PERSPECTIVAS DA ATUAÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA GLOBAL Isabela Gerbelli Garbin RESUMO O objetivo desse artigo é analisar as transformações jurídico-estatais decorrentes dos efeitos da nova ordem econômica global, procurando ressaltar, diante dos problemas insurgentes da superprodução jurídica e do pluralismo jurídico, a importância do aparelhamento do Estado na inserção econômica internacional do país. Para isso será adotada uma metodologia interdisciplinar, fazendo-se o uso combinado de textos selecionados da doutrina jurídica, bem como de idéias trazidas da Economia e da teoria das Relações Internacionais. A conclusão a que se chegou é que, ao sofrer fortes pressões internacionais, o Estado brasileiro precisa aparelhar-se por meio da criação de um quadro regulatório interno estável e claro, que forneça condições para uma inserção menos conturbada do Brasil na ordem econômica global. Palavras-chave: GLOBALIZAÇÃO – ESTADO – DIREITO ABSTRACT The objective of this paper is to analyze the juridical-state transformations followed from the effects of the new economic global order, trying to stand out, in face of the raised problems of juridical superproduction and juridical pluralism, the importance of the State’s apparatus to promote the insertion of the country in the international economy. To achive this aim it will be adopted an interdisciplinar methodology, making the combined use of selected texts from the law doctrine, as well as bringing out ideas from the Economy and 1 International Relations theory. The conclusion states that, suffering hard international pressures, the brazilian State needs to create an internal, steady and clear regulatory system which supplies conditions for a less disturbed insertion of Brazil in the global economic order. Keywords: GLOBALIZATION – STATE – LAW 1. INTRODUÇÃO Diante das transformações proporcionadas pelo desenvolvimento tecnológico e das comunicações, relevantes efeitos são a cada dia constatados na realidade interna dos países. A interdependência gerada pelo sistema global implica em sérias restrições na livre atuação estatal, principalmente na esfera econômica; fato este que justifica o estudo dirigido a compreender o fenômeno global e seus reflexos. O objetivo desse artigo consiste em analisar as transformações jurídico-estatais decorrentes dos efeitos da nova ordem econômica global, procurando ressaltar, diante dos problemas insurgentes da superprodução jurídica e do pluralismo jurídico, a importância do aparelhamento do Estado na inserção econômica internacional do país. Na primeira parte do texto será feito um esclarecimento acerca do fenômeno da globalização, tomando como base seus fundamentos históricos para, a partir de então, definir-se como ângulo de análise a economia. Em seqüência, procurar-se-á estabelecer uma relação entre a globalização e a transmudação do sistema capitalista pela história, visando encontrar pontos de encaixe entre os interesses da sociedade capitalista e a tendência à racionalização do direito, resultante da intensificação da atividade econômica. Com o intuito de estabelecer um panorama geral do sistema internacional, o presente trabalho vale-se também da análise interdisciplinar das Relações Internacionais, selecionada como campo de estudos apto a oferecer uma visão mais específica da temática global. 2 Na quarta parte, será dado enfoque à participação do Estado nesta nova ordem global, colocando-se frente aos problemas à ele impostos as novas tendências de organização, atuação e inserção na economia mundial. Para isso, será indicado um caminho inovador, resultado da conjunção de conhecimentos da área do Direito e da Economia. Ao final, haverá um balanço sobre o tema aqui abordado, relacionando-se problemas e possíveis soluções, enfatizando-se também a participação dos juristas na construção de um direito adequado tanto às necessidades globais quanto nacionais . 