II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem:
Diversidade, Ensino e Linguagem
06 a 08 de outubro de 2010
UNIOESTE - Cascavel / PR
CONSTRUÇÃO DE PERSONAGENS FEMININAS EM ACASOS PENSADOS,
DE LUCI COLLIN
ARAUJO, Adriana Lopes de (PG-UEM)
ZOLIN, Lúcia Osana (coautor - UEM)
RESUMO: Historicamente, a mulher foi sempre mantida como uma figura emudecida
e marginalizada em todos os aspectos. Tomada, todavia, a partir de uma suposta
fragilidade e incapacidade de viver fora do domínio patriarcal que implicou no
sacrifício à própria identidade. Para tanto, tem-se atualmente a procura desesperada por
autenticidade e independência, que consiste o sujeito ativo. Nossa proposta, assim, é
tecer considerações acerca das personagens femininas que integram contos de Acasos
pensados (2008), da autora paranaense Luci Collin, a fim de evidenciar como tais
personagens são construídas e representadas ao longo da narrativa, se reduplicam,
questionam ou ironizam as relações de gênero. Em vista disso é que o estudo se insere
no âmbito dos estudos de gênero e da teoria crítica feminista. Importa salientar, ainda,
que a análise refere-se a um primeiro momento do projeto de pesquisa intitulado A
personagem na literatura de autoria feminina paranaense contemporânea, coordenado
pela professora Lúcia Osana Zolin e com o apoio da Fundação Araucária. O projeto
objetiva um estudo acerca da personagem que compõe a prosa de ficção contemporânea
(publicada a partir dos anos 1970), de autoria feminina, no Paraná para, posteriormente,
organizar um banco de dados a ser disponibilizado com vistas a pesquisas futuras mais
específicas.
PALAVRAS-CHAVE: Construção; personagem feminina; Acasos pensados, Luci
Collin.
Acasos pensados (2008), coletânea de contos da autora paranaense Luci Collin,
apresenta narrativas que assumem diferentes formas, tais como a de um “diário íntimo,
passando pelo verso, pela enciclopédia, a entrevista, numa tessitura experimental
curiosa, quase um almanaque de composições” (TEIXEIRA, 2008, p. 75). A prosa da
escritora, desse modo, apresenta enredos muitas vezes fragmentados, com múltiplas
intertextualidades. A partir dos conceitos empreendidos pela Teoria Crítica Feminista é
que se pretende tecer considerações acerca das personagens femininas que integram
contos de Acasos pensados (2008) entre eles, Daqui e Fotinha, a fim de evidenciar
como tais personagens são construídas e representadas ao longo da narrativa, se
reduplicam, questionam ou ironizam as relações de gênero.
O cânone literário ocidental, historicamente formado por homens, brancos e de
classe média/alta correspondeu a uma das extensões do discurso dominante. Todavia,
não se restringia apenas às questões estéticas do texto literário, mas também a fatores
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sociais e morais do universo da crítica. Para tanto, eram regulados por uma ideologia de
exclusão aos escritos das mulheres, das etnias não-brancas. Enfim, todos aqueles que
eram considerados minorias não pertenciam à lista.
Sendo assim, a Crítica Feminista além de promover, em seu bojo, o
desmantelamento das amarras do patriarcalismo que manteve a mulher, durante um
longo período da história à margem, como um ser submisso e sem direito à voz,
impulsiona a emancipação da mulher na literatura quando, a partir de 1960,
pesquisadoras (es) voltadas (os) para as discussões do movimento feminista começaram
a (re) elaborar uma crítica literária que buscasse interpretar as obras de autoria feminina
analisando-as de modo diferenciado da escrita masculina e sendo ela, muitas vezes,
influenciada pelas vivências dessas escritoras.
Desse modo, a inauguração da Crítica Feminista, por volta de 1970, fez emergir
uma tradição literária de autoria feminina que promoveu a reavaliação e redescoberta
desses textos, assim como a releitura de obras do ponto de vista da mulher resultando
em uma subversão ao cânone.
