PARA UMA DIDÁTICA DA TRADUÇÃO E COMPREENSÃO DO TEXTO
LITERÁRIO: A POESIA DE EMILY DICKINSON
GT7 Educação, Linguagens e Artes
Roberto Carlos Bastos da Paixão
Tânia Maria da Conceição Meneses
Josevânia Teixeira Guedes
RESUMO
O desenvolvimento da presente reflexão tem por objetivo elaborar texto crítico-interpretativo versando
sobre a tradução literária. Tendo em vista o cumprimento deste objetivo, a fundamentação teórica
deste breve estudo se pauta em autores, a exemplo de Gentzler (2009), Humberto Eco (2011),
Schnaiderman (2011), Plaza (2001), Laranjeira (2003), Lages (2007), Theodor (1983) Guimarães
(2010). Os objetivos específicos são: comentar o debate teórico sobre a tradução literária; interpretar
o que seria o quase na tradução literária; discutir alguns aspectos da intersemiótica na tradução
literária; fazer uma releitura para a língua portuguesa do poema The moon is distant from the sea, de
Emily Dickinson. O que justifica a reflexão contida neste texto é o desejo de aproximar-se mais e de
tal forma a perceber com alguma nitidez as mensagens contidas em textos literários em língua
estrangeira, especificamente do idioma inglês. Esta pesquisa é do tipo bibliográfica e a metodologia
das estratégias utilizadas para atingir tal propósito são: leitura e releitura do texto; estudo descritivo
do vocabulário; apreciação do sentido conotativo de palavras utilizadas no poema; levantamento das
figuras de expressão poética; tradução literal; tradução interpretativa.
Palavras-chave: tradução, texto literário, Emily Dickinson.
ABSTRACT
The development of this reflection aims to develop critical-interpretive text dealing on literary
translation. Given the achievement of this objective, the theoretical foundation of this brief study is
guided by authors, like Gentzler, Humberto Eco (2011), Schnaiderman (2011), Plaza (2001), Orange,
Lages, Theodor, Guimarães. Specific objectives are to: review the theoretical debate on literary
translation, interpreting what would be the almost literary translation; discuss some aspects of
intersemiotics in literary translation; make a rereading to Portuguese poem The moon is distant from
the sea, Emily Dickinson. What justifies the reflection contained in this text is the desire to get closer
and so to realize with some clarity the messages contained in literary texts in foreign languages,
specifically English language. This research is a literature and methodology of the strategies used to
achieve this purpose are: reading and rereading the text, descriptive study of vocabulary; appreciation
of the connotative meaning of words used in the poem, survey figures of poetic expression; literal
translation; interpretive translation .
Keywords: translation, literary text, Emily Dickinson.

Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Sergipe, especialista em Metodologia do
Ensino de Língua Inglesa pela Faculdade Atlântico. Membro do grupo de pesquisa NEC – Núcleo de
Estudos de Cultura da UFS/CNPq. Consultor corporativo de língua inglesa. E-mail:
[email protected]

Licenciatura Plena em Letras Vernáculas Português/Inglês pelo Instituto de Letras, Artes e
Comunicação da UFS/1972. Professora aposentada da Rede Estadual de Ensino, ex-professora
universitária e membro do MAC (Movimento de Apoio Cultural Dr. Antonio Garcia Filho), da ASL.
Escritora, poeta e revisora de textos. E-mail: [email protected]

Mestra em Educação pela Universidade Tiradentes, especialista em Metodologia do Ensino
Superior pela Faculdade Pio Décimo. Professora da Educação Básica e da Faculdade Pio Décimo.
