IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ____________________________________________________________________________________________________________ APP’s e Ocupações Informais: Formulação de um Modelo para Avaliar o Conflito. Oswaldo Schuch (Prefeitura Municipal de Itajaí) Arquiteto e Urbanista, Especialista em Direito Público Municipal, Mestre em Gestão de Políticas Públicas [email protected] Alexandre de Ávila Lerípio (UNIVALI) Engenheiro Agrônomo, Mestre em Agronomia, Doutor em Engenharia de produção [email protected] Adriana Marques Rossetto (UNIVALI) Arquiteta e Urbanista, Mestre em Engenharia Civil, Doutora em Engenharia de Produção [email protected] Guillermo Alfredo Johnson (UNIVALI) Psicólogo, Mestre e Doutor em Sociologia Política [email protected] Resumo As ocupações informais em cidades brasileiras têm sido a causa de inúmeros impactos, sobretudo em áreas de relevância ambiental, colocando em risco a conservação de frágeis ecossistemas. Entretanto, dada a dimensão que a crise habitacional adquiriu nas últimas décadas, são estes os principais destino para grande contingente de população pobre, mesmo enfrentando condições severas e precárias na ocupação. O objetivo do presente trabalho é apresentar um instrumento que auxilie os gestores públicos na tomada de decisão e na formulação de políticas públicas direcionadas ao enfrentamento de conflitos socioambientais urbanos. A proposição do modelo foi o corolário de pesquisa realizada junto a uma população de 400 famílias, que representa 11% do déficit habitacional do município de Itajaí (SC), ocupantes das margens do rio Itajaí-açu, no local conhecido por Imaruí, considerado área de preservação permanente e sujeito a inundações em períodos de maré alta, fato que o estigmatiza como local insalubre. As categorias de análise “sustentável”, “propiciatória” e “conservado” foram formuladas a partir da fundamentação teórica e sustentaram a coleta de dados que ocorreu através de questionários, entrevistas, visitas técnicas e registros aerofotogramétricos. Estas categorias estruturaram o modelo operacional proposto e foram avaliadas sob os pontos de vista da preservação ambiental (PVPA) e do direito de moradia (PVDM). Palavras-Chave ocupações informais, impactos ambientais, conflitos socioambientais IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ____________________________________________________________________________________________________________ Introdução O dilema entre a prevalência do direito social de moradia ou do direito difuso de preservação ambiental em situações de conflito socioambiental urbano, tem se tornado uma constante no processo decisório dos gestores públicos e dos demais atores envolvidos na gestão urbana. Araújo (2003, p. 6) questiona “o que deve prevalecer, o direito à moradia das pessoas que habitam há anos áreas ambientalmente protegidas ou o interesse da coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado?” As ocupações informais são responsáveis por graves impactos negativos no meio ambiente urbano, colocando em risco sua sustentabilidade. Como resultado do crescimento desordenado e da desigualdade na distribuição dos espaços territoriais, as populações pobres apropriam-se das áreas abandonadas pelos interesses imobiliários no interior das cidades, aquelas caracterizadas pela insalubridade e pelo risco ou, ainda, aquelas consideradas pela legislação ambiental como de preservação permanente. Isto ocorre diante da inexistência de alternativas espaciais economicamente viáveis e na ausência de políticas públicas de habitação destinadas à faixa de renda entre 0 e 3 salários mínimos. A legislação de proteção a áreas de fragilidade ambiental estabelece que não devem sofrer quaisquer interferências humanas, áreas consideradas de preservação permanente que compõem ecossistemas de interesse coletivo. Tais interferências são classificadas como crimes ambientais; entretanto, continuam a ocorrer em nossas cidades, à revelia das leis ambientais e urbanas, impelindo para a ilegalidade grande contingente da população pobre. Por outro lado, compete ao poder público estabelecer rígido controle sobre qualquer forma de ocupação nas áreas protegidas por lei. Entretanto, a fragilidade dos órgãos de fiscalização aliada à crise habitacional contribui, de forma decisiva, para a progressiva degradação de áreas de vital importância para o equilíbrio ambiental. As intervenções que ocorrem têm se caracterizado por ações ineficazes e inúmeras remoções arbitrárias de ocupantes de áreas informais como forma de resolução da