1. O FENÔMENO DA GLOBALIZAÇÃO A globalização, algo que parece tão comum nos dias de hoje, é exatamente um dos fenômenos mundiais de mais difícil compreensão, justamente por ser ao mesmo tempo complexa e multifacetada. Há divergências quanto a sua origem, extensão e reflexos que podem causar nos Estados. Para alguns1, a globalização pode ser pensada desde o período do Renascimento, no século XV, quando se iniciou uma exploração sem precedentes propiciada pela conquista dos mares e que acabou resultando na “descoberta” de novas terras. Nesta época, as técnicas empregadas na navegação permitiram a exploração do mundo, motivada, principalmente, pelo interesses mercantis das potências da época. É possível também pensar que a globalização deu-se no momento de transição do mercantilismo para o capitalismo industrial, momento em que as grandes invenções industriais trouxeram um avanço no modelo capitalista de produção. A estabilidade do padrão-ouro, no final do século XIX e início do século XX, estimulou a movimentação 1 Em detalhes do pensamento, assim se posiciona José Eduardo Faria: “A globalização não é um fenômeno novo. (...). Na era moderna, foi impulsionado pela interação entre a expansão da cartografia, o crescente domínio de novas técnicas de navegação pelos povos ibéricos e a própria evolução do conhecimento científico. Esses foram os fatores responsáveis pelas grandes descobertas e pelos projetos ultramarinos de Portugal e Espanha, a partir do século XV; pelas novas formas manufatureiras desenvolvidas em Florença, Gênova, Milão, Veneza e outras cidades do norte da Itália, no século XVI; e pela formação de um sistema internacional de pagamentos baseado em letras de câmbio entre banqueiros e negociantes, tornando possível o estabelecimento de rotas globais de comércio, a exploração sistemática do ouro e da prata nas Américas, o início de um amplo e complexo processo de colonização e expansão territorial, a chegada da civilização européia aos extremos da Ásia e a formação de estruturas decisórias dotadas de uma capacidade organizacional para controlar o meio social e político em que se realizava a acumulação de capital em escala mundial.” (1999, p.60). 3 do comércio mundial, alcançou a interconexão entre as principais economias da época e a homogeneização da estrutura capitalista a nível mundial. Entretanto, para a maioria dos pensadores da globalização, dentre eles Octavio Ianni, trata-se de um fenômeno que se intensifica e generaliza no fim da Guerra Fria, com o desmantelamento das economias soviéticas que, a partir de então, transformaram-se em área para implementação do capitalismo. Dessa forma, é possível identificar uma relação próxima entre a globalização e o processo de expansão e de mudanças de fase do capitalismo na história. A globalização, de certo, suscita diversos ângulos de análise, como por exemplo os aspectos sociais, políticos, geográficos, históricos, geopolíticos, demográficos, culturais, religiosos, lingüístico, entre muitos outros. Contudo, é na vertente de análise da economia que encontramos os fundamentos para desenvolver o presente artigo. As grandes transformações que a globalização trouxe para a economia, por meio do desenvolvimento da tecnologia e das comunicações, implicarão na adoção de uma nova postura por parte do Estado diante dessa dimensão global de acontecimentos. 2. A GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA CAPITALISTA Historicamente, a globalização da economia capitalista é datada a partir do fim da Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria, momento em que, segundo Ianni “as economias das nações do ex-mundo socialista transformaram-se em fronteiras de negócios, inversões, associações de capitais, transferências de tecnologias e outras operações, expressando a intensificação e a generalização dos movimentos e das formas de reprodução do capital em escala mundial” (1997, p.46). Pode-se dizer que a partir desse momento houve um aumento tanto na quantidade quanto na complexidade das relações econômicas devido à expansão do modo de produção capitalista, que agora passara a atuar em escala mundial. Isto que dizer que o capitalismo transformou o mundo num grande mercado e a população, por sua vez, num grande exército de trabalhadores e consumidores. 