Coordenadora da Linha de Pesquisa Iniciação à Pesquisa Científica na Educação Superior do Grupo
de Pesquisa Políticas Públicas, Gestão Socioeducacional e Formação de Professor
(GPGFOP/PPED/Unit/CNPq) e Voluntária do Projeto TRANSEJA do Observatório de Educação da
UNIT/CAPES/INEP. E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
Independentemente do tipo de linguagem, o ser humano precisa ler e
compreender o que dizem os diversos textos produzidos por toda parte do planeta
sejam quais forem as modalidades de linguagem, especificamente documentos de
manuseio mais comum e cotidiano. A cada dia o mundo parece diminuir em virtude
do avanço das tecnologias. Cresce incontrolavelmente o fenômeno das redes
sociais, sendo ainda imprevisíveis os resultados que isto acarretará aos vários
idiomas que estão em interação constante. As línguas se renovam e se transformam
pela ação do uso em rede. Como se sabe, esta é uma realidade indomesticável, ou
seja, não há forças que consigam impedi-la.
Quanto ao futuro dos estudos da tradução, segundo Gentzler (2009),
houve, na década de 1960, um avanço na tradução literária e, na de 1990,
prosperou a teoria da tradução. O estudioso se refere, inclusive, aos efeitos da
globalização sobre as “línguas menos conhecidas” que, por sua vez, são ameaçadas
de desaparecer. Essas línguas são registros importantes de comunidades e
precisam ser salvas para a posteridade.
As considerações de Gentzler a partir do exame de diversas teorias da
tradução aportam a uma conclusão: a de que
Tendo em vista que as fronteiras da área se expandiram da análise
linguística e textual para toda a rede de signos complexos que constituem a
cultura, nenhum estudioso de uma disciplina específica será capaz de
oferecer todas as respostas. (GENTZLER, 2009, p. 246)
E, se tais respostas não existem e nem poderiam mesmo existir, a atitude
que se espera é a da constante busca, do exercício, da tentativa de dizer ao de
outra língua o pensamento de alguém.
A atividade de traduzir um texto tem relação com inúmeros conceitos e
entendimentos desse fazer intelectual. Tanto alguém pode simplesmente querer
dizer ao seu interlocutor ou leitor o que “mais ou menos” significa uma frase, um
texto de marketing, uma mensagem, uma bula de medicamento, um manual de
produto eletrônico, um cardápio de restaurante, um folder relativo à determinada
excursão turística, etc. Esse mais ou menos pode até dar certo, servir aos objetivos.
Isto sem contar com os prejuízos e consequências graves que pode gerar uma
tradução “mais ou menos” de uma bula de medicamento.
Professores da disciplina Língua Inglesa desenvolvem suas atividades em
sala de aula do ensino regular de tal maneira a aprofundar e melhor entender os
contornos de uma palavra, de uma frase ou de um texto. Para tanto recebem algum
tipo de preparação e formação docente, este é o comportamento esperado.
Entretanto, aqui ou ali há alguma improvisação de traduções de textos didáticos.
Portanto, e a depender das circunstâncias, a atividade de traduzir textos escritos,
além de estarem ligadas às teorias específicas, passa por diversas questões, etapas
e compreensões.
No caso da tradução de textos literários, esta é uma atividade específica
de profissionais versados em letras e trabalhos com o idioma estrangeiro escrito.
Esse profissional terá preparação sofisticada e formação específica em nível
superior. Um graduado em curso de Letras pode se dedicar a esse fazer, mas o
ideal é que, gradativamente se especialize na atividade de tradutor. Há diversos
níveis de tradução literária, da mais básica a mais complexa, exigindo cada uma o
desempenho de habilidades em diversos níveis.
Alves, Magalhães e Pagano (2010, p. 114) tratam da atividade de traduzir
com autonomia e incluem estratégias para o tradutor em formação, considerando
que, “[...] para traduzir adequadamente é necessário que o tradutor aumente o nível
de reflexão sobre a natureza e os aspectos cognitivos da tradução [...]” para atribuir
qualidade à sua atividade. Essa qualidade ainda é mais necessária e exigida quando
se trata do texto literário tendo em vista os diversos conhecimentos que exige tal
tarefa.
Para além do “mais ou menos”, Humberto Eco (2011) disserta sobre o
“quase a mesma coisa” no ato de traduzir. Estabeleça-se aqui que não existe a
língua perfeita e, igualmente, não existe a tradução perfeita. Estabeleça-se também
que, por não existir essa perfeição, não será por tal motivo que a tradução deixe de
ser feita.