questão. A esse respeito Abiko (2002, pp. 1-2) argumenta que a relocação destas populações para as periferias urbanas tem resultado em abandono e retorno a outros locais que ofereçam os mesmos benefícios das áreas inicialmente ocupadas. A pesquisa procurou respostas para algumas indagações importantes a respeito do conflito entre a ocupação e o meio físico. A questão central era saber se o que devia prevalecer era o direito de moradia ou a preservação ambiental. IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ____________________________________________________________________________________________________________ Decorrente desta, e para que pudéssemos estabelecer linhas de investigação com o objetivo de avaliar a problemática, foi escolhida uma área representativa do conflito abordado no estudo, para qual construímos as seguintes perguntas de pesquisa: 1. Se a interação entre a população e o meio ambiente era sustentável nas condições existentes; 2. Se existia consciência da população sobre questões de meio ambiente que fosse propiciatória para implementação de política pública de educação ambiental; 3. Se a vegetação remanescente conservava suas características biológicas associadas ao ecossistema original (mangue). Cabe observar que a localidade do Imaruí é considerada área de preservação permanente pela municipalidade, estando situada às margens do rio Itajaí-Açú e sujeita a inundações durante os ciclos de maré alta e onde remanesce, esparsamente, alguma vegetação considerada originária de mangue. Esta vegetação, ou o que resta dela, permanece sob forte impacto negativo devido ao processo desordenado de urbanização, à inobservância da legislação ambiental e, mais recentemente segundo Serpa et al (1995), às vagas de ocupação que se formaram a partir de 1975 decorrentes da ausência de políticas sociais de habitação e da falta de controle por parte dos órgãos de fiscalização municipais, estaduais e federais. A partir destas perguntas algumas hipóteses surgiram naturalmente: 1. Se a interação entre a população e o meio fosse sustentável nas condições presentes, deveria prevalecer o direito de moradia; 2. Se a população revelasse consciência sobre questões ambientais, propiciatória a implementação de políticas públicas de educação ambiental, deveria prevalecer o direito de moradia; 3. Se a vegetação remanescente não conservasse suas características biológicas associadas ao ecossistema original, deveria prevalecer o direito de moradia. Negadas estas hipóteses deveria prevalecer a preservação ambiental. Desta forma, o presente trabalho tem por objetivo fundamental apresentar um modelo operacional de avaliação que foi concebido como instrumento de gestão com o intuito de avaliar os conflitos presentes nas ocupações informais consolidadas nos diversos ambientes urbanos, a maioria delas em situação de ilegalidade e afrontando o direito coletivo de preservação ambiental. 1. O método Demo (2000. p. 19), ao definir conhecimento científico afirma que, segundo as modernas teorias de aprendizagem, a ciência se faz pela reconstrução do que já está conhecido e do aprendizado IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ____________________________________________________________________________________________________________ obtido a partir do que outros aprenderam. Conforme o autor “[...] o que mais fazemos é retomar o conhecimento disponível e refazê-lo com mão própria”. Com base nestes postulados nossa pesquisa buscou estabelecer um método que fosse o mais estreitamente correlacionado em cada etapa de seu desenvolvimento. A formulação das hipóteses, ao mesmo tempo em que instigava a busca do conhecimento, servia para estabelecer as linhas de investigação. Assim formulamos as categorias “sustentável”, “propiciatória” e “conservado”, a partir das quais os instrumentos foram construídos (questionários e pesquisa documental). O quadro 1 sintetiza as questões da pesquisa de campo que utilizou uma abordagem quantitativa. Vale observar que para a linha de investigação “interação com o meio”, foi associada a categoria “sustentável” e para a linha de investigação “consciência sobre questões ambientais”, foi associada a categoria “propiciatório”. A linha de investigação “estado de conservação da vegetação remanescente”, foi associada à categoria “conservado”. Esta se baseou nos resultados obtidos em foto-interpretação e nas respostas oferecidas ao questionário por uma bióloga (Dra. Mônica M. P. Tognela-De-Rosa). A foto-interpretação utilizou registros aerofotogramétricos fornecidos pela Fundação do Meio Ambiente de Itajaí (FAMAI) e pela própria UNIVALI (Universidade do Vale do Itajaí), através de seu departamento de geoprocessamento. A pesquisa documental baseou-se em fontes bibliográficas, legislações, relatórios e fontes digitais (sites na Internet). 