VI Simpósio Ítalo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental
I–023- CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROBLEMA DO ARSÊNIO EM ÁGUAS
DE ABASTECIMENTO
Eduardo von Sperling
Engenheiro Civil e Sanitarista (UFMG), Mestre em Engenharia Sanitária (UFMG), Doutor em Ecologia
Aquática (Universidade Técnica de Berlim), Professor Titular do Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais.
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RESUMO
O trabalho apresenta informações atualizadas sobre a grave questão do arsênio em águas de abastecimento.
São feitas considerações sobre as características químicas deste elemento e sobre seu potencial de toxicidade
em águas naturais. É discutido o caso da arseniose em grande parte da população de Bangladesh, em um
episódio que é considerado como a maior contaminação coletiva da história da humanidade. Finalmente é
apresentado um resumo das principais técnicas para remoção do arsênio presente em águas de abastecimento.
PALAVRAS-CHAVE: Arsênio; abastecimento de água; tratamento de água
INTRODUÇÃO
A presença de metais pesados e outros contaminantes metálicos em águas de abastecimento tem sido uma
constante preocupação no âmbito da Engenharia Sanitária. Alguns elementos podem apresentar, dependendo
da sua composição química, um forte potencial de toxicidade, o que leva ao estabelecimento de restritos
limites de concentração constantes dos chamados padrões de potabilidade. Muitos destes elementos
apresentam no entanto uma presença limitada na crosta terrestre, o que reduz sobremaneira a possibilidade de
ocorrências de contaminações naturais. Este não é no entanto o caso do arsênio, encontrado com fartura em
diversos tipos de solos e que pode provocar graves danos à saúde da população se não houver um rígido
controle da sua presença na água distribuida.
ARSÊNIO EM ÁGUAS NATURAIS
O arsênio é um metalóide sólido, cristalino, acinzentado, com as valências químicas de –3, 0, + 3 e + 5. Seu
forte potencial de toxicidade está espelhado inclusive no nome do elemento, derivado provavelmente da
palavra grega arsenikós, que significa “forte, viril” ou alternativamente do persa sar (ouro), devido à cor
dourada de muitos compostos minerais de arsênio. O predomínio de uma determinada forma química de
arsênio no ambiente aquático depende essencialmente do pH e do potencial redox do meio. A valência 5
engloba os compostos de arsênio ligados a formas orgânicas, ao passo que na valência 3 o arsênio é
convertido a hidretos voláteis. O arsênio é usado na fabricação de ligas metálicas, pigmentos, vidros,
pesticidas e, curiosamente, pode fazer parte de ração animal, já que sua presença, em pequenas concentrações,
favorece o processo de crescimento. Ele é encontrado no solo, em águas subterrâneas e superficiais, na
atmosfera (originário da queima de combustíveis fósseis) e nos alimentos, notadamente ostras e crustáceos.
Informações referentes ao consumo de arsênio pela população norte-americana (AWWA,1999) indicam a
ingestão média alimentar per capita de 50 mg/d, sendo que 50 % deste valor é originário do consumo de
organismos aquáticos.. A atual compreensão mais avançada dos problemas provocados pela ingestão de
arsênio via água potável, levou o Ministério da Saúde do Brasil a reduzir o limite de potabilidade na recente
Portaria 1469/00, na qual é estabelecida a concentração máxima de 0,01 mg/l, portanto cinco vezes inferior ao
limite anterior (Portaria 36/90). Na Resolução CONAMA 20/86 o limite para as Classes 1,2 e 3 é de 0,05
mg/l.
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A toxicidade do arsênio, assim como ocorre para outros metalóides e para os metais pesados, é maior em
temperaturas mais elevadas e também em águas brandas e de pH ácido. Os efeitos da ingestão acentuada de
arsênio, que ocorre principalmente pelo consumo de águas ricas neste elemento, estão associados ao
desenvolvimento de tumores, notadamente nos rins e no fígado, além da formação de ceratoses, que consistem
no crescimento anormal de substância córnea na epiderme, semelhantes a grandes calosidades. A intoxicação
por arsênio (arsenicose) induz ainda a distúrbios gastro-intestinais e a danos cardíacos de magnitude
variada.(Canadian Council, 1999). Neste aspecto cabe destacar a contaminação por arsênio ocorrida em
Bangladesh ao longo das três últimas décadas. Após a independência do país, em 1971, sucedendo-se a um
sangrento conflito com o Paquistão, houve uma grande ajuda internacional para ajudar na reconstrução de
cidades e no desenvolvimento de uma das mais pobres e carentes populações do planeta. As ajudas eram
proveniente principalmente de ONGs, que cuidavam inclusive da crucial questão do abastecimento de água, já
que a maioria dos rios que aportam ao país, localizado no enorme delta do Rio Ganges, estavam fortemente
contaminados por patogênicos originários do recebimento de esgotos na região de montante, situada na India.
