ESPECIAL Israel As lições de um país em permanente... ISRAEL, UMA ...tensão, que sabe converter desafios... NAÇÃO DE ...em novas oportunidades EMPREENDEDORES POR SANDRA BOCCIA* * COM REPORTAGEM DE THOMAZ GOMES E COLABORAÇÃO DE DANIEL WAISMANN 52 pequenas empresas & grandes negócios Março, 2014 FOTOS: EITAN SIMANOR / ALAMY / GLOW IMAGES, PAUL DOYLE/ALAMY/ LATINSTOCKIMAGES, NIR ELIAS/REUTERS/LATINSTOCK E DIVULGAÇÃO HISTÓRIA REESCRITA Em sentido horário, jovens soldados em campo de treinamento; garota no campus da Universidade de Tel Aviv; crianças na escola em Jerusalém; instalação de bicicletas perto da prefeitura de Jerusalém; escritório de startup “telavivi”; arranha-céus da “capital tecnológica” do país ESPECIAL Israel GEOGRAFIA DA ARIDEZ “V OCÊS SÃO CASADOS? Esqueçam seus namorados, namoradas, mulheres ou maridos. Vocês estão em Tel Aviv. Aproveitem.” Ouvida com pressa, a mensagem dita por Avner Warner, 34 anos, óculos Ray-Ban na cabeça e barba rala por fazer, poderia ser inadvertidamente interpretada como um convite aberto à infidelidade — o que, por si só, já teria o poder de chocar os visitantes brasileiros da Terra Santa. Mas o seu discurso de tom teatral faz parte de uma elaborada estratégia de comunicação. À frente da diretoria de desenvolvimento econômico internacional da prefeitura de Tel Aviv, ele tem por missão fazer com que a cidade se transforme em um hub de empreendedores, investidores e novos talentos não apenas israelenses, mas de todo o mundo. Por isso, tenta desmanchar a imagem de atos terroristas e conflitos milenares que, aos olhos estrangeiros, ainda se sobrepõe à do belíssimo pôr do sol nas águas do Mediterrâneo, um mar quase sem ondas, coalhado por caiaques e veleiros. Com vibrante vida noturna, clima descontraído e certo ar de permissividade — bastante diferente de sua vizinha religiosa, Jerusalém —, Tel Aviv nunca precisou de muitos esforços para atrair talentos de outras partes do país. Há tempos é um ímã para os jovens sabras — como são chamados os judeus nascidos em Israel. Seu status de “capital tecnológica e financeira” está consolidado. O desafio é, de fato, atrair talentos de outros países e se tornar um polo de empreendedorismo tão desejado > Entenda como funciona o ecossistema de inovação de Israel Israel: pequeno, inovador e cercado por inimigos EXÉRCITO O serviço militar obrigatório — três anos para os homens e dois anos para as mulheres — desenvolve habilidades de trabalho coletivo e senso de questionamento nos futuros empreendedores israelenses. A preocupação com a segurança nacional torna o país um mercado fértil para tecnologias de proteção de dados e sistemas de defesa. Nação de startups Dos centros de excelência de todo o país saem empreendedores com alto nível de escolaridade PERFIL DOS EMPREENDEDORES LÍBANO FUNDAÇÃO: 1948 POPULAÇÃO: 8 MILHÕES IDIOMA: HEBRAICO PIB: US$ 254 BILHÕES RENDA PER CAPITA: US$ 33.900 MAR MEDITERRÂNEO SÍRIA IDADE MÉDIA: 36 ANOS HAIFA 91% TEL AVIV JORDÂNIA SÃO HOMENS CISJORDÂNIA ACADEMIA GOVERNO A partir de leis que incentivam aportes em startups e criação de centros de pesquisa, o poder público ajuda a transformar as ideias de empreendedores em oportunidades de negócio. Em 1968, o governo criou o escritório oficial do Cientista-Chefe, divisão responsável por conectar — e capitalizar — iniciativas de universidades e empresas com demandas de mercado. As universidades funcionam como celeiros de novos talentos para as empresas. A maioria das instituições tem programas de empreendedorismo, incubadoras e parcerias com centros de pesquisa. O período no exército faz com que os estudantes sejam pelo menos três anos mais velhos do que a média global — o que contribui para que eles encarem oportunidades de negócio com mais naturalidade. 