2. Preservação Ambiental O conceito de preservação ambiental e sua institucionalização foi uma construção sucedânea que, de acordo com Bursztyn (2004), iniciou-se antes da criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) em 1973 e estendeu-se até o período posterior à criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em 1989. Neste intervalo ocorreu a promulgação da Lei no 6.938/81, denominada Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), que trouxe inegáveis avanços para a temática ambiental e, especificamente, por determinar responsabilidades pelos dados ambientais e por estabelecer o princípio poluidor-pagador. Este dispositivo foi inovador, pois permitiu, a partir de então, ponderar e dimensionar bens intangíveis tornando-os passíveis de uma contrapartida na proporção do dano causado. E mais, ainda de acordo com a lei, a autoridade pública que deixar de impedir a prática das condutas que ponham IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ____________________________________________________________________________________________________________ em risco a incolumidade humana, animal ou vegetal ou que agrave as situações de risco existentes, também é considerada poluidor e, como tal, sujeita às penalidades da lei. INVESTIGAÇÃO Quadro 1 – Organização do questionário CRITÉRIOS VARIÁVEIS Faixa Etária da população População Escolaridade Origem (população adulta) Tempo de residência Determinantes Motivos para a vinda da ocupação Motivos para permanência Sobre a relação de posse Opinião e expectativas Interação com o meio Habitabilidade Impactos ambientais Consciência sobre questões ambientais Opinião sobre o lugar Sobre a atual situação Sobre a permanência Destino dos que desejam sair Material empregado Instalações existentes Aparelhos sanitários instalados Energia Elétrica Destino dos efluentes Destino do lixo Ocorrências de enchente Penetração de água Presença de pessoas doentes Salubridade Ocorrência de doenças Presença de répteis Casos de mordidas ou picadas de répteis Aproveitamento Presença de caranguejos dos recursos Captura e aproveitamento de recursos naturais naturais Formas de acondicionar o lixo Noções sobre separação de lixo Atitudes, Considerações sobre as formas de controles e cuidados com o manejo do lixo meio ambiente Opiniões sobre as formas de tratamento do lixo Opiniões sobre tratamento de esgoto Noções sobre meio ambiente Educação e Comentários sobre noções de meio conhecimento ambiente sobre meio Noções sobre mangue ambiente e Comentários sobre noções de mangue mangue Juízo sobre a permanência QUESTÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 32 34 35 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 33 IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ____________________________________________________________________________________________________________ Quanto a caracterizar APP, a Resolução do CONAMA n° 303/02 define os parâmetros e limites para esta categoria dando instrumentos objetivos para que o poder público possa exercer o seu papel de fiscalização. Em se tratando de regiões ribeirinhas e de estuário integrantes da chamada Zona Costeira, alvo de ocupações em todo o país, os impactos são ainda mais comprometedores, no que se refere à poluição das águas (dos cursos naturais e dos lençóis freáticos) e preservação da biodiversidade. A Zona Costeira abriga ecossistemas considerados de grande importância na biosfera onde se desenvolvem cadeias alimentares que garantem a sobrevivência de várias espécies marinhas de fundamental importância para a sustentabilidade das atividades humanas ligadas à pesca. É considerada mais produtiva que o alto-mar, mas extremamente vulnerável às fontes de poluição o que coloca em risco esta produtividade (MMA, 2000). A legislação referente à preservação das áreas de relevância ambiental é ampla e abrangente. Há, no entanto, um descompasso entre o que a lei determina e a condição fática das cidades. As APP’s em áreas urbanas seguem sendo um dos destinos de maior interesse das populações pobres que migram das áreas rurais em busca de oportunidades e da oferta de bens e serviços nas cidades, onde se deparam com o absoluto abandono e a ausência do poder local. Os administradores públicos, impossibilitados legalmente de promover quaisquer intervenções em