devem ser destacados. O primeiro, que ela se constituiu numa técnica de interpretação constitucional muito avançada para a sua época e podemos dizer que antecipou à técnica de interpretação constitucional de matriz alemã tão festejada na atualidade, que é a técnica de interpretação conforme o espírito da Constituição, que vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal em suas decisões. O segundo, que ela confere um amplo poder discricionário à Administração Pública, que, no caso da realidade brasileira, é algo completamente inadmissível. O seu sucesso, nesse aspecto, nos Estados Unidos da América, deve-se certamente ao perfil cultural da sociedade estadunidense, que se funda indubitavelmente no mérito como instrumento de ascensão social e econômica. Aqui no Brasil, onde, infelizmente, predomina a improbidade administrativa na esfera do Poder Público, do que não deixam dúvida o farto noticiário a esse respeito e as ações judiciais de improbidade administrativa que pululam no Poder Judiciário, a aplicação da teoria dos poderes implícitos contribuiria para a ocorrência de descalabros administrativos ainda maiores que aqueles a que a sociedade assiste com indesejável e danosa frequência. Assim, é fora de qualquer dúvida que tal teoria aplicada num país como o nosso, forjado numa cultura patrimonialista e de compadrio, seria indubitavelmente desastrosa para o interesse público. Para se entrever isso, basta olharmos para o noticiário pródigo acerca de irregularidades administrativas em todos os recantos do País, relativas a nepotismo, burla do princípio do concurso público, licitações públicas fraudulentas, contratações diretas em prejuízo da Administração Pública, superfaturamento de obras públicas, etc.; e tudo isso a despeito de toda a regulamentação existente que vincula a Administração Pública brasileira. Todavia, a despeito desse quadro desolador, é forçoso reconhecermos que não se pode engessar de forma absoluta e rígida a Administração Pública brasileira, sob pena de comprometer sua eficiência, eficácia e efetividade, quando esta busca, e por vezes consegue encontrar, soluções responsáveis e exeqüíveis para as questões gerenciais e questões de outra natureza que se lhes apresentam. Por vezes, iniciativas bem sucedidas são impugnadas sob argumentos de violação de disposições constitucionais, alegações essas que muitas vezes estão a serviços de interesses outros que não o interesse público. 3.1 CONCEITO DE CARGO PÚBLICO E DE CARREIRA Cargo público e carreira comportam conceitos ou definições tanto de ordem legal como doutrinária. O primeiro caso corresponde àquilo que a lei disponha a esse respeito, ao passo que o segundo corresponde àquilo que dizem os doutrinadores administrativistas. 54 Assim, na esfera federal, cargo público está conceituado ou definição pelo caput do art. 3º da Lei nº 8.112, de 11.12.1990; já a sua forma de criação e outras características a ele inerentes estão descritas no parágrafo único do mesmo dispositivo legal: o Art. 3 Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor. Parágrafo único. Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão. Já o conceito de carreira, que na sua acepção legal pode compreender um ou mais cargos públicos, fica caracterizado no diploma legal que a criou e corresponde à forma mediante a qual são organizados os cargos públicos. A carreira de que se trata neste trabalho, por exemplo, a Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, é integrada por dois cargos públicos efetivos, pois assim dispõe a sua lei de criação. Vale também ressaltar que só há sentido em falar-se de carreira em se tratando de cargos públicos efetivos, não existindo o conceito de carreira para cargos públicos em comissão. A definição de cargo público e de carreira, assim como de classe, também aparece em outro diploma legal mais genérico, a Lei Federal nº 3.780/60, a qual dispõe sobre classificação de cargos do serviço civil do Poder Executivo, estabelece os vencimentos correspondentes e dá outras providências. Observe-se que nesse diploma legal, no lugar do vocábulo “carreira” (inciso III do art. 4º) aparece a locução “série de classes”: Art. 4º Para os efeitos desta lei: I - Cargo é o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um funcionário, mantidas as características de criação por lei, denominação própria, número certo e pagamento pelos cofres da União. II - Classe é o agrupamento de cargos da mesma denominação e com iguais atribuições e responsabilidades. III - Série de classes é o conjunto de classes da mesma natureza de trabalho, dispostas hieràrquicamente, de acôrdo com o grau de dificuldade das atribuições e nível de responsabilidades, e constituem a linha natural de promoção do funcionário. Debrucemo-nos agora sobre o conceito doutrinário de cargo público, de classe e de carreira. De acordo com Meirelles (2002, p. 392-393): Cargo público é o lugar instituído na organização do serviço público, com denominação própria, atribuições e responsabilidades específicas e estipêndio 55 correspondente, para ser provido por um titular, na forma estabelecida em lei. (...) Os cargos distribuem-se em classes e carreiras, e excepcionalmente criam-se isolados. Classe - é o agrupamento de cargos na mesma profissão, e com idênticas atribuições, responsabilidades e vencimentos. As classes constituem os degraus de acesso na carreira. Carreira – é o agrupamento de classes da mesma profissão ou atividade, escalonadas segundo a hierarquia do serviço, para acesso privativo dos titulares dos cargos que a integram, mediante provimento originário. O conjunto de carreiras e de cargos isolados constitui o quadro permanente do serviço dos diversos Poderes e órgãos da Administração Pública. As carreiras iniciam-se e terminam nos respectivos quadros (grifos em itálico e negrito do autor citado). Já segundo Bandeira de Mello (2003, p. 233-234 e 276-277): Cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei, salvo quando concernentes aos serviços auxiliares do Legislativo, caso em que se criam por resolução, da Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou de outra destas Casas. (...) Os cargos públicos, quanto à sua posição no “quadro”, classificam-se em (I) de carreira e (II) isolados. Quadro é o conjunto de cargos isolados ou de carreira. Os cargos serão (I) de carreira quando encartados em uma série de “classes” escalonada em função do grau de responsabilidade e nível de complexidade das atribuições. Classe é o conjunto de cargos da mesma natureza de trabalho. Os cargos dizem-se (II) isolados quando previstos sem inserção em carreiras. Os cargos também são classificáveis quanto à sua vocação para retenção dos ocupantes. De acordo com este critério, dividem-se em: cargos de provimento em comissão, cargos de provimento efetivo e cargos de provimento vitalício, conforme predispostos, respectivamente, a receber ocupantes transitórios, permanentes ou com uma garantia ainda mais acentuada de permanência (grifos em itálico do autor citado). Passemos agora ao magistério de Gasparini (2009, p. 265) sobre esse mesmo tema. Ele faz referência às definições de Meirelles e Bandeira de Mello, aqui já expostas, para, então conceituar: (...) cargo público é o menor centro hierarquizado de competências da Administração direta, autárquica e fundacional pública, criado por lei ou resolução, com denominação própria e número certo. A exigência de lei para sua criação decorre do disposto no art. 61, §1º, II, a, enquanto a exigência de resolução funda-se no prescrito nos arts. 51, IV, e 52, XIII, estes combinados com o art. 48, todos da Constituição Federal (grifos em itálico do autor citado). 56 Prossegue Gasparini (2009, p. 273-275), discorrendo sobre os critérios de classificação aventados para os cargos públicos: Várias são as classificações formuladas pelos autores para os cargos públicos. Poucas, no entanto, têm relevo e funcionalidade. As mais importantes são as que levam em conta, para a sistematização desejada, os critérios da segurança do funcionário na titularização do cargo e da posição do cargo no quadro funcional da Administração Pública. Pelo primeiro, os cargos públicos são de provimento: I – em comissão; II – efetivo; III – vitalício. Os dois primeiros são criações da lei, enquanto o último é instituição da Constituição. Pelo segundo desses critérios, os cargos são: I – isolados; II – de carreira. (...). De provimento efetivo, ou simplesmente cargo efetivo, é o que confere ao seu titular, em termos de permanência, segurança. É o cargo ocupado por alguém sem transitoriedade ou adequado a uma ocupação permanente. (...). Continua Gasparini seu ensinamento (2009, p. 277-278), discorrendo agora sobre a classificação segundo o critério da posição do cargo no quadro funcional da Administração Pública: Por esse critério, os cargos públicos são bipartidos em isolados e de carreira, cujos conceitos exigem a prévia noção de classe e de carreira. Classe é um agrupamento de cargos da mesma profissão ou atividade e de igual padrão de vencimento. Para fins de “classificação de cargos do serviço civil do Poder Executivo”, a Lei Federal n. 3.780, de 12 de julho de 1960, estabeleceu que “classe é o agrupamento de cargos da mesma denominação e com iguais atribuições e responsabilidades” (art. 4º, II). Para o Estatuto paulista (art. 7º), classe “é o conjunto de cargos da mesma denominação”. Carreira é um agrupamento de classes da mesma profissão ou atividade com denominação própria, e, para a referida Lei federal n. 3.780/60, “é o conjunto de classes da mesma natureza de trabalho, dispostas hierarquicamente, de acordo com o grau de dificuldade das atribuições e nível de responsabilidade, e constituem a linha natural de promoção do funcionário”. Essa lei substituiu a palavra carreira por “série de classes” (art. 4º, III). Para o Estatuto paulista “é o conjunto de classes da mesma natureza de trabalho, escalonadas segundo o nível de complexidade e o grau de responsabilidade” (art. 8º). A carreira, ou série de classes, é o mecanismo de progressão ou ascensão do servidor público civil no quadro de pessoal a que está integrado, independentemente de concurso. É vedado, sem concurso, o acesso ou promoção de carreira inferior para outra mais elevada (RT, 725:141). (grifos em itálico do autor). Feitos esses importantes esclarecimentos, ele prossegue seu raciocínio, definindo cargo de carreira e cargo isolado: 57 Pode-se definir cargo de carreira como o pertencente a um conjunto de cargos de mesma denominação, distribuídos por classes escalonadas em função da complexidade de atribuições e nível de responsabilidade. (...) Esses cargos são de provimento efetivo e só podem ser titularizados por servidores públicos estatutários aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos. Em outras situações, nem mesmo se pode falar em carreira, como ocorre com os Ministros de Estado. Nessas hipóteses, como não há carreira, diz-se que o cargo é isolado. Cargo isolado, portanto, é o que não integra qualquer carreira. Os cargos isolados, dependendo da lei ou resolução de criação, são de provimento efetivo ou em comissão. O conjunto de cargos de carreira e dos cargos isolados constitui o quadro de pessoal. No âmbito federal (art. 16 da Lei n. 3.780/60), cada Ministério tem seu quadro de pessoal. Na esfera dos Estados-Membros, do Distrito Federal e dos Municípios procede-se de igual modo, embora sem qualquer obediência a essas leis federais. Procede-se assim devido à racionalidade da estrutura que se acaba conseguindo. (grifos em itálico do autor e, em negrito, nossos). Como se vê, Gasparini leciona de forma categórica que somente cargos efetivos podem ser distribuídos em carreiras. Além disso, como se depreende do ensinamento dos três autores citados, toda carreira, a rigor, é composta de cargos de mesma denominação, escalonados em classes, mediante as quais ocorre a ascensão do titular de cada um deles sem que seja necessário este submeter-se a concurso público. Assim, a nosso ver, pode-se falar em carreira stricto sensu e carreira lato sensu: a primeira corresponde à definição doutrinária e à definição geral insculpida na Lei nº 3.780/60, enquanto a segunda corresponde à definição dada pela lei específica de criação de cada carreira, que determina quais são os cargos que a compõem. De qualquer modo, num caso ou noutro, é vedada a progressão ou ascensão do ocupante de um cargo para outro cargo distinto daquele, ainda que integrante da mesma carreira lato sensu. Caso o titular de um deles queira ingressar em outro cargo de denominação e atribuições distintas e mais complexas da própria Carreira lato sensu de que o cargo que ocupa faça parte, deverá necessariamente submeter-se a concurso público, pois esse provimento só poderá ser originário, por força de disposição constitucional. É oportuno aqui consignar o entendimento de Gasparini (2009, p. 269-270) a respeito do processo de criação e extinção de cargos públicos. Ele principia seu magistério citando o art. 48 da Constituição Federal, que dispõe sobre criação, transformação e extinção de cargos: Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: (...) 58 X - criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o art. 84, VI, b; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) Em seguida, esclarece que, no âmbito do Executivo Federal, a lei é de iniciativa exclusiva do Presidente da República, como dispõe o art. 61, §1º, II, a, da Constituição Federal, que, todavia, não menciona a transformação de cargo. Pondera que, a despeito dessa omissão no texto da Carta Magna, seria inconstitucional a lei originada de projeto de iniciativa parlamentar que transformasse cargos no âmbito do Poder Executivo. Isso porque, se se admite que a transformação implica numa extinção, a qual, nos termos do art. 84, XXV, da Constituição Federal, é privativa do Presidente da República e também implica numa criação de novo cargo, que, de acordo com o art. 61, §1º, II, a da mesma Lei Maior, também é exclusiva dessa autoridade, não se pode admitir que a transformação de cargos no Poder Executivo possa ser promovida por lei oriunda de iniciativa parlamentar, mesmo que o projeto venha a ter a chancela presidencial com a sua sanção; mesmo assim, não desaparece o vício de inconstitucionalidade, pois este já se encontra na sua origem. Nem mesmo valendo-se de emenda constitucional poder-se-ia burlar essa competência exclusiva do Presidente da República. No entanto, prossegue ele, é facultado ao parlamentar, apresentar emendas a projeto de lei dessa natureza. Contudo, tal faculdade não é absoluta por conta de que a emenda não pode acarretar aumento da despesa prevista no projeto oriundo do Executivo, conforme dispõe o art. 63, I, da Carta Magna. Também não se pode por emenda parlamentar aumentar o número de cargos propostos nem alterar os cargos de modo a distribuí-los diferentemente do proposto pelo Executivo; o máximo que se admite ao parlamentar é reduzir a quantidade de cargos propostos, caso entenda que a mesma é desnecessária ou excessiva, ou, então, rejeitar o projeto, pois, neste último caso, estaria exercitando legitimamente a sua função parlamentar. É importante também deixar aqui registrado o abalizado e esclarecedor magistério de Meirelles (2002, p. 395-396) a respeito desse tema. Ele repete basicamente o conteúdo do ensinamento de Gasparini, acrescentando que as emendas parlamentares às leis de criação, transformação e extinção de cargos, funções ou empregos podem ser feitas desde que “não ultrapassem os limites qualitativos (natureza ou espécie, ou seja, estreita pertinência com o objeto do projeto) e quantitativos da proposta, nem desfigurem o projeto original”, mencionando, a esse respeito, a decisão do STF proferida na ADIn 546-4/DF, DJU de 59 16.05.2000. Esclarece que tais ponderações se aplicam igualmente à Constituição Estadual e suas Emendas, bem como à Lei Orgânica Municipal, como nesse sentido tem decidido o STF. 3.2 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS E ENTENDIMENTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS QUANTO À INVESTIDURA EM CARGO PÚBLICO EFETIVO De acordo com a regra geral insculpida na Constituição Federal vigente, o provimento originário de cargo público efetivo, ou seja, a investidura em cargo público efetivo, só pode ser feito mediante a via do concurso público de provas ou de provas e títulos. Tal é o que dispõe o capítulo 37, inciso II, da Carta Magna: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...) II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Encontram-se na doutrina pátria duas exceções admitidas a essa regra basilar da Carta Magna, assinaladas por dois insignes administrativistas brasileiros, Cunha Júnior e Gasparini. Para o primeiro, tal exceção é a reintegração, que consiste em nova investidura em razão do servidor ter sido desligado ilegalmente do cargo de que era titular. Para o segundo, é a investidura em cargo que sofreu transformação, que consiste na extinção de um ou mais cargos existentes e na criação de um ou mais cargos novos, ou seja, a criação do(s) novo(s) cargo(s) decorre(m) da extinção do(s) cargo(s) existente(s). Assim, debrucemo-nos primeiramente sobre o ensinamento de Meirelles a respeito de provimento de cargo público (2002, p. 397-398): Provimento é o ato pelo qual se efetua o preenchimento do cargo público, com a designação de seu titular. O provimento pode ser originário ou inicial e derivado. Provimento inicial é o que se faz através de nomeação, que pressupõe a inexistência de vinculação entre a situação de serviço anterior do nomeado e o preenchimento do cargo. Assim, tanto é provimento inicial a nomeação de pessoa estranha aos quadros do serviço público quanto a de outra que já exercia função pública como ocupante de cargo não vinculado àquele para o qual foi nomeada. Já, o provimento derivado, 60 que se faz por transferência, promoção, remoção, acesso, reintegração, readmissão, enquadramento, aproveitamento ou reversão, é sempre uma alteração na situação de serviço do provido. Em razão do art. 37, II, da CF, qualquer investidura em carreira diversa daquela em que o servidor ingressou por concurso é, hoje, vedada. Acrescente-se que a única reinvestidura permitida sem concurso é a reintegração, decorrente da ilegalidade do ato de demissão. Passemos agora ao magistério de Gasparini a respeito dessa mesma matéria (2009, p. 280-281): Consoante doutrina tradicional, em nada alterada pela Constituição de 1988, o provimento é classificado em originário e derivado. É originário, ou inicial, quando a nomeação independe de qualquer vinculação do provido com a Administração Pública direta, autárquica ou fundacional pública. Constitui-se na primeira investidura, embora a Constituição Federal, no art. 37, II, não o diga. Ressalvados os cargos de provimento em comissão, pressupõe a aprovação prévia do provido em concurso de provas ou de provas e títulos. (...). É derivado se a designação depender de vinculação anterior do provido com a Administração Pública, autárquica e fundacional pública. O provimento, no caso, deriva, decorre, procede necessariamente do liame anterior. Este tem que existir sob pena de nulidade da nomeação. (grifos em itálico do autor citado). Neste ponto, passemos em revista o entendimento doutrinário que, a respeito dessa matéria, professa Bandeira de Mello (2003, p. 279-280). 86. O ato de designação de alguém para titularizar cargo público denomina-se provimento. O provimento dos cargos – com a ressalva adiante feita (n. 89), ao se tratar da nomeação – é sempre da alçada do Poder (Executivo, Legislativo ou Judiciário) em que estejam integrados. 87. A Lei federal 8.112, de 11.12.90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União, em seu art. 8º, relaciona as seguintes formas de provimento de cargo: (a) nomeação; (b) promoção; (c) readaptação; (d) reversão; (e) aproveitamento; (f) reintegração; e (g) recondução. Desde a Lei 9.527, de 10.12.97, foram extintas as figuras da “transferência” e da “ascensão”. 88. Ditas formas podem ser assim organizadas, de acordo com a excelente sistematização do Prof. Osvaldo Aranha Bandeira de Mello: a) provimento autônomo ou originário; b) provimentos derivados, os quais compreendem hipóteses de derivação vertical, derivação horizontal e derivação por reingresso. (grifos do autor citado). Em seguida, Bandeira de Mello (2003, p. 280-281) discorre acerca dos tipos de provimento, de acordo com a classificação por ele adotada: 61 89. O provimento autônomo ou originário é aquele em que alguém é preposto no cargo independentemente do fato de ter, não ter, haver ou não tido algum vínculo com cargo público. Vale dizer, o provimento não guarda qualquer relação com a anterior situação do provido. Por isto se diz autônomo ou, então, originário. A única forma de provimento originário é a nomeação, a qual se define, pois, como o provimento autônomo de um servidor em cargo público. (...) 92. Os provimentos derivados, como o nome indica, são aqueles que derivam, ou seja, que se relacionam com o fato de o servidor ter ou haver tido algum vínculo anterior com cargo público. Nele se radica a causa do ulterior provimento. O provimento derivado, consoante dito, pode ser vertical, horizontal ou por reingresso. (grifos em itálico e negrito do autor citado). Continua o renomado autor discorrendo sobre o tema, detalhando as modalidades de provimento derivado, de acordo com a classificação por ele adotada (2003, p. 281-283): 93. Provimento derivado vertical é aquele em que o servidor é guindado para cargo mais elevado. Efetua-se através de promoção – por merecimento ou antiguidade, critérios alternados de efetuá-la. 94. Promoção é a elevação para cargo de nível mais alto dentro da própria carreira. (...) 95. Provimento derivado horizontal é aquele em que o servidor não ascende, nem é rebaixado em sua posição funcional. Com a extinção legal da transferência, o único provimento derivado horizontal é a readaptação (a qual, aliás, não é senão uma modalidade de transferência). 96. Readaptação é a espécie de transferência efetuada a fim de prover o servidor em outro cargo mais compatível com sua superveniente limitação de capacidade física ou mental, apurada em inspeção médica. (...) 97. O provimento derivado por reingresso é aquele em que o servidor retorna ao serviço ativo do qual estava desligado. Compreende as seguintes modalidades: a) reversão; b) aproveitamento; c) reintegração; e d) recondução. 98. (a) Reversão é o reingresso do aposentado no serviço ativo, ex officio ou “a pedido”, por não subsistirem, ou não mais subsistirem, as razões que lhe determinaram a aposentação. (...). 99. (b) Aproveitamento é o reingresso do servidor estável, que se encontrava em disponibilidade, no mesmo cargo dantes ocupado ou em cargo de equivalentes 62 atribuições e vencimentos compatíveis. Disponibilidade, relembre-se, é o ato pelo qual o Poder Público transfere para a inatividade remunerada servidor estável cujo cargo venha a ser extinto ou ocupado por outrem em decorrência de reintegração, sem que o desalojado proviesse de cargo anterior ao qual pudesse ser reconduzido e sem que existisse outro da mesma natureza para alocá-lo. (...) 