47% JERUSALÉM JÁ TIVERAM OUTROS NEGÓCIOS FAIXA DE GAZA 78,9% MAR MORTO TÊM ENSINO SUPERIOR 40% EMPREENDEDORES TÊM MESTRADO OU PHD 89% EGITO TÊM HABILIDADES TÉCNICAS 9H42M É A JORNADA MÉDIA DE TRABALHO US$ 47.500 É O PRÓ-LABORE MÉDIO ANUAL DOS EMPREENDEDORES GOLFO DE ÁCABA FONTES: Central Bureau of Statistics of Israel e CIA – The World Factbook 54 pequenas empresas & grandes negócios Março, 2014 Rede de apoio 13% MORARAM NO VALE DO SILÍCIO CENTROS DE P&D Atraídas pelo ambiente criado pelo governo e pela qualidade da mão de obra, grandes corporações investem na abertura de incubadoras e centros de inovação. Microsoft, Cisco, Apple e IBM estão entre as empresas com iniciativas de P&D no país. O investimento privado no setor inspira novos empreendedores e forma times de colaboradores especializados. FUNDOS DE INVESTIMENTO A combinação entre fundadores capacitados, ideias criativas e incentivos públicos aumenta o interesse de investidores e fundos internacionais. O acesso ao capital de risco — potencializado por uma cultura de IPOs — é essencial para executar e escalar projetos de inovação locais. FONTES: Startup Genome/Telefónica - Startup Ecosystem Report Março, 2014 pequenas empresas & grandes negócios 55 ESPECIAL Israel quanto o Vale do Silício, nos Estados Unidos. Warner, um advogado que trocou a sisuda carreira de direito corporativo pelo glamour das startups “telavivi”, parece convencido de que apenas assim a cidade vai dar o salto qualitativo de que precisa. “Estamos revendo a política de vistos. Só teremos sucesso no futuro se nos conectarmos a outras culturas agora.” A exemplo de Warner, israelenses costumam falar com tamanha convicção sobre seus sonhos que fica difícil duvidar de sua capacidade de realizá-los. Em hebraico, a essa autoconfiança, muitas vezes misturada à insolência, audácia e rispidez, dá-se o nome de chutzpah. As doses variam de pessoa para pessoa, mas todo empreendedor tem um pouco em seu caráter. Em Israel, empreender é um verbo em hyperlink. Abrir uma empresa é apenas um de seus significados. Também quer dizer se reinventar, ter atitude ou simplesmente erguer coisas do nada. Enquanto mostra os encantos do bairro de Neve Tzedek aos brasileiros, Gabby Czertok, 34 anos, fundador da Hydrospin, empresa que cria sistemas inteligentes para monitorar o fluxo da água nas redes de distribuição, lembra dos pioneiros. Quando as primeiras famílias de judeus chegaram, vindas da Polônia, há pouco mais de cem anos, Tel Aviv era apenas um amontoado de dunas de areia. “E veja só tudo o que construíram. Não é fantástico? O empreendedorismo faz parte da nossa história”, diz. Czertok é egresso da 8200, a mítica unidade de elite das Forças de Defesa de Israel — responsável, entre outras tarefas, pelo rastreamento de terroristas. Servir nessa divisão equivale a ter um selo de excelência no currículo pelo resto da vida. O orgulho manifesto por Gabby e seus conterrâneos passa, obrigatoriamente, por fantásticas histórias de sobrevivência. O horror recente do Holocausto — quando 6 milhões de judeus foram assassinados — deixou cicatrizes irreparáveis. Por outro lado, forjou personalidades aguerridas, apegadas ao presente e sem medo de fracassar. E não seriam essas as qualidades imprescindíveis para o sucesso de qualquer empresa? Nas páginas a seguir, você vai entender por que Israel é, por excelência, uma nação de empreendedores. Ecossistema de negócios Capital de risco