4 Tal complexidade pode ser percebida em uma simples compra e venda internacional, que hoje envolve um grande número de contratos, tais como: contrato de prestação de serviços de transporte internacional, contrato de prestação de serviços de transporte local, intermunicipal ou interestadual, contrato de câmbio, contrato de armazenagem, contrato de seguro, entre muitos outros. Essa complexidade das relações econômicas gera relativa insegurança da sociedade capitalista pois, nem sempre as leis de comércio exterior estão claramente estabelecidas. Dessa forma, a regulamentação da economia pode ser vista como uma demanda da própria sociedade capitalista, que enxerga no Estado uma fonte de segurança nas relações econômicas através da sua regulamentação2. De igual maneira, observa Octavio Ianni, ao se referir à racionalidade do direito na sociedade capitalista: “A calculabilidade econômica, ou a contabilidade cada vez mais sistemática, rigorosa e mecanizada é uma espécie de concretização efetiva, cotidiana e generalizada das exigências da racionalidade geral que constitui e dinamiza ações sociais com relação a fins e valores típicos da ordem social capitalista. Em todas as esferas da vida social, da empresa ao Estado, do mercado à cidade, da escola à igreja, em todas essas e outras esferas da vida social está presente o parâmetro constituído pelas disposições jurídicas que ordenam e disciplinam as ações e relações de uns e outros em moldes racionais” (1997, p.124). 3. AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS As Relações Internacionais é uma disciplina que procura entender a organização e a dinâmica do sistema internacional, sendo um ramo que, apesar de relativamente novo em comparação às demais ciências, traz correntes de pensamento muito bem estruturadas. Neste artigo, ela será um importante pressuposto para a compreensão da problemática que se segue. Antes do fenômeno da globalização, pode-se afirmar que o sistema internacional era composto, fundamentalmente, de Estados-nação, que interagiam uns com os outros de forma 2 É o que salienta Francisco de Oliveira: “Este “mercado livre”, abstrato, em que o Estado não interfere, tomado de empréstimo da ideologia do liberalismo econômico, certamente não é um mercado capitalista, pois precisamente o papel do Estado é “institucionalizar” as regras do jogo.” (2003, p.16). 5 coordenada, por serem estes soberanos e independentes. O conceito de soberania aqui corresponde ao seu significado moderno, de poder independente, supremo inalienável e exclusivo. Entretanto, com a globalização, esse cenário não continua o mesmo: percebe-se o surgimento de novos atores internacionais além do Estado, como as Organizações Internacionais, as empresas multinacionais, os blocos econômicos e geopolíticos, as Organizações Não-Governamentais e até mesmo os próprios indivíduos3. Pode-se entender, portanto, a alta complexidade do sistema internacional, composto essencialmente por atores simples (Estados-nação e indivíduos) e elementos complexos (demais atores internacionais). Para a teoria sistêmica de relações internacionais, que tem como um de seus expoentes Kenneth Waltz4, reconhece-se a estes novos atores internacionais uma superposição no sistema mundial sobre os sistemas nacionais, por assim dizer, uma supranacionalidade. Ainda para essa teoria, o Estado-nação continua sendo o ator principal na esfera internacional. A problemática surge, no entanto, quando freqüentemente o Estado vem a ser desafiado pelos atores complexos, principalmente pelas corporações, empresas e conglomerados econômicos. No caso, a situação se agrava para os países subdesenvolvidos, que como o Brasil vêm suas economias sob ingerência externa de organizações financeiras internacionais como o FMI e o BID. 3 José Eduardo Faria capta o mesmo pensamento: “até recentemente, o cenário social, político, econômico e cultural era identificado com os Estados-nação e com o seu poder para realizar objetivos e implementar políticas públicas por meio de decisões e ações livres, autônomas e soberanas, sendo o contexto internacional um desdobramento natural dessas realidades primárias. Agora o que se tem é um cenário interdependente, com atores, lógicas, racionalidades, dinâmicas e procedimentos que se intercruzam e ultrapassam as fronteiras tradicionais, não fazem distinções entre países, costumam colocar enormes dilemas para os governos, não hesitam em desafiar a autoridade dos policy makers quando lhes convém e, em muitos casos chegam a ponte de ignorar as próprias identidades nacionais. Vencida a fase inicial do desafio da transnacionalização do mercados de insumos, produção, capitais, finanças e consumo, vive-se atualmente e etapa relativa às mudanças jurídicas e institucionais necessárias para assegurar o funcionamento efetivo de uma economia globalizada.” (1999, p.14). 