áreas protegidas, por não disporem de instrumentos normativos que lhes permita agir em consonância com o interesse social sem contrariar a legislação ambiental, acabam se descomprometendo e relegando-as ao abandono. Neste aspecto, é uma boa notícia a publicação da Resolução no 369/06 do CONAMA tratando dos casos excepcionais que possibilitam supressão de vegetação em APP por utilidade pública ou interesse social. Na Seção IV a resolução trata de regularização fundiária em área urbana e estabelece os requisitos e condições para que isto seja exeqüível. Inegavelmente, trata-se de um avanço no tocante à visão sobre a questão fundiária urbana, apesar de conter algumas condições demasiadamente restritivas que limitam sua abrangência e aplicabilidade. Mas, sem dúvida, concede aos órgãos públicos e ambientais que lidam com tais problemas, um maior grau de liberdade no sentido de se instrumentarem para a tomada de decisões. 3. Direito de Moradia A luta pelo direito de moradia caracterizou um dos principais movimentos sociais na década de 1980 que teve o mérito de introduzir, no debate público, as questões referentes às habitações e loteamentos populares em áreas urbanas. Resultante das demandas e pressões para que as políticas públicas fossem definidas e elaboradas de forma descentralizada com a participação dos IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ____________________________________________________________________________________________________________ setores da sociedade, a Constituição de 1988 assentou-se em princípios da democracia participativa, expressou a consolidação dos interesses sociais e a incorporação de requisitos favoráveis à participação popular. O direito de moradia foi, finalmente, reconhecido e incorporado ao texto da Constituição, no capítulo dos direitos sociais, somente após doze anos de sua promulgação, através da Emenda Constitucional no 26. De acordo com Saule Jr. e Rodriguez (2002, p. 2), em face da consolidação constitucional do direito de moradia, sua “[...] eficácia jurídica e social pressupõe a ação positiva do Estado por meio de execução de políticas públicas [...] urbana e habitacional”. Caberia ao Município a execução desta política em âmbito local, com a constituição de instituições municipais de habitação, conselhos municipais com a participação das comunidades e fundos de habitação. Entre os instrumentos resultantes desta consolidação encontra-se o Estatuto da Cidade (Lei no 10.257/01), que viabiliza a incorporação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), a concessão especial de uso para fins de moradia, que promove a regularização fundiária de áreas de domínio público. Grazia (2003) alerta para os riscos de adoção de políticas de regularização fundiária como formas simplistas de aplicação de instrumentos legais. A autora adverte que, para implementação de uma política de regularização fundiária, a questão inicial a ser considerada para sua efetividade é a necessária garantia dos direitos básicos de habitação, infra-estrutura, serviços urbanos, acesso a terra e à cidade. Já a exclusão territorial, muito mais que a desigualdade de renda e a desigualdade social, é o principal agente reprodutor das desigualdades. Os espaços se hierarquizam, as áreas mais valorizadas são reservadas para os que detêm parcelas de capital financeiro, enquanto aos marginalizados restam integrar a informalidade urbana representada por áreas públicas ou privadas, áreas alagadiças ou nas encostas, baixos de pontes, etc. (ROLNIK, 2001; LORENZETTI, 2001) A esse respeito, Maricato (1996) sustenta que as ocupações informais são consentidas e, até mesmo, incentivadas pelo Estado que, no entanto, não admite o direito formal de acesso a terra e à cidade. Segundo ela, a ocupação é tolerada mesmo em áreas de proteção ambiental, mas raramente em áreas valorizadas pelo mercado imobiliário. A autora adverte que moradia pobre e degradação ambiental são fenômenos que se relacionam nas cidades brasileiras e que as áreas urbanas de proteção ambiental se encontram sob ameaça por ocupações habitacionais pobres devido à falta absoluta de alternativas. IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ____________________________________________________________________________________________________________ 4. Educação Ambiental Ab’Saber (1994) refere-se à educação ambiental como um apelo à seriedade do conhecimento e uma busca de propostas corretas de aplicação de ciências. Para o autor a educação ambiental destina-se a conduzir a humanidade a novos comportamentos e recriar valores