100. (c) Reintegração é o retorno do servidor ilegalmente desligado de seu cargo ao mesmo, que dantes ocupava, ou, não sendo possível, ao seu sucedâneo ou equivalente, com integral reparação dos prejuízos que lhe advieram do ato injurídico que o atingira. Tal reconhecimento tanto pode vir de decisão administrativa como judicial. 101. (d) Recondução é o retorno do servidor estável ao cargo que dantes titularizava, quer por ter sido inabilitado no estágio probatório relativo a outro cargo para o qual subsequentemente fora nomeado, quer por haver sido desalojado dele em decorrência de reintegração do precedente ocupante. (grifos em itálico e em negrito do autor citado). Gasparini (2009, p. 282) também se posiciona no mesmo sentido de Bandeira de Mello no que tange à classificação do provimento derivado por reingresso: O provimento derivado diz-se por reingresso quando há o retorno do servidor que se desligara da Administração Pública direta, autárquica e fundacional pública. São formas de reingresso: a reintegração, o aproveitamento, a reversão e a recondução. Dá-se a reintegração do servidor ao cargo que antes ocupava porque fora desligado ilegalmente. Nessa hipótese, o retorno faz-se com a plena restauração dos direitos violados (volta para o mesmo cargo, com todas as vantagens) e com o integral ressarcimento dos prejuízos sofridos (recebe todos os vencimentos, com juros e correção monetária), não obstante decisão em contrário do STF (RDA, 127:377) no que concerne à correção. A reintegração pode ser judicial (decorre de decisão do Poder Judiciário em ação de anulação do ato jurídico cumulada com reintegração do servidor) ou administrativa (deriva de decisão da entidade a que se ligava o servidor), conforme prevê o art. 28 do Estatuto Federal. (grifos em itálico do autor). Feitas essas transcrições, podemos notar que Bandeira de Mello e Gasparini possuem um entendimento diverso de Meirelles quanto à natureza do provimento de cargo público pela via da reintegração do servidor. Para Bandeira de Mello e Gasparini, reintegração é uma espécie da modalidade reingresso, uma das modalidades de provimento derivado, em razão desta decorrer de uma decisão judicial ou administrativa que tem como nexo causal com a Administração Pública o 63 injusto desligamento do servidor do cargo público integrante do quadro do órgão ou da entidade a que pertencia, isso a despeito de ter havido uma ruptura total e, em princípio, irreversível de tal vínculo. É esse caráter de irreversibilidade administrativa, quebrado somente pela decisão judicial, que a difere das demais espécies da modalidade de provimento derivado por reingresso, a saber: reversão, aproveitamento e recondução, pois nestas, em que pese o servidor se desvincular do quadro de servidores ativos do órgão ou entidade estatal, esse desligamento não tem o caráter de irreversibilidade, que é próprio da demissão. Em contrapartida, Meirelles trata a reintegração como um exemplo de provimento originário sem exigência de concurso público, como uma exceção à regra geral insculpida na Constituição Federal para investidura em cargo público. A nosso ver, ele adotou esse entendimento em virtude da demissão provocar uma ruptura, uma descontinuidade do ponto de vista administrativo, que se assemelha, sob esse aspecto, à exoneração solicitada pelo servidor público, que possui caráter definitivo, pois é irretratável. Consideramos o sistema de classificação adotado por Bandeira de Mello e Gasparini mais coerente, pois a reintegração necessariamente faz remissão ao vínculo que anteriormente existia e que foi rompido unilateralmente de forma ilegal, que é precisamente o nexo de causalidade que suscita a decisão judicial ou administrativa determinando a reintegração do servidor ao mesmo cargo público do órgão ou entidade a que estava anteriormente vinculado, diferentemente de uma pessoa que se exonerou de determinado cargo, submeteu-se a novo concurso público para o mesmo cargo e é nele investido como qualquer outra pessoa que jamais possuiu vínculo com os órgãos e entidades do aparato estatal. A propósito de Gasparini (2009, p. 268), queremos deixar aqui registrada a nossa discordância com o entendimento por ele esposado quanto aos atos normativos necessários para alteração ou modificação de elementos do cargo público, ao menos no que se refere ao Poder Executivo Federal: Alerte-se que, se o elemento (nome, padrão, referência, requisito de provimento, atribuição) foi instituído por lei, somente por ato igual pode ser modificado, se se tratar de cargo do Executivo, de suas autarquias e fundações públicas, do Judiciário ou das Cortes de Contas. Se se tratar de cargos do Legislativo, só podem ser modificados por resolução desse Poder. Nossa divergência com o ilustre autor repousa no fato de que a própria Constituição Federal, certamente com fundamento no princípio da autotutela da Administração Pública, confere ao Presidente da República poderes para promover por meio de decreto autônomo a 64 reorganização da máquina pública que não implique em aumento da despesa, e a extinção de funções e cargos públicos vagos, como se verifica da leitura do art. 84, VI: Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) Neste ponto, julgamos oportuno abordar o relevante tema da transformação de cargos públicos no âmbito do Poder Executivo, trazendo o entendimento de Gasparini e Clenício Duarte a esse respeito. Assim, reportando-se a esse tema, afirma Gasparini (2009, p. 267): A transformação de cargo, por sua vez, significa uma alteração de molde a atingir sua natureza. O cargo era efetivo; com a transformação, passa a ser em comissão. Assim, nada se altera quando a modificação introduzida diz respeito tão-só à quantidade de cargos, à denominação, ao acréscimo ou supressão de alguma de suas atribuições. Com a transformação o que se tem realmente é a extinção de um ou de alguns cargos e a criação de outro ou de outros. Essa extinção e criação acontecem sem necessidade de menção. Ocorrem automática e simultaneamente quando um cargo é transformado em outro. Por seu turno, sobre esse tema discorre Clenício Duarte (RDP 18/140 apud MEIRELLES, 2002, p. 395), trazendo à colação importante decisão do Pleno do STF proferida em sede de julgamento da ADIn 266-0-RJ, DJU de 06.08.1993: A transformação de cargos, funções e empregos do Executivo é admissível desde que realizada por lei de sua iniciativa. Pela transformação extinguem-se os cargos anteriores e se criam os novos, que serão providos por concurso ou por simples enquadramento dos servidores já integrantes da Administração, mediante apostila de seus títulos de nomeação. Assim, a investidura nos novos cargos poderá ser originária (para os estranhos ao serviço público) ou derivada (para os servidores que forem enquadrados), desde que preencham os requisitos da lei. Também podem ser transformadas funções em cargos, observados o procedimento legal e a investidura originária ou derivada, na forma da lei. Todavia, se a transformação 65 “implicar em alteração do título e das atribuições do cargo, configura novo provimento”, que exige concurso público. (grifo nosso) Como se vê do ensinamento de Clenício Duarte, é perfeitamente admissível, à luz da jurisprudência da nossa Corte Constitucional, a transformação de cargos mediante extinção de cargos existentes e criação de novos cargos que lhes correspondam, desde que não haja cumulativamente alteração de nomenclatura e de atribuições. Quanto a Gasparini, mais uma vez manifestamos nossa discordância com seu entendimento, desta feita em relação à necessária alteração da natureza do cargo extinto em relação ao cargo criado, o que colide com a própria compreensão do STF a respeito do tema. Com efeito, observemos que nem Clenício Duarte, como o endosso de Meirelles, nem o entendimento do STF que aquele menciona colocam a condicionante de alteração da natureza do cargo como requisito obrigatório para validade de sua transformação. Frisemos também a interessante observação de Gasparini no trecho transcrito, quando afirma que nos casos em que há somente alteração de nomenclatura e acréscimo ou supressão de atribuições do cargo, não existe nenhuma alteração substantiva de sua natureza. Nesse particular aspecto, concordamos com o entendimento dele, pois tais alterações dizem respeito à autonomia que tem a Administração Pública para implementar modificações em sua estrutura orgânica e operacional com vistas a alcançar os objetivos colimados, em consonância com os princípios constitucionais que a regem, notadamente o da eficiência. À vista da transformação de cargos, pode-se questionar acerca de que tipo de situação exigiria uma transformação de cargos, ou seja, a extinção de um ou mais cargos para a criação de um ou mais cargos que lhe sejam correlatos. Para responder a essa questão, tomemos como exemplo uma carreira da Administração Pública Federal que possui um histórico um tanto semelhante ao da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil. Trata-se da Carreira Finanças e Controle, que se encontra distribuída por dois órgãos, a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e a Controladoria-Geral da União. Faremos, agora, um breve histórico da mencionada Carreira e dos Órgãos a ela relacionados. Em 1986, foi criada, no âmbito do Ministério da Fazenda, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN); por seu turno, a Secretaria Federal de Controle já existia antes da STN e sua origem remontava à Comissão de Coordenação das Inspetorias-Gerais de Finanças, criada por meio do Decreto nº 64.777, de 3.7.1969. Posteriormente, por força do Decreto n. 84.362, de 31.12.1979, as Inspetorias passaram a ser denominadas Secretarias de Controle 66 Interno – CISET. Em 1986, ocorreu a reformulação do sistema por meio do Decreto nº. 93.874, de 23.12.1986, que dispunha a respeito do Sistema de Administração Financeira, Contabilidade e Auditoria, bem como organizava o Sistema de Controle Interno do Poder Executivo. Integravam o sistema a Secretaria do Tesouro Nacional, como órgão central, as Secretarias de Controle Interno dos Ministérios e as unidades de competência equivalente, como órgãos setoriais. Assim, por meio do Decreto-Lei nº 2.346, é criada em 1987 a Carreira Finanças e Controle, composta pelos cargos de Analista de Finanças e Controle e Técnico de Finanças e Controle, distribuída pelos órgãos integrantes do referido sistema. Mais adiante, em 2002, a Secretaria Federal de Controle sai da órbita do Ministério da Fazenda e migra para a estrutura da Corregedoria-Geral da União, que em 2003 vem a se tornar a ControladoriaGeral da União. Assim, do mesmo modo que a Secretaria da Receita Federal procedeu em 1999 a uma alteração da nomenclatura dos cargos da Carreira de Auditoria com o objetivo de criar uma identidade entre os cargos integrantes da mesma e o Órgão onde estava sediada, conforme relatado no tópico a seguir, do mesmo modo a nomenclatura dos cargos integrantes da Carreira Finanças e Controle atualmente não condiz com os Órgãos em que se encontram lotados os servidores que a compõem. Desta forma, se se pretender fazer uma adequação de nomenclatura dos cargos de modo que fiquem identificados com os órgãos do quadro a que pertençam, será forçoso a Administração Pública proceder à transformação desses cargos, extinguindo ambos e criando quatro novos cargos, sendo dois na Secretaria do Tesouro Nacional e dois na Controladoria-Geral da União, nos quais serão enquadrados os ocupantes dos cargos hoje existentes, constituindo, isso, um exemplo ilustrativo de utilização do instituto da transformação de cargos. Observe-se que, nesse caso, não haveria nenhuma alteração da natureza dos cargos, contrariando o entendimento de Gasparini, mas em perfeita sintonia com o magistério de Clenício Duarte, endossado por Meirelles, e o citado entendimento do STF. Para finalizar este tópico, não podemos deixar de fazer uma reflexão pertinente sobre o tratamento doutrinário do conceito de cargo público e de carreira, a partir do pensamento dos doutrinadores administrativistas pátrios expresso nos excertos aqui transcritos. Conforme se vê a partir da classificação das diversas modalidades de provimento derivado de cargos, observa-se que os doutrinadores consideram um cargo com todas as suas classes e níveis como sendo uma carreira, já que a ascensão funcional do servidor se dá por esses níveis e classes, configurando o provimento derivado vertical, que dispensa o concurso 67 público. Por outro lado, dentro desse mesmo raciocínio doutrinário, percebe-se que cada nível e sua respectiva classe configurariam um cargo dentro do próprio cargo. Disso se pode inferir que cada cargo, qualitativamente falando, seria, na realidade, composto por uma série de cargos de mesma denominação em progressão vertical, com atribuições distintas em cada classe. Esse raciocínio doutrinário apresenta uma falha na medida em que, dentro de uma mesma classe, as atribuições não variam de acordo com cada nível e o servidor ascende dentro de cada classe por meio dos níveis, sendo essa ascensão feita pelo critério de antiguidade, enquanto que para passar à classe imediatamente superior o servidor deve se submeter a uma avaliação. Deste modo, somente na ascensão de uma classe para outra ocorre o que os doutrinadores afirmaram, ou seja, o servidor passa para um cargo imediatamente superior, com maior remuneração em decorrências das atribuições e responsabilidades mais complexas. Tal não ocorre, no entanto, na ascensão dentro da mesma classe por meio dos respectivos níveis; assim, neste caso, o servidor ascende para um cargo com maior remuneração e com atribuições e responsabilidades de graus de complexidade idênticos à do nível anterior em que estava posicionado. Por outro lado, deve-se frisar que no Sistema de Administração de Pessoal Federal (SIAPE) essa concepção doutrinária de cargo público não aparece na configuração do sistema: o servidor está sempre ocupando o mesmo cargo de certa denominação, enquanto nele permanecer, ao qual é atribuído um determinado número e esse permanece até a aposentação, independentemente da ascensão do servidor se dar por entre os níveis e por entre as classes do cargo de que é titular. Em manifestação exarada no Parecer anexado à petição inicial da ADIn 4.616, em consulta formulada pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil - SINDIFISCO, o administrativista pátrio Pedro Lenza, citado no artigo de Oliveira (ADI 4616, 2011), manifesta seu entendimento sobre o conceito de carreira. Reportando-se diretamente à Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, chega ao ponto de afirmar que entende ser inconstitucional a manutenção de cargos incomunicáveis abrigados sob a mesma Carreira, definida como tal na sua lei de criação e nas suas posteriores alterações, a que denominamos de carreira lato sensu. Sustenta ainda o citado autor que, a seu ver, o cargo de Analista Tributário da Receita Federal do Brasil é de natureza administrativa e deveria ser apartado da Carreira de Auditoria, 68 a qual, segundo ele, só deveria comportar os cargos de Auditor-Fiscal, pois, em sua visão, somente os ocupantes deste cargo são autoridades fiscais. Nesse ponto, manifestamos nossa mais veemente divergência acerca do ponto de vista explicitado pelo ilustre administrativista. Entendemos que autoridade é aquela investida de competência para responder em nome da Administração Pública perante terceiros, judicial ou extrajudicialmente, na qualidade de representante legal dos órgãos públicos da Administração Direta, como das entidades da Administração Indireta, designada por ato administrativo específico que lhe confiram tais poderes. Assim, servidores públicos comuns que sejam ocupantes de cargos públicos efetivos, sejam eles quais forem, não se revestem da condição de autoridades administrativas em razão da natureza das atribuições do cargo de que são ocupantes. Para sustentar o nosso ponto de vista a respeito do conceito de autoridade administrativa, socorremo-nos do brilhante magistério de Bandeira de Mello (2003, p. 228229), que aponta um requisito objetivo para se identificar uma autoridade administrativa: aquela que pode ser caracterizada como sujeito passivo de mandado de segurança. Assim discorre o eminente jurista pátrio a respeito dessa matéria: A noção de agente público não é construção sistemática de caráter meramente acadêmico, mas tem repercussão no ordenamento jurídico positivo. Com efeito, é ela que deve ser tomada como ponto de partida – e não o conceito de servidor público ou funcionário público – para o subseqüente reconhecimento de quem pode ser caracterizado como sujeito passivo de mandado de segurança (“autoridade”). Deveras, quem pôde ou teve que manejar poderes correlatos ao exercício de uma função pública há de ter seus atos contrastados judicialmente pelas mesmas vias instituídas como prestantes para o controle dos atos estatais. (...) A noção de agente público é prestante também por abranger todos os sujeitos apontados nas Leis 4.898, de 9.12.65, e 8.429, de 2.6.92, (...), as quais cuidam de sanções aplicáveis aos praticantes de “abuso de autoridade” ou atos de “improbidade administrativa”. Desta forma, entendemos que não se sustenta o argumento expendido por Pedro Lenza em defesa da exclusão dos ATRFB da Carreira de Auditoria sob o fundamento, a nosso ver equivocado, de que os somente os Auditores Fiscais estão investidos da qualidade de autoridades fiscais. Na realidade, autoridades fiscais são aquelas detentoras de competência legal que lhes foi atribuída ou delegada para responderem perante terceiros, judicial e 69 extrajudicialmente, em nome da Administração Pública. Deste modo, tanto Auditores Fiscais como Analistas Tributários são servidores ocupantes de cargos de mesma natureza, não havendo sustentação jurídica, portanto, para a tese de que a Carreira de Auditoria se resuma aos cargos de Auditor-Fiscal. Só podemos entender a defesa de tal tese a partir de interesses corporativistas da entidade representativa dos servidores públicos ocupantes dos cargos de Auditor-Fiscal, a qual, inclusive, foi a subscritora da representação que originou a ADIn nº 4.616. Para fragilizar ainda mais a tese defendida por Pedro Lenza, esse entendimento externado pelo ilustre administrativista parece não encontrar ressonância na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e desconhecemos, inclusive, qualquer argüição de inconstitucionalidade que tenha chegado ao STF sob tal fundamento, bem como qualquer posicionamento da nossa Corte Constitucional que sinalize um entendimento nessa direção; aliás, muito pelo contrário, como se depreende de diversos excertos de manifestações da Corte Maior. Como discorreremos mais detalhadamente no capítulo seguinte, já existem decisões da nossa Suprema Corte declarando a constitucionalidade de reestruturações de carreiras que envolveram, ainda que em alguma fase do processo, alteração de nomenclatura e/ou de atribuições de cargos públicos elevação de grau de escolaridade para investidura no cargo e até mesmo unificação de cargos distintos em um único cargo (ADIns nºs. 1591/RS, 2713/DF e 2335/SC). Em tais decisões, fica patente que o STF sopesou princípios constitucionais em aparente conflito, a exemplo do princípio da eficiência, insculpido no caput do art. 37 da Carta Magna, em face do princípio do concurso público, insculpido em seu art. 37, II, declarando a constitucionalidade de tais reestruturações, com fundamento na autonomia que possui a Administração Pública para se valer dos instrumentos que considere mais adequados à reorganização do seu aparato instrumental, aí incluída a sua força de trabalho, com vistas a alcançar os seus objetivos institucionais, em consonância com a eficiência que lhe é exigida pela Constituição Federal em princípio solenemente proclamado por ela. Assim, a título de ilustração adicional do posicionamento contrário a essa tese levantada por Pedro Lenza e claramente já rechaçada por decisões do STF, transcrevemos, no âmbito desta discussão que já antecipa a discussão que faremos no capítulo seguinte sobre o entendimento jurisprudencial da nossa mais alta Corte, alguns excertos de manifestações de Ministros do STF em diversas ADIns, a respeito de reestruturações de carreiras que ocorreram 70 efetivamente no âmbito da Administração Pública, nos quais aparecem termos de significados controversos no Direito Administrativo. Comecemos primeiramente pela manifestação do Min. Octávio Gallotti, relator da ADIn nº 266/RJ, aliás invocada pelo Procurador Geral da República, em defesa de sua tese de inconstitucionalidade na ADIn 4.616, objeto deste trabalho. Nessa manifestação, aparecem os conceitos de transposição e transformação de cargos, como conceitos mutuamente contrapostos: A chamada “transposição” simplesmente reside na “passagem de um cargo atual para cargo idêntico da mesma natureza, do novo sistema classificatório” (art. 14, IV, a, do Decreto-lei nº 408-78, do Rio de Janeiro) ou no “deslocamento de um cargo existente para classe de atribuições correlatas do novo sistema” (art. 9º, § 1º, b, do Decreto federal nº 70.320-72). Já a “transformação” chega a consistir na “alteração de titulação e atribuições do cargo com seu ocupante” (art. 14, IV, b, do Decreto estadual citado), ou na “alteração das atribuições de um cargo existente” (art. 9º, § 1º, a, do Decreto federal nº 70.320-72). Como se vê, ao passo que a transposição não atinge a natureza ou as atribuições essenciais do cargo, são ambas alteradas (além da denominação), pela chamada transformação, por meio da qual se opera uma modificação substancial, capaz de intrinsicamente caracterizar um novo provimento do cargo. (…) A transformação de cargos foi concebida como instrumento transitório da aplicação de determinado plano de classificação (o da Lei federal nº 5.645, de 1970). (grifos nossos). Vejamos agora a manifestação do Ministro Marco Aurélio na ADIn nº 1.854/PI, do final da década de 90: (...) admito a promoção vertical quando os cargos estão situados em uma mesma carreira, e, aqui, na verdade, a lei complementar do Estado do Piauí disciplinou a carreira de policial, tida como um grande todo. Ao fazê-lo, ao meu ver, não acarretou, em si, a pecha de inconstitucional. (…) Entendo que esta lei presta homenagem à carreira, incentivando-a, bem como estimula o aprimoramento do servidor, acenando a este com a possibilidade, mediante aperfeiçoamento, de galgar posições mais elevadas. Em síntese, admito como harmônica com a Carta da República a chamada promoção vertical, desde que haja um elo, considerada a razoabilidade, entre os cargos, e aqui vejo essa ligação. 