Os investimentos em inovação e a tradição empreendedora dos israelenses colocam o país na liderança do ranking mundial de startups per capita O volume de investimentos nas startups do país não para de crescer. Em 2013, foi recorde NÚMERO DE STARTUPS: 4.800 Com 1 startup para cada 1.800 pessoas, Israel tem o maior índice mundial de empreendedorismo per capita O país ocupa o 3º lugar no ranking de companhias listadas na NASDAQ — atualmente, são 69 empresas Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento correspondem a 4,7% do PIB de Israel. No Brasil, o índice é de 0,59% 70 OUTROS OPORTUNIDADE 19 DINHEIRO PARA INOVAÇÃO VOLUME DE INVESTIMENTOS EM STARTUPS NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS (EM BILHÕES) 2004 2005 2006 2007 2009 1,5 1,3 1,6 1,8 2013 38,5 26,9 15,4 CAPACITAÇÃO DOS FUNDADORES SISTEMA DE EDUCAÇÃO 2008 2009 2010 2011 2012 2013 107 DIAS 22,5 21,3 19,7 16,5 10 3 7 BIOTECNOLOGIA SOFTWARE INTERNET MÍDIA SEMICONDUTORES TECNOLOGIA SUSTENTÁVEL OUTROS FONTES: Angel List Research Center/KPMG/IVC Research Center/KPMG/IVC Research Center/KPMG/Doing Business Tel Aviv: na cola do Vale do Silício LOCAL X GLOBAL A MAIORIA DAS EMPRESAS INVESTE NO MERCADO INTERNACIONAL (EM %) A capital financeira do país é o segundo melhor lugar do mundo para abrir uma startup 60,6 TÊM CLIENTES DE OUTROS PAÍSES FOCO NO B2B PÚBLICO-ALVO DAS SOLUÇÕES CRIADAS PELAS STARTUPS (EM %) B2B BIOTECNOLOGIA EM ALTA INVESTIMENTOS POR SETOR (EM %) CULTURA EMPREENDEDORA INVESTIMENTOS EM PESQUISA E DESENVOLVIMENTO 62,5 2007 BRASIL *RECORDE HISTÓRICO 50 39,4 2006 2,1 1,9 2,3* 2012 TÊM APENAS CLIENTES LOCAIS 2005 1,1 1,3 ISRAEL 14 DIAS 55 51 60 61 62 63 63 70 73 76* 2004 2,1 2011 REDE DE INCENTIVO OS FATORES QUE MAIS CONTRIBUEM PARA O CRESCIMENTO DAS STARTUPS (EM %) BUROCRACIA: BRASIL X ISRAEL TEMPO MÉDIO PARA ABRIR UMA EMPRESA INTERESSE GLOBAL CRESCIMENTO DOS APORTES FEITOS POR INVESTIDORES ESTRANGEIROS (EM %) 2008 2010 NECESSIDADE 37,5 CONSUMIDOR FINAL FONTES: Israel Institute of Technology / Global Entrepreneurship Monitor (GEM) / Startup Genome/Telefônica - Startup Ecosystem Report 56 pequenas empresas & grandes negócios Março, 2014 No ano de 2013, 662 empresas israelenses receberam aportes financeiros US$ 3,47 milhões é o valor médio das rodadas de investimento inicial O ecossistema local reúne 250 centros de inovação tecnológica Apenas 5% das soluções são desenvolvidas por equipes externas 11 MOTIVAÇÃO EMPREENDEDORA EMPREENDER É A PRIMEIRA OPÇÃO DA MAIORIA DOS ISRAELENSES (EM %) Existem 2.193 investidoresanjo em atividade no país 1 RANKING GERAL PRESENÇA DE STARTUPS PERFORMANCE DAS EMPRESAS ACESSO A CAPITAL CULTURA EMPREENDEDORA CAPACIDADE DOS FUNDADORES REDE DE APOIO VALE DO SILÍCIO VALE DO SILÍCIO VALE DO SILÍCIO VALE DO SILÍCIO VALE DO SILÍCIO VALE DO SILÍCIO VALE DO SILÍCIO LONDRES 2 TEL AVIV TEL AVIV LOS ANGELES TEL AVIV VANCOUVER SEATTLE 3 LOS ANGELES NOVA YORK TORONTO BOSTON LONDRES LOS ANGELES TORONTO 4 SEATTLE LOS ANGELES PARIS NOVA YORK SANTIAGO VANCOUVER SEATTLE 5 NOVA YORK SYDNEY CHICAGO LONDRES SÃO PAULO TEL AVIV TEL AVIV 6 BOSTON BOSTON TORONTO LOS ANGELES SEATTLE SYDNEY PARIS 7 LONDRES LONDRES BOSTON SEATTLE BOSTON BOSTON CHICAGO 8 TORONTO CHICAGO NOVA YORK CINGAPURA NOVA YORK CINGAPURA BOSTON 9 VANCOUVER SÃO PAULO VANCOUVER VANCOUVER TEL AVIV LONDRES NOVA YORK 10 CHICAGO BOSTON LONDRES SÃO PAULO BANGALORE TORONTO MOSCOU 11 PARIS WATERLOO SANTIAGO BERLIM LOS ANGELES MOSCOU SÃO PAULO 12 SYDNEY MELBOURNE VANCOUVER PARIS NOVA YORK SYDNEY TEL AVIV FONTES: Startup Ecosystem Report – pesquisa feita pela Telefónica e pelo projeto