4 Precursor da teoria sistêmica, Waltz (1979) apregoa que as relações internacionais deveriam ser entendidas por uma teoria própria, distinta de outros campos como econômico, social ou histórico. As relações internacionais, portanto, formariam em sua tese, um sistema que equivale a uma estrutura dotada de unidades em interação (Estados). 6 Portanto, percebem-se dois problemas principais, decorrentes da globalização, que implicaram na esfera jurídico-estatal: o primeiro é que, sendo o espaço de atuação internacional invariável, com o surgimento de novos elementos, cada um com interesses próprios, o resultado será uma maior pressão sobre os Estados na sua livre atuação. O segundo problema é que os novos atores internacionais, por serem também dotados de personalidade jurídica, produzem seus próprios ordenamentos jurídicos. Dessa forma, o ordenamento supranacional não se confundirá com o nacional, sendo dele totalmente distinto. Essa idéia de pluralismo jurídico já foi desenvolvida anteriormente por Norberto Bobbio, que embora não prevendo que sua análise fosse aplicada especificamente a essa questão internacional, bem coloca o problema dos relacionamentos entre os ordenamentos jurídicos: “Aceitando a teoria pluralista institucional, o problema do relacionamento entre ordenamentos não compreende mais somente o problema das relações entre ordenamento estatais, mas também o das relações entre os ordenamentos estatais e os ordenamentos diferentes dos estatais.” (1997, p.164). Conclui-se com isso que o Estado-nação precisa aparelhar-se para a atuação nas relações internacionais, não se deixando enfraquecer pelas fortes pressões e buscando se inserir no mercado competitivo global de forma preparada5. 4. A PARTICIPAÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA GLOBAL A partir da situação exposta, tem-se que um dos principais reflexos da globalização econômica no direito é o fato de a dinamicidade das relações econômicas não ser alcançada pela produção jurídica. Além disso, embora haja uma produção jurídica intensiva e plural, isso acaba gerando inseguranças para a sociedade capitalista. A legislação brasileira que incide sobre o comércio exterior, por exemplo, é um dos casos de confusão e obscuridade. 5 Essa idéia foi satisfatoriamente sintetizada por Ianni: “Também o aparelho estatal, por todas as suas agências, sempre simultaneamente políticas e econômicas, é levado a reorganizar-se ou “modernizar-se” segundo as exigências do funcionamento mundial dos mercados, dos fluxos dos fatores de produção, das alianças estratégicas entre corporações.” (1997, p.49). 7 Tem-se enfatizado até aqui a participação do Estado na regulamentação das economias, porém nesse ponto é preciso atentar em detalhes sobre a sua forma de atuação. A participação do Estado na esfera econômica, seja de forma abstensiva, como no preceitua o liberalismo, seja de forma ostensiva, por intermédio de dezenas de órgãos fiscalizadores e burocráticos gera mais inseguranças e incertezas, devido as suas competências sancionadora e repressiva. Diante dessa ordem econômica global, o Estado deverá assumir feições mais moderadas, se insurgindo como um regulamentador ou coordenador da economia, deixando de lado, neste aspecto, o seu caráter excessivamente protetor. Filia-se, portanto, a linha de raciocínio aqui desenvolvida à de Aguillar, no que diz: “Apenas, como conseqüência da globalização, aposta-se hoje numa regulação baseada na competitividade do mercado e não no controle direto pelo Estado de certas atividades de interesse público. Ainda não sabemos se essa opção por tal forma de exercer a regulação funcionará. Mas sabemos que ela não funcionará se apenas preponderar o princípio da liberdade de empreender, que exige abstenção do Estado, sobre o princípio da liberdade de