Houve assim a perfuração de uma grande quantidade de poços, estimada entre 6 e 11 milhões (Kinniburg et.
al., 2000) principalmente para o abastecimento de pequenas comunidades no interior do país, cuja população
total é de 125 milhões de pessoas. Muito embora a água subterrânea tivesse uma qualidade bacteriológica
incomparavelmente superior àquela das águas superficiais, não foi feito o adequado monitoramento da
eventual presença de metais pesados. Após 25 anos de intensa exploração de águas subterrâneas para fins de
abastecimento, constatou-se que o solo do país, formado em larga escala por sedimentos jovens (aluviões do
período holoceno) era extremamente rico em arsênio, de origem portanto absolutamente natural. Estima-se
que cerca de 35 milhões de pessoas tenham ingerido por três décadas águas com teor de arsênio superior a
0,05 mg/l, com valores frequentemente bastante mais elevados. Há estudos (Sutherland e Woolgar, 2001) que
avaliam em 80 milhões a população total sujeita aos danos provocados pelo excesso de arsênio. Este episódio
é considerado portanto como a maior contaminação coletiva da história da humanidade. Outro país bastante
afetado por problemas de excesso de arsênio nas águas naturais é a China (Sun et. al., 2000), onde estima-se
que uma população superior a dois milhões de pessoas esteja sofrendo de problemas relacionados a
arsenicose. Este quadro é agravado pela absorção complementar de arsênio na atmosfera, decorrente da
indiscriminada queima de carvão com altos teores deste elemento.
TECNOLOGIAS PARA A REMOÇÃO DE ARSÊNIO EM ÁGUAS DE ABASTECIMENTO
A maior parte das técnicas para remoção de arsênio em águas de abastecimento baseia-se na oxidação de
arsênio (III) a arsênio (V), com posterior eliminação do sedimento formado (Ahmed e Jahan, 2000). Em forma
resumida, são apresentadas a seguir as principais técnicas utilizadas: co-precipitação e adsorção, adição de cal,
uso de meios sortivos, troca iônica, utilização de membranas e remoção microbiológica.
Co-precipitação e adsorção: nesta técnica são utilizados coagulantes, tais como sulfato de alumínio
[Al2(SO4)3], cloreto férrico (FeCl3) ou sulfato férrico [Fe2(SO4)3]. Como o As (III) ocorre preferencialmente
na forma não ionizada, é necessário que se proceda inicialmente a um pré-tratamento por oxidação.
Adição de cal: a utilização de cal, seja como óxido ou na forma hidratada, permite que o hidróxido precipitado
atue como sorbente. A eficiência desta técnica situa-se no intervalo de 40 a 70 % de remoção de arsênio,
sendo mais eficiente em faixas mais elevadas de pH (10.6-11,4).
Adsorção por ferro: os precipitados de ferro, formados pela oxidação do ferro dissolvido na água, apresentam
uma forte afinidade para adsorção de arsênio.
Outros meios sortivos: como meios sortivos podem ser utilizados ainda a alumina ativada, o carvão ativado, a
bauxita ativada e óxidos de titânio e silício.
Troca iônica: trata-se de processo tradicionalmente utilizado para remoção de contaminantes.
Técnicas de membrana: uso de membranas de alta eficiência que promovem a retenção física do arsênio.
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Uso de microrganismos: podem ser utilizados microrganismos capazes de oxidar o arsênio em condições de
pH neutro, tais como as ferrobactérias, ou ainda a assimilação de arsênio por algas.
CONCLUSÕES
A principal conclusão a ser emanada do trabalho é a necessidade de uma maior disseminação das técnicas para
remoção de arsênio, algumas delas de extrema facilidade operacional, assim como sobre a conveniência do
monitoramento generalizado da presença deste elemento químico em mananciais de águas de abastecimento,
procedimento este que não tem sido rotineiramente adotado pelas companhias de saneamento.
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Guidelines 1999
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Bangladesh. Proceedings of the 26. WEDC Conference, Dhaka, p. 3940, 2000
SUN, G., YANG, H., YAP, K., LIU, P., DAÍ, G. e QIAN, G. The present situation of endemic arsenism in
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SUTHERLAND, D. e WOOLGAR, M. Household-level technologies for arsenic removal, Water 21, Dez.
2001, p. 31-32
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