Para tanto, tem-se em um primeiro momento a percepção de que a mulher
enquanto leitora e escritora possuía uma experiência diferente da masculina, o que
“implicou significativas mudanças no campo intelectual, marcadas pela quebra de
paradigmas e pela descoberta de novos horizontes de expectativas” (ZOLIN, 2009, p.
217).
Em uma segunda fase, todavia, a intenção era demonstrar que as mulheres
tinham sua escrita marcada pelo gênero e que, portanto, seria importante o destaque ao
texto de autoria feminina. Já em um terceiro instante, a crítica feminista propôs uma
revisão sistemática dos conceitos hegemônicos e patriarcais predominantes em vários
campos sociais e culturais, com vista ao reconhecimento da produção literária feita por
mulheres.
Com o passar do tempo, a crítica feminista expandiu-se e passou a enfatizar
quatro enfoques principais com o objetivo de investigar a literatura produzida por
mulheres. São eles: o biológico, o lingüístico, o psicanalítico e o político-cultural. O
primeiro enfoque, o biológico, tem sido utilizado por homens através da justificativa de
“tomar o corpo da mulher como o seu destino e, portanto, de aceitar os papéis a ela
atribuídos como sendo da ordem da natureza” (ZOLIN, 2009, p. 227). Não obstante, dáISSN 2178-8200
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se a desconstrução desse argumento quando algumas feministas radicais entendem os
atributos biológicos da mulher como sendo superior e não inferior como constata o
discurso falocêntrico.
O enfoque lingüístico volta-se para discussões que buscam responder se homens
e mulheres utilizam a língua de forma distinta. Assim como observa Zolin (IBIDEM, p.
227), no caso de uma resposta afirmativa “tais diferenças [...] seriam teorizadas em
termos de biologia, de socialização ou de cultura”. Ademais, esse enfoque privilegia
também questões relacionadas à ideologia dominante.
Quanto ao campo psicanalítico, situado na diferença na psique do autor e na
relação do gênero com o processo de criação, tomaram-se como base os pressupostos de
Lacan e Freud propondo um estudo acerca da escrita feminina. E por último o enfoque
político-cultural que, apoiando-se nas tendências marxistas, estabelece a relação gênero
e classe social, sendo bastante evidente no romance em estudo.
Embora os estudos a respeito da mulher e sua representação na literatura
constem a partir de 1970 nos Estados Unidos e Europa, no Brasil essa discussão figurase recente. Contudo, é imperativo destacar que cada vez mais o tema tem sido objeto de
inúmeras pesquisas. O desenvolvimento desses estudos, assim, nos permite falar, como
considera Zolin (IBIDEM, p. 240), “na crítica literária feminista no Brasil como algo
consolidado”.
Vale destacar, todavia, que os textos de autoria feminina permaneceram, durante
um longo período, perdidos ou esquecidos. Sua redescoberta, portanto, provocou o
desenvolvimento da Crítica Literária Feminista. A esse respeito, Pratt (apud BONNICI,
1997, p. 28) considera que tais textos “não eram nem perdidos nem esquecidos, mas
simplesmente suprimidos porque [...] eram altamente críticos para sobreviver à crítica
masculina”.
Os primeiros textos literários escritos por mulheres no Brasil apontam para
figuras femininas silenciadas pela sociedade patriarcal, presas à ideologia dominante.
Nesse contexto, há a reduplicação dos valores vigentes que conduzia a mulher à
alteridade.