71 No mesmo sentido manifestou-se, nessa mesma ADIn, o Ministro Carlos Velloso: O que a Constituição não admite é a ascensão, vale dizer, passar o servidor de um cargo menor a um maior, ambos de carreiras diferentes. Penso que a lei pode, o que é salutar, estabelecer carreiras. O cidadão ingressar no serviço público, por exemplo, como investigador e chegar a delegado, desde que isto esteja previsto na lei e com obsvervância dos requisitos nesta exigidos. É a carreira do policial. Se a lei viesse a estabelecer que o servidor ingressaria como auxiliar, podendo chegar a técnico, seria bom, aproveitando inclusive experiências. (…) A Constituição não quer que as carreiras fiquem estagnadas. De sorte que a lei estabelece carreira e acho que as tarefas exercidas pelo investigador, pelo escrivão e pelo delegado são semelhantes. (…) Penso que o Supremo Tribunal Federal não deve tornar estagnadas carreiras no serviço público. No primeiro momento, decidimos com rigor, quase que numa interpretação literal da Constituição, e o Sr. Ministro Sepúlveda Pertence deu os motivos por que o fizemos, já que vínhamos de um tempo em que muito se abusou. Vínhamos, repito, de um tempo de abuso, e o Supremo Tribunal Federal agiu com rigor. É hora, entretanto, de começarmos a construir no sentido de tornarmos as carreiras do serviço público mais atraentes. (grifos nossos) A propósito dessas manifestações, exaradas por ambos os Ministros, reconhecendo a possibilidade da Administração Pública instituir carreiras compostas por cargos distintos, com atribuições de diferentes graus de complexidade e comunicáveis entre si, entendemos que a apreciação da ADIn nº 4.616 será uma oportunidade para, dentre diversas outras definições, o Supremo Tribunal Federal firmar de forma contundente o seu entendimento sobre esse controvertido tema, a fim de afastar definitivamente quaisquer ambigüidades, definindo com clareza o sentido e o alcance da norma constitucional insculpida no inciso II do art. 37 da Carta Magna. Se o STF se pronunciar em favor da possibilidade de tal forma de organização ou reestruturação de carreiras da Administração Pública, terá que definir, por outro lado, como esta lidará com a eventual situação de falta de cargos para investidura de servidores por via derivada, oriundos de outro cargo. Assim, a título apenas exemplificativo, tomemos a Carreira de Auditoria e imaginemos o caso hipotético em que seja fixada em lei possibilidade dos Analistas Tributários ascenderem ao cargo de Auditores Fiscais ao cumprirem o interstício temporal do último nível da última classe. Poderia ocorrer a inexistência de cargos vagos de Auditor Fiscal para serem preenchidos. Por outro lado, sabemos que cargos públicos só podem ser criados 72 por meio de lei, a administração não pode simplesmente criá-los por mero ato administrativo. Vale frisar, inclusive, que, inicialmente, os cargos da Carreira de Auditoria do Tesouro Nacional se comunicavam entre si por disposição expressa do art. 4º do Decreto-Lei nº 2.225/85, que criou a referida Carreira, ou seja, um Técnico do Tesouro Nacional podia ascender ao cargo de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional desde que preenchidos os requisitos para investidura neste cargo. Claro que se pode alegar que tal norma não teria sido recepcionada pela nova ordem constitucional inaugurada em 1988 porque feriria o princípio do concurso público para provimento originário de cargo público; cumpre ressaltar que esse dispositivo do Diploma Legal citado não foi expressamente revogado quando da edição da Medida Provisória nº 1.915/99, nem nas suas reedições, nem na respectiva Lei de Conversão (10.593/2002). Acerca desse tema, não nos furtaremos de nos manifestarmos sobre ele. Primeiramente, é forçoso reconhecer que num país de tradição patrimonialista, de fisiologismo político e da prática do compadrio, verdadeiro mal endêmico da cultura brasileira, que, aliás, não se limita ao plano político, mas permeia toda a Sociedade, o eventual reconhecimento da possibilidade de existência de carreiras integradas por diferentes cargos comunicáveis entre si representa grande perigo ao princípio do concurso público, o qual, aliás, é diariamente ignorado, burlado e violado por administradores públicos do tipo que acabamos de mencionar, espalhados, mormente, por Prefeituras Municipais de todo o País, a despeito do comando constitucional relativo ao concurso público. Por outro lado, a observância estrita do sentido literal do texto que contém a norma insculpida no inciso II do art. 37 da Constituição Federal engessa, amarra e cria dificuldades para a Administração Pública solucionar determinadas questões pontuais que se apresentam aqui e ali. Assim, por exemplo, consideremos o caso hipotético de uma dada carreira composta por dois tipos de cargos. Pode ocorrer que, do ponto de vista da Administração Pública, objetivando otimizar sua força de trabalho, levando em conta a qualificação profissional do seu corpo de servidores e em atendimento ao princípio constitucional da eficiência, entender que seja mais viável reestruturar tal carreira, de modo a tornar os seus cargos comunicáveis, possibilitando a ascensão dos ocupantes de um tipo de cargo para o outro, tal qual ocorria na plena vigência do Decreto-Lei nº 2.225/85, colocando, inclusive, um dos cargos em regime de extinção por considerar ser mais racional, do ponto de vista da organização do trabalho, a existência de um único tipo de cargo. 73 Todavia, acreditamos que o ponto de vista defendido pelos dois citados Ministros do STF, um dos quais já não mais o compõem, dificilmente será adotado pela maioria do atual Colegiado, como já sinalizou o julgamento da ADIn nº 3.857/CE, em dezembro de 2008. De fato, a criação de carreiras formadas por cargos de atribuições de distinto grau de complexidade e comunicáveis entre si poderia trazer dificuldades à Administração em dado momento, caso não existissem cargos vagos para acomodar servidores que tivessem adquirido o direito de passar da última classe e último nível de determinado cargo para o nível inicial da primeira classe do cargo imediatamente superior. Além disso, poderia haver inibição da realização de concursos públicos dos cargos de nível mais complexo. Por outro lado, embora o Direito Administrativo brasileiro seja constitucionalizado, ao contrário do Direito Administrativo dos Estados Unidos da América, como já expusemos, entendemos que não pode a Administração Pública ficar engessada de forma absoluta e tolhida da possibilidade de reorganizar-se permanentemente em benefício da coletividade a quem ela assiste, o que inclui a permanente otimização de sua força de trabalho, que eventualmente se expressa por meio de reestruturação de carreiras e até dos próprios órgãos e entidades da Administração Pública, como ocorreu no caso da reestruturação da Carreira de Auditoria, que esteve inserida num contexto maior de reestruturação da própria Secretaria da Receita Federal do Brasil. Assim, revela-se necessário, a bem da coletividade, razão de ser e destinatária dos serviços prestados pela Administração Pública estatal, sopesar princípios constitucionais, de modo que um não dificulte ou mesmo inviabilize a realização do outro em determinadas circunstâncias e contextos específicos, impondo-se ao nosso Tribunal Constitucional a tarefa de encontrar um ponto de equilíbrio entre os princípios que aqui aparecem em aparente conflito, o do concurso público e o da eficiência, de modo que sejam preservados os princípios da moralidade e da impessoalidade. Como se percebe, essas reflexões são necessárias e fundamentais para que se possa apreender o entendimento do STF a respeito do conceito por ele adotado de cargo e de carreira quando editou, por exemplo, a Súmula nº 685, que enuncia ser inconstitucional a investidura de servidores em cargos de carreira distinta daquela que anteriormente ocupavam, assim como nas decisões em que se pronunciou pela constitucionalidade da reestruturação de carreiras, a exemplo daquelas que fora objeto de contestação nas ADIns 1.591/RS, 2713/DF e 2.335/SC; em todas essas decisões, o STF parece ter adotado claramente o conceito legal de carreira, ou seja, aquele que é definido em sua lei de criação e não o conceito doutrinário que aparece usualmente nos manuais de Direito Administrativo. No próximo capítulo, 74 procuraremos extrair o sentido dado pelo STF a esses vocábulos mediante análise mais detida do espírito contido em seus próprios julgados mais significativos e representativos dessa matéria, alguns dos quais aqui já antecipamos a título de ilustrar a discussão sobre o conceito de carreira expresso nos textos das decisões que carregam o seu conteúdo. Deste modo, em face de tudo quanto foi aqui exposto, consideramos de excepcional importância o julgamento da ADIn 4.616, no qual se espera que o STF venha a exaurir a matéria, de modo a que a decisão a ser proferida seja clara e completa o suficiente para se constituir num marco balizador para toda a Administração Pública, pois, a nosso ver essa será uma oportunidade singular para se definir com precisão e clareza o sentido e o alcance de vocábulos próprios do Direito Administrativo cercados de ambiguidade na doutrina pátria, tais como carreira, transposição e transformação de cargos públicos, bem como formas admissíveis de investidura em cargo público, a fim de bem caracterizar aquilo que pode ou não pode fazer a Administração Pública em matéria de organização da força de trabalho da máquina administrativa em sintonia com o princípio constitucional da eficiência, mas sem que tenha, para isso, que chocar-se com o princípio do concurso para investidura em cargo público, também solenemente consagrado no nosso texto constitucional. Este último princípio guarda, inclusive, relação muito próxima e íntima com outros princípios de matriz constitucional regentes da Administração Pública, a exemplo dos princípios da impessoalidade, da moralidade e da isonomia, os quais são, em essência, a razão e o motivo da adoção do princípio do concurso público, além do próprio princípio da eficiência, com o fito de evitar abusos num País de tradição tão patrimonialista, marcado pela cultura do compadrio e do nepotismo, como é o caso do nosso. Assim, por exemplo, como deveria ser entendida uma eventual reorganização da citada Carreira Finanças e Controle, tomada neste trabalho como exemplo ilustrativo, se esta tiver os dois atuais cargos extintos e forem criados quatro cargos novos, com alteração de nomenclatura para melhor identificá-los ou associá-los com os respectivos órgãos em cujo quadro se encontrem, e com atualização de suas respectivas atribuições, compatíveis com a situação fática e as necessidades dos tempos atuais? Relembrando o ensinamento de Gasparini, este entende que a transformação ocorre quando há extinção de cargos, criação de novos cargos e alteração de sua natureza, por exemplo, de cargo efetivo para cargo em comissão. Tal entendimento parece ser compartilhado pelo Min. Octávio Gallotti, conforme visto no excerto transcrito, quando este faz a diferenciação entre transposição e transformação, afirmando que o primeiro instituto não 75 fere a Constituição, que seria ferida pelo segundo. Todavia, no exemplo hipotético que levantamos, relativo à Carreira Finanças e Controle, não ocorreria em tal caso nenhuma alteração na natureza dos cargos, mas apenas uma adequação de nomenclatura e atualização de atribuições. Poderia ocorrer, inclusive, no âmbito de tal reestruturação dessa carreira, elevação do grau de escolaridade mínimo exigido para futuras investiduras no cargo de Técnico de Finanças e Controle, de médio para superior, sem que isso caracterizasse a criação de um novo cargo, mas tão somente a redefinição das características de um cargo já existente, tal como ocorreu, a nosso ver, com o cargo de Técnico do Tesouro Nacional quando passou a se chamar Técnico da Receita Federal, momento em que se passou a exigir o nível superior para investidura e se fez a atualização de suas atribuições, bem como posteriormente quando a nomenclatura deste foi alterada para Analista Tributário da Receita Federal do Brasil no âmbito da reestruturação da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil e do próprio Órgão. A propósito dos dispositivos da Lei nº 11.457 combatidos na ADIn 4.616, observamos uma certa incongruência terminológica, pois ali se fala de transformação de cargos, sem que tenha havido qualquer alteração na natureza dos mesmos (art. 10). Todavia, acreditamos que o uso dos vocábulos “transformados” (art. 10) e “transformação” (arts. 10 e 14) se deveu à inexistência de outro mais apropriado para retratar a reestruturação da Carreira de Auditoria. Deste modo, podemos considerar que se trata, em realidade, de “transformação de cargo lato sensu” (reorganização dos cargos, mediante alteração de nomenclatura e de atribuições, sem alteração de sua natureza) e em oposição a transformação de cargo em sentido estrito (com alteração de sua natureza e atribuições e, eventualmente, nomenclatura e remuneração) . Também é oportuno aqui registrar, a título informativo e também para enriquecer a discussão que aqui se faz a respeito do conceito de carreira, que também está tramitando no STF a ADIn nº 4.151, ajuizada pela Associação Nacional dos Servidores da Secretaria da Receita Previdenciária – UNASLAF, na qual argui a inconstitucionalidade do art. 012, § 005º, da Lei nº 11.457, de 2007, a inconstitucionalidade por omissão do art. 010, II, da mesma Lei, e ainda, a inconstitucionalidade do art. 257, da Medida Provisória nº 441, de 2008. A Lei nº 11.457/2007 é precisamente aquela que reestruturou a Secretaria da Receita Federal e extinguiu a Secretaria da Receita Previdenciária do Ministério da Previdência Social, criando a Secretaria da Receita Federal do Brasil. A inconstitucionalidade alegada nessa ADIn reside, dentre outras coisas, no fato dos cargos de Analista Previdenciário e Técnico Previdenciário, integrantes da Carreira 76 Previdenciária, não terem sido transformados no cargo de Analista Tributário da Receita Federal do Brasil, ao passo que o cargo de Auditor-Fiscal da Receita Previdenciária foi transformado no cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Acessando-se o acompanhamento processual no sítio eletrônico do STF, verifica-se que houve alteração do relator, com base no art. 38 do Regimento Interno do STF, passando a relatoria para o Ministro Gilmar Mendes, possivelmente por ser relator de processos conexos, a exemplo da ADIn objeto deste trabalho; os autos já estão conclusos ao relator desde 26.10.2011 e provavelmente as duas ADIns serão julgadas em conjunto. A Advocacia-Geral da União também já se manifestou nessa ADIn. Sua manifestação em defesa da constitucionalidade da legislação combatida está centrada no conceito legal de carreira, ou seja, de sua lei de criação, como podemos perceber no seguinte excerto citado no artigo de Oliveira (ADI 4616, 2011), o qual transcrevemos a seguir: (…) Como sabido, a Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, proporcionou a reforma da administração tributária federal, mediante a junção das atribuições e do aparato estatal da Secretaria da Receita Previdenciária e da Secretaria da Receita Federal, sob a denominação Secretaria da Receita Federal do Brasil. À novel secretaria reservou-se a competência de planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas à tributação e a fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais. A referida redistribuição e transformação dos cargos da Carreira de Auditoria-Fiscal da Previdência Social mostram-se legítimas, na medida em que havia perfeita correspondência dessa carreira, no tocante ao nível de escolaridade e atribuições, com a da Auditoria-Fiscal da Receita Federal, convolada na Carreira de Auditoria-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Ou seja, coexistiam duas carreiras semelhantes, devidamente organizadas, uma ligada ao Ministério da Previdência e outra ao Ministério da Fazenda que foram reunidas sob a denominação de Carreira de Auditoria-Fiscal da Receita Federal do Brasil. De se registrar que a Carreira de Auditoria-Fiscal da Previdência Social abrangia somente os Auditores-Fiscais, enquanto que a Carreira de Auditoria-Fiscal da Receita Federal compunham-se dos cargos de Auditor-Fiscal e de Técnico da Receita Federal. Este último, por consagrar-se em cargo de nível superior, a partir da edição da Medida Provisória nº 1.915/99, foi transformado no cargo de AnalistaTributário da Receita Federal do Brasil, criado, por sua vez, pela Lei nº 11.457/07. (…) Dessa forma, considerando que não havia exata correspondência entre os cargos das Carreiras de Auditoria da Previdência e de Auditoria da Receita Federal, especificamente aos cargos de Técnico e de Analista Previdenciários, que integravam uma segunda carreira (Carreira Previdenciária), tornou-se inviável a transformação dos aludidos cargos auxiliares nos novos cargos de AnalistaTributário, de forma a inseri-los na Carreira de Auditoria-Fiscal da Receita Federal do Brasil. 77 (…) A migração de servidores entre carreiras distintas, por meio de transformação de cargos, ofende o primado constitucional do concurso como condição de acesso a cargos e empregos públicos, porquanto proporciona a titularidade de cargos que não integram a carreira na qual os servidores foram investidos, originária e regularmente. A nosso ver, em princípio, está perfeito o raciocínio expendido pela AdvocaciaGeral da União com relação à transformação dos cargos da Carreira Previdenciária no cargo de Analista Tributário da Receita Federal do Brasil; a manifestação da Procuradoria Geral da República foi nesse mesmo sentido. Caso tal transformação fosse efetivada, estar-se-ia incorrendo na vedação ditada pela Súmula nº 685, a qual nos parece mostrar claramente que o STF inclinou-se em favor do conceito legal de carreira, quando enuncia: “É INCONSTITUCIONAL TODA MODALIDADE DE PROVIMENTO QUE PROPICIE AO SERVIDOR INVESTIR-SE, SEM PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO DESTINADO AO SEU PROVIMENTO, EM CARGO QUE NÃO INTEGRA A CARREIRA NA QUAL ANTERIORMENTE INVESTIDO. Todavia, é preciso verificar se não há similitude de atribuições entre os citados cargos da Carreira Previdenciária e aquelas do cargo de Analista Tributário da Receita Federal do Brasil, pois este foi o fundamento invocado pela AGU para considerar legítima a transformação dos cargos de Auditor Fiscal da Previdência Social em cargos de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil. Muito embora os cargos de Auditor Fiscal da Previdência Social e de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil também fossem de carreiras distintas, a exemplo dos cargos da Carreira Previdenciária em relação ao cargo de Analista Tributário da Receita Federal do Brasil, havia, segundo a AGU, perfeita correspondência entre o nível de escolaridade e as atribuições dos mesmos. Contudo, vale frisar que, na decisão referente à ADIn nº 1.591/RS, relativa à reestruturação da carreira do fisco gaúcho, o STF considerou constitucional a extinção de dois cargos de diferentes graus de escolaridade, um de nível superior e outro de nível médio, e a passagem dos seus ocupantes para um novo e único cargo de nível superior, criado em substituição aos dois cargos extintos. Com efeito, um dos critérios básicos utilizados pelo STF para reconhecer a constitucionalidade de reestruturações de carreiras, nas quais ocorreram extinções de cargos existentes e criação de cargos novos, com alocação nestes últimos dos ocupantes dos 78 primeiros, é precisamente a similitude de atribuições, como ficou assentado na ementa do acórdão da ADIn nº 2.335/SC, que ora transcrevemos: EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Complementar nº 189, de 17 de janeiro de 2000, do Estado de Santa Catarina, que extinguiu os cargos e as carreiras de Fiscal de Tributos Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator e Escrivão de Exatoria, e criou, em substituição, a de Auditor Fiscal da Receita Estadual. 3. Aproveitamento dos ocupantes dos cargos extintos nos recém criados. 4. Ausência de violação ao princípio constitucional da exigência de concurso público, haja vista a similitude das atribuições desempenhadas pelos ocupantes dos cargos extintos. 5. Precedentes: ADI 1591, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 16.6.2000; ADI 2713, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 7.3.2003. 6. Ação julgada improcedente. Faremos uma análise mais acurada a respeito da Súmula nº 685 e da citada ADIn nº 2.335 no próximo capítulo, quando estivermos nos debruçando mais detidamente no entendimento jurisprudencial da nossa Corte Constitucional sobre o tema, mediante o exame do caráter das decisões reiteradas que levaram à edição da mesma. É oportuno citar, ainda, que tramita no Tribunal Regional Federal da Primeira Região a Ação Civil Pública nº 1999.34.00.021695-4/DF), por meio da qual o Ministério Público Federal (MPF), pretende impor à União Federal a obrigação de não fazer a transposição dos ocupantes do cargo de Técnico do Tesouro Nacional para o então recém-criado cargo de Técnico da Receita Federal. Uma liminar foi inicialmente deferida e depois cassada. O MPF interpôs recurso de apelação. Consultando-se o sítio eletrônico do citado Tribunal (http://www.trf1.jus.br/Processos/ProcessosTRF/ctrf1proc/ctrf1proc.php), verifica-se que o recurso de apelação tramita desde 2002, quando foi interposto, e neste ano de 2011 houve 41 movimentações, inclusive com vistas da Advocacia-Geral da União (AGU) em 31.08.2011, que devolveu os autos em 06.09.2011. Caso o STF se pronuncie pela improcedência da ADIn 4.616, essa Ação Civil Pública perderá o objeto. Como vimos no capítulo antecedente, o traço marcante da linguagem humana é a equivocidade, a pluralidade de significados dos signos utilizados para exprimir o pensamento humano. No que concerne a esses três conceitos, percebemos a dimensão da importância da forma pela qual o STF efetivamente interpreta as normas jurídicas para prolatar suas decisões. Também necessitamos interpretar o entendimento do STF a partir de suas próprias decisões já existentes a respeito da matéria objeto da ADIn 4.616, a fim de que possamos vislumbrar o provável resultado do julgamento. 