Startup Genome em 20 polos de startups, em 12 países. O número em cada categoria indica o lugar obtido no ranking Março, 2014 pequenas empresas & grandes negócios 57 ESPECIAL Israel CHOQUE CULTURAL Empreendedor brasileiro + investidor sabra: vai rolar? UM PAÍS COM NOVOS HORIZONTES Os israelenses fazem das startups e da inovação um estilo de vida F ORMADO EM ENGENHARIA ELÉTRICA PELA Universidade Technion, o MIT do Oriente Médio, Yair Shamir, 68 anos, hoje Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Israel, fez uma brilhante carreira militar como piloto e comandante da Força Aérea. Depois de 25 anos, já com uma coleção de medalhas por sua atuação na Guerra dos Seis Dias (1967) e na Primeira Guerra do Líbano (1982), ele deixou voluntariamente o Exército para se dedicar ao mundo dos negócios. Na época, seu pai, o exprimeiro-ministro de Israel, Yitzhak Shamir, ficou meses sem falar com o filho. Para ele, a perspectiva de enriquecimento jamais deveria se sobrepor ao prazer de servir a nação. Mas Yair sempre disse que sua escolha não tinha nada a ver com ambição financeira, e sim com um propósito, o de promover a indústria do seu país. Conseguiu mais do que isso. Entre seus inúmeros papéis como businessman, todos bem-sucedidos, atuou como executivo, empreendedor e investidor. Quando deixou a cadeira de presidente das Indústrias Aeroespaciais de Israel (IAI), em 2011, por exemplo, a fabricante de jatos e aviões tinha alcançado lucro de US$ 94 milhões, ações lançadas em Bolsa e lugar de destaque na produção de drones — bem antes que a aeronave não-tripulada virasse hit em todo o mundo. Em pé no púlpito de uma das salas elegantes do Knesset, o Parlamento de Israel, em Jerusalém, o calmo Yair fala da passagem do tempo, e como os sonhos se renovam de uma geração para outra. “Dia desses, o mais velho dos meus sete netos, que tem apenas 13 anos, me perguntou: ‘Vovô, o que significa exit?’ Tive de arrumar um modo de explicar a ele que esse era um novo jeito de ficar rico. No fim do dia, quase todos os que lançam 58 pequenas empresas & grandes negócios Março, 2014 startups têm a intenção de fazer exit, ou seja, ser comprados por um grande grupo”, comenta ele, que permanece ativo no mundo dos negócios por meio do seu fundo de private equity Catalyst, focado em empresas inovadoras que têm por estratégia crescer em mercados emergentes, sem contar as inúmeras empresas onde atua como membro do Conselho Consultivo. O discurso de Yair não parece conter um juízo de valor, e ele prefere não entrar no arenoso território das ideologias. Mas abre uma fresta para entender por que “empresas” como os kibbutzim — que tanta importância tiveram na fundação de Israel, de clara inspiração socialista, e hoje pouco diferem de empresas capitalistas — estão atualmente perdendo espaço e importância para as startups. Na Universidade Hebraica de Jerusalém, top 100 do mundo no ranking do Financial Times, da qual saíram cinco ganhadores do Prêmio Nobel, os professores de MBA abrem suas aulas perguntando se todos conhecem o Waze. Os fundadores do aplicativo de trânsito vendido ao Google no ano passado por US$ 1,1 bilhão (veja matéria na página 64), Amir Shinar e Ehud FOTO: ILAN SHACHAM/ GETTY IMAGES PÔR DO SOL NO MEDITERRÂNEO A área portuária de Tel Aviv foi revitalizada e hoje atrai dezenas de startups de tecnologia A obra: Nação Empreendedora — O Milagre Econômico De Israel E O Que Ele Nos Ensina Autores: Dan Senor e Saul Singer. Editora Évora, 308 páginas Shabtai, reforçam as novas fileiras do clube dos milionários da tecnologia que inspiram admiração. Essa onda, na