Na metade do século XX, portanto, com a publicação de Perto do coração
selvagem (1944), Clarice Lispector inaugura uma nova fase da literatura brasileira de
autoria feminina. Há, nesse momento, o desnudamento da ideologia dominante
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promovendo, assim, discussões a respeito da dominação masculina e da opressão
feminina. A literatura passou, então, a representar a mulher sob uma ótica diferente
daquela tradicional patriarcal que permeava a literatura anterior. Sendo assim, se no
passado a literatura produzida por homens e mulheres reproduzia a ideologia patriarcal,
que conduzia a mulher à submissão e à marginalidade, a literatura de autoria feminina
contemporânea propõe um questionamento da condição feminina. Para tanto, traz em
seu bojo questões como representação, identidade e diferença. Destaca-se, portanto,
que tais textos apresentam temas que não dizem respeito apenas às mulheres, mas à
humanidade em geral, isto é universais. Luci Collin possui livros publicados em forma
de prosa e de verso. É, também, ganhadora de diversos prêmios em concursos de
literatura no Brasil e nos EUA. Seus escritos, todavia, são marcados pela fragmentação,
exploração de temas não usuais, ironia, manipulação sintática e semântica, ou seja,
adquirem um caráter experimental.
Quando indagada em uma entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão
(COLLIN, 2005, p.1), sobre o caráter transgressor de sua obra, a autora afirma que
“antes de representarem transgressão, são apenas „regressão‟, não no sentido de
„regredir‟, mas de „regressar‟, regressar a um experimentalismo”. A autora considera,
ainda, que esse caráter experimental pôde ser visto na linguagem moderna porém, foi
abandonado “por muitos pós-modernos confortavelmente estacionados na linearidade e
num realismo que em nada correspondem à realidade”. Para Luci Collin, portanto, o
fazer literário realiza-se como um território a ser explorado.
Narrado em primeira pessoa, o conto Daqui evidencia uma personagem
protagonista inominada que (sobre)vive com a família em uma aldeia distante. Diante
de uma situação de miséria e fome, nos é apresentada sua família e o contexto em que
está inserida. Dessa forma, importa salientar uma das primeiras informações que a
narrativa desnuda, como sendo a incerteza da própria personagem em relação à sua
idade. Assim ela afirma: “Não sei quantos anos eu tenho. Sete talvez” (COLLIN, 2008,
p. 35). E continua: “Tenho dez anos talvez” (IBIDEM, p. 36); “Eu tenho doze anos
talvez” (IBIDEM, p. 37). Apesar de ser citada repetidas vezes durante o conto, a dúvida
em relação à idade pode ser compreendida como um fato não trivial para a menina, uma
vez que o que importa para ela é ter uma individualidade, acreditar que pode ter algo
que seja tão somente seu. Sendo assim, é possível destacar a passagem: “Vou trabalhar
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em Seaba porque tem o porto. E o Arouj disse que é de lá que saem os barcos. Depois
de três semanas os barcos chegam na cidade . Lá cada pessoa come num prato só seu. E
é isso que eu mais quero ver” (COLLIN, 2008, p. 38). A personagem protagonista
anseia fugir para a cidade que viu na revista de seu irmão Arouj. Vale destacar, todavia,
que o que ela almeja não é, em princípio, poder se alimentar em seu próprio prato, mas
sim crer que isso é possível. Na aldeia em que vive, ela cita que todos da família comem
em um único e enorme prato. Ao gesto da mãe, “cada um avança com sua colher de
madeira e se serve” (IBIDEM, p. 35).
Assim, a figura materna, entre outros, evidencia-se como uma representação da
difícil situação vivida naquele lugar. É, portanto, descrita como sendo muito magra e
sempre calada. É, ademais, na esfera doméstica que possui voz, sendo aquela que diz
quando todos podem começar a comer. Além disso, o lenço que trazia na cabeça,
cobrindo todo o seu cabelo, demonstra uma mulher voltada para os afazeres do lar, o
que aponta para uma reduplicação do estereótipo patriarcal. Destaca-se, dessa forma,
que a mãe da personagem protagonista descortina a imagem de mulher doméstica, assim
definida por Susana Pravaz (1981). Para esse estilo de mulher, enquanto o marido
realiza o trabalho dito como fora de casa, ela é reconhecida, conforme Susana Pravaz,
como a concavidade, o Dentro. Para a autora (PRAVAZ, op.cit, p.56), “é no lar, [...]
onde pode mostrar toda a sua riqueza, sua generosidade e sua capacidade protetora, que
permite o crescimento daquela que ela contém, seres carentes que necessitam dela”.