79 3.3 A CARREIRA DE AUDITORIA E A REESTRUTURAÇÃO DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL A história da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil está primorosamente descrita, com riqueza de detalhes, na Nota RFB/Asesp/nº 21/2011, elaborada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil para subsidiar a Advocacia-Geral da União com informações necessárias à sua manifestação na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.616, requerida pelo Supremo Tribunal Federal. O histórico, além do relato propriamente dito da história da Carreira, está entremeado de comentários. A referida Nota da Secretaria da Receita Federal do Brasil também procede a uma análise jurídica dos pontos questionados pela Procuradoria-Geral da República, à luz do histórico da Carreira de Auditoria, porém deixaremos para nos debruçar sobre o mérito da argumentação da defesa da União Federal quando analisarmos o documento da AdvocaciaGeral da União no capítulo subsequente. Faremos agora uma breve retrospectiva da Carreira de Auditoria, sediada na Secretaria da Receita Federal do Brasil. Conforme se vê no citado documento, essa Carreira foi criada em 1985, por meio do Decreto-Lei nº 2.225, de 10.01.1985, sob a denominação de Carreira de Auditoria do Tesouro Nacional, composta pelos cargos de Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional (AFTN), de nível superior, e Técnico do Tesouro Nacional (TTN), de nível médio. Tal diploma legal não trazia as atribuições dos cargos, que foram posteriormente regulamentadas mediante o Decreto Federal nº 90.928, de 07.02.1985, o qual não trazia, no entanto, atribuições devidamente detalhadas na forma de tarefas, mas apenas indicava em seu art 2º as características das classes de que se compunham ambos os cargos. Posteriormente à criação dessa Carreira, foi criada a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) em 1986, o que se deu por meio do Decreto Federal nº 92.452, de 10.03.1986, mediante a união da antiga Comissão de Programação Financeira e da Secretaria de Controle Interno do Ministério da Fazenda, informação essa que consta no sítio eletrônico oficial da STN. Então, mediante a Medida Provisória nº 1.915, de 29.06.1999 e suas posteriores reedições, que culminaram na Medida Provisória nº 46, de 25.06.2002, convertida na Lei nº 10.593, de 06.12.2002, na qual as disposições do art. 9º da Medida Provisória original passaram a constar do art. 17 da Lei de Conversão, foi reestruturada a Carreira de Auditoria do Tesouro Nacional, que passou a se chamar Carreira de Auditoria da Receita Federal, 80 passando os cargos a se denominarem Auditor-Fiscal da Receita Federal (AFRF) e Técnico da Receita Federal (TRF), em substituição, respectivamente, às nomenclaturas de Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional (AFTN) e Técnico do Tesouro Nacional (TTN). Nessa ocasião, foi alterado o nível de escolaridade exigido para ingresso no cargo de Técnico, de nível médio para nível superior. A razão apontada na sobredita Nota da Receita Federal para alteração da nomenclatura desses cargos foi identificar ambos os cargos com o Órgão a que pertenciam, pois a nomenclatura havia se tornado ambígua em razão da criação da Secretaria do Tesouro Nacional após a criação da Carreira de Auditoria, o que relacionava o nome dos cargos com aquela Secretaria não com a Secretaria da Receita Federal. No ano seguinte à edição da Medida Provisória nº 1.915/99 foram regulamentadas formalmente as atribuições de ambos os cargos por meio do Decreto Federal nº 3.611, de 27.09.2000, em cumprimento à disposição contida no § 3º do art. 4º da citada Medida Provisória de origem. Mais adiante, surge a Lei nº 11.457, de 16.03.2007, alterando dispositivos da Lei nº 10.593/2002, extinguindo a Secretaria da Receita Previdenciária (SRP) do Ministério da Previdência Social e alterando a nomenclatura da Secretaria da Receita Federal para Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), passando para o quadro desta os cargos oriundos da Carreira de Auditoria da Previdência Social da secretaria extinta e seus respectivos ocupantes. Concomitantemente, ocorre nova alteração de nomenclatura dos cargos do quadro do Órgão, que passam a se denominar: Auditor-Fiscal da Receita Federal (AFRF), Auditor-Fiscal da Previdência Social (AFPS) e Analista Tributário da Receita Federal do Brasil (ATRFB), correspondendo esta última denominação à alteração da nomenclatura do cargo de Técnico da Receita Federal (TRF). Os citados cargos oriundos da Carreira de Auditoria da Previdência Social são transformados em cargos de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Finalmente, vem a lume em 2008 um novo ato regulamentador das atribuições dos cargos da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, reestruturada em 2007 pela Lei nº 11.657. Tal regulamento é editado para atender à nova configuração organizacional do Órgão, em cumprimento ao disposto pelo §3º do art. 6º da Lei nº 10.593. Trata-se do Decreto Federal nº 6.641, de 10 de novembro de 2008, estabelecendo as atribuições atualizadas dos dois cargos integrantes da Carreira de Auditoria, em substituição ao Decreto Federal nº 3.611/2000, após a reestruturação do Órgão mediante a transformação da Secretaria da Receita Federal em Secretaria da Receita Federal do Brasil. 81 Este é, portanto, em resumo, o histórico da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, necessário para a contextualização e a compreensão da controvérsia de constitucionalidade suscitada pelo Procurador-Geral da República por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.616, que será analisada mais pormenorizadamente no capítulo seguinte deste trabalho. 82 4. A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.616 Este capítulo constitui o cerne deste trabalho, do qual os dois anteriores se configuram como fontes de ferramentas jurídicas, sejam conceituais ou instrumentais, a serem utilizadas no nosso trabalho de análise dos fundamentos jurídicos invocados pela Procuradoria-Geral da República quanto à alegada inconstitucionalidade de dispositivos legais da legislação que promoveu alterações na Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil. Para tal desiderato, utilizaremos o entendimento jurisprudencial do próprio Supremo Tribunal Federal, com o fito de deduzirmos, a partir dele, o possível desfecho da mesma, que certamente instaurará um marco balizador que servirá de referência para todas as esferas da Administração Pública no que concerne à permanente reorganização de seus órgãos, necessidade ditadas pelos imperativos de modernização com vistas ao satisfatório desempenho de suas funções, aí incluídas as reestruturações de carreiras. A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.616, que tramita no Supremo Tribunal Federal, foi ajuizada pelo Procurador-Geral da República, a partir de representação do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – SINDIFISCO. Nela, o Procurador-Geral da República requer ao STF que declare a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos legais: a) da expressão “ocupados e”, constante do inciso II do art. 10 da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, bem assim do § 3º do mesmo artigo; b) da expressão “e de Técnico do Tesouro Nacional”, constante do art. 17 da Lei nº 10.593, de 6 de dezembro de 2002, bem assim do Anexo VI da mesma lei; c) da expressão “e de Técnico do Tesouro Nacional”, constante do art. 9º da Medida Provisória nº 1.915, de 29 de junho de 1999, bem assim das disposições similares de suas reedições; e d) do Anexo VI da Medida Provisória nº 1.915, de 29 de junho de 1999, e de suas reedições. Foram admitidos ao feito, na qualidade de “amicus curiae”, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil - SINDIFISCO, o Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil – SINDIRECEITA – e o Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia – IAF. Preliminarmente, impende fazermos um comentário a respeito da admissão das três entidades no feito na qualidade de “amicus curiae”. 83 Das três entidades citadas, não resta a menor dúvida quanto à legitimidade de duas delas, a saber: o SINDIFISCO, autor da representação junto à Procuradoria-Geral da República que ensejou o ajuizamento da ADIn nº 4.616, e o SINDIRECEITA, que congrega os membros da categoria profissional que será diretamente atingida caso o STF se pronuncie pela procedência das alegações de inconstitucionalidade. Todavia, não conseguimos vislumbrar a razão da admissão do IAF ao feito, tendo em vista tratar-se de entidade que congrega auditores fiscais do Estado da Bahia, portanto de outra esfera da Administração Pública. Desse modo, a nosso ver, não está claramente configurada a pertinência temática ou o interesse de agir dessa Entidade que justifique sua admissão no feito na qualidade de “amicus curiae”; portanto, a nosso ver, não ficou caracterizada, em relação a essa Entidade, a sua representatividade adequada para atuação no feito. Seu interesse na matéria tratada é apenas mediato, como o é para os auditores fiscais estaduais das outras Unidades da Federação e para os auditores fiscais dos Municípios. Também devemos registrar que chamou a nossa atenção, em consulta à tramitação da referida ADIn, a excessiva demora do relator para se manifestar em relação ao pedido do SINDIRECEITA para sua admissão no feito como “amicus curiae”, contrastando com a maior agilidade demonstrada para pronunciar-se sobre idêntico pedido do IAF. Com efeito, o SINDIRECEITA solicitou sua admissão no feito em 01.09.2011 e o IAF, em 14.09.2011. O pedido do IAF foi deferido em 17.11.2011. Quanto à petição do SINDIRECEITA, a mesma foi deferida somente em 29.11.2011, e assim mesmo após reiteração feita por este em 28.11.2011, quando a Entidade alegou que havia desequilíbrio no processo, porque já havia dois “amicus curiae” ligados ao pólo ativo da ação, ao passo que não havia nenhum pronunciamento sobre o seu pedido de habilitação, resultando desequilíbrio processual e, consequentemente, quebra do princípio da isonomia. O pedido do SINDIFISCO, apresentado em 17.08.2011, já havia sido prontamente deferido em 19.08.2011, portanto dois dias depois após a sua formalização. Feitas essas considerações preliminares e postas essas informações, passemos ao exame detalhado da arguição de inconstitucionalidade alegada pelo Procurador-Geral da República e à nossa análise sobre os seus fundamentos, ao exame da defesa da AdvocaciaGeral da União em favor da constitucionalidade dos dispositivos legais impugnados, acompanhada também da nossa análise quanto aos respectivos fundamentos, e, finalmente, à nossa análise à luz do entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal quando enfrentou a matéria em casos assemelhados ao da reestruturação de carreira objeto da ADIn 4.616, em 84 especial as decisões proferidas no julgamento das ADIns nºs. 1.591/RS, 2.713/DF e 2.335/SC, quando o STF se pronunciou pela constitucionalidade dos dispositivos legais nelas impugnados. Faremos uma confrontação entre o entendimento do STF pela constitucionalidade manifestado nessas três ADIns citadas e aquele manifestado quando da edição da Súmula nº 685, resultado do julgamento de diversas outras ADINs mais antigas, cujo enunciado veda a investidura de servidor em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido, bem como aquele manifestado no julgamento da ADIn 3.857/CE, quando se pronunciou pela inconstitucionalidade da legislação ali combatida. 4.1 FUNDAMENTOS DA ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE DISPOSITIVOS LEGAIS DA REESTRUTURAÇÃO DA CARREIRA DE AUDITORIA DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL Debrucemo-nos agora sobre os argumentos expendidos pelo Procurador-Geral da República (PGR) em sua peça exordial. Sustenta ele que a Medida Provisória nº 1.915, de 1999, ao transpor os ocupantes do cargo de Técnico do Tesouro Nacional (TTN) para o cargo de Técnico da Receita Federal (TRF), teria investido servidores ocupantes de cargo de nível médio em cargo de nível de escolaridade superior, em suposta afronta à regra do concurso público insculpida no art. 37, inciso II, da Constituição, porque, segundo ele, reportando-se às atividades exercidas pelo Técnico do Tesouro Nacional, “não há dúvida de que elas são menos complexas do que aquelas desempenhadas por um Técnico da Receita Federal”. Prosseguindo em sua argumentação, afirma que, ulteriormente, em face de o art. 10, II, da Lei no 11.457, de 2007, ao se transformar o cargo de Técnico da Receita Federal no cargo de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil (ATRFB), teria ocorrido “alteração nas atribuições dos cargos”, pois as tarefas cometidas ao Técnico da Receita Federal, previstas no § 2º do art. 6º da Lei nº 10.593, de 2002, seriam distintas daquelas atribuídas a um AnalistaTributário da Receita Federal do Brasil, além de menos complexas, de acordo com o disposto na nova redação dada ao mesmo § 2º do art. 6º da Lei nº 10.593, de 2002, pelo art. 9º da Lei nº 11.457, de 2007. Desse modo, no entendimento do Autor, os ocupantes do cargo de Técnico da Receita Federal teriam sido investidos em um novo cargo sem se submeterem a concurso público, o de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, cuja natureza seria definida por 85 atribuições e nível de complexidade distintos daqueles que caracterizavam o cargo de TRF, em suposta afronta ao art. 37, inciso II, da Constituição de 1988. Além disso, alega o Autor que o § 3º do art. 10 da Lei nº 11.457, de 2007, teria propiciado que candidatos aprovados em concurso público para o cargo de Técnico da Receita Federal, regulado por edital publicado anteriormente à edição da Lei nº 11.457, de 2007, fossem nomeados para o cargo de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, cujas atribuições e nível de complexidade seriam distintos daqueles inerentes ao cargo de Técnico da Receita Federal, também em suposta violação ao art. 37, inciso II, da Constituição de 1988. Adicionalmente, o Autor requer medida cautelar a fim de suspender a eficácia dos dispositivos impugnados até o julgamento do mérito, sob a alegação de que os argumentos expendidos na petição inicial configuram a presença do fumus boni iuris e que o pagamento das remunerações do cargo de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, conforme a tabela vigente, aos Técnicos do Tesouro Nacional e aos Técnicos da Receita Federal, ocupantes supostamente indevidos do cargo de Analista Tributário da Receita Federal, acarretaria prejuízo aos cofres públicos, de difícil reparação, restando, então, caracterizado o periculum in mora. Preliminarmente, devemos esclarecer que o requerimento de medida cautelar foi prejudicado em razão do despacho do relator, Ministro Gilmar Mendes, que, em razão da relevância da matéria, adotou o rito sumário, previsto no art. 12 da Lei nº 9.868/99. Porém, entendemos que, independentemente disso, não estão de modo algum presentes os elementos caracterizadores do fumus bom iuris, já que existe jurisprudência no STF reconhecendo a constitucionalidade de reestruturações de carreiras em moldes similares aos daquela que é objeto da controvérsia, a exemplo das decisões proferidas nas ADIns nºs. 1.591/RS e 2.335/SC. Voltando ao tema principal, exposta a linha básica de argumentação do ProcuradorGeral da República, devemos aqui consignar, de plano, que notamos uma incoerência em sua arguição de inconstitucionalidade. O elemento-chave caracterizador da inconstitucionalidade alegada é precisamente a transposição de servidores de um cargo para outro; assim, a arguição de inconstitucionalidade deveria ter sido feita para ocupantes atuais dos dois cargos da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (AFRFB) e Analista Tributário da Receita Federal do Brasil (ATRFB), e não apenas para ocupantes atuais do cargo de ATRFB, pois, a nosso ver, dentro do raciocínio desenvolvido pelo PGR, a migração dos Técnicos do Tesouro Nacional, de nível médio, para o cargo de Técnico da Receita Federal, de nível superior, seria apenas um elemento 86 agravante da transposição, porquanto o elemento básico e primordial da inconstitucionalidade alegada residiria na transposição de servidores propriamente dita, mediante investidura em outro novo cargo sem concurso público, o que ocorreu para ambos os cargos então integrantes da Carreira de Auditoria em cada momento considerado. Aliás, corroborando o nosso raciocínio aqui desenvolvido, é de grande importância frisar que no momento da segunda transposição, qual seja a passagem dos ocupantes do cargo de Técnico da Receita Federal, nele investidos originariamente, para o cargo de Analista Tributário da Receita Federal, não existia tal elemento agravante, pois estes dois cargos eram de nível superior, o que reforça a gritante e injustificável incoerência do Exmo. Procurador Geral da República no seu pedido de declaração de inconstitucionalidade apenas para os ocupantes do cargo de Técnico da Receita Federal, sob o equivocado argumento de que as atribuições desses dois cargos citados seriam notoriamente distintas em grau de complexidade, o que não reflete a realidade dos fatos, como logo adiante iremos demonstrar. Assim, o Autor arguiu apenas, e seletivamente, a inconstitucionalidade da transposição de ocupantes atuais do cargo de ATRFB, oriundos dos cargos de TTN e TRF, satisfazendo, dessa forma, a pretensão da Entidade subscritora da representação que originou a ADIn sob comento e parte diretamente interessada no deslinde dessa questão em favor do seu ponto de vista a respeito dessa matéria, omitindo-se, portanto, o PGR de arguir também a inconstitucionalidade da transposição dos ocupantes do cargo de AFTN para o cargo de AFRF e de ocupantes do cargo de AFRF, nele originariamente investidos, para o cargo de AFRFB. Fazemos essa afirmação em razão do fato de que, na linha argumentativa desenvolvida pelo PGR, o elemento essencial da inconstitucionalidade é, ou deveria ser, o instituto da investidura em cargo público de forma derivada, sem observância do princípio do concurso público, pois é irrelevante, sob esse aspecto, o nível do cargo para o qual o servidor foi transposto: a vedação de investidura em cargo de carreira distinta daquela anteriormente ocupada pelo servidor transposto independe do nível do cargo, como não deixa a menor dúvida a esse respeito o teor da Súmula nº 685 do STF, sobre a qual nos debruçaremos mais adiante, no curso do desenvolvimento deste capítulo . Observamos, ainda, outra incoerência da arguição de inconstitucionalidade desenvolvida pelo PGR: ele utiliza implícita e simultaneamente dois conceitos distintos de carreira: um para os Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil e outro para os Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. Para os primeiros, em face da própria arguição de inconstitucionalidade, fica implícito que ele trata os ocupantes do cargo de ATRFB 87 anteriormente ocupantes do cargo de TTN e TRF como servidores que eram anteriormente ocupantes de cargo de carreira distinta. Em relação aos segundos, ele os trata como ocupantes de cargo anteriormente existente que apenas sofreu alteração de nomenclatura, muito embora os dispositivos legais impugnados, a saber, o caput do art. 9º da Medida Provisória nº 1.915/99 e o caput do art. 17 da Lei nº 10.593/2002 disponham sobre a transposição de servidores de ambos os cargos (AFTN e TTN), e o art. 10 da Lei nº 11.457/2007 disponha sobre a transformação de ambos os cargos, sendo os AFRF objeto do inciso I (omitido pelo PGR na exordial) e os ATRF, objeto do inciso II do citado dispositivo. Tal tratamento diferenciado dos ocupantes dos dois cargos, quanto ao alegado vício de inconstitucionalidade, por parte do Procurador Geral da República não se justifica, pois, como já dissemos, o fato do novo cargo (AFRFB) ser de nível superior, para o qual os ocupantes do cargo de AFRF foram transpostos, não descaracterizaria uma eventual transposição inconstitucional de servidores para novos cargos, dentro do raciocínio adotado pelo PGR, pois para caracterização desta é irrelevante o fato do nível dos cargos envolvidos serem diferentes ou iguais. Porém, a maior incoerência que surge, à vista dessa linha argumentativa do Autor, é a passagem dos ocupantes dos cargos de Auditor-Fiscal da Previdência Social para os cargos de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, incorporados ao quadro da Secretaria da Receita Federal do Brasil por força do inciso I do art. 10 da Lei nº 11.457/2007, com a transposição dos ocupantes dos cargos transformados (AFPS) para o novo cargo criado (AFRFB). Isto porque, com base no raciocínio do Autor, tal transformação estaria eivada de inconstitucionalidade tanto sob a ótica do conceito doutrinário de carreira como sob a ótica do conceito legal de carreira, este último, a nosso ver, o conceito claramente adotado pelo STF nas suas decisões, como já exemplificado no capítulo antecedente mediante a transcrição de alguns excertos de precedentes daquela Corte Constitucional. Assim, haveria inconstitucionalidade sob a ótica do conceito doutrinário de carreira porque o cargo de Auditor-Fiscal da Previdência Social também constituía uma série escalonada de cargos, organizados em classes e níveis, por meio dos quais se dava a ascensão funcional dos membros da Carreira; logo, a passagem destes para outro cargo corresponderia à transposição dos mesmos para outra Carreira, já que os cargos de Auditor-Fiscal da Previdência Social e Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil eram incomunicáveis. Por outro lado, haveria vício de inconstitucionalidade sob a ótica do conceito legal de carreira, que, a nosso ver, repetimos mais uma vez, é o claramente adotado pelo STF como se depreende da Súmula nº 685, assim como das decisões em que se pronunciou pela constitucionalidade das legislações de reestruturação de carreiras questionadas nas ADIns 88 nºs. 1591/RS 2713/DF e 2335/SC, já que o cargo de Auditor-Fiscal da Previdência Social integrava a Carreira de Auditoria Fiscal da Previdência Social, distinta, portanto, da então Carreira de Auditoria da Receita Federal, diferentemente do caso dos Técnicos da Receita Federal, que já integravam a referida Carreira. Assim, a nosso ver, o PGR não poderia, sob nenhuma hipótese, dentro da linha de raciocínio por ele adotada, ter deixado de arguir a inconstitucionalidade da passagem dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Previdência Social para o cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, pois a mesma está eivada de tal vício sob qualquer dos conceitos de carreira que se adote. E é precisamente nesse ponto que exsurge uma contradição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Como já assinalado no capítulo antecedente, o Colendo Tribunal tem utilizado dois parâmetros para tratar a questão da transposição de servidores de um cargo para outro. O primeiro é aquele que levou à edição da Súmula nº 685, ou seja, é inconstitucional a transposição de servidor de um cargo para outro se a carreira em que ele estava anteriormente inserido era diferente daquela em que se encontra o novo cargo para o qual foi ele transposto. O fundamento teleológico desse entendimento é o de que, sendo carreiras distintas, as atribuições dos respectivos cargos que a compõem não guardam relação entre si. Assim, por exemplo, não é admissível que o ocupante de um cargo de motorista que foi extinto seja transposto para um cargo de Técnico em Contabilidade, por exemplo, pois embora ambos exijam somente o nível médio para investidura, a natureza de suas atribuições é completamente diversa, sendo inadmissível tal transposição. E essa foi precisamente a razão pela qual foi editada a referida Súmula, para coibir os chamados “trens da alegria”, de triste lembrança, agora sob o rótulo de reestruturação de carreiras. O outro parâmetro utilizado pelo STF é o da similitude de atribuições entre os cargos existentes que vieram a ser extintos e os novos cargos nos quais os ocupantes dos cargos extintos foram aproveitados. Esse foi precisamente o caso objeto das ADIns 1.591, 2.713 e 2.335. Nas três situações ocorreram extinções de cargos existentes, criação de cargos novos e transposição dos ocupantes dos cargos extintos para os novos cargos. Nos três casos, o STF pronunciou-se pela constitucionalidade dos dispositivos impugnados da legislação mediante a qual se deram tais reestruturações de carreiras e o fundamento teleológico de tais decisões, que reconheceram a constitucionalidade da transposição dos servidores dos