verdade, começou em meados dos anos 80. Do comitê de membros fundadores desse clube faz parte, por exemplo, o atual prefeito de Jerusalém, Nir Barkat, 55 anos, eleito no ano passado como a 43-ª pessoa mais influente do país, segundo o Jerusalem Post. Numa rota inversa à de Yair, Barkat fez fortuna nos negócios antes de ingressar na política, desenvolvendo os primeiros programas antivírus do mundo e investindo em empresas como a gigante Check Point, criadora do FireWall e avaliada hoje em US$ 5 bilhões. Foi também em meados da década que Dan Tolkowsky, 93 anos, o vovô das startups, fundou o Athena, o primeiro fundo a investir em pequenas empresas de tecnologia, que daria origem a um dos mais vigorosos sistemas de financiamento de negócios nascentes de todo o mundo. O movimento ganharia ainda maior volume no início da década de 90, quando o governo criou o lendário fundo Yozma, numa iniciativa liderada por Yagal Erlich, então Cientista-Chefe do país, e despejou US$ 100 milhões em “Na bagagem da minha visita a Israel, trouxe uma lição fundamental: objetividade. Embora os israelenses sejam informais demais para uma pessoa como eu, que valoriza o planejamento e algum senso de hierarquia, a franqueza extrema nos negócios impressiona. Pude vivenciar a chamada ‘chutzpah’ durante um jantar com os alunos de MBA Executivo da Universidade Hebraica de Jerusalém. Estávamos sentados à mesa havia uns 15 minutos, quando um rapaz se levantou subitamente da cadeira e pediu com certa rispidez para que minha colega trocasse de lugar. Alon, sócio de um fundo de venture capital* , tinha acabado de ouvir falar da minha startup e queria ficar frente a frente comigo. Justo? Uma vez sentado, adotando um tom entre objetivo e áspero, ele começou a fazer perguntas sobre o meu negócio. Não houve conversa jogada fora nem procrastinação, tão típicas dos brasileiros. O foco era na atratividade do negócio. Em minutos, marcamos uma nova reunião em um restaurante de Tel Aviv, com os respectivos sócios. Temos concepções diferentes de estratégia e ainda estamos em negociação. Pode ser que não dê certo, mas valeu a pena aprender que, combinando objetividade e ‘chutzpah’, é possível criar um ambiente empreendedor bem mais dinâmico que o Brasil.” Marcio Hamano, 35 anos, sóciofundador do qreservas, empresa de sistemas de reservas e gestão para pousadas e hostels. * Os nomes foram mantidos em sigilo a pedido do empreendedor Março, 2014 pequenas empresas & grandes negócios 59 ESPECIAL Israel 1. 4. O HOMEM QUE DEU CRÉDITO AO SONHO DO WAZE 5. 2. EM PAZ COM A VIDA Jovens em momento de descontração na sede da startup WIX (veja no quadro abaixo), onde quase tudo é permitido: (1) os funcionários podem tocar seu instrumento predileto no meio do expediente, (2) praticar ioga todas as manhãs no rooftop (3) e até mesmo levar seu cãozinho. Mas a equipe tem de combinar uma agenda: só entra um por dia. (4) A descontração dá o tom nas zonas próximas ao porto, onde ninguém tem medo de abrir o laptop e trabalhar, às vezes, pela madrugada afora. (5) A moderna aceleradora da Nielsen, que tenta atrair novos talentos pelo país. 3. startups, como aval para os investidores estrangeiros. Na mesma década, Israel recebeu 1 milhão de russos, que chegaram logo após a quebra da ex-URSS. Um em cada três deles era engenheiro ou técnico. Israelenses têm, de fato, uma cabeça pragmática. Nada afeitos à hierarquia e burocracias de qualquer espécie, adotam modelos simples quando o assunto é transferência de tecnologia. Na Universidade Hebraica de Jerusalém, quem cuida dessa tarefa é uma empresa criada justamente