concorrer, que exige ação do Estado.” (1999, pp.274 e 275). Dessa maneira, pode-se afirmar que o Estado tem instrumentos para intervir no comércio internacional, e um desses instrumentos nada mais é que o próprio ordenamento jurídico. Tércio Sampaio Ferraz Jr, ao analisar os estudos de Norberto Bobbio, vislumbra uma “função promocional” do ordenamento jurídico no redimensionamento da atuação estatal. Tal função promocional do direito consiste na produção de normas de organização com as quais o Estado regula as próprias atividades fiscalizadora e produtora, conferindo às sanções um aspecto positivo, ou seja, premiador de condutas desejáveis. Assim, nas suas palavras, reproduz-se a originalidade de seu pensamento: “[as sanções positivas acabam] implicando o reconhecimento de que o Estado com a função promocional desenvolve formas de poder ainda mais amplas que o Estado protetor. Isto é, ao prometer, via subsídios, incentivos e isenções, ele substitui, como disse, o mercado e a sociedade no modo de “controlar” o comportamento” (1997, p.14) . Portanto, o ordenamento jurídico pode e deve ser utilizado como um instrumento de gestão e planejamento do Estado para a inserção na ordem econômica global, especialmente por intermédio da legislação tributária e administrativa. 8 Sabe-se que a legislação tributária se conecta de forma inexorável à produção e ao comércio internacional, estes por darem origem a fatos geradores que se adequam às hipóteses de incidência de vários impostos, dentre eles: IE, II, IPI, IRRF, COFINS, IOC, ICMS, ISS, além de taxas e contribuições. Diante disso, é pela via do direito tributário que a ação estatal encontra parâmetros para aplicação no direito promocional. A concessão de isenções, incentivos fiscais e subsídios deve ter como objetivo primordial, portanto, fomentar a participação do Brasil no comércio internacional. 5. O ORDENAMENTO JURÍDICO E A ADEQUAÇÃO À ORDEM GLOBAL Em resumo, apontou-se até aqui a tendência do Estado agir usando mão de seu próprio ordenamento jurídico para gerir a economia, utilizando-se principalmente da legislação tributária que é aquela que permite a “função promocional” do direito na esfera econômica. Entretanto, é preciso especificar o funcionamento e a adequação do ordenamento jurídico brasileiro ao indicado uso do direito promocional. Sabe-se que o ordenamento jurídico tributário brasileiro é composto basicamente pela Constituição Federal do Brasil, pelo Código Tributário Brasileiro, e demais espécies normativas como portarias, resoluções, decretos, etc. Além disso, o direito tributário brasileiro traz em seu bojo a peculiaridade de conter grande parte de suas normas disciplinadas na própria Constituição Federal, o que confere ao jurista um trabalho de interpretação para diferenciar aquilo que poderia ser tratado por lei ordinária daquilo que são os princípios norteadores, as normas fundamentais do sistema jurídico brasileiro. Conforme assevera Oscar Vilhena: “A constituição brasileira de 1988 é uma das representantes mais típicas do que se conhece como constitucionalismo dirigista ou de caráter social (...). Diferentemente das constituições liberais que buscavam delimitar e sobretudo limitar a esfera de atuação do Estado, assegurando amplo espaço para a realização da liberdade individual, especificamente do mercado, as constituições sociais estabelecem obrigações positivas para o Estado na área social, buscam regulamentar as atividades 9 econômicas, assim como configuram órgãos para implementação de suas políticas públicas, que podem inclusive constituir agentes econômicos diretos” (1999, p.39). Dessa forma, diante da leitura dos arts. 170 e 174 da Constituição Federal, percebem-se nitidamente os princípios gerais da atividade econômica, demonstrados pela preocupação do Estado em assumir o papel de agente normativo e regulador, como meio de incentivar e planejar a atividade econômica. Valendo-se do direito promocional, o Estado deve se propor a premiar as externalidades6 positivas, isto é, os efeitos positivos que uma pessoa produz sobre a atividade econômica, a renda ou o bem-estar da sociedade em geral, isso tudo por meio do direito tributário, conforme já mencionado. Os casos comentados na doutrina