cargos extintos para os novos cargos, foi precisamente a similitude entre as atribuições dos novos cargos e aquelas dos cargos extintos. E é importantíssimo ressaltar que na reestruturação da Carreira do Fisco do Rio Grande do Sul, que foi objeto da ADIn nº 1.591, houve a transposição de 89 servidores de dois cargos de níveis distintos de escolaridade, superior e médio, que foram extintos, para um único cargo de nível superior, que os sucedeu. E também na reestruturação da Carreira do Fisco de Santa Catarina, objeto da ADIn 2.335, foram envolvidos quatro cargos, sendo que dois deles, em sua origem, haviam sido cargos de nível médio, os quais se tornaram cargos de nível superior num momento posterior, e quando se deu a reestruturação daquela Carreira, os quatro já eram cargos de nível superior, que foram, então extintos, e seus ocupantes transpostos para um único novo cargo de nível superior. Ocorre que, embora os Auditores Fiscais da Previdência Social pertencessem a uma carreira completamente distinta da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, é bem provável que suas atribuições tivessem a mesma natureza das desta última, o que, aliás, foi confirmado pela Advocacia-Geral da União, conforme mencionado no capítulo antecedente. Deste modo, entendemos que a Súmula nº 685 necessita sofrer aperfeiçoamento para abranger situações como essa, em que a carreira na qual se encontravam os servidores transpostos era diferente da nova carreira, mas suas atribuições eram similares. Acreditamos que isso mereça ser objeto de discussão e reflexão no Supremo Tribunal Federal para se evitarem orientações jurisprudenciais que, em determinadas situações, apresentem contradição entre si. Inclusive, esse caso da transformação de cargos de Auditor Fiscal da Previdência Social em cargos de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil guarda conexão com o tema tratado na ADIn nº 4.151, por meio da qual a entidade representativa dos servidores da Carreira Previdenciária argui inconstitucionalidade por omissão, em razão dos servidores dessa Carreira não terem sido transpostos para o cargo de Analista Tributário da Receita Federal do Brasil quando da reestruturação da Secretaria da Receita Federal, efetivada pela Lei nº 11.457. Possivelmente essa citada ADIn será apreciada juntamente com a ADIn nº 4.616, uma vez que o relator de ambas é o mesmo, Ministro Gilmar Mendes, como já assinalado no capítulo antecedente, inclusive para o STF fornecer uma solução completa para tal caso. Resta, ainda, mais uma incoerência do PGR no excerto transcrito: invoca-se precedente do STF sobre o instituto da transformação de cargo, com o intuito de reforçar a caracterização do vício de inconstitucionalidade da passagem dos ocupantes oriundos dos cargos de TTN e TRF para o cargo de ATRFB por meio de tal instituto (art. 10, II, da Lei nº 11.457). Mais uma vez, o Autor comete uma omissão: Desta feita, omite que o cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal foi objeto do mesmo instituto, que o transformou no cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (art. 10, I da Lei 11.457) e, não obstante o 90 instituto ter sido o mesmo aplicado para o cargo de Técnico da Receita Federal, o Autor afirma que ocorreu apenas uma mera alteração da denominação do cargo. Sabedor de que, em relação à investidura em cargo público sem concurso público, o entendimento que o STF tem adotado para reconhecer a constitucionalidade de reestruturações de carreiras se prende basicamente à similitude de atribuições, o PGR procurou demonstrar a alegada inconstitucionalidade de parte da reestruturação da então Carreira de Auditoria da Receita Federal focando na diferença do grau de complexidade entre o rol de atribuições dos ocupantes do cargo de Analista Tributário da Receita Federal e daquelas dos ocupantes dos cargos de denominação distinta que o antecederam, os cargos de Técnico da Receita Federal e de Técnico do Tesouro Nacional, os quais, na realidade, são o mesmo cargo com denominações distintas, a exemplo do ocorrido com o cargo de AFTN, posteriormente convertido em AFRF e AFRFB. Observe-se que o PGR ignora o fato de que os ocupantes dos cargos de TTN e TRF que, ao final, foram transpostos para o cargo de ATRFB, são oriundos precisamente da mesma Carreira, cujo nome também sofreu duas alterações; não obstante invoca a Súmula nº 685, que se refere a casos em que os ocupantes transpostos para cargos novos são oriundos de cargos de carreiras absolutamente díspares, caso completamente distinto daquele de que trata a legislação combatida na ADIn nº 4.616. Com relação a esse aspecto, assim discorre o Procurador-Geral da República na exordial: A medida provisória impugnada, ao efetivar a transposição dos ocupantes do cargo de Técnico do Tesouro Nacional para o cargo de Técnico da Receita Federal (art. 9º), admitiu a investidura em cargos de nível de escolaridade superior- Técnico da Receita Federal - a servidores outrora ocupantes de cargos de nível médio – Técnico do Tesouro Nacional. Embora o diploma anterior (DL 2225/85) não tenha estabelecido, especificamente, quais são as atividades exercidas por um Técnico do Tesouro Nacional, não há dúvida de que elas são menos complexas do que aquelas desempenhadas por um Técnico da Receita Federal, haja vista que, para a investidura neste último cargo, a MP 1.915/99 passou a exigir nível de escolaridade superior. A regra constitucional acerca do concurso público exige que este se faça de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego público. Por permitir a investidura em cargo diverso, com nível de complexidade maior do que aquele que originalmente ocupavam, o art. 9º da MP 1.915/99 violou o art. 37, II da CR". O Supremo Tribunal Federal possui entendimento sumulado no sentido de que “é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido” (Súmula 685/STF). 91 Esse posicionamento não é novo na Suprema Corte. Há muito, o Pleno já havia decidido que, “embora, em princípio, admissível a ‘transposição’ do servidor para cargo idêntico de mesma natureza em novo sistema de classificação, o mesmo não sucede com a chamada ‘transformação’ que, visto implicar em alteração do título e das atribuições do cargo, configura novo provimento, a depender da exigência de concurso público, inscrita no art. 37, II, da Constituição. (ADI 266, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJ de 6/8/1993). O trecho transcrito da peça vestibular revela equívoco interpretativo da Súmula nº 685 do STF e faz sobressaírem duas novas incoerências do Procurador Geral da República. Primeiramente, quanto à interpretação da citada Súmula. O Autor ignora o fato de que a mesma contém a expressão “em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”. Ora, os ocupantes do cargo de TTN transpostos para o cargo de TRF (que, na realidade, nada mais é que o cargo de TTN com nomenclatura diferente e elevação do nível de escolaridade exigido para futuras investiduras) integravam anteriormente cargo da mesma Carreira, qual seja a Carreira de Auditoria, tendo havido tão somente a alteração da nomenclatura da carreira já existente e não a criação de uma nova carreira, situação esta necessária para incidir a vedação contida na referida Súmula, o que, como visto, não foi o caso. Como se pode deduzir a partir da sua linha de argumentação, o PGR se vale do conceito doutrinário de carreira, o qual, como já exposto no capítulo antecedente, consiste num conjunto escalonado de cargos de mesma denominação, diferenciados por classes e níveis, por meio dos quais se dá a ascensão funcional do servidor (provimento derivado), tanto pelo critério de antiguidade (na passagem de um nível para o nível imediatamente superior) como pelo critério do mérito (na passagem de uma classe para a classe imediatamente superior). E aí assoma a primeira incoerência: como consequência desse conceito de carreira adotado pelo PGR em sua arguição de inconstitucionalidade, invocado para atingir somente ocupantes dos cargos de ATRFB anteriormente ocupantes do cargo de TTN, também teria incorrido no mesmo vício de inconstitucionalidade a passagem dos ocupantes dos cargos de AFTN para os cargos de AFRFB, pois estariam anteriormente ocupando cargos de carreira distinta, pois os ocupantes do cargo de AFTN foram transpostos para o cargo de AFRF, tal qual os ocupantes dos cargos de TTN foram transpostos para o cargo de AFRF, como dispõe o art. 9º da Medida Provisória nº 1.915/99 e os anexos V e VI, que se tornou o art. 17 da Lei nº 10.593/2002 e os anexos V e VI. 92 Com relação às atribuições dos cargos de TTN e TRF, a argumentação do Autor se funda numa suposta maior complexidade daquelas inerentes ao cargo de TRF em relação às inerentes ao cargo de TTN, tese essa que estaria corroborada pela elevação do grau de escolaridade exigido para investidura no cargo de TRF. Deve-se observar, no entanto, que foi omitido pelo Autor o Decreto nº 90.928, de 07.02.1985, editado em cumprimento ao disposto no art. 10 do Decreto-Lei nº 2.225, de 10.01.1985 (Diploma Legal de criação da Carreira de Auditoria), o qual estabeleceu as características das atividades de ambos os cargos, AFTN e TTN. O Autor também omitiu na exordial o Decreto nº 3.611, de 28.09.2000, que regulamentou as atribuições de ambos os cargos, AFTN e TRF, em cumprimento à disposição contida no §3º do art. 6º da Medida Provisória nº 1.971-16, de 27.09.2000, uma das reedições da Medida Provisória nº 1.915/99. Transcrevemos a seguir as características das atividades dos cargos de AFTN e TTN, descritas no art. 2º do Decreto nº 90.928/85: Art. 2º As classes integrantes da Carreira de Auditoria do Tesouro Nacional, distribuídas nos níveis superior e médio, têm as seguintes características: a) Classes de Nível Superior Atividades de nível superior relacionadas com a direção das Unidades Centrais, Regionais, Sub-regionais e Locais, Assessoramento e Assistência especializados com vistas à adequação da política tributária ao desenvolvimento econômico, envolvendo planejamento, coordenação, controle, orientação, supervisão e treinamento, e compreendendo: Classe Especial - formulação e compatibilização dos objetivos de tributação, arrecadação, fiscalização e informações econômico-fiscais, elaboração e compatibilização de programas nacionais, regionais e setoriais, execução de tarefas de grandes complexidade e responsabilidade, com ampla autonomia em pesquisa, análise e interpretação de situações altamente diversificadas e, ainda, execução e supervisão de auditoria-fiscal de grande complexidade; 1ª Classe - elaboração e compatibilização de programas nacionais, regionais e setoriais, execução de tarefas de grandes complexidade e responsabilidade, com autonomia em interpretação e aplicação da legislação tributária e, ainda, execução e supervisão de auditoria-fiscal de grande complexidade; 2ª Classe - elaboração e compatibilização de programas regionais e setoriais, execução de tarefas de média complexidade e grande responsabilidade, com autonomia em interpretação e aplicação da legislação tributária e, ainda, supervisão e execução de auditoria-fiscal complexa; 3ª Classe - execução de tarefas complexas e de grande responsabilidade, com autonomia em interpretação e aplicação da legislação tributária e, ainda, supervisão e execução de auditoria fiscal. 93 b) Classes de Nível Médio Atividades de nível médio de apoio operacional relacionadas com os encargos específicos de competência da Secretaria da Receita Federal, compreendendo: Classe Especial e 1ª - coordenação, controle, orientação e execução de trabalhos de médias complexidade e responsabilidade; 2ª e 3ª Classes - controle e execução de trabalhos de médias complexidade e responsabilidade". Por outro lado, edital de concurso público realizado pela Secretaria da Receita Federal para o cargo de TTN no ano de 1998 já discriminava as atribuições desse cargo: “3 – DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO Ao cargo de Técnico do Tesouro Nacional correspondem as atribuições referentes às atividades de nível médio de apoio operacional relacionadas com os encargos específicos de competência da Secretaria da Receita Federal (alínea "b" do art. 2o do Decreto no 90.928/85). O Técnico do Tesouro Nacional desempenha, na administração tributária, atividades nas áreas de administração, tributação, arrecadação, fiscalização, controle aduaneiro e informações econômico-fiscais, compreendendo, entre outras atividades, examinar a parte final formal dos processos, acompanhar as operações de carga, descarga e movimentação de mercadorias e/ou bagagens, além das operações de trânsito aduaneiro, receber documentos de declarações de importação, executar operações preliminares para o desembaraço, auxiliar nos trabalhos relativos à administração de recursos humanos e de material e à programação orçamentária e financeira e, ainda, a realização de trabalhos pertinentes a estudos, pesquisas, processamento de dados e atendimento ao público.” Transcrevemos agora as atribuições dos cargos de AFRF e TRF, tais como definidas no art. 4º da Medida Provisória nº 1.915/99: Art. 4o São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal, no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal, relativamente aos tributos e às contribuições por ela administrados: I - em caráter privativo: a) constituir, mediante lançamento, o crédito tributário; b) elaborar e proferir decisões em processo administrativo-fiscal, ou delas participar, bem assim em relação a processos de restituição de tributos e de reconhecimento de benefícios fiscais; c) executar procedimentos de fiscalização, inclusive os relativos ao controle aduaneiro, objetivando verificar o cumprimento das obrigações tributárias pelo sujeito passivo, praticando todos os atos definidos na legislação especifica, inclusive os relativos à apreensão de mercadorias, livros, documentos e assemelhados; d) proceder à orientação do sujeito passivo no tocante à aplicação da legislação tributária, por intermédio de atos normativos e solução de consultas; 94 e) supervisionar as atividades de orientação do sujeito passivo efetuadas por intermédio de mídia eletrônica, telefone e plantão fiscal; II - em caráter geral, as demais atividades inerentes à competência da Secretaria da Receita Federal. § 1o O Poder Executivo poderá, dentre as atividades de que trata o inicio II, cometer seu exercício, em caráter privativo, ao Auditor-Fiscal da Receita Federal. § 2º Incumbe ao Técnico da Receita Federal auxiliar o Auditor-Fiscal da Receita Federal no exercício de suas atribuições. § 3º O Poder Executivo, observado o disposto neste artigo, disporá sobre as atribuições dos cargos de Auditor-Fiscal da Receita Federal e de Técnico da Receita Federal". A citada Medida Provisória, após diversas reedições, culminou na Medida Provisória nº 46, de 25.06.2002, a qual se converteu na Lei nº 10.593, de 06.12.2002, em cujo art. 6º estavam descritas as atribuições dos dois cargos: Art. 6º São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal, no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, relativamente aos tributos e às contribuições por ela administrados: I - em caráter privativo: a) constituir, mediante lançamento, o crédito tributário; b) elaborar e proferir decisões em processo administrativo-fiscal, ou delas participar, bem como em relação a processos de restituição de tributos e de reconhecimento de benefícios fiscais; c) executar procedimentos de fiscalização, inclusive os relativos ao controle aduaneiro, objetivando verificar o cumprimento das obrigações tributárias pelo sujeito passivo, praticando todos os atos definidos na legislação específica, inclusive os relativos à apreensão de mercadorias, livros, documentos e assemelhados; d) proceder à orientação do sujeito passivo no tocante à aplicação da legislação tributária, por intermédio de atos normativos e solução de consultas; e e) supervisionar as atividades de orientação do sujeito passivo efetuadas por intermédio de mídia eletrônica, telefone e plantão fiscal; e II - em caráter geral, as demais atividades inerentes à competência da Secretaria da Receita Federal. § 1º O Poder Executivo poderá, dentre as atividades de que trata o inciso II, cometer seu exercício, em caráter privativo, ao Auditor-Fiscal da Receita Federal. § 2º Incumbe ao Técnico da Receita Federal auxiliar o Auditor-Fiscal da Receita Federal no exercício de suas atribuições. § 3º O Poder Executivo, observado o disposto neste artigo, disporá sobre as atribuições dos cargos de Auditor-Fiscal da Receita Federal e de Técnico da Receita Federal.” 95 A regulamentação mais detalhada dessas atribuições definidas no citado dispositivo legal estava contida no Decreto nº 3.611/2000, as quais ora se transcreve: "Art.1º São atribuições do ocupante do cargo efetivo de Auditor-Fiscal da Receita Federal qualquer atividade atribuída à Carreira de Auditoria da Receita Federal e, em caráter privativo: I- constituir, mediante lançamento, o crédito tributário; II- elaborar e proferir decisões em processo administrativo-fiscal, ou delas participar, bem assim em relação a processos de restituição e de reconhecimento de benefícios fiscais; III- executar procedimentos fiscais, inclusive os relativos ao controle aduaneiro, objetivando verificar o cumprimento das obrigações tributárias pelo sujeito passivo, praticando todos os atos definidos na legislação específica, incluídos os relativos à apreensão de mercadorias, livros, documentos e assemelhados; IV- proceder à orientação do sujeito passivo no tocante à aplicação da legislação tributária, por intermédio de atos normativos e solução de consultas; V- supervisionar as atividades de orientação do sujeito passivo efetuadas por intermédio de mídia eletrônica, telefone e plantão fiscal. Art. 2º Incumbe ao ocupante do cargo efetivo de Técnico da Receita Federal auxiliar o Auditor-Fiscal da Receita Federal, no desempenho das atribuições privativas desse cargo e sob a supervisão do Auditor-Fiscal da Receita Federal, especialmente: I - em relação ao disposto no inciso II do artigo anterior, analisar e instruir processos, ressalvada a atribuição privativa do Auditor-Fiscal da Receita Federal para proferir decisões, intimar sujeito passivo e requerer diligências, em processos submetidos a julgamento em instância administrativa; II - em relação ao disposto no inciso III do artigo anterior: a) proceder à conferência de livros, documentos e mercadorias do sujeito passivo, inclusive mediante elaboração de relatório, relativamente aos procedimentos fiscais de: 1. fiscalização, diligência e revisão de declarações; 2. concessão, controle e cassação de regime aduaneiro especial ou atípico; 3. controle de internação de mercadorias em áreas de livre comércio; 4. vigilância e repressão aduaneiras; 5. controle do trânsito de mercadorias; 6. vistoria e busca aduaneiras; 7. revisão de despacho aduaneiro; 8. conferência física de mercadorias e conferência final de manifesto; b) participar de atividades de pesquisa e investigação fiscais, ressalvada a atribuição privativa do Auditor-Fiscal da Receita Federal para emitir relatórios conclusivos; c) realizar a retenção e a validação lógica de arquivos magnéticos do sujeito passivo, bem assim a extração dos dados; 96 d) efetuar a seleção de passageiros e de bagagem, para fins de conferência aduaneira; e) realizar visita aduaneira a veículos procedentes do exterior; f) elaborar informações e realizar vistorias relativas ao alfandegamento de recintos; g) participar de procedimento de auditoria da rede arrecadadora de receitas federais; III - em relação ao disposto no inciso IV do artigo anterior, elaborar estudos técnicos e tributários; IV - em relação ao disposto no inciso V do artigo anterior, proceder à orientação do sujeito passivo por intermédio de mídia eletrônica, telefone e plantão fiscal. Art. 3º São atribuições dos ocupantes dos cargos efetivos de Auditor-Fiscal da Receita Federal e de Técnico da Receita Federal, em caráter geral e concorrente: I - lavrar termo de revelia e de perempção; II - analisar o desempenho e efetuar a previsão da arrecadação; III - analisar pedido de retificação de documento de arrecadação; IV - executar atividade de atendimento ao contribuinte. Art. 4º Os ocupantes dos cargos efetivos de Auditor-Fiscal da Receita Federal e de Técnico da Receita Federal, em caráter geral e concorrente, poderão ainda exercer atribuições inespecíficas da Carreira de Auditoria da Receita Federal, desde que inerentes às competências da Secretaria da Receita Federal, em especial: I - executar atividades pertinentes às áreas de programação e de execução orçamentária e financeira, contabilidade, licitação e contratos, material, patrimônio, recursos humanos e serviços gerais; II - executar atividades na área de informática, inclusive as relativas à prospecção, avaliação, internalização e disseminação de novas tecnologias e metodologias; III - executar procedimentos que garantam a integridade, a segurança e o acesso aos dados e às informações da Secretaria da Receita Federal; IV - atuar nas auditorias internas das atividades dos sistemas operacionais da Secretaria da Receita Federal; V - integrar comissão de processo administrativo disciplinar." Assim, diferentemente do alegado pelo Autor, havia atos regulamentadores das atividades e atribuições dos cargos de Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional e de Técnico do Tesouro Nacional desde o início da Carreira de Auditoria, assim como dos cargos de AuditorFiscal da Receita Federal e de Técnico da Receita Federal. Examinando-se a descrição das atividades e atribuições de ambos os atos normativos, verifica-se que o Decreto nº 3.611/2000 descrevia as atribuições de cada cargo – AFRF e TRF – mais detalhadamente, ao passo que o Decreto nº 90.928/85 descrevia características das atividades desenvolvidas por ambos os cargos, sem especificar ou detalhar tarefas, ou seja, o primeiro documento descreve as atividades de forma genérica e o segundo, de forma mais 97 específica, o que não significa necessariamente que as atividades do cargo de TRF tenham se tornado mais complexas que aquelas desempenhadas pelos ocupantes do cargo de TTN. De qualquer modo, percebe-se que se mantém uma posição relativa equivalente entre a complexidade das tarefas do TRF em relação às do AFRF e do TTN em relação às do AFTN. Como já visto no capítulo antecedente, quando transcrevemos a ementa do Acórdão prolatado pelo STF no julgamento da ADIn nº 2335/SC, o que caracteriza a compatibilidade de atribuições entre um cargo extinto e um novo cargo criado no qual são alocados os ocupantes do cargo extinto, é a similitude e a natureza das atribuições de um e de outro. Vale ressaltar que similitude de atribuições não significa identidade de atribuições; similitude significa semelhança, identidade significa igualdade. Assim, conforme manifestação do Min. Carlos Velloso do STF na ADIn 1.854/PI, que mencionamos no capítulo anterior, “a Constituição não quer que as carreiras fiquem engessadas”, até porque a Administração Pública está sujeita ao princípio constitucional da eficiência, de modo que não é concebível nem razoável que as atribuições dos cargos públicos fiquem absolutamente imutáveis. Sucedem-se transformações sociais e tecnológicas que exigem a permanente atualização da Administração Pública, razão pela qual tornam-se necessárias as reestruturações tanto da organização dos próprios órgãos em sua estrutura formal e instrumental, como das carreiras dos seus servidores. Deste modo, quando foi criada a Carreira de Auditoria, em meados da década de 80, o nível médio de escolaridade era razoável para um cargo como o de Técnico do Tesouro Nacional, pois naquela época era muito pequeno o contingente de pessoas detentoras de nível superior, além do que a presença da tecnologia, aí incluída a informática, era muito menor que no final da década seguinte, quando a carreira foi reestruturada e o cargo de TTN foi transformado no cargo de TRF com a elevação do nível de escolaridade para futuras investiduras no mesmo. Com relação à segunda fase da reestruturação da Carreira de Auditoria, afirma o Procurador Geral da República na exordial: "19. Não há dúvidas de que houve alteração nas atribuições dos cargos, em decorrência da transformação operada. As tarefas desenvolvidas por um Técnico da Receita Federal seguramente são distintas das que desenvolve um AnalistaTributário da Receita Federal. Enquanto o Técnico limitava-se a auxiliar o AuditorFiscal no exercício de suas atribuições, o Analista-tributário atua ainda no exame de processos administrativos e em outras atividades inerentes às competências da Secretaria da Receita Federal, podendo, inclusive, exercer atividades concorrentemente com o Auditor-fiscal (art. 6º, §2º, II e III, da Lei 10.593/2002)". 