Entende-se, desse modo, que a mãe possuía um poder velado que, embora tivesse
autonomia na esfera doméstica, ou seja, atuando nos bastidores, não tinha voz em
relação às grandes decisões familiares.
A mãe teve dez filhos. Como considera a narradora: “Felizmente a maioria é de
homens - só nós três que não” (COLLIN, 2008, p. 35). O advérbio utilizado revela,
assim, que a personagem protagonista compreende os papéis sociais pré estabelecidos
tanto para o homem como para a mulher. No meio em que está inserida, cabe à figura
feminina ser obediente e submissa aos padrões vigentes. Ela tem, portanto, que lidar
com fatores de objetificação. Em sua família, enquanto as mulheres permanecem
somente no espaço do lar, os homens vão à guerra, viajam para outros lugares, o que
lhes confere uma autonomia. Ao longo da narrativa, é possível verificar essa distinção
dos papéis sociais em que a mulher é sempre mantida como uma figura emudecida e
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marginalizada em todos os aspectos. Tomada, ademais, a partir de uma suposta
fragilidade e incapacidade de viver fora do domínio patriarcal que implicou no
sacrifício à própria identidade.
Diante dessa questão, Saffioti (1992) considera que não somente homens, mas
também as mulheres são portadoras da ideologia machista. Para tanto, “não basta que
um dos gêneros conheça e pratique atribuições que lhes são conferidas pela sociedade, é
imprescindível que cada gênero conheça as responsabilidades do outro gênero”
(SAFFIOTI, 1992, p. 10). Nesse contexto, tem-se nas relações de gênero o reflexo da
concepção de gênero internalizada tanto pelo homem como pela mulher.
Nesse sentido, Joan Scott (apud FISCHER; MARQUES, 2001) propõe uma
análise do gênero como elemento constitutivo das relações sociais, a fim de explicar a
subordinação da mulher e a dominação dos homens. No que concerne a essa questão, a
autora fundamenta suas abordagens a partir de eixos teóricos que, entre outros, afirmam
que a perspectiva de gênero permite entender as relações sociais entre homens e
mulheres, o que pressupõe mudanças e permanências e que
as relações de gênero, como relações de poder, são marcadas por
hierarquias, obediências e desigualdades. Estão presentes os conflitos,
tensões, negociações, alianças, seja através da manutenção dos
poderes masculinos, seja na luta das mulheres pela ampliação e busca
do poder (SCOTT apud FISCHER; MARQUES, 2001).
Contudo, vale destacar que a posição atribuída à mulher no meio social desde
sua infância até a vida adulta é fundamental para a percepção de como opera a ideologia
do gênero.
O destino imposto pela sociedade para a mulher é o casamento. Este, todavia,
apresentava-se naquele meio social, muitas vezes, como sendo arranjado. Casavam-nas
no intuito de terem uma existência melhor, fora daquele lugar, da casa patriarcal. Isso
acontece com a irmã da personagem protagonista: “Casaram a Nastiha com um homem
que levou ela embora num cavalo baio” (COLLIN, 2008, p, 37). O casamento, ademais,
apresenta-se de modo diferente ao homem. Simone de Beauvoir (1980, p. 166) postula
que “ambos os sexos são necessários um ao outro, mas essa necessidade nunca
engendrou nenhuma reciprocidade”. É dessa forma que a mulher tem no casamento, a
justificativa social de sua existência. Uma vez inserida dentro dos padrões preconizados
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pela sociedade é que ela volta-se à imanência, ou seja, assume o papel da perpetuação
da espécie e manutenção do lar. O casamento faz da mulher dona de um lar. Seu
destino, assim, é o de cuidar da casa, educar os filhos, ou seja, perpetuar a tradição de
mulher doméstica.
O que se verifica na narrativa é que a mulher doméstica, dada em casamento
pelos pais, demonstra ser por vezes passiva, com uma independência interiorizada.