com essa finalidade, a Yussum. Orientado para a cooperação com empresas privadas, nacionais e internacionais de diferentes tamanhos, o país ocupa hoje o oitavo lugar no ranking que considera a cooperação entre empresas e universidades. A pesquisa é aberta e existem laboratórios privados nas principais universidades e centros de pesquisa. Até mesmo os professores são avaliados não apenas por seus papers, mas também pelo número de patentes e de startups criadas pelos alunos. “Temos setores jurídicos e de marketing que trabalham para transformar inovações acadêmicas em produtos comerciais. Em apenas cinco anos, contabilizamos 480 invenções, 850 pedidos de patente, sendo que 600 foram concedidos e 30 empresas foram estabelecidas”, diz o vice-reitor da Universidade Technion, Paul Feigin. Para Inbal Arieli, 38 anos, fundadora da Gammado, que ela denomina de “incubadora de elite”, devido ao extremo rigor na escolha das empresas, a cultura de inovação e empreendedorismo dos israelenses começa bem antes de eles chegarem ao Exército ou à universidade. Para sustentar sua tese, usa a própria família como exemplo. Contrapõe uma foto onde aparecem a avó centenária, sobrevivente dos campos de concentração nazistas, crianças em desalinho e outros parentes em poses descontraídas, jogados no chão, à outra, de uma comportada família suíça, onde todos estão sérios e sentados. Em outra sequência, seus filhos pequenos surgem literalmente brincando com fogo, e adolescentes parecem se divertir em brinquedos inventados por eles mesmos em um acampamento. “Nós educamos pessoas independentes, mas que têm um forte senso de colaboração. Não somos tão bons em detalhes, mas somos ótimos para criar um ambiente inovador,” afirma Inbal, que durante o serviço militar serviu na unidade de inteligência 8200, a qual até hoje é ligada pelo programa de capacitação em empreendedorismo e inovação criado pelos veteranos. O discurso familiar de Inbal guarda um dos pontoschave da forte cultura empreendedora do país. Ao mesmo tempo que estimulam a tomada de risco, em um saudável jogo de erros e tentativas, os israelenses não punem nem estigmatizam quem fracassa. Experiências malsucedidas podem até contar pontos no currículo: arriscar faz parte do mindset da sociedade. O gosto pelo caos criativo, contudo, tem lá suas desvantagens. Como sobra opinião e falta hierarquia, as empresas encontram mais dificuldades em criar e seguir processos, vitais para grandes organizações. Yahal Zilka, partner da Magma Ventures, um dos primeiros fundos a investir no Waze, conta que atualmente analisa, em média, 600 projetos por mês. Seu portfólio, contudo, não conta mais de 25 empresas. “Meu critério de seleção é simples: time, tecnologia e expertise. Mas quando os garotos do Waze chegaram até mim, o que mais me chamou a atenção foi a simplicidade. Eles só queriam ajudar as pessoas a fazer os próprios mapas dos lugares por onde passavam”, diz. DE ISRAEL PARA O MUNDO Da biotecnologia à segurança de redes, conheça 11 startups israelenses que cresceram e se destacam no mercado internacional 60 pequenas empresas & grandes negócios Março, 2014 www.wix.com www.checkpoint.com www.carambo.la www.amdocs.com www.viber.com USADO POR MAIS DE 40 MILHÕES DE PESSOAS, o sistema de construção de sites captou US$ 122 milhões em sua estreia na NASDAQ, em novembro passado. Depois do IPO — o maior já registrado por uma startup israelense — o serviço passou a ser avaliado em US$ 750 milhões AS SOLUÇÕES DE SEGURANÇA VIRTUAL da empresa são desenvolvidas por ex-militares e adotadas por governos e corporações do mundo inteiro — a base atual é de aproximadamente 100 mil clientes. A equipe de 2.900 funcionários está dividida entre os escritórios de Tel Aviv e de San Carlos (Califórnia, EUA). Em 2013, faturou US$ 1,3 bilhão. PARTICIPANTE DO PROGRAMA da aceleradora 8200 EISP, criou uma plataforma de conteúdo patrocinado para vídeos online. Voltada para dispositivos móveis, computadores e smart TVs, a tecnologia atraiu o interesse dos fundos Rutledge Vine Capital, Plus Ventures e Explore, que investiram US$ 1 milhão na startup em julho de 2013. A DESENVOLVEDORA DE SOFTWARE para o setor de telefonia é um dos maiores e mais antigos cases de sucesso de Israel. Fundada em 1982, fatura US$ 3,3 bilhões por ano e atua em 70 países. Entre os seus clientes, estão empresas como AT&T, Vodafone e Nextel. Em 2012, inaugurou um centro de inovação em São Carlos, no interior paulista. COM 300 MILHÕES de usuários — 10 milhões deles no Brasil —, o aplicativo é um dos protagonistas do mercado de mensageiros virtuais. Em fevereiro, foi comprado pela gigante Rakuten, por US$ 900 milhões. No mesmo mês, o fundador Talmon Marco, 40 anos, esteve no país e anunciou a abertura de um escritório em São Paulo. WIX CHECKPOINT CARAMBOLA FOTOS: DIVULGAÇÃO AMDOCS VIBER Março, 2014 pequenas empresas & grandes negócios 61 ESPECIAL Israel “NOSSOS ESTUDANTES JOGAM O JOGO DA VIDA REAL” Pontes entre o mundo acadêmico e o mercado fazem com que ideias inovadoras se transformem em projetos atraentes para investidores Sheizaf Rafaeli QUEM É: Diretor do Centro de Pesquisas em Internet da Escola de Negócios da Universidade de Haifa TERRA DE GIGANTES Multinacionais de tecnologia, como o Google (à esq.) e a Intel (à dir.) mantêm importantes centros de pesquisa e desenvolvimento na área apelidada de Silicon Wadi. As empresas sabem que vão contar com mão de obra qualificada e com o apoio do governo e das universidades Um desafio para o governo, nos próximos anos, será o de alocar os dois grupos populacionais que mais crescem no país, e caminham à margem da indústria de tecnologia: os árabes-israelenses e os judeus ultraortodoxos, que têm importantes lacunas de formação em disciplinas como ciências e inglês. Mas a passagem compulsória pelas Forças Armadas, de três anos para os homens e dois para as mulheres, ainda é considerada a melhor escola de empreendedorismo. “O Exército é uma excelente preparação para quem quer montar uma empresa. É onde aprendemos a lidar com pressão e a tomar decisões rápidas”, diz Avner Valkany, piloto que ficou famoso depois de desobedecer seu comandante e promover uma fuga cinematográfica durante os conflitos no Líbano, em 2006 — mais tarde, viraria personagem de um livro escrito por Dan Senor e Saul Singer, Nação Empreende dora. O empreendedor Yuval Susskind, fundador da empresa de energia solar Aora, 43 anos, acrescenta mais uma vantagem: “Aqui, não precisamos do LinkedIn. Todo mundo conhece todo mundo e, por isso, criamos fortes laços de confiança”, diz, brincando. Segundo ele, a teoria dos seis graus de separação entre pessoas não funciona por ali: “Aqui, é só um e meio”. A verdade é que, em Israel, os empreendedores são todos um. * A jornalista viajou a Israel com o apoio da FGV (Fundação Getulio Vargas), da Universidade Hebraica de Jerusalém e da Conib (Confederação Israelita do Brasil) Como funciona o ecossistema de inovação em Israel? Inovadores e inventores trabalham em todas as áreas de conhecimento. Alguns são funcionários de grandes empresas, nas áreas de defesa, agricultura e farmácia, por exemplo. Inovações nessas áreas exigem grandes laboratórios, regulação e