Quanto às teorias da tradução, Eco (2011, p. 26) adverte que
A desventura de toda teoria da tradução é que ela deveria partir de uma
noção compreensível e (férrea) de “equivalência de significado”, enquanto
em muitas páginas de semântica e filosofia da linguagem não é raro
acontecer de o significado ser definido como aquilo que permanece
inalterado (ou equivalente) nos processos de tradução. Círculo vicioso não
desprezível.
Descobrir o que pensa um autor ao escrever sua obra, eis a insolúvel
questão, mesmo se o texto está escrito em nossa língua. Tentam realizar tal
empreitada, a de “adivinhar” as intenções do autor de um texto, os estudos de
hermenêutica e de interpretação textual. Sendo assim e raciocinando com o mesmo
Eco, diga-se da suspeita “de que uma tradução não depende somente do contexto
linguístico, mas também de algo que está fora do texto e que chamaremos de
informação acerca do mundo ou informação enciclopédica” (ECO, 2011, p. 32).
Quanto ao caso específico da linguagem poética e por ser uma linguagem
distinta dentro da linguagem, considerada por muitos estudiosos como intraduzível,
o cuidado de um tradutor se avoluma, pois se exige dele a capacidade de perceber
poesia, de senti-la e isto vai além da técnica. Considere-se aí a diversidade da
poesia em si mesma e de suas manifestações em diversas formas (fixas ou livres) e
estilos de época, entre outros e incontáveis requisitos. Assim, seria a tradução um
„ato desmedido‟ (SCHNAIDERMAN, 2011).
Contrariando a famosa definição de Robert Frost de que “poesia é aquilo
que se perde nas traduções”, tenho insistido em que precisamos traduzir
justamente aquilo que se considera impossível na língua de chegada.
Nosso grande Haroldo de Campos costumava dizer (repetindo então Paulo
Rónai em Escola de Tradutores) que só se interessava em traduzir
justamente o intraduzível. Em outros termos, aparece aí algo semelhante ao
que afirmava Ortega & Gasset, em seu sempre lembrado “Miséria e
Esplendor de la Traducción, isto é, que o homem só cria algo valioso
quando trabalha na faixa do impossível. (SCHNAIDERMAN, 2011, p. 2223).
Reunindo as ideias, se poderia resumir que a perfeição na tradução não
existe, perde-se bastante ao traduzir, trabalha-se com o “mais ou menos” e o “quase
a mesma coisa”, mas o empenho e a dedicação aperfeiçoam o trabalho do tradutor.
Para Schnaiderman (2011), o alcance de um nível de qualidade em tradução
também está relacionado com a precisão dos aspectos semânticos e do tom. Então,
esse estudioso se refere ao caso das traduções de alto nível feitas para a obra de
Rilke, mas trabalhos que pouco conservavam do tom do poeta. Isto quer dizer que a
tradução tem que ter poesia, ser poesia. Tem que absorver o clima poético e passálo para a língua de chegada, este o mais complicado momento de uma tradução de
textos literários poéticos. Ainda mais, o tom pertence tão somente ao poeta, e a
cada um o seu próprio e inconfundível tom.
A teoria da tradução examinada longamente por Plaza (2001) se
posiciona no sentido da dimensão histórica e sugere uma relação poética entre
passado e presente interligados, mas é o passado que constroi o presente. Portanto,
Plaza fala de uma poética sincrônica e de um tradutor criativo que, de posse do
passado, sobre ele atua e o renova. O mesmo faz ao contrário, atuando sobre o
presente e renovando o passado. Assim é que Plaza coloca a tradução como
processo eminentemente semiótico.
Para além dos aspectos da semiótica, há outros de suma importância,
assim como os dos estudos realizados por Frota (2000). Esta estudiosa discorre
sobre a singularidade da escrita tradutora. Tal singularidade é vista através das
lentes da relação linguagem/subjetividade nos estudos da tradução, na linguística e
na psicanálise.