limitam-se, geralmente, à premiação de empresas “ecologicamente corretas” ou àquelas que destinem parte de seus lucros a instituições e projetos sociais, isto porque estariam produzindo condutas éticas que estão em conformidade com os princípios gerais do bem estar social, da dignidade humana, etc. Entretanto, é curioso também transpor esse mesmo mecanismo de premiação às empresas que tenham uma visão exportadora. Partindo-se da premissa que a inserção do Brasil no comércio internacional é uma conduta positiva e desejável, por trazer benefícios diretos ao país, como o desenvolvimento econômico, o que significa, mais empregos e redução das desigualdades regionais e sociais, essa conduta também estaria em conformidade com os princípios sociais e com o interesse nacional. Portanto, a adequação do ordenamento jurídico à economia global consiste em considerar o ordenamento jurídico como uma totalidade, isto quer dizer, diante da nova dimensão global, o Estado deve se nortear pelos princípios gerais, pelas normas fundamentais do sistema, buscando sempre a finalidade última das normas. 6 Tal expressão deriva do ramo da Economia, contudo, Fábio Ulhoa Coelho (2002) faz algumas importantes e esclarecedoras considerações a respeito do tema. 10 6. CONCLUSÃO Pela breve exposição desta problemática, pode-se perceber que a questão da atuação do Estado na dinâmica econômica global é bastante complexa e que, portanto, demanda maiores considerações a seu respeito. Ao sofrer fortes pressões internacionais, o Estado brasileiro precisa aparelhar-se por meio da criação de um quadro regulatório interno estável e claro, que forneça condições para uma inserção menos conturbada do Brasil na ordem econômica global. Somente com apoio, organização e coordenação estatal, será possível concretizar a necessária estruturação e coesão interna, o que tornaria o país mais apto à participação no comércio internacional, podendo dele também se beneficiar. Diante questão da superprodução de normas, é preciso manter-se consciente da totalidade do ordenamento jurídico brasileiro, procurando sempre conformidade entre os princípios estabelecidos na Constituição Federal e a atuação do Estado, valendo-se portanto de interpretações teleológicas das normas. Ao mesmo tempo, para tratar de questões tão complexas como a que aqui se coloca é preciso valer-se da interdisciplinaridade, que agrega diversas áreas de conhecimento, buscando uma solução em comum. Para finalizar, é preciso enfatizar a importância da atuação do jurista diante do turbilhão dos fenômenos globais, finalizando com as palavras de Tércio Sampaio: “Em relação à atuação do jurista, no Estado protetor e repressor, ele tende a encarar o conjunto normativo como sanções apenas negativas, logo assume uma postura conservadora”. Entretanto, na situação do Estado promocional “o jurista, encarando o direito “também” como um conjunto de regras, mas em vista de uma função implementadora de comportamentos, tende a assumir um papel modificador e criador.” (1997, pp.15 e 16). 7. REFERÊNCIAS: AGUILLAR, Fernando Herren. Direito econômico e globalização. In: SUNDFELD, Carlos Ari ; VIEIRA, Oscar Vilhena (Coord.). Direito Global. São Paulo: Max Limonad, 1999. 11 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradutora: Maria Celeste C. J. Santos. Apresentação: Tércio Sampaio Ferraz Júnior. 9. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,1997. BRASIL. Constituição (1988). Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2004. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Teoria do direito e globalização econômica. In: SUNDFELD, Carlos Ari ; VIEIRA, Oscar Vilhena (Coord.). Direito Global. São Paulo: Max Limonad, 1999. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 20. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997. ___________________. Curso de direito comercial. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. COUTO, Jeanlise Velloso. A tributação no Mercosul. In: CASELLA, Paulo Borba ; LIQUIDATO, Vera Lúcia Viegas (Coord.). Direito da Integração. São Paulo: Quartier Latin, 2006. FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo. Malheiros, 1999. 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