perdidos. A busca de tais objetivos exige novas posturas em relação à natureza e às estruturas sociais, obriga a uma reflexão sobre o lugar de cada ser humano nos espaços remanescentes da natureza e nos espaços sociais resultantes das condicionantes socioeconômicas e reflete as preocupações com a qualidade ambiental e a perenidade da vida na face da Terra. Em relação ao processo de educação ambiental não-formal em áreas de conflito socioambiental, cabe ao educador formular estratégias nas quais haja condições de diálogo, para ampla manifestação dos segmentos envolvidos, de modo a favorecer processos de participação onde sejam explicitados os diversos interesses. As possíveis soluções para as questões ambientais podem emergir ou incorporar experiências dos próprios grupos afetados. (OLIVEIRA, 1998, pp. 105-107). Oliveira (1998) considera que as atitudes de mediação dos conflitos requerem fundamentalmente: a) Conhecimento profundo da problemática ambiental; b) Dimensão dos impactos sociais e ambientais decorrentes; c) Identificação dos atores; d) Compreensão dos diferentes interesses e posições assumidas; e) Conflitos e impasses emergentes ou eminentes; f) Aspectos legais e mecanismos de gestão; g) Reflexões sobre as alternativas de superação dos problemas. O autor destaca, ainda, a necessidade de ser adotada postura de análise crítica da realidade como fundamento indispensável para identificar os conflitos e estabelecer estratégias de trabalho. De acordo com a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei no. 9.795/99), incumbe ao poder público nos níveis federal, estadual e municipal incentivar a difusão de programas e campanhas educativas, a ampla participação das entidades de ensino formal na formulação e execução de programas vinculados à educação ambiental não formal inclusive através de parcerias com os setores privados e ONGs. IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ____________________________________________________________________________________________________________ 5. O Modelo Operacional de Avaliação do Conflito De acordo com o roteiro metodológico foram atribuídos conceitos aos resultados obtidos nos questionários e na avaliação sobre a vegetação remanescente. Para tanto desenvolvemos o Modelo Operacional de Avaliação do Conflito para dimensionar as categorias sustentável, propiciatório e conservado. Como vimos, estas categorias relacionam-se às linhas de investigação propostas pelas hipóteses a serem comprovadas. Cada investigação foi organizada a partir de critérios, cujas variáveis vinculam-se aos resultados obtidos no conjunto das análises. As questões foram avaliadas sob dois pontos de vista: Ponto de Vista da Preservação Ambiental (PVPA) e Ponto de Vista do Direito de Moradia (PVDM). As justificativas ampararam-se na fundamentação teórica, nas manifestações espontâneas dos entrevistados, no conteúdo dos relatos e nas evidências. Atribuiu-se “Fator positivo” para os resultados justificadamente favoráveis sob determinado ponto de vista; e “Fator negativo” para os resultados desfavoráveis. Por convenção atribuiu-se “Fator positivo” para os resultados que não negavam o direito de moradia e “Fator negativo” para os resultados que não positivavam a preservação ambiental. Para cada variável foram atribuídos dois conceitos a partir de cada ponto de vista. O predomínio de um ponto de vista ou o equilíbrio entre eles comparecem na Suma. A avaliação “sustentável” foi atribuída ao conjunto dos critérios que organizaram a investigação sobre a interação da população com o meio, ou seja, dados da população, as determinantes da ocupação, habitabilidade, impactos ambientais, salubridade, opiniões e expectativas e aproveitamento dos recursos naturais. A avaliação “propiciatória” foi atribuída ao conjunto dos critérios que organizaram a investigação sobre consciência ambiental, ou seja, atitudes, controles e cuidados com o meio ambiente e educação e conhecimentos sobre meio ambiente e mangue. A avaliação “conservado” foi atribuída ao conjunto dos critérios que organizaram a análise da vegetação remanescente, ou seja, supressão no tempo, estado de conservação e relevância. A avaliação final levou em conta as seguintes relações: a) Se ΣFat.Positivos > ΣFat.Negativos sustentável; propiciatório; conservado; b) Se ΣFat.Positivos = ΣFat.Negativos modelo inconsistente; c) Se ΣFat.Positivos < ΣFat.Negativos ñ sustentável; ñ propiciatório; ñ conservado. Quanto à Suma que resume a avaliação das variáveis, nos casos em que os pontos de vista são discordantes, o modelo orienta quanto ao ponto