O problema da tradução tem características muito específicas para não
dizer dolorosas. Essa dor se origina, principalmente, na certeza que tem o próprio
tradutor das impossibilidades, das desigualdades culturais e das barreiras
linguísticas para que realize o seu trabalho com o máximo de qualidade e
aproximação do original. Dentro de cada tradutor habita um autor que precisa calar
ou dominar sua voz, seu gosto, seu desejo e sua preferência. O tradutor de um texto
literário, em especial, ele sofre algumas pressões produzidas por ele mesmo quando
busca aperfeiçoar o seu trabalho de atravessar de uma realidade linguística para
outra bem distinta.
Aí então vários caminhos o convidam a: desvencilhar-se do autor do texto
e recriar a obra na qual a sua voz será mais audível; apegar-se fortemente ao autor
de forma a querer desesperadamente nele se transformar, esquecendo-se de tantos
fatores que precisam ser levados em consideração para que o leitor de uma obra a
encontre equilibrada: nem represente totalmente a cultura do autor a ponto de tornála distante e inentendível, nem represente tanto a do país/povo/cultura/língua para
os quais a obra é traduzida. O exagero poderá desvirtuar a obra em sua essência ou
recriá-la de tal maneira que coisa alguma diga do que esta obra é ou significa. Como
então achar caminhos nesse apertado de exigências?
A tentativa de buscar os espaços da psicanálise auxilia na compreensão
da psique ou do humano do profissional que traduz textos literários. A preocupação
de Frota é profunda e larga e, por isto, vai ao mais importante da questão da
tradução desde o ponto de vista da ciência psicanálise. Neste texto entendemos por
bem resumir a abordagem do trabalho de Frota dentro das considerações finais a
que a estudiosa aportou. Interessante notar a explicação da pesquisadora quanto à
superação das noções que distinguem a tradução literal da tradução criativa,
“através de um exame, com a psicanálise, da relação sujeito/objeto que elas
implicam” (FROTA, 2000, p. 265). Propõe a autora, lastrada na teoria lacaniana, do
nó borreano, o “ir além” do real, do simbólico e do imaginário.
Procura-se, portanto, desta maneira, retirar da marginalidade e do
desprestígio advindo de uma escrita neutra, o trabalho do profissional tradutor. Não
é possível enveredar pelo território do luto e escolher entre “matar” o autor ou
“matar” o tradutor, mas pelo território do amor e, “É nesse sentido que pensar a
tradição como envolvendo uma relação de amor de verdadeiro amor feliz, nos leva a
perceber a sua impossível neutralidade, apesar da consideração de um código”
(FROTA, 2000, p. 271).
Seguindo uma linha de estudos sobre a tradução, que a considera ofício e
arte, atividade desenvolvida de maneira mais direta, prática e voltada para as reais
necessidades que tem o mundo civilizado de que obras de todo tipo sejam
disponibilizadas em outros idiomas, Theodor (1983) se encarrega de pensar a
formação e a especialização do tradutor. O pesquisador trata de fazer importantes
distinções entre: tradução, versão e recriação; a natureza da versão literária; o
problema da tradução dita “livre”, da tradução “fiel” e da desfiguração; a questão do
estilo individual e da metamorfose linguística. Isto sem que haja deixado de lado a
questão da tradução eletrônica. Ao que dá a entender, Theodor demonstra
concordar com Weaver (1955) que diz a máquina de traduzir não ter por objetivo
agradar ou contribuir para a elegância e beleza de textos escritos. Isto quer dizer
que o trabalho de uma máquina de tradução se igualaria ao que desenvolve um
beletrista, um cultor da língua. São esses equipamentos muito úteis para as
necessidades cotidianas, pois tornam acessível o teor de documentos simples
redigidos em idiomas não entendidos por leitores. Entretanto, no âmbito da tradução
humana, Theodor atesta que
Tanto a tradução literária quanto a científica ambicionam, [...] oferecer uma
mensagem que corresponda o mais aproximadamente possível ao texto
original. Mas, ao contrário da tradução científica, existe no trabalho da
transposição literária um fator subjetivo a ser levado em devido termo de
conta, pois forma e conteúdo da mensagem sofrerão certas transformações
que, de alguma maneira, vão alterar o valor artístico da peça oferecida
(THEODOR, 1983, p. 85).
