UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
TRÊS DIMENSÕES DA SOLIDARIEDADE EM GEOGRAFIA. AUTONOMIA POLÍTICOTERRITORIAL E TRIBUTAÇÃO
Ricardo CASTILLO, Rubens de TOLEDO Jr. & Julia ANDRADE
Fernando Diório A. dos Santos
São Paulo
2012
CASTILLO, Ricardo.; TOLEDO JR., Rubens de.; ANDRADE, Julia. Três dimensões da
solidariedade em Geografia. Autonomia político-territorial e tributação. In: Revista
Experimental. São Paulo: LABOPLAN – DG/FFLCH/USP, set. 1997, ano II, n.3, pp. 69-99.
Resumo: Acrescentamos aos conceitos de solidariedade orgânica e
organizacional o que pode ser chamado de uma terceira dimensão
das solidariedades geográficas: a solidariedade institucional. Sua
coesão sócio-territorial é dada pelo ordenamento jurídico e políticoadministrativo que tem vigência sobre um território circunscrito
politicamente. Discorremos aqui sobre seu papel no destino dos
lugares e das regiões. Para facilitar o entendimento dessa dimensão
proposta, procedemos uma breve análise conjuntural do que se
convencionou chamar de guerra fiscal.
Palavras-chave: solidariedades geográficas, coesão sócio-territorial,
ordem local, guerra fiscal.
Contexto:
 Globalização da economia
 Crescente especialização dos lugares
 Unicidade técnica planetária
 Convergência dos momentos
Engrenagens de um motor
único dado pela mais-valia
mundial (SANTOS, 1994a)
 Novos fundamentos da região
 Transnacionalização da economia
Fim das fronteiras políticas e do redimensionamento do papel do
Estado-nação nesta contemporaneidade
Novas lógicas de produção do espaço geográfico e de organização do
território que se combinam com lógicas precedentes
Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica
 Durkheim (1960)
• Solidariedade social: ponto de partida da organização social,
sentimentos comuns traduzidos pela consciência coletiva
• Anomia: desorganização social, ausência de normas da solidariedade
 Solidariedade mecânica: conexão do indivíduo (consciência
individual) com o grupo social ao qual pertence (consciência coletiva)
“Desse modo, a solidariedade mecânica baseia-se nas semelhanças
entre os indivíduos, liga o indivíduo ao grupo, reduz as diferenças para
ressaltar a consciência coletiva” (p.71)
 Solidariedade orgânica: as diferenças dos indivíduos que se
complementam pela divisão do trabalho (destaque para a consciência
individual)
“Diferentemente do tipo coletivo, portanto, caracterizado pelos
sentimentos e crenças comuns, a solidariedade orgânica encontra seu
sentido nas funções diferenciadas e complementares da atividade
social e, aqui, o campo profissional é o mais importante” (p.71)
Divisão técnica, social e territorial do trabalho
Marx (1985):
A cooperação mostra-se como um atributo da divisão técnica do
trabalho, da mesma forma que a coesão social é atributo da divisão
social do trabalho (para Durkheim, solidariedade orgânica)
 Produção: totalidade executada pela combinação de trabalhos parciais
 Sociedade: fonte de coesão na fragmentação e especialização do
trabalho
“Desse modo, se Durkheim vê na divisão do trabalho uma fonte de coesão
social, Marx, entre outras coisas, revela a mutilação do trabalhador, sua
submissão ao capital e a criação de um ‘trabalhador coletivo’” (p.72)
Divisão técnica, social e territorial do trabalho
(cont.)
“A solidariedade social orgânica estabelece-se à custa da mutilação do
trabalhador. Esta nova forma de coesão social que sucede, ou melhor,
acrescenta-se à solidariedade mecânica, torna-se um cimento inexorável
da sociedade, cria não somente uma interdependência entre os
trabalhadores de todos os níveis, mas também cria a base da produção
capitalista e, portanto, da exploração da força de trabalho (tornada
mercadoria) pelo capital” (p.73)
Divisão do trabalho e solidariedade
“As funções divididas do trabalho tornam-se assim solidárias entre si. Os
indivíduos são unidos por uma solidariedade que dá sustentação à sociedade
e que excede o ato da troca. Está pressuposto aqui a dependência mútua
entre os indivíduos. A divisão do trabalho, para Durkheim, é a principal fonte
da solidariedade social. É muito mais do que um fenômeno puramente
econômico, garantindo a coesão social”. (p.74)
 A solidariedade mecânica progressivamente dá lugar à solidariedade
orgânica
Solidariedade social e solidariedade geográfica
 Solidariedade social: elabora-se a partir de uma espécie de “cimento
social” que advém de muitas fontes; ela muda na história em função da
natureza e da complexidade das relações estabelecidas num grupo social
Solidariedade geográfica:
- meios naturais na base da divisão do trabalho na sociedade nas suas
origens;
- Santos (1996) compara a diversificação da natureza, no mundo
natural, à divisão do trabalho, no mundo histórico: atribuição de novos
conteúdos e novas funções aos lugares;
- atribuição pelo homem de valor às coisas: dado social à natureza;
Solidariedade social e solidariedade geográfica
(cont.)
- Marx (1985) e Santos (1996):
“... não há uma passagem da divisão social do trabalho para uma
divisão territorial do trabalho. A própria diversificação da natureza, que
antecede a sociedade e, posteriormente, a divisão fisiológica do trabalho
estão na origem da divisão técnica do trabalho. Esta última recria a
divisão do trabalho que repercute de volta na sociedade e no território.