esforços. E nós temos tudo isso. Temos também muitos “inovadores de garagem”, gente da área de tecnologia que faz progressos relevantes mesmo com pouco capital. Como o governo facilita o processo? Existe um gigantesco esforço do governo em criar demanda, além de financiar e monitorar o trabalho das grandes indústrias e de suas inovações. No passado, o governo foi também o maior empregador do país em alguns setores da economia, e ainda hoje é um dos maiores clientes das empresas. Os estudantes israelenses chegam mais tarde à universidade. Isso é uma vantagem ou desvantagem? Sim, eles chegam mais velhos à universidade, cerca de quatro ou cinco anos, em comparação a outros países. Mas ainda em tempo de serem permeáveis a novas ideias e assumir uma postura investigativa. As universidades funcionam como aceleradoras para novas mentes, hothouses que estimulam a inovação. Em Israel, os estudantes jogam o jogo da vida real, e não apenas o acadêmico. Todas as universidades contam com as chamadas unidades de transferência de conhecimento. E todas têm programas bem estruturados de inovação e de empreendedorismo. É esse triângulo, que em um vértice tem os inovadores, no outro os subsídios e as poLEIA MAIS líticas encorajadoras do goveranálises sobre no, e no terceiro os esforços da Israel e informações academia, que beneficia todo para quem tem o mercado e atrai os investidoa intenção de res. Dessa forma, todos os enfazer negócios volvidos no ecossistema cono país em lhem bons frutos. glo.bo/1h61ReN www.trusteer.com www.conduit.com www.vecoy.com www.onavo.com www.scaleio.com www.fiverr.com DEPOIS DE SER COMPRADA por US$ 800 milhões pela IBM, a startup de segurança digital transferiu suas operações para Boston, nos Estados Unidos, em setembro de 2013. Os produtos da empresa incluem soluções para o consumidor final e para o mercado B2B, como programas antivírus, prevenção a ataques de hackers e gestão de fraude para o varejo. PLATAFORMA DE DESENVOLVIMENTO de aplicativos para pequenos e médios empreendedores. Nos últimos sete anos, levantou US$ 110 milhões em fundos e bancos de investimento americanos — o valor de mercado da empresa é de aproximadamente US$ 1,5 bilhão. Atualmente, os apps criados pelo sistema são usados por 250 milhões de pessoas. REPRESENTANTE DA NOVA geração israelense de biotecnologia, desenvolve nanopartículas para combater doenças como Aids e hepatite. Ainda em fase de desenvolvimento — os primeiros testes em pacientes devem acontecer apenas em 2018 —, o tratamento combate os vírus antes que atinjam as células humanas. O APLICATIVO MONITORA, protege e melhora o desempenho de planos de dados para usuários de smartphones. Em novembro, foi comprado por US$ 120 milhões pelo Facebook. Além de implementar o programa em sua estratégia mobile, a rede social aproveitou a aquisição para inaugurar um escritório em Tel Aviv. A TECNOLOGIA CRIADA pela ScaleiO melhora o desempenho de servidores e facilita a transferência de dados na nuvem. Em junho de 2013, teve a sua operação incorporada pela EMC, gigante americana de cloudcomputing. O valor da transação foi estimado em US$ 250 milhões. O MARKETPLACE de serviços ficou famoso por reunir ofertas de apenas US$ 5. Em 2012, recebeu um aporte de US$ 15 milhões dos fundos Accel e Bessemer Venture Partners. O dinheiro foi aplicado na expansão internacional — hoje, o site reúne usuários de 200 países. TRUSTEER 62 pequenas empresas & grandes negócios Março, 2014 CONDUIT VECOY FOTOS: XINHUA NEWS AGENCY / EYEVINE/ OTHER E DIVULGAÇÃO ONAVO SCALEIO FIVERR Março, 2014 pequenas empresas & grandes negócios 63