Fácil é compreender que a tradução tem diversos níveis de complexidade
e esta complexidade se acentua no caso do texto literário poético tendo em vista as
características dessa linguagem que apresenta sentidos e significados muito
especiais e subjetivos, além da concorrência das figuras de linguagem, estilo e
pensamento. Por isto mesmo, Theodor (1983, p. 87) anuncia que “[...]a tradução é
regida também por uma ciência afiliada à linguística, a estilística [...]”.
No caso da poesia, e para o leitor que não conhece um idioma estrangeiro
em que um poema está escrito, não será mesmo possível a leitura ou a
associação de ideias com situações do mundo real ou mesmo do
imaginário. No caso de um leitor conhecedor de um idioma estrangeiro,
poderá ocorrer que desconheça o significado de determinado termo no
interior daquele poema. Então, sua atitude será a de resolver este pequeno
entrave até reconhecer-lhe as relações de significados e que em poesia já
apresenta outras situações específicas de linguagem poética. Esse
desvendamento do poema exige que sejam considerados sentidos
denotativos e também conotativos dos termos (SILVA, 2012, p.1).
Quanto à versão literária, quer de textos poéticos ou não poéticos,
ressalte-se com Theodor que a máxima adequação e aproximação do original
traduzido devem ser perseguidas pelo tradutor que, dessa forma, evitará a
desfiguração da obra ou, sob o pretexto de recriá-la ou de ser cem por cento fiel,
traia o autor.
Todas as facetas de um texto devem ser objeto de análise por parte do
tradutor, inclusive e apesar de alguma rejeição, o humor. O mais sério texto literário,
até mesmo o que descreve uma guerra ou um caso trágico de amor, há sempre o
elemento gracioso, espirituoso, burlesco, o humor. Pois, “Freud, por sua vez,
vislumbrando no humor um importante papel na vida psíquica do indivíduo, tratou de
analisá-lo do ponto de vista de seus traços constitutivos e, principalmente, de sua
função” (ROSAS, 2002, p.28).
A propósito do humor, Martins (2004), estuda o trocadilho de humor em O
mercador de Veneza, de William Shakespeare (posto em língua portuguesa), e inclui
que,
[...] O gosto de Shakespeare pelos trocadilhos, desaprovado por
Samuel Johnson e pelos augustanos ingleses, ignorado pelos
vitorianos e aplaudido por legiões de (MARTINS, 2004, p. 127).
Aspectos filosóficos da tradução norteiam o pensamento de Guimarães
(2010). Estão em pauta a grandeza e a miséria de traduzir, os percalços dessa difícil
tarefa, o mito e a realidade, o admirável em traduzir e o esquecimento que se dá ao
profissional da tradução. Guimarães é tradutor de ofício e arte e sua oba merece
destaque e estudo mais aprofundado, pois contém o retrato do drama que vivencia
esse tipo de profissional.
Pela tradução e pela interpretação linguística, desde o passado,
aqueles que dominavam a ciência do jogo semântico, fosse na
tradução escrita, fosse na pura oralidade, podiam deter um poder
que os generais invejavam, e Salomão, o rei magnífico, que se fez
conhecido na Antiguidade pelo esplendor do seu reinado e pelo seu
imenso saber, falava todas as línguas e podia compreender as
linguagens dos animais, dos pássaros, dos répteis (GUIMARÃES,
2010, p. 109).
A história da tradução no Brasil, exposta detalhadamente na obra de
Wyler (2003) encerra importantes informações para a compreensão do universo da
tradução. No que diz respeito à institucionalização da profissão do intérprete, diz a
autora que o processo se deu dentro dos padrões clássicos e
À medida que a estrutura colonial se ampliava e se tornava mais
complexa, o ofício de língua ia incorporando novas atribuições, ao
mesmo tempo em que transformava ou perdia outras antigas, como a
de auxiliar de confessor (WYLER, 2003, p. 38).