Porém, o casamento apresenta-se como a única carreira para as mulheres da aldeia. De
acordo com Lúcia Zolin (2004, p.165), “personagens femininas tradicionalmente
construídas submissas, dependentes econômica e psicologicamente do homem, [...]
passam paulatinamente, a ser engendradas como sendo conscientes de sua
objetificação”. É o que acontece com Nastiha, irmã da personagem protagonista. Ela,
todavia, aceita a condição de marginalidade sem questionar.
Além disso, Simone de Beauvoir (1980, p. 87) explica que “certas moças
experimentam mais concretamente a necessidade de um guia, de um senhor. No
momento em que escapam ao domínio dos pais, sentem-se inteiramente embaraçadas
com uma autonomia a que não foram habituadas”. A irmã da protagonista, desse modo,
engendra sua vida à de um homem por vezes desconhecido. A narradora, por sua vez,
não prevê o mesmo destino que a irmã obteve: “Daqui a dois anos, vou fugir desse
lugar. Antes que o pai me case” (COLLIN, 2008, p. 38). É assim, retratada como
sujeito ativo, pessoal, que rompe com os contatos e as expectativas sociais. Ela,
ademais, não se vê inferiorizada diante do masculino e considera: “Os homens daqui
não sabem fazer muita coisa” (IBIDEM, p. 36). Sendo assim, importa salientar que a
protagonista reconhece a importância da conscientização da posição marginalizada e
oprimida da mulher como ponto de partida para a sua emancipação.
A visão de uma figura feminina desafiadora, que não se intimida pelo sistema
hegemônico masculino não acontece em Fotinha. Narrado também em primeira pessoa,
o conto desnuda uma personagem protagonista permeada pela ingenuidade que termina
por velá-la da ambição e da maldade que estão ao seu redor. É assim, tida como uma
figura marginalizada, excluída, subalterna, que não reconhece sua posição de alteridade.
Assim como a personagem de Daqui, a protagonista vive em uma casa distante
da cidade. A linguagem utilizada pela narradora, por sua vez, demonstra um cenário
rural. Ademais, a opção ficcional se atém ao jogo de rememorações e reflexões,
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instantâneas e cortadas, de certas situações que compõem o microcosmo da personagem
e que evidenciam sua inocência e simplicidade.
A irmã da protagonista, Lisolete, mudou-se para a cidade. Para obter alguma
ascensão financeira resolve se prostituir, mudando seu nome para Tati, o que torna
motivo de briga para com a irmã, uma vez que a personagem narradora se acostumou a
chamá-la de Lete.
A prostituta, a amante, são convencidas da rejeição de uma existência autônoma
na vida. Susana Pravaz (1981, p. 79), fala sobre o anseio da mulher sensual. Ela diz que
esta “buscará ser contida pelos homens, o abraço masculino ocupar o lugar da nostalgia
materna. Buscará seduzir, conquistar, penetrar no homem e, através dele, entrar num
ansiado corpo feminino, agora o seu próprio corpo”. O corpo para a figura sensual é,
desse modo, instrumento de poder. É com ele que ela conquista e domina os homens.
Verifica-se, assim, que o corpo desse estilo de mulher, mesmo com uma intenção que é
a de aparecer, tem, em seu desenho, o molde escravizado.
A ingenuidade da personagem narradora, causada também pelo pouco estudo,
não permite que ela compreenda o que está diante de seu olhar. Quando diz: “A Lete
também é fraca da saúde que eu sempre vejo ela se espetando injeção na veia do braço
dela quando vem aqui. Deve ser uma coisa nos osso, acho. Mas não dói ela falou. Mas
acho que dói porque ela fica um tempão com os olhos vidrado” (COLLIN, 2008, p. 73);
“Será que a dor dela é nas junta dos braço? Deve de ser. As veia tá até pelotada.”
(IBIDEM, p. 74). O não conhecimento do que sejam drogas injetáveis, portanto, faz
com que a personagem entenda o ato da irmã como um problema de saúde.