de vista que deve prevalecer naquela variável IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ____________________________________________________________________________________________________________ considerada. Assim, se para uma variável o modelo apresentou PVPA fator positivo e PVDM fator negativo, deve predominar o ponto de vista da preservação ambiental; e, inversamente, se para uma variável o modelo apresentou PVPA fator negativo e PVDM fator positivo, deve predominar o ponto de vista do direito de moradia. Nos casos em que os pontos de vista são concordantes, o modelo não orienta quanto ao ponto de vista que deve prevalecer. Se para uma variável o modelo apresentou PVPA e PVDM fator positivo, logo não há predomínio de um ponto de vista sobre o outro, demonstrando equilíbrio positivo entre a preservação ambiental e o direito a moradia para aquela variável considerada. O mesmo raciocínio se aplica para avaliação fator negativo em ambos os pontos de vista, caso em que o equilíbrio será negativo. Na aplicação do modelo verificou-se, empiricamente, que o predomínio de avaliações de equilíbrio positivo está associado à avaliação positiva da categoria e, da mesma forma, o predomínio de avaliações de equilíbrio negativo está associado à avaliação negativa da categoria. É importante salientar, finalmente, que a Suma, não obstante apontar o predomínio ou equilíbrio entre pontos de vista, não deve ser considerada de forma isolada, mas sempre em relação ao todo tendo em vista que o objetivo do modelo é avaliar a categoria e não as variáveis. A seguir apresentamos, esquematicamente, o Modelo de Avaliação com a inclusão dos resultados obtidos através da aplicação dos procedimentos descritos. A Figura 1 apresenta a aplicação do modelo na avaliação da interação com o meio cujo resultado negou a categoria “sustentável”. Critérios Figura 1 - Avaliação da interação com o meio PVPA PVDM Variáveis Avaliação e Avaliação e Justificativa Justificativa População; Avaliação: Determinantes da ocupação; Quantitativos em Habitabilidade; percentuais obtidos nas Impactos entrevistas Ambientais; com a Salubridade; população Aproveitamento dos recursos naturais. Fator Positivo ou Fator Negativo conforme o ponto de vista Avaliação Final Σ Fat. Negativos > Σ Fat. Positivos Categoria sustentável Negada Justificativa: Amparadas nas referências teóricas, nas manifestações espontâneas, no conteúdo dos relatos, nas evidências e na experiência do(s) operador(es). Fat. Positivo - 7 (24%) Fat. Negativo - 18 (76%) Suma Pontos de vista discordantes Prevalece ponto de vista com avaliação positiva Pontos de vista concordantes Não prevalece um ponto de vista e revela equilíbrio na variável. PVPA = 3 Fat. Positivo - 14 PVDM = 10 (60%) Fat. Negativo - 11 (40%) Equilibrio (+) = 4 Equilíbrio (-) = 8 IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ____________________________________________________________________________________________________________ A Figura 2 apresenta a aplicação do modelo na avaliação da consciência sobre meio ambiente cujo resultado afirmou a categoria “propiciatório”. Critérios Atitudes, controles e cuidados com o meio ambiente Conhecimentos sobre meio ambiente e mangue Figura 2 - Avaliação da consciência sobre meio ambiente PVPA PVDM Variáveis Avaliação e Avaliação e Justificativa Justificativa Avaliação: Quantitativos em percentuais obtidos nas entrevistas com a população Fator Positivo ou Fator Negativo conforme o ponto de vista Justificativa: Amparadas nas referências teóricas, nas manifestações espontâneas, no conteúdo dos relatos, nas evidências e na experiência do(s) operador(es). Avaliação Final Fat. Positivo - 7 Fat. Positivo - 8 Σ Fat. Positivo > Σ Fat. Negativo (70%) Fat. (80%) Fat. Categoria propiciatório Negativo - 3 (30%) Negativo - 2 (20%) Afirmada Suma Pontos de vista discordantes Prevalece ponto de vista com avaliação positiva Pontos de vista concordantes Não prevalece um ponto de vista e revela equilíbrio na variável. PVPA = 2 PVDM = 3 Equilibrio (+) = 5 Equilíbrio (-) = 0 A Figura 3 mostra a aplicação do modelo na avaliação da vegetação remanescente cujo resultado negou a categoria “conservado”. 