No que diz respeito à qualidade das traduções, Wyler adianta que o
problema é realmente digno de cuidados, mesmo por que
[...] não se restringe apenas à formação e condições de trabalho do
tradutor, ou à teoria da tradução que causaria menor dano à nossa
cultura, amplia-se para abranger a formação daqueles que têm a
função de julgar a competência dos candidatos a executar serviços
de tradução (WYLER, 2003, p. 150).
Em Poética da tradução, Laranjeira (2003, p. 83), traz um importante
questionamento, o de que seria a poesia, naturalmente intraduzível. Foi importante
que o estudioso tivesse dado a palavra a poetas, a tradutores e a teóricos da
tradução. Segundo Laranjeira, fique atestado que, para
Quem se propõe discutir a tradutibilidade do texto poético deve, de
início, estabelecer a linha divisória entre o poético e o não-poético,
entre a poesia e a não-poesia, entre o poema e o não-poema. O
terreno é escorregadio, movediço e suporta mal os marcos de
balizamento.
Ainda refletindo sobre diversos aspectos relativos à poesia, Laranjeira
finaliza suas considerações sobre essa particular forma de linguagem deixando claro
que um tradutor “[...] não pode colocar-se diante de um poema como se colocaria
diante de outro texto qualquer [...]” e que, tendo em vista a singularidade e a
impossibilidade de traduzir o texto poético, “[...] só a aceitam sob rótulos que lhes
marque,
a especificidade:
recriação,
reinvenção,
re-produção,
transcriação,
transposição criativa, reescritura, inutrição etc. [...]” (LARANJEIRA, 2003, p. 54).
Por se falar de poesia, fale-se de tradução e melancolia, como o fez
Lages (2007, p. 40), rastreando diversos estudos no âmbito da psicanálise e
centrando o foco sobre o crítico, escritor e filósofo, Walter Benjamim, autor do ensaio
A tarefa do tradutor. Para começo de conversa, a autora desvela a cena em que a
[...] a associação da palavra traduzir ao sentido que emprestamos a
ela até hoje nas línguas neolatinas (fazer passar o sentido de um
texto escrito numa língua para uma outra língua) tem origem nesse
período (o autor refere-se ao Renascimento) e associada a ela
está, curiosamente, um “erro” _ fundador _ de tradução.
Levando em conta esta reflexão e sentindo a melancolia da arte poética,
este exercício sobre a tradução de textos literários, se propõe a apresentar uma
“transposição criativa” do poema The moon is distant from the sea, de Emily
Dickinson1.
Part Three: Love
XXXI
THE MOON is distant from the sea,
And yet with amber hands
She leads him, docile as a boy,
Along appointed sands .
He never misses a degree;
Obedient to her eye ,
He comes just so far toward the town,
Just so far goes away.
Oh, Signor, thine the amber hand
And mine the distant sea —
Obedient to the least command
Thine eyes impose on me.
A metodologia da abordagem deste poema envolve os seguintes e breves
passos: a) leituras e releituras contemplativas; b) leituras e releituras cujo olhar se
voltará para uma reflexão sobre a estrutura linguística e estilística do poema; c)
considerações sobre a vida da autora e o contexto em que viveu e escreveu sua
obra; d) consulta a dicionários para a compreensão e busca de sentidos que
1
Disponível em: http://www.bartleby.com/113/3031.html. Acesso em 10 mai. 2013.
pareçam mais apropriados ao texto poético em pauta; e) exercícios repetidos de
ajuste e reajuste no texto até que seja considerada uma “transposição criativa”
satisfatória subjetiva e objetivamente.
Emily Dickinson nasceu em 10 de dezembro de 1830, na cidade de
Amherst, Massachusetts, distante 50 milhas de Boston, localidade que se tornou
conhecida por ser um centro de Educação influenciado pelo Amherst College. A
família tradicional de Emily era proprietária de uma casa que ganhou notoriedade
sob os títulos de “The Homestead” ou “Mansion”. Era utilizada como um ponto de
encontro de pessoas importantes, a exemplo de Ralph Waldo Emerson.