Outro fato que o conto suscita e que permanece indefinido é o da protagonista ir
todos os dias na casa de um velho e sua irmã receber por isso. Ao ordenar que a
personagem narradora nunca vá de óculos, que fa
“E eu
tomo tudo dia um remédio daqueles de cumprimido que a Lete traz pra mim bem certo a
cartelinha de cada dia completando perto dum mês [
, ocasiona alguns questionamentos que,
todavia, não se solucionam ao longo da narrativa. O pensamento de que o velho poderia
ser, talvez, um aliciador desconstrói-se na fala da narradora que afirma que ele era
bondoso e que a chamou, uma vez, de filha, o que expõe um momento de saudade da
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que viera a falecer. Por outro lado não se pode descartar a possibilidade da
interpretação, uma vez que ele a mandava fazer coisas consideradas, por ela, esquisitas.
Antes de sua mãe falecer, pediu a ela que fizesse tudo o que a irmã mandasse. A
partir daí, a protagonista obedece sem contrariar.
No entanto, Lisonete abusa da
condição de superioridade em relação à narradora. Muitas vezes maltrata a irmã
colocando, desse modo, a personagem protagonista em uma posição inferior. Além
disso, em relação ao casamento, afirma que a garota nunca encontrará alguém que
queira se casar com ela. Enquanto Lisonete não se volta para o casamento, a
personagem narradora o idealiza e pretende não só assumir o papel de esposa como o de
mãe: “Eu quero ter família grande. Encher a casa de filho para não acabar olhando pros
móvel sozinha” (COLLIN, 2008, p. 75). O que revela um pensamento paradoxal entre
as irmãs.
Sendo assim, importa salientar que os contos analisados, extraídos da coletânea
Acasos pensados, evidenciam personagens femininas que tanto reproduzem o sistema
patriarcal, revelando-se como inferiores, submissas, como também manifestam o desejo
de romper com a pressão do paradigma falocêntrico. O que a personagem protagonista
de Daqui anseia é ser sujeito ativo na história e não permanecer à margem, emudecida
no meio social, enquanto que a narradora de Fotinha provém de uma linhagem de
mulheres, como é o caso de sua mãe, que não questionam e aceitam como natural a
posição de marginalizadas, o que a diferencia, mais uma vez, da personagem
protagonista de Daqui que enxerga a situação da mulher no sistema hegemônico
masculino como ponto de partida para a sua emancipação.
Referências
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BONNICI, Thomas. Teoria e crítica literária feminista: conceitos e tendências.
Maringá: Eduem, 2007.
COLLIN, Luci. Acasos pensados. Curitiba: Kafka Edições, 2008.
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Literatura., jun. 2005. Disponível em:
<http://www.germinaliteratura.com.br/pcruzadas_jun2005.htm>. Acesso em: 01/ jun./
2010.
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FISCHER, Izaura Rufino; MARQUES, Fernanda. Gênero e exclusão social., Recife,
PE:
Fundação
Joaquim
Nabuco,
n.113,
ago.2001.
Disponível
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<http://www.fundaj.gov.br/tpd/113.html>. Acesso em: 8/mai./2010.
PRAVAZ, Susana. Três estilos de mulher: A doméstica, a sensual, a combativa. Rio de
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SAFFIOTI, H.I.B. Rearticulando gênero e classe social. In: COSTA, A.O.;
BRUSCHINI, C. (Orgs.). Uma questão de gênero. São Paulo; Rio de Janeiro: Rosa dos
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TEIXEIRA. Níncia C. R. Borges. Acasos pensados: Luci Collin e a alquimia das letras.
Revista de Letras. Taguatinga, DF: Universidade Católica de Brasília, v. 1, n. 2, p. 7477, 2008. Disponível em: http://portalrevistas.ucb.br/index.php/RL/article/viewFile/946/826>.
Acesso em: 12/ago./ 2010.
ZOLIN, Lúcia Osana. Crítica feminista. In: BONNICI, T.; ZOLIN, L. O. (Orgs.).
Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. 2 ed. Maringá:
Eduem, 2004. p. 217.
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