6. Conclusões Com amparo nos resultados obtidos a partir da utilização do Modelo Operacional, nas conclusões baseadas nas observações e nas pesquisas, no contato com a população, nos dados coletados e convenientemente operados, ao final de tudo foi possível afirmar: a) Que a interação era não sustentável naquelas condições. De acordo com a Suma, a categoria havia sido negada porque predominaram avaliações de equilíbrio negativo no modelo. A avaliação PVPA foi negativa (76%) e a avaliação PVDM foi positiva (60%); b) Que a consciência da população sobre questões de meio ambiente era propiciatória para implementação de política pública de educação ambiental. De acordo com a Suma, a categoria havia sido positivada porque predominaram avaliações de equilíbrio positivo no modelo. A avaliação PVPA foi positiva (70%) e a avaliação PVDM foi positiva (80%); c) Que a vegetação remanescente não conserva suas características biológicas associadas ao ecossistema. De acordo com a Suma, a categoria havia sido negada IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ____________________________________________________________________________________________________________ porque predominaram avaliações de equilíbrio negativo no modelo. A avaliação PVPA foi negativa (67%) e a avaliação PVDM foi negativa (67%). Critérios Supressão no tempo Estado de conservação Figura 3 - Avaliação da vegetação remanescente PVPA PVDM Variáveis Avaliação e Avaliação e Justificativa Justificativa Quantitativos em percentuais obtidos fotointerpretação e nas respostas ao questionário técnico formulado para a bióloga. Avaliação Final Σ Fat. Negativo > Σ Fat. Positivo Categoria conservado Negada Avaliação: Fator Positivo ou Fator Negativo conforme o ponto de vista Justificativa: Amparadas nas referências teóricas, nas manifestações espontâneas, no conteúdo dos relatos, nas evidências e na experiência do(s) operador(es). Fat. Positivo - 4 (33%) Fat. Negativo - 8 (67%) Suma Pontos de vista discordantes Prevalece ponto de vista com avaliação positiva Pontos de vista concordantes Não prevalece um ponto de vista e revela equilíbrio na variável. PVPA = 3 Fat. Positivo - 4 PVDM = 3 (33%) Fat. Equilíbrio (+) = Negativo - 8 1 (67%) Equilíbrio (-) = 5 Em relação às hipóteses, formuladas no intuito de alcançar consenso ou orientar para a tomada de decisão quanto à prevalência do direito de moradia ou da preservação ambiental, a aplicação do modelo sugeriu as seguintes conclusões: 1. A que considerava dever prevalecer o direito de moradia caso a interação entre a população e o meio fosse sustentável naquelas condições, foi negada e, portanto, prevaleceu a preservação ambiental; 2. A que considerava dever prevalecer o direito de moradia caso a consciência sobre questões de meio ambiente fosse propiciatória para implementação de política pública de educação ambiental foi afirmada e, portanto, prevaleceu o direito a moradia; 3. A que considerava dever prevalecer o direito de moradia caso a vegetação remanescente não conservasse suas características biológicas associadas ao ecossistema original foi afirmada e, portanto, prevaleceu o direito de moradia. IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ____________________________________________________________________________________________________________ Finalmente, com amparo no resultado do modelo e em resposta à pergunta central, podemos dizer que pode prevalecer o direito social da moradia em situações onde, apesar de insustentável a interação entre a população e o meio, esta se mostra consciente e propiciatória à implementação de política pública de educação ambiental. Da mesma forma, este direito deve prevalecer onde a vegetação remanescente, diante dos impactos sofridos, não conserva mais suas características biológicas associadas ao ecossistema original. A concepção do modelo partiu da intenção de alcançar resultados objetivos acerca daquela realidade. Entretanto, ele não é e nem pode ser um produto acabado, pelo contrário, está receptivo a novas reflexões, às críticas e sugestões de todos aqueles que o perceberem como exeqüível no intuito de aprimorar o processo de decisão em situações que se assemelhem ao caso em estudo. Entendemos ser ele uma contribuição aos processos de gestão de políticas que pode evoluir tornando-se uma ferramenta útil de avaliação capaz de abranger a diversidade dos enfoques e a interdisciplinaridade envolvida na tarefa de equacionar os problemas agudos relativos às ocupações informais em áreas urbanas. Referências AB’SABER, Aziz Nacib. (Re) Conceituando Educação Ambiental. In: MAGALHÃES, Luiz Edmundo de (coordenador) – A Questão Ambiental. São Paulo: Terragraph, 1994. ABIKO, Alex Kenya. Quanto custaria urbanizar uma favela? Anais... in: Evento “A Cidade de Informalidade”, IPPUR, Rio de Janeiro de 29 e 30 de abril, 2002. ARAÚJO, Suely Mara Vaz Guimarães de. O Estatuto da Cidade e a questão ambiental. 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