Her lively Childhood and Youth were filled with schooling, reading,
explorations of nature, religious activities, significant friendships, and
several key encounters with poetry. Her most intense Writing Years
consumed the decade of her late 20s and early 30s; during that time
she composed almost 1100 poems. She made few attempts to
publish her work, choosing instead to share them privately with family
and friends. In her Later Years Dickinson increasingly withdrew from
public life. Her garden, her family (especially her brother‟s family at
The Evergreens) and close friends, and health concerns occupied her
With a few exceptions, her poetry Remained virtually unpublished
until after she died on May 15, 1886. After her death, her poems and
life story were brought to the attention of the wider world.2
Para descrever e falar da personalidade da poeta norteamericana (18301886), Hall (2006, p. 1), diz ser Emily a “[...] misteriosa apaixonada que só se vestia
de branco [...]”; e a cognomina de “a irmã de Shakespeare”. Apresenta-a também
como uma virtuosa, puritana e ingênua “solteirona reclusa que fugia espavorida ao
ouvir baterem à porta e da frágil poetisa que escrevia poemas inspirados nos versos
de receitas culinárias e envelopes usados”.
Quanto a características do estilo dickinsoniano, acrescente-se que:
A profusão de travessões, inversões, paradoxos, contradições e
indeterminações, juntamente com temas e imagens que trazem à
tona conflitos internos intensos, mostram uma poesia contida e
enigmática, aberta a múltiplas possibilidades de interpretação (HALL,
2006, p. 12).
2
Sua infância alegre e juventude foram preenchidos com a escolaridade, leitura, exploração da natureza, atividades religiosas, amizades
significativas, e vários encontros importantes com poesia. Seus anos escrevendo mais intensos consumida na década de seus 20 e poucos
anos e 30 anos, durante esse tempo, ela compôs quase 1.100 poemas. Ela fez algumas tentativas para publicar seu trabalho, optando por
compartilhá-los em privado com a família e amigos. Em anos mais tarde, Dickinson cada vez mais se retirou da vida pública. Seu jardim, sua
família (especialmente a família de seu irmão na Evergreens) e amigos próximos, e as preocupações de saúde eram as ocupações dela Com
poucas exceções, a sua poesia manteve-se praticamente inédita até depois que ela morreu em 15 de maio de 1886. Após sua morte, seus
poemas e histórias de vida foram trazidas à atenção do resto do mundo .
O poema em estudo, The moon is distant from the sea, de Emily
Dickinson, apresenta-se estruturado em 3 estrofes regulares de quatro linhas de
versos (quarteto) cada uma.
Quanto à existência de rimas, nota-se a coincidência de sons entre o final
do primeiro verso do primeiro quarteto (sea), rimando com o termo (degree), primeiro
verso do segundo quarteto e também com o último verso da última estrofe (me); o
segundo verso da primeira estrofe, terminado em (hands) rima com o quarto da
mesma estrofe (sands), com o primeiro da terceira estrofe (hand – agora no singular)
e com o terceiro da terceira estrofe (command). O terceiro verso da primeira estrofe
finalizando na palavra boys, não tem correspondência sonora com outros versos do
poema, o que imprime um corte, uma quebra proposital da melodia. Da mesma
sorte, o segundo verso da segunda estrofe que finaliza com o termo eye; o termo
que encerra o terceiro verso da mesma segunda estrofe (town) e o que finaliza o
quarto verso desta mesma estrofe não encontram correspondência sonora em
outros versos do poema.
O esquema irregular de rimas é a b c b//a d e f//b a b a. Esta
irregularidade promove no poema o constante ir e vir das ondas do mar e a subida
da lua por uma escadaria imaginária. As rimas são da categoria pobre e
predominam os substantivos, com exceção do advérbio away e do pronome oblíquo
me. Assim se observa que, apesar de o poema apresentar-se em estrofes regulares,
não dispõe da mesma regularidade quanto às rimas, isto é, não tem um esquema
regular de rimas. Isto leva a relacionar tal irregularidade ao espetáculo lunar que se
alterna em fases distintas.