98 20. O vício está exatamente na investidura em novo cargo público – AnalistaTributário da Receita Federal do Brasil – com atribuições e nível de complexidade diversos daquele inicialmente ocupado pelo servidor - Técnico da Receita Federal e para o qual seria necessária a realização de novo concurso público. Donde se conclui que a investidura em tal cargo, nos moldes estabelecidos pelo art. 10, II, da lei no 11.547/2007, se deu mediante ascensão funcional, em afronta ao disposto no art. 37, II, da CR. (...) 23. Porém, a norma impugnada também permitiu que candidatos aprovados em concurso público para o cargo de Técnico da Receita Federal fossem nomeados para o cargo de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil. Aqui a situação é diversa, uma vez que, conforme ressaltado anteriormente, as atribuições e a complexidade do cargo Analista-Tributário são distintas das do cargo de Técnico da Receita Federal. Continuemos, portanto, com a transcrição das atribuições dos cargos de AFRFB e ATRF, atualizadas quando da segunda reestruturação da Carreira de Auditoria, ocorrida mediante a Lei nº 11.457/2007, cujo art. 9º deu nova redação ao art. 6º da Lei nº 10.593, de 2002: (...) “Art. 6º São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil: I - no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil e em caráter privativo: a) constituir, mediante lançamento, o crédito tributário e de contribuições; b) elaborar e proferir decisões ou delas participar em processo administrativo-fiscal, bem como em processos de consulta, restituição ou compensação de tributos e contribuições e de reconhecimento de benefícios fiscais; c) executar procedimentos de fiscalização, praticando os atos definidos na legislação específica, inclusive os relacionados com o controle aduaneiro, apreensão de mercadorias, livros, documentos, materiais, equipamentos e assemelhados; d) examinar a contabilidade de sociedades empresariais, empresários, órgãos, entidades, fundos e demais contribuintes, não se lhes aplicando as restrições previstas nos arts. 1.190 a 1.192 do Código Civil e observado o disposto no art. 1.193 do mesmo diploma legal; 99 e) proceder à orientação do sujeito passivo no tocante à interpretação da legislação tributária; f) supervisionar as demais atividades de orientação ao contribuinte; II - em caráter geral, exercer as demais atividades inerentes à competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil. § 1o O Poder Executivo poderá cometer o exercício de atividades abrangidas pelo inciso II do caput deste artigo em caráter privativo ao Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. § 2o Incumbe ao Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, resguardadas as atribuições privativas referidas no inciso I do caput e no § 1o deste artigo: I - exercer atividades de natureza técnica, acessórias ou preparatórias ao exercício das atribuições privativas dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil; II - atuar no exame de matérias e processos administrativos, ressalvado o disposto na alínea b do inciso I do caput deste artigo; III - exercer, em caráter geral e concorrente, as demais atividades inerentes às competências da Secretaria da Receita Federal do Brasil. § 3o Observado o disposto neste artigo, o Poder Executivo regulamentará as atribuições dos cargos de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e AnalistaTributário da Receita Federal do Brasil. As atribuições também sofreram nova regulamentação por meio do Decreto nº 6.641, de 10.11.2008, cujo teor ora se transcreve: Art. 2o São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil: I - no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil e em caráter privativo: a) constituir, mediante lançamento, o crédito tributário e de contribuições; b) elaborar e proferir decisões ou delas participar em processo administrativo-fiscal, bem como em processos de consulta, restituição ou compensação de tributos e contribuições e de reconhecimento de benefícios fiscais; 100 c) executar procedimentos de fiscalização, praticando os atos definidos na legislação específica, inclusive os relacionados com o controle aduaneiro, apreensão de mercadorias, livros, documentos, materiais, equipamentos e assemelhados; d) examinar a contabilidade de sociedades empresariais, empresários, órgãos, entidades, fundos e demais contribuintes, não se lhes aplicando as restrições previstas nos arts. 1.190 a 1.192 do Código Civil e observado o disposto no art. 1.193 do mesmo diploma legal; e) proceder à orientação do sujeito passivo no tocante à interpretação da legislação tributária; e f) supervisionar as demais atividades de orientação ao contribuinte; e II - em caráter geral, exercer as demais atividades inerentes à competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Art. 3o Incumbe aos ocupantes dos cargos de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, resguardadas as atribuições privativas referidas no inciso I do art. 2o: I - exercer atividades de natureza técnica, acessórias ou preparatórias ao exercício das atribuições privativas dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil; II - atuar no exame de matérias e processos administrativos, ressalvado o disposto na alínea "b" do inciso I do art. 2o; e III - exercer, em caráter geral e concorrente, as demais atividades inerentes às competências da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Art. 4o São atribuições dos ocupantes dos cargos efetivos de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, em caráter geral e concorrente: I - lavrar termo de revelia e de perempção; II - analisar o desempenho e efetuar a previsão da arrecadação; e III - analisar pedido de retificação de documento de arrecadação. Art. 5o Os ocupantes dos cargos efetivos de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, em caráter geral e concorrente, poderão ainda exercer atribuições inespecíficas da Carreira de 101 Auditoria da Receita Federal do Brasil, desde que inerentes às competências da Secretaria da Receita Federal do Brasil, em especial: I - executar atividades pertinentes às áreas de programação e de execução orçamentária e financeira, contabilidade, licitação e contratos, material, patrimônio, recursos humanos e serviços gerais; II - executar atividades na área de informática, inclusive as relativas à prospecção, avaliação, internalização e disseminação de novas tecnologias e metodologias; III - executar procedimentos que garantam a integridade, a segurança e o acesso aos dados e às informações da Secretaria da Receita Federal do Brasil; IV - atuar nas auditorias internas das atividades dos sistemas operacionais da Secretaria da Receita Federal do Brasil; e V - integrar comissão de processo administrativo disciplinar. Cotejando-se as atribuições do cargo de TRF que estão detalhadas no Decreto nº 3.611/2000 e aquelas do cargo de ATRFB, detalhadas no Decreto nº 6.641/2008, verifica-se que, ao contrário do alegado pelo Procurador-Geral da República, houve redução das atribuições específicas dos ATRFB em relação às atribuições específicas dos TFR. Por outro lado, há uma quase identidade nas atribuições gerais e concorrentes descritas em ambos os atos normativos, de modo que a monocórdica alegação de elevação do grau de complexidade entre as atribuições, sustentada pelo Procurador Geral da República, torna-se, neste caso, indefensável até mesmo do ponto de vista formal. Para fechar nossa análise quanto a esse argumento sustentado pela Procuradoria-Geral da República, impende ressaltar que mesmo que houvesse incremento de atribuições para o cargo de TRF em relação ao de TTN e para o cargo de ATRFB em relação ao cargo de TRF, porém de mesma natureza, ou seja, referentes a atividades da Secretaria da Receita Federal do Brasil, isso, de modo algum, a nosso ver, macularia a reestruturação do cargo. Fazemos essa assertiva porque, conforme já salientamos anteriormente, não pode a Administração Pública ficar engessada de modo absoluto e obrigada a adotar procedimentos esdrúxulos para satisfazer suas necessidades de aprimoramento, com vistas a fazer frente a inovações tecnológicas ou mesmo incorporação de novas atribuições de órgãos e entidades da Administração Pública Direta e Indireta. A prosperar o argumento do Procurador-Geral da República, caso a Administração necessitasse incorporar algumas novas atribuições a determinado cargo, afins com as demais, 102 teria ela que criar novo cargo e realizar novo concurso público. Assim, ela sofreria um inchaço na quantidade de tipos de cargos públicos. Deste modo, de acordo com tal raciocínio sustentado pelo PGR, hoje a Secretaria da Receita Federal do Brasil deveria ter em seus quadros três cargos distintos cujos ocupantes realizariam basicamente as mesmas tarefas: Técnico do Tesouro Nacional, Técnico da Receita Federal e Analista Tributário da Receita Federal do Brasil. Imaginemos o ambiente de trabalho que existiria no referido Órgão com três ocupantes de cargos distintos, remunerados de forma distinta, executando atribuições similares. Para fechar nossa análise acerca desse aspecto, consideremos uma situação hipotética para ilustrar a falta de razoabilidade, para dizer o mínimo, da argumentação do ProcuradorGeral da República, relativa à alegada inconstitucionalidade na elevação do nível de escolaridade para investiduras futuras no cargo de TRF. Imaginemos, por exemplo, que a Administração Pública Federal decida elevar o nível de escolaridade para as futuras investiduras no cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e passe a exigir, além do nível de graduação, um título de pós-graduação, por exemplo, uma especialização em determinadas áreas com determinada carga horária mínima ou até mesmo o título de mestre ou doutor. Pergunta-se: caso isso venha a ocorrer, os atuais ocupantes desse cargo que não possuem título de pós-graduação se transmudariam subitamente em ocupantes indevidos desse cargo, como assim foram considerados os ocupantes do cargo de Técnico do Tesouro Nacional, que teve sua nomenclatura alterada para Técnico da Receita Federal e, mais adiante, para Analista Tributário da Receita Federal do Brasil? Certamente que não. Tal nível só seria exigido dos futuros ocupantes desse cargo, da mesma forma que ocorreu com o cargo de Técnico do Tesouro Nacional. Portanto, nenhuma inconstitucionalidade há no fato de coexistirem no mesmo cargo ocupantes de níveis de escolaridade distintos que ingressaram nesse cargo em momentos igualmente distintos e que, ao ingressarem, cumpriram as exigências então vigentes: tais alterações no cargo se deram em razão de necessidades surgidas ao longo do tempo, de acordo com as contingências sociais e as exigências de qualificação de cada período histórico. Passemos agora ao exame da argumentação fundada na jurisprudência do STF, invocada pelo Autor. Invoca o PGR a Súmula nº 685, como se esta tivesse se originado de decisões reiteradas no mesmo sentido relativas a situações semelhantes àquela tratada na ADIn nº 4.616; já demonstramos que tal interpretação é equívoca, pois as situações ali abrangidas são aquelas de transposição de servidores de cargos extintos para cargos novos que não guardam 103 nenhuma relação entre si, ou seja, são de carreiras distintas e com atribuições igualmente distintas e díspares, o que, a toda evidência, não é caso dos outrora ocupantes do cargo de Técnico do Tesouro Nacional e do cargo de Técnico da Receita Federal. Também invoca as decisões proferidas nas ADIns 266/RJ e 368/ES, bem como no Mandado de Segurança 21.420/DF. Primeiramente, quanto à ADIn 266/RJ e o MS 21.420/DF, cumpre ressaltar que integram as decisões que levaram à edição da Súmula nº 685. Portanto, nada há a acrescentar, pois já analisamos a referida Súmula, a qual foi editada com base nos julgados referentes às seguintes ações, que tratavam de situações assemelhadas: ADIn 308 MC, publicação: DJ de 17/8/1990; ADIn 368 MC, publicação: DJ de 16/11/1990; ADIn 231, publicação: DJ de 13/11/1992; ADIn 245, publicação: DJ de 13/11/1992; ADIn 785 MC, publicação: DJ de 27/11/1992; ADIn 837 MC, publicação: DJ de 23/4/1993; MS 21420, 18/6/1993; ADIn 266, publicação: DJ de 6/8/1993; ADIn 308, publicação: DJ de 10/9/1993; RE 129943, publicação: DJ de 4/2/1994; ADIn 248, publicação: DJ de 8/4/1994; ADIn 970 MC, publicação: DJ de 26/5/1995; ADIn 186, publicação: DJ de 15/9/1995; MS 22148, publicação: DJ de 8/3/1996; RE 150453, publicação: DJ de 11/4/1997; ADIn 1150, publicação: DJ de 17/4/1998; RE 173357, publicação: DJ de 5/2/1999; ADIn 837, publicação: DJ de 25/6/1999; e ADIn 242, publicação: DJ de 23/3/2001. No que concerne à ADIn nº 368, trata-se de mero enquadramento de servidores de nível intermediário para nível médio e de servidores de nível médio para nível superior, feito pelo Estado do Espírito Santo sem observância da natureza dos cargos e da similitude de atribuições. Com relação à ADIn 3.857, trata-se de verdadeiro “trem da alegria” patrocinado pelo Estado do Ceará, a pretexto de reestruturação da Carreira Tributária do Estado do Ceará, mediante a transformação do cargo de Auditor Adjunto do Tesouro Estadual, de nível médio, no cargo de Auditor Fiscal da Receita Estadual, de nível superior, e dos cargos de Técnico do Tesouro Estadual e Fiscal do Tesouro Estadual, ambos também de nível médio, no cargo de Fiscal da Receita Estadual, de nível superior, com a transposição dos ocupantes dos cargos extintos para os novos cargos criados. Todavia, não foram somente os ocupantes dos três cargos citados que foram transpostos para os novos cargos criados, também citados. Foram igualmente transpostos para o grupo ocupacional Tributação, Arrecadação e Fiscalização todos os servidores em 104 exercício na Secretaria da Fazenda há mais de treze anos, conforme disposição contida no parágrafo único do art. 26 da Lei nº 13.778/2006. Em outras palavras, servidores que ali estivessem exercendo os seus respectivos cargos, quaisquer que fossem eles, foram simplesmente transpostos para uma carreira específica e completamente distinta, sem qualquer relação com a natureza e as atribuições das carreiras ocupadas anteriormente pelos servidores transpostos, violando frontalmente a Súmula nº 685 do STF. Sobre essa reestruturação híbrida da Carreira Tributária, mediante transformação de cargos de nível médio em cargos de nível superior, todos da Carreira Tributária, com a passagem dos ocupantes dos cargos transformados para os novos cargos, bem como a transformação de outros cargos estranhos a essa Carreira em cargos dessa Carreira, assim se manifestou o Min. Marco Aurélio, divergindo do relator, Min. Ricardo Levandovski e do Min. Carlos Menezes Direito, que já haviam se manifestado pela total inconstitucionalidade, tanto num caso como noutro, ou seja, tanto em relação à transformação de cargos da própria Carreira Tributária como em relação à transformação de cargos de carreiras estranhas a ela em cargos dela: Presidente, seria interessante discutirmos um pouco mais a matéria, porque temos no Tribunal três precedentes alusivos ao Estado de Santa Catarina e Rio Grande do Sul placitando a junção. Perdoe-me o Ministro Menezes Direito, creio que o art. 27 [da Lei nº 13.778] é suficientemente explícito no que revela a junção de cargos/funções de Auditor do Tesouro Nacional, Auditor-Adjunto do Tesouro Nacional, Fiscal do Tesouro Estadual, Técnico do Tesouro Estadual e Analista do Tesouro Estadual, de acordo com o anexo V. Quer dizer, o que aconteceu no Ceará foi o conserto da situação – e é sempre muito difícil arrumar a Casa – e conforme ressaltado da tribuna, dois governadores, Lúcio Alcântara e o governador Cid Gomes, placitaram essa lei, endossaram essa lei aprovada pela Assembléia Estadual, que veio a resultar na racionalização da própria carreira. Com muita ética, os dois Advogados fizeram sustentações claras e não veicularam a valia constitucional do parágrafo único, este, sim, a abrir uma avenida quanto ao aproveitamento de prestadores de serviços diversos no que cogita, sem especificidade considerado o cargo, de servidores da Administração Direta há mais de treze anos integrando a área, gênero, de arrecadação do próprio Estado. Penso que estamos diante – e lembro sempre que a divergência que maior descrédito ocasiona é a intestina – de um caso concreto, relativo ao Estado do Ceará, que se mostra idêntico àqueles que resultaram nos precedentes mencionados no memorial do Sindicato: dois precedentes envolvendo Santa Catarina e um o Rio Grande do 105 Sul. Quando somei o voto aos dos relatores desses casos – nem sempre divirjo -, placitei as leis. A esta altura, se outro for o enfoque, haverá, mesmo, o dom da multiplicação de cargos, desarrumando as finanças do Estado do Ceará, no que serão mantidos os cargos pretéritos e se terá, para atendimento, quem sabe, realmente, de uma nova clientela, os novos cargos. Eu caminharia no sentido, sim, de declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 26, que versa: Art. 26. (...) Parágrafo único. Os servidores da Administração Direta – gênero – que se encontrem, na data da publicação desta Lei – simples exercício, pouco importando a função – na Secretaria da Fazenda a mais de treze anos – aqui se esqueceu que teria o verbo “haver” – passam – aqui, passarão – a integrar o grupo ocupacional Tributação, (...) No mais, não. No mais, tivemos junção de atividades que se mesclam, como também tivemos no tocante às leis dos Estados a que me referi. Claro que o Tribunal, hoje, está com uma composição totalmente diversa, mas nos três casos anteriores – um deles sob a relatoria do ministro Gallotti; outro ficou vencido, no caso do Rio Grande do Sul, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, e outro, sob a relatoria da ministra Ellen Gracie, penso que esse último é referência contida em uma das ementas – julgamos a partir da Carta de 1988 e entendemos que, nesse caso, de junção de atividades semelhantes, praticamente iguais, não se verifica o drible pernicioso ao concurso público. Observe-se que o Ministro Marco Aurélio trocou o termo “Estadual” por “Nacional” ao referir-se a dois dos cargos integrantes da Carreira Tributária do Ceará. Quanto ao mérito, observe-se que ele se pronunciou por uma inconstitucionalidade parcial, somente em relação ao dispositivo instituidor do “trem da alegria”, contido no parágrafo único do art. 26 da Lei nº 13.778. Vejamos agora a manifestação do Ministro Ricardo Levandovski, após a fala do Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, mantenho o meu voto e verifico que recebemos um grande número de memoriais que transcrevem os Diários Oficiais do Estado do Ceará , os quais dão conta que motoristas, datilógrafos, desenhistas, agentes prisionais, orientadores de menores, técnicos de estrada, técnico agrícola, visitador sanitário, auxiliar de pesquisa, agente municipalista e assim por diante tiveram os seus cargos transformados em Auditor Fiscal da Receita Estadual e Auditor 106 Adjunto da Receita Estadual, com competência plena. Isso está documentado. (grifo nosso). Observe-se, portanto, que os dados apresentados na fala do Ministro Levandovski revela o “trem da alegria” a todo vapor. Em seguida à sua fala, volta a manifestar-se o Ministro Marco Aurélio: Concordo com Vossa Excelência. Realmente, se o Estado, o Executivo, acionou o parágrafo único do art. 26, acabou aproveitando, indevidamente, esses servidores. Daí a dizer que, a rigor, a rigor – e essas publicações, penso que estiveram respaldadas por esse parágrafo único -, temos a inconstitucionalidade desse dispositivo no que abriu o leque quanto ao aproveitamento na nova carreira. Agora, se expungirmos esse parágrafo único, ficando apenas o artigo 27, o que teremos? A junção de cargos/funções de Auditor do Tesouro Estadual, AuditorAdjunto do Tesouro Estadual, Técnico do Tesouro Estadual e Analista do Tesouro Estadual, que, até pela nomenclatura, podemos afirmar possuidores de atribuições ao menos assemelhadas. E prossegue o debate entre ambos, com o Ministro Levandovski retrucando: Veja Vossa Excelência, por exemplo, o artigo 14, §2º, que eu estou declarando inconstitucional... Retoma a palavra o Ministro Marco Aurélio para ponderar: O parágrafo único, realmente, viabilizou o aproveitamento de motoristas, de contínuos, desde que estivessem há mais de treze anos na Secretaria, o que não se coaduna com os ditames constitucionais. Continua o Ministro Levandovski: E não apenas isso. Ampliação de competência. Se Vossa Excelência pegar cada um desses dispositivos que eu, pelo meu voto – e salvo melhor juízo dos eminentes Pares -, estou declarando inconstitucional, verá que há uma ampliação de competências que são privativas de agentes que tem nível superior. Reafirmando o seu ponto de vista, manifesta-se novamente o Ministro Marco Aurélio, dirigindo-se ao Ministro Levandovski: Ministro, como ressaltado da tribuna, a exigência da escolaridade decorreu da nova lei, mas se preservaram situações em homenagem à realidade, no que anteriormente não se exigia, quando do concurso público efetivado, escolaridade maior. Então, apenas se congelou essa situação, como disse, para racionalizar, para sanear-se a diversificação que havia no próprio Estado. 