Podemos falar, como vários autores já o fizeram, numa divisão sócioterritorial do trabalho” (p.77)
“Esta divisão sócio-territorial do trabalho relaciona-se à distribuição
social e geográfica dos recursos disponíveis. ‘Os recursos do mundo (ou
de um país) constituem, juntos, uma totalidade’” (p.77)
“A existência conjunta de recursos, sua combinação, caracteriza um
lugar. O valor de cada coisa, cada recurso, é dado pelo lugar. Fora do
lugar ou da formação socioespacial, os recursos são abstrações. A
totalidade funcionaliza-se, pois, em cada um dos recortes do espaço
geográfico” (p.77)
Solidariedades orgânica e organizacional em Geografia
 Solidariedade orgânica: ordem local, baseada
estabelecida pelos objetos contíguos de um sub-espaço
numa
interação
 Solidariedade organizacional: sistema de objetos esparsos, obedientes à
lei da acumulação global viabilizado pela informação
“No primeiro caso, a solidariedade é produto da organização. No segundo
caso, é a organização que é produto da solidariedade. A ordem global e a
ordem local constituem duas situações geneticamente opostas, ainda que em
cada uma se verifiquem aspectos da outra. A razão universal é
organizacional, a razão local é orgânica (SANTOS, 1994c)” (p.79)
“O lugar é assim o resultante do embate entre proximidade espacial e
proximidade organizacional (SANTOS, 1994b)” (p.79)
Solidariedade institucional
 Encontra suas bases numa coesão socio-territorial dada pelo
ordenamento jurídico e político-administrativo que tem vigência sobre um
território circunscrito politicamente e que condiciona também a implantação e
o arranjo de fixos e a distribuição de fluxos (materiais e imateriais) no
território
- as três solidariedades geográficas são concomitantes e interdependentes
ou, melhor, mutuamente condicionantes
- o lugar não coincide, necessariamente, com sub-territórios definidos por
fronteiras políticas, mas está sempre sujeito às suas coações
Solidariedade institucional
(cont.)
“Se é correta a hipótese de que a solidariedade orgânica resulta de
interações locais (prestando-se, assim, também a interesses locais e,
portanto, lançando bases para uma resistência a interesses remotos que ali
tomam lugar); e de que a solidariedade organizacional vincula-se mais
diretamente a interesses globais das grandes empresas e organismos
internacionais, mais distanciados, portanto, das demandas locais e regionais;
é também verdade que a solidariedade institucional pode servir como um fiel
da balança que ora aproxima-se mais e soma esforços com a solidariedade
orgânica, ora tende a reforçar os vetores oriundos dos interesses globais,
sustentando a solidariedade organizacional. Percebemos, com isso, que o
projeto nacional pode ainda desempenhar um papel fundamental mesmo
num mundo caracterizado pela globalização” (p.80)
Solidariedade institucional e tributação: a guerra fiscal como um
fator de localização industrial e de investimentos no território
“A guerra fiscal é um dos aspectos da concorrência entre os lugares – o que
alguns autores vêm chamando de guerra dos lugares (SANTOS, 1994a).
Constitui-se em renúncia fiscal, redução ou isenção de impostos, utilizada por
estados para atrair investimentos industriais” (p.82)
- Ainda que os estados da federação tenham seus próprios ordenamentos
jurídicos, estão todos submetidos a um mesmo ordenamento jurídico:
estados solidários entre si (uma mesma legislação) / solidariedade
institucional sub-nacional
- Permanente tensão entre cooperação e concorrência que estrutura o
território nacional
Solidariedade institucional e tributação: a guerra fiscal como um
fator de localização industrial e de investimentos no território
(cont.)
“É preciso considerar que a guerra fiscal não somente diminui a arrecadação
dos estados, mas compromete o orçamento público porque gera uma maior
demanda em infra-estruturas sem o correspondente aumento da receita”
(p.87)
“As grandes empresas, pode-se dizer, promovem um verdadeiro leilão dos
lugares, enquanto as pequenas e médias buscam ajustar-se ou tirar proveito
das políticas de incentivos patrocinadas por governos estaduais e municipais
(não raras vezes atuando conjuntamente)” (p.92)
Solidariedade institucional e tributação: a guerra fiscal como um
fator de localização industrial e de investimentos no território
(cont.)
“Com isto, queremos dizer que a solidariedade geográfica institucional
desempenha um importante papel no destino dos lugares e das regiões,
ainda que tanto uns quanto outras encontrem seu fundamento na
combinação das solidariedades orgânica e organizacional” (p.96)
Considerações finais
 Três formas de solidariedades geográficas: orgânica, organizacional e
institucional
 As ações não se dão em um espaço homogêneo
 Guerra fiscal: solidariedade institucional na distribuição das atividades
econômicas pelo território
“Pode-se dizer, no limite, que os novos alicerces da região fundamentam-se
na solidariedade organizacional e abrigam, na maioria dos casos, interesses
estranhos ao lugar (SANTOS, 1994a) e de cunho eminentemente econômico.
Da mesma forma, o território encontra sua coerência na solidariedade
institucional, política. (...) A solidariedade orgânica atribui a cada lugar um
grau próprio de permissividade e de resistência às regulação de ordem
institucional e organizacional” (p.96)
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Solidariedade geográfica - Ricardo Mendes Antas Jr.