As rimas de Dickinson são motivo de extensos estudos de seus críticos
especializados e tema de dissertação da qual aqui se destaca o comentário no qual
se considera que
Emily Dickinson pode ter se aproveitado dos “padrões tradicionais”
do metro de balada inglês, para criar efeitos gerados pela
desconstrução de tais “padrões”. Além disso, parece oferecer ao seu
leitor certas tendências, sobretudo com suas rimas experimentais e
supostamente manipuladoras, que o conduzem a caminhos
aparentemente seguros e depois o confundem, levando-o a interagir
com cada um de seus poemas de maneira individual. É acreditando
nisso que seguimos com este estudo, analisando e comparando os
desafios que os tradutores brasileiros experimentam ao se
depararem com tal característica fortemente dickinsoniana de inovar
e transformar com suas rimas ditas “enviesadas”, em cada poema de
forma individual (Almeida, 2009, p. 30).
A ordem sintática das palavras é direta. A metáfora do luar compõe um
quadro majestoso e que parece absorver para a paisagem do poema o âmbar da lua
em um momento em que ela se alteia no horizonte e lança sua luz sobre o mar
como se fosse a figura de uma deusa em sua imponência singular. Essa deusa de
suavidades sustenta a magnitude da cena sobre as águas, conduz o mar como se
dele fosse a maestrina de uma sonata que se estende sobre a areia da praia. O mar,
por sua vez, não perde um só degrau daquela ascensão de uma diva e fixa
contemplativo o olhar de encantamento da deusa da noite. O mar contempla a lua
em êxtase. Desta forma, a persona poética, cria outra figura de bastante movimento
e que demonstra o ir e vir das ondas, da atração da lua fabricando as marés cheias
e secas. A partir daí, o poema ganha uma força descomunal quando a poeta,
extasiada com o cenário proporcionado pelo luar derramando-se sobre o mar, a
praia e a cidade, clama a Deus por todo aquele esplendor de âmbar. Eis que a lua,
obediente, atende ao pedido da pessoa lírica, lançando-lhe o foco de seu olhar.
Para conseguir a leitura aqui apresentada do poema de Dickinson, não se
consultou outros trabalhos. Posteriormente ao momento em que estava finalizada a
versão abaixo incluída, foi realizada uma busca e escolheu-se a leitura apresentada
na tese de Doutorado de Fernanda Mourão (2008). A doutora em literatura,
especialista em estudar a obra de Emily Dickinson:
A Lua é do Mar distante –
Mesmo assim, com Mãos de Âmbar –
Ela o guia – Bom Menino –
À sua maneira ele anda –
Não perde nunca um Passo –
Ao seu Olho, obediente
Vem chegando – na Cidade –
Pra depois – seguir adiante –
Senhor, é Tua, a Mão de Âmbar –
E meu – o distante Mar –
Fiel ao menor comando
Que me impõe o Teu olhar –
Como se pode notar, neste caso, a leitura de Fernanda Mourão não
privilegiou as rimas como no esquema utilizado por Emily. Por outro lado, a versão
do mesmo poema feita pela Professora e poeta, Tânia Maria da Conceição Meneses
Silva, que abaixo se inclui, tem esse diferencial: tentou seguir o esquema de rimas
utilizado por Emily no poema original em língua inglesa. Foram, ainda,
acrescentados dados novos sugeridos pela aura do poema, a exemplo do piano que
toca uma sonata bachiana, servindo esta de fundo musical para as cenas que
emanam da leitura contemplativa do texto.
A lua se distancia do oceano,
E com sua mão perolada
Ela o conduz, docilmente,
Ao longo da areia molhada.
O mar, sonata ao piano;
Submisso à deusa,
Vai e vem, distanciando-se,
Rapidamente se alteia, sobe.
Oh, Senhor, Tua mão espalhada,
E a minha no distante plano, _
A lua atende à última chamada
Põe o olhar sobre mim, bachiano.
REFERÊNCIA
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