107 Estou seguro de que, expungido o parágrafo único do art. 26, não haverá a possibilidade, considerados os demais dispositivos, de aproveitamento de servidores ocupantes de cargos totalmente estranhos à arrecadação considerada a via direta. Após essa fala do Ministro Marco Aurélio, os Ministros Levandovski e Menezes Direito mantiveram os seus respectivos votos pela inconstitucionalidade total da lei atacada, sendo acompanhados pelos Ministros Cezar Peluso, Carmen Lúcia, Ellen Gracie, Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Celso de Mello. O Ministro Marco Aurélio votou pela inconstitucionalidade parcial, referente somente ao parágrafo único do art. 26 da Lei nº 13.778/2006. O Ministro Eros Grau estava presente, mas não votou, por não ter lido o relatório, e o Ministro Gilmar Mendes estava ausente. Com relação a esse julgado, que representa uma aparente inflexão do Colendo Tribunal em relação à decisão contida na Ementa da ADIn 2.335/SC, de 2003, quanto às possibilidades de reestruturação de carreiras, mediante extinção de cargos existentes e criação de cargos novos, com alocação nestes dos ocupantes dos cargos extintos, observa-se que o tipo de reestruturação de carreira de que aí se tratou é completamente diferente do caso da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, pois no caso de que trata a ADIn nº 4.616 não houve junção de ocupantes de diferentes cargos existentes num cargo novo. Além disso, parece-nos que o dispositivo manifestamente inconstitucional que permitiu o acesso à Carreira do Fisco a servidores ocupantes de cargos estranhos a esta terminou por desqualificar a Lei como um todo aos olhos dos Ministros do STF, à exceção do Ministro Marco Aurélio. Deste modo, é, a nosso ver, impertinente a invocação, pelo Procurador-Geral da República, da decisão proferida na ADIn que acabamos de examinar, relativa à legislação do Estado do Ceará, para servir de fundamento à alegação de inconstitucionalidade formulada na ADIN 4.616. Observemos, também, que na sessão que apreciou a ADIn 3.857/CE estava ausente o Ministro Gilmar Mendes, relator do Acórdão da ADIn 2.713/DF, mencionada na Ementa da decisão proferida na ADIn 2.335/SC, que também é relator da ADIn 4.616, além do que os Ministros Menezes Direito e Eros Grau não mais compõem o Colendo Tribunal, além da Ministra Ellen Gracie, os quais foram substituídos pelos Ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber. Como visto, o caso levado ao STF, por meio da ADIn nº 3.857, nada tem a ver com o que se questiona na ADIn nº 4.616, que versa sobre alterações ocorridas nos dois cargos integrantes de uma mesma Carreira, no caso a Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita 108 Federal do Brasil, os quais mudaram de nomenclatura por duas vezes e num deles, que anteriormente exigia o nível médio como requisito para investidura, passou-se a exigir o nível superior para futuras investiduras. Diante dessa decisão, em face da decisão adotada, por exemplo, na ADIn nº 2.335, fica patente a importância singular que terá o julgamento da ADIn nº 4.616, do qual se espera que produza uma decisão que venha a fornecer claros critérios mediante os quais possa a Administração Pública, em todos os níveis, embasar-se para operar reestruturações de suas carreiras, ditadas por suas necessidades funcionais e instrumentais para otimizar e racionalizar os seus serviços em prol da Sociedade. Desta forma, ficam, no nosso entender, fulminados todos os argumentos expendidos pelo Procurador-Geral da República em defesa da alegada inconstitucionalidade dos dispositivos da legislação combatidos na exordial da ADIn nº 4.616. 4.2 ARGUMENTOS DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO EM FAVOR DA CONSTITUCIONALIDADE DA REESTRUTURAÇÃO DA CARREIRA DE AUDITORIA DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL A Advocacia-Geral da União se manifestou mediante a Mensagem nº 343, de 31.08.2011. Sua argumentação seguiu basicamente a linha de raciocínio desenvolvida na Nota RFB/Asesp/nº 21/2011, de 4 de julho de 2011, aprovada pelo Secretário da Receita Federal do Brasil, documento já citado no capítulo antecedente. Inicia abordando o aspecto instrumental-funcional da Administração Pública, que lhe impõe o dever de modernizar-se permanentemente para melhor servir à coletividade: "13. Cumpre destacar que as reestruturações do cargo questionado na ADI 4.616 ocorreram no contexto de reestruturações do Órgão, hoje denominado Secretaria da Receita Federal do Brasil, ao qual está vinculada a Carreira a que pertence. Portanto, a medida legal não cuidou, de forma alguma, de aperfeiçoamentos realizados isolada ou casuisticamente, em favor de um determinado grupo de servidores, mas sim dentro de um escopo muito maior, no interesse e benefício da Instituição Receita Federal e da sociedade. 14. Promover reestruturações orgânicas, mais do que uma faculdade, constitui dever do Estado a fim de adequar os serviços que oferece e as atividades que desenvolve à evolução social, cultural, educacional, técnica, tecnológica e econômica. com vistas a melhor atender as demandas que lhe são impostas em meio a um mundo cada vez mais ágil e sem fronteiras, onde as relações entre pessoas, instituições e Estados se dinamizam aos saltos. 109 15. Assim, não se pode imaginar que a máquina pública reste inexoravelmente tolhida de "azeitar as suas próprias engrenagens" de quando em quando, de aperfeiçoar seus sistemas organizacionais e funcionais, em especial seus recursos humanos, sob pena de sacrificar a aplicação do princípio constitucional da eficiência. 16. E, como restará inconteste nesta Nota, não foi outro o espírito das reestruturações levadas a termo na Receita Federal, operadas, sim, com respeito à Constituição, não só em relação ao seu arcabouço normativo positivado, em especial ao disposto no seu art. 37, inciso II, mas com os "pés fincados" nos princípios éticos e justos que consagram a "Constituição Cidadã". Tal argumento é o mesmo que já explicitamos neste trabalho, ou seja, deve a Administração Pública ter certa autonomia para organizar a sua estrutura visando à consecução eficiente e eficaz dos seus serviços, a fim de alcançar a efetividade desejada. Em seguida, a Advocacia-Geral da União apresenta interessante argumento referente às atribuições dos cargos de Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional e de Técnico do Tesouro Nacional. A primeira alteração de nomenclatura de ambos os cargos, concomitante com a elevação do grau de escolaridade exigido para futuras investiduras no cargo de Técnico do Tesouro Nacional, agora denominado Técnico da Receita Federal, é o nó górdio da questão. Assim, discorre a AGU acerca desse aspecto: 53. Mister apontar que o referido Decreto [90.928/85] já previa que o cargo de Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional (AFTN), de nível superior, estaria incumbido de realizar as atividades de grande complexidade, e que ao cargo de Técnico do Tesouro Nacional (TIN) restariam as atividades de média complexidade, de apoio operacional, relacionadas com os encargos específicos de competência da então Secretaria da 'Receita Federal. 54. Portanto, apesar de ainda não estarem detalhadas as atribuições nem em relação ao Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional (AFTN) nem em relação ao Técnico do Tesouro Nacional (TIN), conclui-se, em face das características genéricas traçadas, que a norma em comento já distinguia a complexidade de atribuições para os diferentes cargos, reservando, somente ao AFTN, as tarefas de grande complexidade. 55. Importa salientar ainda que a referida norma já previa a possibilidade de tanto o Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional quanto o Técnico do Tesouro Nacional realizarem tarefas de média complexidade, o que pode ser traduzido na existência de possibilidade, já àquela época, de atividades de competência do Órgão serem realizadas de forma concorrente por ambos os cargos. De fato era isso o que ocorria na prática, no cotidiano das repartições da Receita Federal. 110 56. Essas considerações são de extrema importância para deixar fora de dúvida que apesar das reestruturações implementadas no Órgão e na Carreira, não houve qualquer alteração na complexidade das atribuições de ambos os cargos, pois ao atual Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (AFRFB) estão reservadas as atividades mais complexas do Órgão, hoje, tratadas de forma mais específica, como privativas. Esse argumento desmente a alegação do Procurador-Geral da República de que não havia regulamentação das atribuições do cargo de Técnico do Tesouro Nacional no DecretoLei nº 2.225/85. Todavia, como se vê, as atividades de ambos os cargos da Carreira estavam descritas de forma genérica no referido Regulamento. Prossegue a AGU em sua argumentação: 57. Certo é que da simples leitura das características citadas no Decreto nº' 90.928/ de 1985, não é possível identificar, do ponto de vista formal, o rol das atividades que na prática, eram exercidas pelo Técnico do Tesouro Nacional (TIN) no período de 1985 a junho de 1999. No entanto, da leitura do item 3 do Edital ESAF n° 7, de 13 de fevereiro de 17 1998, que regulou o concurso público para Técnico do Tesouro Nacional naquele ano, antes de vir ao mundo jurídico a Medida Provisória nº 1.915, de 1999, resta comprovado que as atividades de fato exercidas pelo então TTN equivalem-se, ainda hoje, às exercidas pelo Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil (ATRFB), como se verá adiante. Dispunha o citado Edital de abertura do concurso público no seu item 3, verbis. "3 DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO Ao cargo de Técnico do Tesouro Nacional correspondem as atribuições referentes às atividades de nível médio de apoio operacional relacionadas com os encargos específicos de competência da Secretaria da Receita Federal (alínea "b" do art. 2fJ do Decreto nº 90.928/85). O Técnico do Tesouro Nacional desempenha, na administração tributária, atividades nas áreas de administração, tributação, arrecadação, fiscalização, controle aduaneiro e informações econômico-fiscais, compreendendo, entre outras atividades, examinar a parte final formal dos processos, acompanhar as operações de carga, descarga e movimentação de mercadorias e/ou bagagens, além das operações de trânsito aduaneiro, receber documentos de declarações de importação, executar operações preliminares para o desembaraco, auxiliar nos trabalhos relativos à administração de recursos humanos e de material e à programação orçamentária e financeira e, ainda, a realização de trabalhos pertinentes a estudos, pesguisas, processamento de dados e atendimento ao público," 58. Constata-se, portanto, que os ocupantes do cargo de Técnico do Tesouro Nacional já exerciam, antes da Medida Provisória nº 1.915, de 1999, atividades em 111 todas as áreas da Secretaria, inclusive nas áreas finalísticas, como, por exemplo, na fiscalização, arrecadação, tributação e aduaneira, bem assim já examinava processos e prestava atendimento ao público, sem inovação substancial no campo de atribuições. Nessa parte de sua argumentação, a AGU transcreve edital de concurso público realizado em 1998 para o cargo de Técnico do Tesouro Nacional, o qual demonstra que os ocupantes deste cargo já desenvolviam atividades equivalentes àquelas dos Técnicos da Receita Federal, descritas posteriormente com precisão no Decreto nº 3.611/2000, regulamentador da Medida Provisória nº 1.915 e suas reedições até a data da edição do referido Decreto. Nesse ponto, a AGU frisa o motivo da alteração da nomenclatura dos cargos e da Carreira, qual seja, criar identidade entre o nome dos cargos e da Carreira ao Órgão Secretaria da Receita Federal do Brasil, o que já foi abordado no capítulo antecedente, quando se tratou do histórico dessa Carreira. Prossegue a AGU em sua argumentação, frisando agora que, quanto ao grau de complexidade, a posição relativa do cargo de Técnico da Receita Federal em relação ao cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal permaneceu equivalente àquela que existia entre o cargo de Técnico do Tesouro Nacional e Auditor Fiscal do Tesouro Nacional, surgindo, inclusive, atribuições privativas para o cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal, que antes não existiam na vigência da nomenclatura de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional: 63. No que tange ao Técnico da Receita Federal, a Medida Provisória nº 1.915, de 1999, tratou de forma genérica as atribuições do cargo, ao preceituar que "Incumbe ao Técnico da Receita Federal auxiliar o Auditor-Fiscal da Receita Federal no exercício de suas atribuições/J. 64. Ora, a leitura do termo "auxiliar", expresso na Medida Provisória, indica que o Técnico deveria exercer atividades preparatórias e complementares ao exercício das atividades do Auditor, e, sendo assim, não se vislumbra que as tais atividades auxiliares sejam mais complexas do que as atividades já preconizadas pelo Decreto nº 90.928, de 1985, pois auxiliar, dar apoio e executar tarefas de média complexidade se identificam, indicam equivalência. 65. Quando a Medida Provisória especificou as atividades privativas do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal, (AFRF) importou dizer que para a este cargo foram mantidas as atividades de maior complexidade, e para o cargo de Técnico da Receita Federal (TRF), incumbido de auxiliar o Auditor-Fiscal, foram destinadas as atividades de média complexidade, permanecendo, inclusive, a identidade das atribuições de fato já exercidas. 112 A AGU também assinala a omissão do Decreto nº 3.611/2000 na argumentação do Procurador-Geral da República, frisando que este é fundamental para o cotejamento das atribuições do Técnico da Receita Federal e aquelas do Analista Tributário da Receita Federal do Brasil: 79. Na tentativa de mostrar suposta existência de acréscimo de atribuições para o cargo de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, a Exordial compara o texto da Lei nº 11.457, de 2007, apenas com a incumbência genérica antes prevista para o cargo de Técnico da Receita Federal na Medida Provisória 1.915, de 1999, esquecendo de orientar a comparação, também, pelas disposições do Decreto n" 3.611, de 2000, que detalhou, formalmente, as atribuições do cargo TRF. Finalmente, a AGU menciona o Decreto 6.641/2008, editado em cumprimento a dispositivo da Lei 10.593/2002, alterada pela Lei 11.457/2007, o qual fixa as atribuições do cargo, agora sob a denominação de Analista Tributário da Receita Federal do Brasil, mediante transformação: 100. Portanto, à vista do citado Decreto, ora vigente, é possível concluir que para o cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (AFRFB) foram mantidas as anteriores atribuições privativas, identificadas pelas de maior complexidade do Órgão. a exemplo de lançamento de crédito tributário, julgamento de processo fiscal, execução de procedimento de fiscalização, supervisão de atividades de orientação ao contribuinte, não sendo criada nenhuma nova atividade privativa para o cargo de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, nem tampouco estabelecidas novas atribuições de complexidade díspar das já exercidas desde guando o cargo se denominava Técnico do Tesouro Nacional. Em seguida, reporta-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que já foi por nós citada, as decisões proferidas pelo STF nas ADIns 2.713 e 1.591, manifestando-se pela constitucionalidade daquelas reestruturações de carreiras. Mais adiante, a AGU toca na questão da elevação do grau de escolaridade exigido para futuras investiduras no cargo de Técnico da Receita Federal, afirmando que esta, por si só, não demonstra que foram atribuídas aos ocupantes deste cargo tarefas mais complexas: 109. Conforme já exaustivamente exposto, não tendo havido alteração da identidade substancial de atribuições nem do padrão remuneratório, o que mais adiante será demonstrado, a simples alteração da exigência de nível de escolaridade para futuros ingressos no cargo não é suficiente para caracterizar a pretensa criação de um novo cargo público, tampouco a investidura derivada em cargo público. 113 110. A exigência de escolaridade de nível superior para o cargo de Técnico da Receita Federal (TRF) justificava-se, primeiro, porque as atividades já desenvolvidas pelo então Técnico do Tesouro Nacional (TTN) eram mais complexas do que as exercidas pelos demais Técnicos da Administração Pública Federal, o que exigia do servidor da administração tributária conhecimentos técnicos mais profundos, cujo ensino regular de segundo grau não era capaz de proporcionar. Basta verificar o conteúdo programático exigido no Edital ESAF nº 7, de 13 de fevereiro de 1998, que regulou o Concurso Público para Técnico do Tesouro Nacional naquele ano, antes da Medida Provisória nº 1915, de 29 de junho de 1999, exigindo-se, com profundidade, conhecimento de diversas áreas, a saber: Direito Tributário, Legislação Tributária, Legislação Aduaneira, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Informática, Língua Portuguesa. Contabilidade. RaciocínioLógico Quantitativo, e Inglês ou Espanhol, sem contar o elevado grau de dificuldade das provas aplicadas. Tal era o grau de dificuldade e complexidade das provas que os aprovados em concurso para Técnico do Tesouro Nacional eram, em sua maioria, possuidores de diploma de curso superior. 111. Ademais, a remuneração do Técnico do Tesouro Nacional já era superior à remuneração da maioria dos cargos técnicos, de nível médio, da Administração Pública Federal. 112. Outro dado relevante consiste em que os conteúdos programáticos dos concursos para Técnico do Tesouro Nacional (TTN), Técnico da Receita Federal (TRF) e Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil (ATRFB) se mantiveram basicamente os mesmos, bem assim o elevado grau de dificuldade das provas aplicadas nos respectivos concursos, como é fácil verificar no quadro comparativo a seguir. Justifica, em seguida, a elevação do grau de escolaridade para futuras investiduras no cargo de Técnico da Receita Federal: 119. A razão disso é simples. À época em que o concurso exigia escolaridade de nível médio, competiam no certame candidatos que possuíam o exato grau de escolaridade exigido (curso de nível médio) e também candidatos detentores de diploma de curso superior. Portanto, tais concursos se realizavam mediante concorrência com amplitude maior do que a amplitude da concorrência dos concursos posteriores, que, com o mesmo conteúdo programático e com o mesmo grau de dificuldade, passaram a exigir graduação em nível superior, necessário, conforme já observado, à adequação do cargo à realidade da esmagadora maioria do corpo funcional desde antes de 1999, graduada em nível superior, e à desejável atualização do cargo, conforme a modernização e o aperfeiçoamento operado no Órgão ao qual resta vinculada a carreira. 114 Para finalizar, comenta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal invocada pelo Procurador-Geral da República para corroborar a arguida inconstitucionalidade. Assim, discorre sobre a ADIn 3.857, relacionando os pontos críticos da reestruturação da Carreira Tributária do Estado do Ceará, que levaram à declaração de sua inconstitucionalidade, dentre os quais destacamos: 1) transposição para aquela Carreira de servidores estranhos a ela, com elevação de remuneração; e 2) ampliação do rol de atribuições de certos cargos da Carreira Tributária. Frisa que os fatos apontados na ADI nº 3.857 não apresentam qualquer semelhança ou identidade com as reestruturações levadas a efeito na Receita Federal, o que, aliás, já havíamos afirmado anteriormente. Quanto à ADI nº 368, destaca que a mesma se refere à criação de uma nova carreira pelo Estado do Espírito Santo, a de Técnico Judiciário, “para a qual trouxe servidores estranhos àquela atividade. pertencentes a outras carreiras do Poder judiciário, que não tinham qualquer identidade com as atribuições ou com o padrão remuneratório delineados para a carreira de Técnico judiciário.” Tal situação também não guarda qualquer relação com aquela ocorrente na reestruturação da Carreira da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Também comenta a invocação da decisão proferida no Mandado de Segurança nº 21.420, mediante o qual os Técnicos de Finanças e Controle Externo do Tribunal de Contas da União “pretendiam obter ascensão funcional para o cargo de Analista daquela Corte, sem concurso público, situação que não tem nenhuma semelhança com o caso em discussão na ADI 4.616”. Conclui afirmando que a propositura da ADIn 4.616 se assenta em premissas equivocadas, assim como numa análise distorcida das normas mediante as quais se deu a reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, razão pela aguarda-se um juízo de improcedência do pedido. 4.3 DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PELA CONSTITUCIONALIDADE DE LEGISLAÇÕES DE REESTRUTURAÇÃO DE CARREIRAS QUESTIONADAS NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE NºS. 1.591/RS, 2.713/DF E 2.335/SC As decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIns 1.591, 2.713 e 2.335, reconhecendo a constitucionalidade da legislação mediante a qual foram reestruturadas as carreiras a que se referem as referidas ADIns, corroboram os argumentos aqui apresentados em favor da constitucionalidade da reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal em todos os seus aspectos, tendo em vista que a mesma se assemelha à 115 reestruturação ocorrida na Carreira do Fisco dos Estados do Rio Grande do Sul (ADIn 1.591) e do Estado de Santa Catarina (ADIn 2.335). A ADIn nº 1.591 foi ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores contestando a reestruturação da Carreira do Fisco do Estado do Rio Grande do Sul, efetivada mediante a Lei Complementar nº 10.933, de 15.01.1997, que extinguiu os cargos de Auditor de Finanças Públicas e de Fiscal de Tributos Estaduais, criando um único cargo de Agente Fiscal do Tesouro do Estado, passando para este novo cargo os ocupantes dos cargos extintos, ambos de nível superior. Assim se manifestou o STF na Ementa do Acórdão dessa ADIn: Unificação, pela Lei Complementar 10.933-97, do Rio Grande do Sul, em nova carreira de Agente Fiscal do Tesouro, das duas, preexistentes, de Auditor de Finanças Públicas e de Fiscal de Tributos Estaduais. Assertiva de preterição da exigência de concurso público rejeitada em face da afinidade de atribuições das categorias em questão, consolidada por legislação anterior à Constituição de 1988. Ação direta julgada por maioria improcedente. A ADIn nº 2.713 foi ajuizada pela Associação Nacional dos Advogados da União – ANAUNI, que arguiu a inconstitucionalidade do art. 11 e respectivos parágrafos da Medida Provisória nº 43, de 25.06.2002, convertida na Lei nº 10.549, de 13.11.2002, que transformou os cargos efetivos, ocupados e vagos, de Assistente Jurídico, da Carreira de Assistente Jurídico, em cargos de Advogado da União, da Carreira de Advogado da União, sendo ambas as carreiras integrantes do quadro da Advocacia-Geral da União, alegando-se ofensa aos arts. 131, caput; 62, §1º, inciso III; 37, inciso II, e 131, §2º, todos da Constituição Federal. Assim se pronunciou o STF na Ementa do Acórdão dessa ADIN: Não encontra guarida, na doutrina e na jurisprudência, a pretensão da requerente de violação ao art. 131, caput, da Carta Magna, uma vez que os preceitos impugnados não afrontam a reserva de lei complementar exigida no disciplinamento da organização e do funcionamento da Advocacia-Geral da União. Precedente: ADI 449, Rel. Min. Carlos Velloso. Rejeição, ademais, da alegação de violação ao princípio do concurso público (CF arts. 37,II e 131, § 2º). É que a análise do regime normativo das carreiras da AGU em exame aponta para uma racionalização, no âmbito da AGU, do desempenho de seu papel constitucional por meio de uma completa 116 identidade substancial dos cargos em exame, verificada a compatibilidade funcional e remuneratória, além da equivalência dos requisitos exigidos em concurso. Precedente: ADI 1.591, Rel. Min. Octavio Gallotti. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. A decisão proferida pelo Colendo Tribunal na ADIn 2.335, cuja ementa do respectivo Acórdão já foi transcrita no capítulo anterior, pode ser considerada paradigma para reestruturações de carreira similares, a exemplo da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil. Com efeito, na reestruturação da Carreira do Fisco de Santa Catarina houve a extinção dos cargos de Fiscal de Tributos Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator e Escrivão de Exatoria, todos, então, de nível superior, e criado um novo cargo, Auditor Fiscal da Receita Estadual, sendo os ocupantes dos quatro cargos extintos transpostos para o novo cargo criado. Anteriormente, no entanto, dois desses cargos eram originariamente de nível médio, a exemplo do cargo de Técnico do Tesouro Nacional, quais sejam, os cargos de Escrivão de Exatoria e Fiscal de Mercadorias em Trânsito. Apresentamos agora um breve histórico da Carreira do Fisco do Estado de Santa Catarina, obtido do sítio eletrônico do Sindicato dos Servidores da Fazenda do Estado da Bahia: Em 1970, o governo de Santa Catarina aprovou a Lei 4.426/1970 que originou as carreiras do Fisco no Estado de Santa Catarina. Em nenhum dos seus artigos, esta lei, determinou as atribuições dos cargos criados, nem a forma de ingresso nas carreiras.Os cargos criados pela Lei foram: Fiscal da Fazenda, Auxiliar de Fiscalização, Coletor, Escrivão da Coletoria, os cargos singulares de Inspetor de Coletorias, Inspetor Auxiliar de Postos Fiscais e Inspetor de Postos Fiscais, bem como as funções singulares de Agente Fiscal Rodoviário, ficam transformados (artigo 4º da Lei).A Lei informava, ainda, que o poder executivo apostilaria os títulos dos servidores atingidos pelas suas disposições e que reformularia a classificação, lotação, funcionamento e atribuições das Exatorias Estaduais e demais órgãos da Secretaria da Fazenda (art. 15 e 16) Em 1982, a Lei 6.040, alterava o quadro funcional da Sefaz/SC (Administração Fazendária Superior e Administração Fazendária Intermediária) e a partir deste momento passava a disciplinar a habilitação profissional exigida para ingresso em cada cargo e classe do grupo Fiscalização e Arrecadação. 117 Ainda em 1991, o governo catarinense fez aprovar a Lei 8.248/91. Esta Lei teve um caráter importante na transformação dos cargos da Sefaz/SC. A Lei determinava que todos os cargos existentes do grupo de fiscalização e arrecadação fossem transformados em cargos de nível superior. Vale lembrar que com a instituição desta Lei, o cargo de Escrivão de Exatoria que exigia como forma de ingresso à habilitação diploma de nível médio passou à nova situação de portador de nível superior. Esta Lei, também, permitiu ao poder executivo disciplinar as atribuições específicas dos cargos existentes – Fiscal de Tributos Estaduais, Exator, Fiscal de Mercadorias em Trânsito e Escrivão de Exatoria. Foi a partir daí que a Lei 8.248 decretou, atribuindo a cada cargo – sobretudo àqueles que haviam sido alçados, recentemente, à habilitação em diploma superior (Fiscal de Mercadorias em Trânsito e Escrivão de Exatoria) - a prerrogativa, em Lei, da constituição do crédito tributário, através da imposição de multa por descumprimento de obrigação tributária, no desempenho das funções arroladas, inerentes a cada cargo. Pode-se concluir, então, que a Lei 8.248/91 permitiu: a) Que os cargos fossem elencados por níveis de complexidade; b) Que todos os quatro cargos passassem a constituir o crédito tributário, com respaldo legal. * Originariamente nem todos os cargos eram de nível superior; Importante frisar que as Leis 8.246 e 8.248 ambas de 1991, foram alvo de uma ADIn.. Porém a ação foi indeferida pelo STF, por unanimidade. Em janeiro de 1992 o governo de Santa Catarina fez aprovar a Lei Complementar 43/92 que disporia sobre a remuneração dos servidores civis e que previa – no seu artigo 7º - a obrigatoriedade de envio à Assembléia Legislativa de planos de cargos específicos para os servidores considerados como carreiras típicas de estado. Então, o governo enviou o projeto e a Assembléia Legislativa de Santa Catarina, em março de 1993, aprovou a Lei Complementar 81/93. Esta nova Lei tratava da estrutura do Plano de Cargos e Vencimentos do Fisco, e descrevia de forma detalhada as especificações de cada cargo. Vale observar que a LC 81/93 tratava, dentre outros temas, de uma agregação das Leis Ordinárias 8.246 e 8.248 de 1991, agora amparadas por outra Lei (complementar), com maior força. 118 A LC 81/93 foi alvo de uma ADIn (1030) requerida pelo Procurador Geral da República. O Procurador argumentou, em suma, que os cargos de Escrivão de Exatoria e Fiscais de Mercadorias em Trânsito terem sido alçados à categoria de nível superior e atribuiu novas funções às categorias do grupo de fiscalização e arrecadação existente. As alegações do poder executivo, do Presidente da Assembléia Legislativa de SC e do Advogado Geral da União: a) Que as leis existentes nada mais fizeram do que manter os cargos do grupo de arrecadação e fiscalização num novo grupo, com outra denominação, apenas passando a exigir para o ingresso na carreira nível superior e que todos os direitos adquiridos dos atuais ocupantes foram respeitados. b) Que a LC 81/93 nada mais fez do que atribuir competência a cargos anteriormente criados para sanar falhas da legislação anterior (cometidas pelo próprio Estado). c) Que foram oferecidos ganhos de remuneração aos cargos, mas todos em harmonia com a Constituição Federal e sem vinculá-los à Carreira de Fiscais de Tributos Estaduais que continuaram a existir com estrutura e níveis remuneratórios distintos dos demais cargos. O STF, em 13/12/1996, considerou procedente a ação, suspendendo os efeitos da Lei Complementar 81/93. O governador do estado de Santa Catarina resolveu, então, promover outra reforma na estrutura organizacional da Sefaz, unificando os cargos numa única carreira na busca de sanar definitivamente falhas de legislações anteriores e oferecer racionalidade administrativa ao estado. A Assembléia Legislativa aprovou a Lei Complementar 189/2000, encaminhada pelo Governador, onde cargos no quadro único de pessoal da administração direta foram criados e outros extintos. A Lei transformou os cargos de Fiscal de Tributos Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator e Escrivão de Exatoria em 650 cargos de Auditores Fiscais da Receita Estadual. (grifos em itálico do texto original). Como se vê, a história da reestruturação da Carreira do Fisco catarinense é muito semelhante à da reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Dois dos cargos envolvidos na referida reestruturação empreendida pela Administração daquele Estado-Membro, quais sejam Escrivão de Exatoria e Fiscal de Mercadorias em Trânsito, eram originariamente cargos de nível médio, a exemplo do cargo de Técnico do Tesouro Nacional. 119 Assim se manifestou o Relator dessa ADIn, o Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, peço vênia a V. Exa, para divergir. Não vislumbro diferença substancial entre o entendimento que o Tribunal assentou na ADI nº 1.591 e a orientação ora esposada. Naquela (sic) precedente discutia-se a constitucionalidade da unificação, promovida por lei estadual do Rio Grande do Sul, das carreiras de Auditor de Finanças Públicas e de Fiscal de Tributos Estaduais em uma nova carreira, denominada Agente Fiscal do Tesouro. Entendeu o Tribunal, sob a relatoria do Ministro Octávio Gallotti, que rejeitar a tese de que haveria ofensa ao princípio do concurso público, haja vista a similitude das funções desempenhadas pelas carreiras unificadas. [...] No caso em exame, do memorial trazido pelo Professor Almiro Couto e Silva, colho que, em verdade, as carreiras que foram extintas pela lei impugnada, e substituídas pela carreira de Auditor Fiscal da Receita Estadual, vêm sofrendo um processo de aproximação e de interpenetração. E, está demonstrado, e que há correspondência e pertinência temática entre aquelas carreiras. Eventualmente surgem distinções de grau; algum grupo está incumbido de fiscalizar microempresas, mas não há qualquer diferença que se possa substancializar. De modo que, peço vênia a V. Exa, invocando o precedente da ADI nº 1.591 e, também da ADI 2.713, julgar improcedente a presente ação”. O fator decisivo aqui, como anteriormente frisado, foi a similitude das atribuições, conforme consta na Ementa do Acórdão, o qual faz alusão aos dois precedentes, expressos nas decisões das ADIns 1.591 e 2.713. Vale frisar que essa decisão é, até o momento, a mais recente no que concerne ao reconhecimento da constitucionalidade em decisões do STF envolvendo reestruturações de carreiras nesses moldes, datada de 11.06.2003. De tudo quanto foi exposto, constata-se que as alegações de inconstitucionalidade dos dispositivos legais apontados na peça vestibular da ADIn nº 4.616 pelo Procurador-Geral da República são absolutamente improcedentes. 120 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A linguagem humana é equívoca, manifesta-se por meio de signos, e por isso requer que se faça a interpretação dos textos mediante os quais ela se expressa. Tal equivocidade se reflete consequentemente na esfera do Direito, mormente nos países cuja ordem jurídica se caracteriza pela primazia das leis escritas e que possuem constituições rígidas. A Teoria Pura do Direito de Kelsen procurou conferir ao Direito um status de ciência autônoma. Para fazê-lo, ele abstraiu o aspecto valorativo contido na norma jurídica por considerar que tal valoração é inerente ao campo da Política, definindo o objeto do Direito como o estudo da norma jurídica de per si. Isso alimentou a dicotomia entre o jurídico e o político, como se o caráter jurídico fosse excludente do político e vice-versa, muito embora tal contraposição já existisse antes dele. Isso já se refletia, por exemplo, no controle de constitucionalidade que já havia sido estabelecido nos Estados Unidos da América, por exemplo, onde só admitia tal controle pela via de exceção, ou seja, a partir de incidentes em casos concretos suscitados por cidadãos no âmbito da justiça comum. Em sua formulação teórica, Kelsen não nega o íntimo e estreito contato entre o jurídico e o político ou entre o Direito e outras áreas do conhecimento humano, como a Filosofia, a Sociologia, a Psicologia e a própria Política, porém afirma que tais aspectos não são pertinentes ao campo da ciência jurídica por ele definido, posto que definiu o objeto de estudo desta sem elementos que considerava estranhos a ela. Em sua visão, o aspecto político no Direito se manifesta no momento de sua aplicação, e isso é objeto já da Hermenêutica Jurídica, para a qual ele desistiu de buscar uma teoria que possibilitasse extrair-se um único sentido “correto” intrínseco de cada texto, afirmando ser tal tarefa impossível, pois a decisão é invariavelmente resultante de um ato volitivo, ou seja, político. Essa partição do Direito acaba por influenciar as visões que vão se construindo a respeito dele. Surge, assim, uma falsa dicotomia: a oposição entre conteúdo estritamente jurídico e conteúdo político, repercutindo até mesmo na conceituação da natureza das normas jurídicas, criando-se categorias distintas de tais normas. Deste modo, as normas constitucionais, ainda que indiscutivelmente revestidas de plena juridicidade, a ponto de sustentar todo o edifício de dada ordem jurídica, são vistas como normas jurídicas de natureza essencialmente política, posto que determinam a configuração política do Estado em todas as 121 suas facetas, em contraposição com a legislação infraconstitucional, tida como de natureza tipicamente jurídica, a ponto da atitude dos órgãos jurisdicionais brasileiros, durante muito tempo, ter sido a de privilegiar a chamada interpretação literal ou a letra da lei, em reverência total à legalidade estrita e estreita, independentemente das repercussões sociais da aplicação das leis sob tal viés, mormente quando contrárias a disposições constitucionais. As normas constitucionais consideradas de natureza política, dentro de tal visão dicotômica, seriam, por excelência, aquelas respeitantes aos poderes constituídos, à sua organização e às relações entre eles. As normas tipicamente jurídicas seriam aquelas respeitantes às disposições endereçadas aos cidadãos. Afirmamos ser uma falsa dicotomia porque, como bem demonstrou Karl Marx, no seu conhecido artigo em que critica o caráter classista de uma lei do Governo da Prússia, não existem normas de conteúdo intrinsecamente político ou jurídico, pois toda e qualquer norma jurídica está inevitavelmente impregnada de conteúdo político, traduzido na sua expressão jurídica positivada. Essa falsa dicotomia suscitou a questão: a quem cometer a tarefa interpretativa da Constituição? A um órgão político ou a um órgão jurisdicional? Alguns países optaram pelo controle de constitucionalidade jurisdicional, de que é exemplo eloquente os Estados Unidos da América, que é feito principalmente pela via de exceção ou incidental, a partir de casos concretos; também a Alemanha, a Áustria e o Brasil adotaram o controle de constitucionalidade jurisdicional. A França, por seu turno, optou pelo controle político de constitucionalidade, inicialmente mal-sucedido, mas que conseguiu, após muitos percalços, firmar-se ao longo do tempo e se manter até os dias atuais. A Itália optou por uma terceira via: um órgão que não pertence à estrutura de nenhum dos três poderes constituídos e, ao mesmo tempo, com a presença de todos eles em sua composição: um órgão tripartite formado por quinze juízes, sendo cinco indicados por cada um dos três poderes, que nos parece a solução mais consentânea com a teoria da separação dos poderes, que é a pedra de toque da organização estatal de todos ou de quase todos os países do mundo. O Brasil adotou inicialmente um sistema de controle jurisdicional de constitucionalidade nos mesmos moldes do sistema adotado pelos Estados Unidos da América, ou seja, exclusivamente pela via de exceção. 122 Em 1965, mediante emenda constitucional à Constituição de 1946, o Brasil adota de forma mais efetiva o controle abstrato de constitucionalidade, timidamente introduzido no País nas Constituições de 1934 e 1946, que se aperfeiçoa em definitivo com a Constituição Federal de 1988, alargando-se bastante e adquirindo grande relevância a partir daí. Pode-se dizer que o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro é híbrido, nele coexistindo o controle concentrado e o controle difuso de constitucionalidade, o primeiro de índole abstrata e o segundo, de índole concreta. A discussão empreendida no segundo capítulo revelou que existem dois conceitos distintos de carreira, que chegam até a serem opostos entre si: o doutrinário, adotado pelos juristas administrativistas pátrios, e o legal, que aparece nas respectivas leis de criação das carreiras quando definem as características e composição das mesmas. De tal distinção decorrem consequências muito importantes e graves: a depender do conceito adotado, a reestruturação de determinada carreira pode ser considerada constitucional ou inconstitucional. Essa é uma das questões que certamente será objeto de discussão no âmbito do Supremo Tribunal Federal quando este for julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.616, em tramitação, cuja arguição de inconstitucionalidade é o elemento motivador de toda a análise que se desenvolve neste trabalho. Verificou-se que o Supremo Tribunal Federal adota dois critérios distintos para aferir a constitucionalidade das normas jurídicas de reestruturação de carreiras, que lhe são submetidas. O primeiro critério, expresso na Súmula nº 685, toma como base o conceito legal de carreira, ou seja, aquele definido pela respectiva lei de criação da carreira, para afirmar ser inconstitucional a transposição de servidores anteriormente ocupantes de cargos existentes e extintos para cargos novos criados em decorrência da extinção daqueles. Por outro lado, nas decisões proferidas no julgamento das ADIns nºs 1.591, 2.713 e 2.335, a Corte Constitucional manifestou-se pela constitucionalidade da legislação que reestruturou as carreiras de que ali se tratava e pela possibilidade da transposição dos servidores ocupantes dos cargos existentes e extintos para os cargos novos criados em decorrência da extinção daqueles, sob o fundamento da similitude de atribuições entre os primeiros e os últimos. Da adoção desses dois critérios distintos para aferição de constitucionalidade de normas jurídicas instauradoras de reestruturação de carreiras, verificou-se que, em certos casos, pode haver contradição aparente entre o enunciado da Súmula nº 685 e a Ementa do 123 Acórdão da ADIn nº 2.335. Isso porque um cargo de determinada carreira pode ser transformado num outro cargo de natureza semelhante, inclusive quanto às atribuições, porém de carreira distinta, tal qual ocorreu na reestruturação da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, no bojo da qual os cargos de Auditor Fiscal da Previdência Social foram extintos e transformados em cargos de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, transpondo-se para estes os ocupantes daqueles cargos extintos. De acordo com a Súmula nº 685, a passagem dos ocupantes dos cargos assim extintos caracterizaria uma inconstitucionalidade, em virtude de serem anteriormente ocupantes de cargo de outra carreira. Contudo, a similitude de atribuições entre ambos caracterizaria a constitucionalidade, conforme a Ementa do Acórdão da ADIn nº 2.335. Disso resulta, a nosso ver, a necessidade de revisão da Súmula nº 685, para integrar os dois critérios, a fim de eliminar possíveis contradições em casos pontuais, pois sendo um enunciado abstrato de ordem geral, deve incidir harmoniosamente em quaisquer casos concretos. Ainda a propósito do conceito de carreira, acreditamos que a apreciação da ADIn nº 4.616 ensejará ao STF discutir a possibilidade de criação de carreiras com cargos comunicáveis entre si, o que remeterá à discussão do princípio constitucional do concurso público para provimento originário em cargo público em face de outro princípio de matriz também constitucional, o princípio da eficiência. Este trabalho foi estruturado na forma de um estudo de caso “teórico”, expresso mediante a pergunta acerca de se é possível, em conformidade com as disposições constitucionais, a Administração Pública reestruturar carreiras mediante alterações, concomitantes ou não, de nomenclatura de cargo, atualização de atribuições e elevação do grau de escolaridade exigido para investidura no(s) cargo(s) objeto da transformação. Para tanto, empreendeu-se essa análise escolhendo-se a legislação que reestruturou a Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, que teve dispositivos questionados pelo Procurador-Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.616. Analisou-se a argumentação do Autor da referida ADIn, bem como da Advocacia-Geral da União e o entendimento jurisprudencial do próprio Supremo Tribunal Federal, tomando-se as decisões consideradas mais representativas a respeito de reestruturação de carreiras. Assim, tomou-se como objeto de análise a Súmula nº 685 e as decisões proferidas nas ADIns nºs. 1.591, 2.713, 2.335 e 3.857. Observou-se que as situações e reestruturações de carreiras que levaram à edição da Súmula nº 685, assim como a reestruturação da carreira 124 objeto da ADIn nº 3.857, não correspondem às reestruturações de carreiras questionadas nas ADIns nºs. 1.591, 2.713 e 2.335. No primeiro caso, em que o STF se pronunciou pela inconstitucionalidade, ocorreu transposição de servidores de cargos existentes e extintos para cargos novos, todavia de carreiras completamente distintas daquelas anteriormente ocupadas pelos servidores transpostos, de atribuições díspares em relação àquelas anteriormente exercidas por estes. Já no segundo caso, em que o STF se pronunciou pela constitucionalidade dos dispositivos legais arguidos como inconstitucionais, ocorreu transposição de servidores de cargos existentes e extintos para cargos novos, de atribuições semelhantes àquelas dos cargos anteriormente ocupados pelos servidores transpostos. Finalmente, passou-se para a análise dos dispositivos legais questionados pela Procuradoria-Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.616, verificando-se que a reestruturação da Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, efetuada mediante a legislação combatida, guarda semelhança com o caso já enfrentado pelo STF quando se debruçou sobre a ADIn nº 2335, diferenciando-se um do outro pelo fato de que na reestruturação da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil há uma relação biunívoca entre os cargos envolvidos, ao passo que na reestruturação da Carreira do Fisco do Estado de Santa Catarina foram extintos quatro cargos e criado um novo cargo, sendo transpostos para este os ocupantes dos cargos extintos. Com efeito, em ambos os casos, ocorreu transformação de cargos, alteração de nomenclatura de cargos, atualização de atribuições dos cargos e, em determinado momento, houve elevação do nível exigido de escolaridade para investidura em cargos. Assim sendo, quanto ao conteúdo, existe quase que uma perfeita identidade entre a reestruturação feita na Carreira de Auditoria da Secretaria da Receita Federal e aquela feita na Carreira do Fisco do Estado de Santa Catarina. Deste modo, à vista de toda a análise empreendida neste trabalho, constatou-se ser improcedente a arguição de inconstitucionalidade dos dispositivos questionados da legislação que reestruturou a Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil e acreditamos que o STF se pronunciará por sua constitucionalidade. Além disso, acreditamos também que a Corte Constitucional servir-se-á do ensejo oferecido para a ampla discussão desse tema, inclusive com a participação da Sociedade Brasileira por meio das três entidades de classe admitidas ao feito na qualidade de “amicus 125 curiae”, para, ao final, fixar os conceitos atinentes à reestruturação de carreiras e estabelecer parâmetros bem definidos a serem observados pela Administração Pública na implementação de reestruturações de carreiras. 126 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25. ed. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. BRASIL. Constituição (1824). Constituição Politica do Imperio do Brazil, de 25.03.1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm>. Acesso em 05.12.2011. BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16.07.1934. 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